• Nenhum resultado encontrado

Contribuições de Edith Penrose (1914-1996) à historiografia das empresas multinacionais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Contribuições de Edith Penrose (1914-1996) à historiografia das empresas multinacionais"

Copied!
23
0
0

Texto

(1)

contribuições de edith penrose

(1914-1996) à historiografia das

empresas multinacionais*

T a m á s S z m r e c s á n y i

Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da UNICAMP

RESUMO ABSTRACT

T e n d o traduzido para o p o r t u g u ê s o seu i m -portante livro The Theory of the Growth of the Firm, p u b l i c a d o pela primeira v e z em 1959, o c o r r e u - m e a idéia de fazer u m a revisão do c o n j u n t o da o b r a dessa e c o n o m i s t a , a fim de p r o c u r a r identificar e caracterizar suas interfaces c o m a historiografia e c o n ô m i c a e m geral e , mais p a r t i c u l a r m e n t e , c o m o c a m p o da história de empresas. A l é m de se mostrarem evidentes no referido livro, essas interfaces estão f o r m a l m e n t e configuradas em diversos trabalhos " m e n o r e s " da A u t o r a , tanto anteriores c o m o posteriores a o m e s m o . N o artigo aqui apresentado, tentou-se fazer u m b a l a n ç o d o s resultados desse levanta¬ m e n t o e das leituras efetuadas, c o m vistas a destacar as c o n t r i b u i ç õ e s teóricas, empíricas e m e t o d o l ó g i c a s de Edith Penrose ao desen¬ v o l v i m e n t o de nossas disciplinas.

Palavras-chave: historiografia — história de empresas — pensamento e c o n ô m i c o — e c o n o ¬ mia industrial — empresas multinacionais

D u r i n g m y translation t o P o r t u g u e s e o f the i m p o r t a n t b o o k b y Edith Penrose, The Theory of the Growth of the Firm, p u b l i s h e d g o t the first t i m e in 1959, I g o t the idea of revising her entire intellectual p r o d u c t i o n , in o r d e r to i d e n t i f y a n d c h a r a c t e r i z e its linkages w i t h e c o n o m i c h i s t o r i o g r a p h y i n general, and m o r e particularly w i t h the field o f business history. B e s i d e s the e v i d e n c e s s h o w n i n that b o o k , such i n t e r c o n n e c t i o n s can also b e d e t e c t e d i n s o m e " m i n o r " w o r k s o f the author, b o t h b e f o r e and after its p u b l i c a t i o n . In the p r e s e n t p a p e r an attempt has b e e n m a d e to s u r v e y all her m o s t relevant w r i t i n g s and to analyse their c o n t e n t s in o r d e r to assess the i m p o r t a n c e o f E d i t h Penrose's t h e o r e t i c a l , e m p i r i c a l a n d m e t h o d o l o g i c a l c o n t r i b u t i o n s t o the d e v e l o p m e n t o f o u r disciplines. K e y w o r d s : h i s t o r i o g r a p h y — b u s i n e s s h i s t o r y — e c o n o m i c t h o u g h t — industrial e c o n o m i c s — multinational enterprises * T r a b a l h o a p r e s e n t a d o n a área d e M e t o d o l o g i a , H i s t o r i o g r a f i a e P e n s a m e n t o E c o -n ô m i c o d o VII C o -n g r e s s o Brasileiro d e H i s t ó r i a E c o -n ô m i c a ( M H P ) , r e a l i z a d o e m A r a c a j u - S e r g i p e , n o m ê s d e s e t e m b r o d e 2 0 0 7 . S u b m e t i d o : o u t u b r o , 2 0 0 7 ; a c e i t o : abril, 2 0 0 8 .

(2)

Durante sua l o n g a e m o v i m e n t a d a trajetória intelectual, Edith Elu-ra T i l t o n Penrose t o r n o u - s e mundialmente c o n h e c i d a pela autoria de seu livro de 1959, The Theory of the Growth of the Firm, um dos estudos e c o n ô m i c o s mais originais e sugestivos do século X X , agora finalmen¬ te t a m b é m disponível em p o r t u g u ê s1. E m b o r a continue até h o j e a ser

lembrada e discutida p o r causa do referido trabalho2, a A u t o r a não teve

nele a sua única e, talvez, sequer a sua principal realização c o m o e c o ¬ nomista. A l é m dele, e n o m e s m o nível, p o d e m - s e mencionar, d e u m lado, suas análises do sistema internacional de patentes3 e, do outro, seus

escritos sobre a e c o n o m i a mundial do p e t r ó l e o4. T o d o s esses trabalhos

de sua lavra caracterizam-se simultaneamente p o r um acentuado rigor t e ó r i c o e u m a fina sintonia c o m a e v o l u ç ã o histórica dos problemas p o r ela examinados.

Nesta discussão de sua obra, iremos concentrar-nos na análise das incursões mais gerais de Edith Penrose no c a m p o da história de empre¬ sas, nela i n c l u i n d o os três capítulos intermediários de seu livro mais c o n h e c i d o5, seis artigos a ele referidos, que foram publicados nas d é c a

-1 P E N R O S E , E d i t h , A Teoria do Crescimento da Firma ( C a m p i n a s : E d i t o r a da U N I C A M P , 2 0 0 7 ) . A t é o m o m e n t o , a l é m das e d i ç õ e s e m i n g l ê s , d i s p u n h a - s e apenas d e u m a t r a d u ç ã o para o e s p a n h o l , p u b l i c a d a e m 1962 p e l a E d i t o r a A g u i l a r , d e M a d r i d . 2 V e j a m - s e , p o r e x e m p l o , o título geral e o c o n t e ú d o da m a i o r i a d o s ensaios c o n s t a n t e s

da c o l e t â n e a , o r g a n i z a d a em sua m e m ó r i a , p o r PITELIS, C h r i s t o s , The Growth of the Firm: the legacy of Edith Penrose ( O x f o r d : O x f o r d U n i v e r s i t y Press, 2 0 0 2 ) . S o u g r a t o a V i c t o r M . P . A l v a r e z p o r h a v e r - m e p r o p o r c i o n a d o o a c e s s o a este l i v r o . 3 Estas i n c l u e m n ã o apenas sua tese de d o u t o r a d o , intitulada The Economics of the

Inter-national Patent System, e p u b l i c a d a c o m o l i v r o e m 1951, p e l a J o h n s H o p k i n s U n i v e r s i t y Press, d e B a l t i m o r e ( E U A ) , m a s t a m b é m u m a r t i g o e m c o - a u t o r i a c o m seu o r i e n t a d o r , M A C H L U P , Fritz, " T h e p a t e n t c o n t r o v e r s i e s i n t h e n i n e t e e n t h c e n t u r y " , p u b l i c a d o u m a n o antes n o Journal o f Economic History ( v o l . X , n ° 1 , p p . 1-29), assim c o m o o u t r o , d e sua a u t o r i a i n d i v i d u a l , " I n t e r n a t i o n a l P a t e n t i n g a n d t h e Less D e v e l o p e d C o u n -tries", p u b l i c a d o e m s e t e m b r o d e 1973 n o Economic Journal ( p p . 7 6 8 - 7 8 6 ) . N a q u e l e m e s m o a n o , sua tese f o i reimpressa n o s E U A p e l a G r e e n w o o d Press e , e m 1974, saiu n o M é x i c o , p e l a e d i t o r a S i g l o X X I , a t r a d u ç ã o d a m e s m a para o e s p a n h o l c o m u m n o v o p r e f á c i o d a A u t o r a .

4 R e f i r o - m e t a n t o a seu l i v r o The Large International Firm in Developing Countries: the international petroleum industry. L o n d o n : G e o r g e A l l e n & U n w i n , 1968, c o m o à m a i o r i a d o s ensaios q u e i n t e g r a m sua c o l e t â n e a The Growth of Firms, Middle East Oil and Other Essays. L o n d o n : F r a n k Cass & C o . , 1971.

5 Trata-se d e " O s r e c u r s o s ' h e r d a d o s ' e o s r u m o s d a e x p a n s ã o " , " A s e c o n o m i a s d e t a m a n h o e a s e c o n o m i a s d e c r e s c i m e n t o " e " A s e c o n o m i a s d a d i v e r s i f i c a ç ã o " , ca¬ p í t u l o s V a V I I , às p á g i n a s 1 1 7 - 2 3 4 da o b r a citada a c i m a , na n o t a 1.

(3)

das de 1950 e 19606, e outros seis trabalhos mais recentes, de sua autoria,

que vieram à luz nos anos 1980 e 1990. D e i x a r e m o s de lado, aqui, tanto os seus estudos específicos sobre empresas petrolíferas, c o m o suas aná-lises de história e c o n ô m i c a do sistema de patentes. D e n t r o do possível, os textos escolhidos serão apresentados e avaliados na o r d e m c r o n o l ó ¬ gica de suas datas de publicação inicial, sempre p r o c u r a n d o inter-rela-cionar seus aspectos t e ó r i c o s e históricos, seguindo o p r i n c í p i o de que não é possível realizar estudos de história de empresas, ou de história e c o n ô m i c a , na qual ela se insere, sem recorrer a algum tipo de teoria, da mesma forma que não se p o d e m c o n c e b e r quaisquer teorias e c o n ô ¬ micas desprovidas de c o n d i ç õ e s históricas subjacentes.

Esta última consideração r e p õ e em seus devidos termos a (boa) crí-tica de W i l l i a m L a z o n i c k à obra de Edith Penrose, s e g u n d o a qual A Teoria do Crescimento da Firma, p o r ter sido c o n c e b i d a e elaborada m e i o século atrás, d e i x o u de ser aplicável ao capitalismo rentista ora vigente, tanto n a e c o n o m i a norte-americana c o m o e m b o a parte d o resto d o m u n d o7. Em função do transcurso do t e m p o e da mudança de c o n d i ç õ e s

históricas, era inevitável que isto ocorresse, tratando-se, na verdade, de uma característica inerente a todas as obras de e c o n o m i a e de ciências sociais, inclusive as mais clássicas. O que distingue estas últimas das de¬ mais é o fato de partes das mesmas c o n s e g u i r e m manter-se atuais e relevantes, apesar da incidência dos fatores que acabam de ser referidos. E isto, no que diz respeito ao citado livro da Autora, acabou sendo re¬ c o n h e c i d o e realçado p e l o p r ó p r i o Lazonick, no final de sua análise8.

Assim, nosso propósito, aqui, será não apenas o de identificar e ca¬ racterizar algumas das importantes c o n t r i b u i ç õ e s empíricas da Autora à historiografia de empresas, particularmente à das empresas

multina-6 Estes artigos, a s e r e m r e f e r i d o s i n d i v i d u a l m e n t e m a i s adiante, f o r a m r e p r o d u z i d o s na c o l e t â n e a m e n c i o n a d a a c i m a , na n o t a 4, às p p . 3 a 118.

7 C f . seu e n s a i o " T h e US industrial c o r p o r a t i o n a n d The Theory of the Growth of the Firm", c a p . 14, p p . 249-277, d o livro o r g a n i z a d o p o r P I T E L I S , C h r i s t o s , a c i m a r e f e r i d o n a n o t a 2.Veja-se t a m b é m a r e s p e i t o o a r t i g o d e L A Z O N I C K , " I n n o v a t i v e e n t e r p r i s e a n d h i s t o r i c a l t r a n s f o r m a t i o n " , Enterprise and Society, 3 (1), m a r ç o de 2002, p p . 3-47, p a r t i c u l a r m e n t e as p á g i n a s 16 a 28. C o n f o r m e m o s t r a r e m o s no final da p r e s e n t e discussão, essa i n v a l i d a ç ã o parcial d e suas idéias p o r m u d a n ç a s d e c o n d i ç õ e s d a rea¬ l i d a d e a c a b o u s e n d o r e c o n h e c i d a p e l a p r ó p r i a E d i t h P e n r o s e , n o s ú l t i m o s trabalhos q u e p u b l i c o u antes d e f a l e c e r .

(4)

cionais, mas t a m b é m o de procurar resgatar os elementos t e ó r i c o s e m e t o d o l ó g i c o s de suas análises, que ainda nos p a r e c e m válidos h o j e em dia e, portanto, passíveis de m u n i c i a r e m os pressupostos de estudos atuais e de futuras pesquisas. E, neste particular, nunca é demais reiterar que Edith Penrose m e r e c e ser incluída entre os pioneiros deste c a m p o de estudo. C o m o ela mesma assinalou, n u m verbete publicado em 1987, no New Palgrave, o aparecimento, a expansão e a multiplicação das em¬ presas multinacionais v ê m - s e dando desde a segunda metade do século XIX, mas a historiografia relativa a elas só c o m e ç o u realmente a tomar c o r p o a partir dos anos 19609. O c o r r e , p o r é m , que os primeiros trabalhos

dela a esse respeito já haviam surgido na década anterior.

Antes de c o m e ç a r a examiná-los mais de perto, c o n v é m assinalar que dois de seus artigos iniciais, aqui selecionados para análise, p o s s u e m um caráter mais geral, não se referindo apenas às empresas multinacionais, revestindo-se, p o r é m , de grande interesse para nossos fins. O mais anti¬ g o , que confere toda a primazia às abordagens e aos fatores de natureza histórica, faz uma crítica incisiva aos m o d e l o s e às analogias de c u n h o b i o l ó g i c o , utilizados e / o u apoiados p o r numerosos economistas e outros cientistas sociais, em suas discussões sobre o c o m p o r t a m e n t o e a evolu¬ ção das firmas1 0. O "principal p e r i g o " e n v o l v i d o em tais p r o c e d i m e n t o s

encontra-se, de a c o r d o c o m Edith Penrose, no fato de os problemas que se pretende explicar passarem a ser enquadrados numa perspectiva ana¬ lítica pela qual "questões significativas são c o m freqüência inadvertida-mente obscurecidas". D e v i d o a isto, as analogias b i o l ó g i c a s " c o n t r i b u e m p o u c o para esclarecer quer a teoria dos preços, quer a do crescimento e desenvolvimento das firmas, e de m o d o geral t e n d e m a confundir a natureza dos problemas (mais) importantes"1 1.

Estas críticas, s e g u n d o ela, aplicam-se tanto às teorias do " c i c l o de vida" das firmas, veiculadas p o r autores britânicos, c o m o Alfred Marshall (nos seus Princípios de Economia, de 1890), G. F. Shove ( e m 1930) e K e n -neth B o u l d i n g ( e m 1950), quanto às de " e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a " e de "se¬ l e ç ã o natural" aplicada a elas, inclusive em t e r m o s estatísticos, p o r

9 V e j a - s e a r e f e r ê n c i a c o m p l e t a d e s t e t e x t o m a i s adiante, na n o t a 45.

1 0 P E N R O S E , E d i t h , " B i o l o g i c a l A n a l o g i e s i n t h e T h e o r y o f t h e F i r m " , American Econo-mic Review, XLII (5), d e z . 1952:804-19; t e x t o r e p r o d u z i d o às p á g i n a s 3-29 da c o l e t â n e a r e f e r i d a a c i m a , na n o t a 4, e da q u a l f o r a m extraídas as c i t a ç õ e s feitas a seguir. 1 1 I b i d e m , p . 4 .

(5)

economistas norte-americanos d o século x x , c o m o A r m e n Alchian e Stephen Enke. Tais tentativas, para Edith Penrose, são difíceis de enten¬ der, na medida em que elas mais aumentam do que r e d u z e m os proble¬ mas de nossa c o m p r e e n s ã o das instituições sociais. A l é m disto, c o m o ela diz textualmente,

As informações que possuímos sobre o comportamento das firmas, por poucas que sejam, fornecem-nos algumas explicações plausíveis do que elas tentam fazer e por quê. As explicações de cunho biológico reduzem, quando não destroem, o valor de tais informações, e nada deixam no lugar delas.

Tratar o crescimento das firmas c o m o desdobramento da natureza gené¬ tica das mesmas constitui um autêntico obscurantismo. Encarar as inovações c o m o mutações aleatórias não apenas obscurece o significado delas, c o m o praticamente as deixa inexplicadas, enquanto que encará-las diretamente c o m o deliberadas tentativas de pessoas para fazer alguma coisa é algo que as torna muito mais inteligíveis12.

Trata-se, a m e u ver, de considerações extremamente relevantes na conjuntura teórica em que ora nos encontramos, entre cujas idéias mais "avançadas" figuram as das teorias evolucionárias dos chamados e c o n o ¬ mistas n e o - s c h u m p e t e r i a n o s1 3.

O s e g u n d o artigo p o r m i m s e l e c i o n a d o1 4 vincula-se diretamente a

uma das teses centrais de A Teoria do Crescimento da Firma, s e g u n d o a qual não há limites ao tamanho e à expansão das empresas através do t e m p o , mas apenas ao seu r i t m o do crescimento, n u m d a d o m o m e n t o . Esta tese apóiase no pressuposto de q u e as firmas não se t o r n a m m e -nos eficientes à m e d i d a que v ã o c r e s c e n d o (inclusive p o r q u e o seu crescimento é fruto da sua eficiência), n e g a n d o , portanto, a "teoria" dos rendimentos decrescentes à escala, tão cara à maioria d o s economistas neoclássicos. Já neste artigo, c o m o freqüentemente no livro, Edith Penrose faz questão de salientar que sua teoria se aplica exclusivamente

1 2 I b i d e m , p . 1 4 .

1 3 V e j a m s e , p o r e x e m p l o , nesse particular, os c a p í t u l o s 2 e 6 d o influente l i v r o d e N E L -S O N , R i c h a r d e W I N T E R , -S i d n e y (agora t a m b é m d i s p o n í v e l e m p o r t u g u ê s ) , Uma Teoria Evolucionária da Mudança Econômica. C a m p i n a s : E d i t o r a d a U N I C A M P , 2 0 0 5 . 1 4 P E N R O S E , E d i t h , " L i m i t s t o the size a n d g r o w t h o f firms", American Economic Review,

X L V ( 2 ) , m a i o 1 9 5 5 : 5 3 1 5 4 3 ; t e x t o r e p r o d u z i d o às p á g i n a s 3 0 a 4 2 d a c o l e t â n e a r e -f e r i d a n o -f i n a l d a n o t a 4 , a c i m a .

(6)

a determinados tipos de empresas produtivas (e não às comerciais n e m às financeiras), organizadas sob a forma de sociedades anônimas ( o u de responsabilidade limitada), existentes nos EUA e em outras e c o n o m i a s mais industrializadas, desde a segunda metade do século X I X .

O crescimento dessas empresas tem-se dado p o r fatores internos e externos a elas, e de f o r m a planejada, através da acumulação de recur¬ sos h u m a n o s e materiais e dos serviços que eles são capazes de prestar às firmas em que se inserem. Essa perspectiva de análise, que vê as fir¬ mas c o m o organizações administrativas possuidoras de suas próprias histórias e dotadas de c o n h e c i m e n t o s e aptidões para inovar e diversi¬ ficar-se, me parece extremamente adequada ao exame e à interpretação do surgimento e da expansão das empresas multinacionais, para as quais p o d e m o s finalmente voltar nossas vistas, a partir do terceiro artigo aqui selecionado, que girou em t o r n o do caso de u m a subsidiária da Gene¬ ral M o t o r s , na Austrália, que, a partir de um p e q u e n o investimento direto inicial e de sucessivos reinvestimentos d o s lucros que o b t e v e naquele país, ostentou, em 1993/54, um l u c r o l í q u i d o (já descontados os i m p o s t o s respectivos) de 9,8 m i l h õ e s de libras australianas, equiva-lentes a 560% do seu capital inicial (o valor do investimento da matriz dos EUA que c r i o u a subsidiária), a 39% do valor total l í q u i d o das ações envolvidas, a 24% do total dos capitais investidos ( i n c l u i n d o os reinves-timentos) e a 14% do valor das vendas ( n o e x e r c í c i o )1 5. Deste total,

foram extraídos d i v i d e n d o s de mais de 4,5 m i l h õ e s de libras, equiva¬ lentes a 260% do capital inicial, a 18% do valor total das ações envolvi¬ das e a 11% dos capitais investidos. A remessa desses d i v i d e n d o s para os EUA, o n d e se localizavam t o d o s os acionistas da matriz (única proprie¬ tária da subsidiária) foi equivalente a 8% do valor total das e x p o r t a ç õ e s australianas em 1954/55.

A l é m de explicar c o m o e p o r que isto se deu, Edith Penrose procu¬ rou, nesse artigo, discutir as implicações dessa modalidade de investi¬ m e n t o s para as políticas e c o n ô m i c a s dos países em desenvolvimento, um tema que seria r e t o m a d o e sintetizado p o r ela através de três ensaios

1 5 I d e m , " F o r e i g n I n v e s t m e n t a n d t h e G r o w t h o f t h e F i r m " , Economic Journal, v o l . L X V I , j u n . 1 9 5 6 : 2 2 0 - 3 5 ; t e x t o r e p r o d u z i d o às p á g i n a s 6 4 e 8 1 d a m e s m a c o l e t â n e a , d a q u a l f o r a m extraídas a s referências das n o t a s 1 7 , 2 0 e 2 1 , a seguir.

(7)

publicados nas décadas de 1960 e 19701 6. C o n t u d o , o que mais nos in¬

teressa aqui é observar c o m o a Autora trata o seu estudo de caso e quais as generalizações a que chega a partir dele. Nesta perspectiva, ela mostra que a subsidiária da General M o t o r s na Austrália não se limitou a esta¬ b e l e c e r e fazer funcionar u m a fábrica de a u t o m ó v e i s naquele país, c o n t r i b u i n d o para a substituição das i m p o r t a ç õ e s desse p r o d u t o , mas foi diversificando as suas atividades, ingressando em outros ramos industriais, c o m o a fabricação de e l e t r o d o m é s t i c o s , através do reinves-t i m e n reinves-t o de seus lucros rereinves-tidos (isreinves-to é, n ã o os disreinves-tribuídos enreinves-tre seus acionistas).

Essa empresa p ô d e fazê-lo não apenas p o r dispor dos recursos finan¬ ceiros necessários para tanto e pela existência de c o n d i ç õ e s favoráveis nos mercados australianos para a realização de tais investimentos, mas t a m b é m , e principalmente, através do aproveitamento de recursos tec¬ n o l ó g i c o s e administrativos acumulados pela sua matriz nos E U A1 7.

Trata-se de uma constatação que nos remete aos capítulos VII e VIII de A Teoria do Crescimento da Firma, nos quais Edith Penrose faz u m a sucin¬ ta e sugestiva análise pioneira dos fatores que levaram ao surgimento, à expansão e à diversificação da General M o t o r s na e c o n o m i a n o r t e -americana1 8. Esses processos t a m b é m se deram da mesma forma em

outras grandes empresas industriais dos EUA, todas oligopolistas em seus respectivos mercados, para as quais o estabelecimento de filiais e / o u

1 6 O p r i m e i r o d e l e s , a o q u a l n ã o tive a c e s s o , f o i o a r t i g o " S o m e p r o b l e m s o f p o l i c y t o w a r d s d i r e c t p r i v a t e f o r e i g n i n v e s t m e n t i n d e v e l o p i n g c o u n t r i e s " , p u b l i c a d o e m 1 9 6 2 : 1 2 1 - 3 9 n o s Middle East Economic Papers, d a A m e r i c a n U n i v e r s i t y d e B e i r u t e ( L í b a n o ) . O s e g u n d o , c o m o t í t u l o d e " I n t e r n a t i o n a l E c o n o m i c R e l a t i o n s a n d t h e L a r g e I n t e r n a t i o n a l F i r m " , o ú n i c o a ser c o m e n t a d o a q u i , saiu p u b l i c a d o p e l a p r i m e i r a v e z e m 1 9 6 9 , n u m livro o r g a n i z a d o p o r P E N R O S E , E . F . (seu m a r i d o ) e LYONS, P., i n t i t u l a d o New Orientations: Essays in International Relations. L o n d o n : Frank Cass & C o . , e s e a c h a r e p r o d u z i d o à s p p . 9 1 a 1 1 8 d a c o l e t â n e a m e n c i o n a d a a o f i n a l d a n o t a 4 , a c i m a . J á o t e r c e i r o , q u e t a m b é m c o n s t a d a m e s m a c o l e t â n e a , à s p á g i n a s 1 1 9 - 3 5 , se d e s t i n o u i n i c i a l m e n t e a u m l i v r o o r g a n i z a d o p o r DUNNING, J o h n , The Multinational Enterprise. L o n d o n : A l l e n & U n w i n , 1 9 7 1 .

1 7 P E N R O S E , E d i t h , " F o r e i g n I n v e s t m e n t a n d t h e G r o w t h o f t h e F i r m " , o p . c i t . ,

p p . 6 9 - 7 0 .

1 8 V e j a m - s e a s p p . 1 9 0 a 1 9 5 , 2 6 4 , e 2 8 5 a 2 8 8 d a e d i ç ã o brasileira. U m a análise m a i s a b r a n g e n t e e m a i s sistemática d o s m e s m o s p r o c e s s o s f o i apresentada p o u c o s a n o s mais tarde, no c a p i t u l o 3 do f a m o s o l i v r o de CHANDLER JR, A. D., Strategy and Structure: chapters in the history of the American industrial enterprise. C a m b r i d g e , M a s s . : MIT Press, 1 9 6 2 : 1 1 4 - 1 6 2 , n a 1 5A i m p r e s s ã o , d e 1 9 8 7 .

(8)

subsidiárias no exterior acabou sendo u m a d e c o r r ê n c i a e um desdobra-m e n t o naturais dos seus processos de crescidesdobra-mento e diversificação. E isto fez c o m que esses investimentos diretos no exterior não se dessem p o r razões m u i t o diferentes do estabelecimento de sucursais e unidades produtivas correlatas dentro do p r ó p r i o país, m o t i v o p e l o qual, pratica-mente até os últimos anos da sua vida, Edith Penrose sempre se recusou a considerar as empresas multinacionais c o m o um caso à parte, c o m o entidades carentes de uma teorização específica1 9.

Nesse artigo e na maioria dos seus demais trabalhos, ela só reconhe¬ c e u a existência de diferenças quanto à nacionalidade das firmas multi¬ nacionais c o m investimentos diretos no exterior. Enquanto as empresas norte-americanas t ê m preferido instalar filiais e subsidiárias de sua in¬ teira propriedade, as britânicas e de outros países europeus não recusam associar-se a firmas e a capitais locais dos países em que instalam suas novas unidades produtivas. Por outro lado, Edith Penrose sempre pro¬ c u r o u diferenciar os investimentos produtivos, efetuados p o r empresas industriais, das simples aplicações financeiras de capitais, c o m vistas a obter uma remuneração c o n v e n c i o n a l , e m termos d e juros e / o u bene¬ fícios extraordinários de natureza especulativa.

Já no seu artigo de 1956, ela indicava, de um lado, que b o a parte dos investimentos produtivos se dava sob a forma da transferência de recur¬ sos técnicos e administrativos, mais do que de dinheiro, e, do outro, que tanto uns c o m o os outros sempre tendiam a ser p e q u e n o s inicialmente, configurando uma intenção exploratória das oportunidades existentes, e só mais tarde v i n d o a traduzir-se no estabelecimento de equipamen¬ tos e instalações de caráter p r o d u t i v o2 0. Mas, uma v e z completada essa

fase, a expansão das subsidiárias (basicamente através do reinvestimento de lucros obtidos no p r ó p r i o local) p o d e r i a vir a ser m u i t o rápida, c o m o o c o r r e u no caso da General M o t o r s , na Austrália. Graças ao respaldo t e c n o l ó g i c o , administrativo e m e r c a d o l ó g i c o ( n o caso do f o r n e c i m e n t o e x t e r n o de insumos escassos no local e / o u de a p o i o a eventuais expor¬ tações de parte da p r o d u ç ã o ) , além do financeiro (quando necessário),

1 9 A c r e d i t o q u e t a m b é m C h a n d l e r m a n t e v e esse m e s m o p o n t o d e vista, c o n f o r m e s e p o d e v e r n o s c a p í t u l o s 1 e 2 de seu ú l t i m o t r a b a l h o m a i s geral, Scale and Scope: the dynamics of industrial capitalism. CHANDLER JR, A. D., C a m b r i d g e , M a s s : H a r v a r d U n i v e r s i t y Press, 1990.

(9)

p o r parte de suas matrizes, as subsidiárias de empresas multinacionais d i s p õ e m de c o n d i ç õ e s melhores do que as firmas locais para seu cres-c i m e n t o e sua diversificres-cação.

E m b o r a isto possa indubitavelmente favorecer o desenvolvimento dos países que r e c e b e m os investimentos de tais empresas, os frutos dessa expansão não lhes p e r t e n c e m e só p o d e m ser parcialmente apro¬ priados p o r eles p o r via tributária. A l é m disto, tais investimentos t ê m um custo m a c r o e c o n ô m i c o , real ou potencial, representado pelos divi¬ d e n d o s e p o r outros pagamentos (juros e royalties) remetidos ao e x t e -r i o -r2 1. E há t a m b é m custos sociais e políticos, vinculados, de um lado,

à crescente o l i g o p o l i z a ç ã o , e até a m o n o p o l i z a ç ã o , dos mercados locais, ensejada pela presença e pela d o m i n a ç ã o das empresas multinacionais em cada país e, do outro, à progressiva subordinação das políticas nacio¬ nais de desenvolvimento aos interesses dessas empresas. Mas esta última tendência nunca chega a completar-se inteiramente, a p o n t o de impli¬ car o desaparecimento dos Estados nacionais e a substituição dos gover¬ nos pelas empresas multinacionais na formulação e na implementação das referidas políticas2 2.

O quarto artigo aqui selecionado t a m b é m envolveu o estudo de caso de uma grande empresa industrial que, no seu d e v i d o t e m p o , se trans¬ f o r m o u n u m a firma multinacional. Mais abrangente e mais sistemático do que o anterior, ele t e m a vantagem de haver sido um autêntico tra¬ balho de história de empresas, publicado em 1960, n u m a c o n h e c i d a revista desse r a m o da historiografia e c o n ô m i c a2 3. Premiado c o m o o

m e l h o r artigo publicado no ano p o r aquele p e r i ó d i c o , esse trabalho, baseado em pesquisa de c a m p o da Autora, nos arquivos e j u n t o à direção de uma grande empresa industrial de produtos q u í m i c o s , fora inicial¬ mente elaborado c o m o capítulo para A Teoria do Crescimento da Firma, deixando, p o r é m , de fazer parte do livro " p o r falta de e s p a ç o " . Trata-se, portanto, de um estudo a ser l i d o em c o n j u n t o c o m esse livro, c o m o

2 1 I b i d e m , p . 76.

2 2 Essa p o s s i b i l i d a d e é p e r e m p t o r i a m e n t e n e g a d a p e l a A u t o r a n o ú l t i m o t r a b a l h o m e n c i o n a d o a c i m a , n a n o t a 16.

2 3 P E N R O S E , E d i t h , " T h e G r o w t h o f t h e F i r m , a case s t u d y o f t h e H e r c u l e s P o w d e r C o m p a n y " , Business History Review, XXXIV (1), S p r i n g 1960:1-23; t e x t o r e p r o d u z i d o às p á g i n a s 43 a 63 da c o l e t â n e a m e n c i o n a d a a c i m a , ao final da n o t a 4, e da q u a l f o r a m extraídas as referências das n o t a s 26, 27, 28, 29 e 30, a seguir.

(10)

m e i o de c o m p r o v a ç ã o empírica das idéias teóricas aí apresentadas p o r Edith Penrose.

A empresa em questão, que c o n t i n u a existindo até h o j e2 4, era a

H e r c u l e s P o w d e r C o m p a n y , criada e m 1912 mediante seu desmem¬ b r a m e n t o da Du Pont, p o r decisão judicial baseada na legislação an-titruste dos E U A2 5. Edith Penrose inicia esse artigo c o m uma p r o p o s i ç ã o

central de A Teoria do Crescimento da Firma, assinalando q u e o proces¬ so em pauta é fundamentalmente o r i e n t a d o p o r " u m a interação criati¬ va e dinâmica d o s recursos produtivos da firma c o m as suas o p o r t u n i -dades de m e r c a d o " . S e g u n d o ela, são os primeiros - principalmente os de caráter t e c n o l ó g i c o , empresarial e administrativo - que tanto limitam c o m o d e t e r m i n a m a expansão e diversificação da empresa através do t e m p o " . "A demanda de um p r o d u t o - diz a A u t o r a - p o d e exercer u m a influência p r e d o m i n a n t e a c u r t o prazo, mas, a prazos mais l o n g o s , qualquer distinção entre determinantes d o s lados da oferta e da procura torna-se arbitraria"2 6. A historia da H e r c u l e s - acrescenta

ela

-(...) ilustra a natureza e o significado das áreas de especialização de uma firma, das suas bases tecnológicas e de mercado, assim c o m o as dificuldades que ela encontra ao tentar mover-se para outras bases acentuadamente diversas das anteriores2 7.

Durante os quarenta e p o u c o s anos de sua existência a u t ô n o m a em relação à Du Pont, a referida empresa não cessou de crescer e diversifi¬ car-se, de forma lenta, p o r é m segura, em resposta às suas oportunidades externas "e a um desenvolvimento interno baseado em seus próprios

2 4 V e j a - s e a r e s p e i t o o e n s a i o d e K A Y , N e i l , " H e r c u l e s a n d P e n r o s e " , c a p í t u l o 6 , 2 0 0 2 : 8 1 - 1 0 0 d o l i v r o s o b r e E d i t h P e n r o s e o r g a n i z a d o p o r P I T E L I S , C h r i s t o s , m e n c i o n a d o a c i m a , n a n o t a 2 . 2 5 Tal c o m o a D u P o n t , a H e r c u l e s f o i i n i c i a l m e n t e u m a e m p r e s a f a b r i c a n t e d e ex¬ p l o s i v o s . C u m p r e destacar a q u i m a i s esta c o n v e r g ê n c i a e m p í r i c a e t e ó r i c a e n t r e o s p r i m e i r o s trabalhos d e E d i t h P e n r o s e e A l f r e d C h a n d l e r , c u j o p r i m e i r o c a p i t u l o d o l i v r o Strategy and Structure ( P E N R O S E , E d i t h e C H A N D L E R , A l f r e d ) , r e f e r i d o a c i m a , n a n o t a 1 8 , d i z r e s p e i t o à D u P o n t .

26 P E N R O S E , E d i t h , " T h e G r o w t h o f t h e F i r m , a case s t u d y " , o p . c i t . , p . 4 3 . 2 7 I b i d e m , p . 4 5 .

(11)

recursos financeiros - ou seja, no reinvestimento de lucros não distri¬ b u í d o s c o m o d i v i d e n d o s " . Nesse p e r í o d o , ela fez poucas e pequenas aquisições de outras empresas, c o m o seu crescimento tendo-se proces¬ sado fundamentalmente através da i n c o r p o r a ç ã o de novas linhas de produtos intermediários no âmbito da química orgânica (insumos e matérias-primas para a fabricação de fertilizantes, pesticidas, tintas, ver¬ nizes e outros produtos celulósicos e p e t r o q u í m i c o s )2 8.

Essa expansão não se deu na mesma direção que a da empresa da qual ela se o r i g i n o u , t e n d o sido poucas as áreas em que ambas passaram efetivamente a c o m p e t i r entre si. Por volta de 1956, a Hercules tinha cerca de 11,4 mil empregados, distribuídos p o r 22 fábricas de sua p r o -priedade, nos EUA, cujos ativos m o n t a v a m a quase US$170 milhões ( e m valores da é p o c a ) , fazendo c o m que a firma ocupasse, em 1957, o 165° lugar entre as maiores empresas norte-americanas, classificadas anual¬ mente pela revista Fortune. Nessa mesma é p o c a , ela t a m b é m era pro¬ prietária de três subsidiárias fora dos EUA e dispunha de mais 6 mil empregados, trabalhando sob a sua supervisão, em arsenais do Departa¬ m e n t o de Defesa daquele pais2 9.

C o n t u d o , o mais importante desse relato talvez seja a constatação da Autora de que a maior parte do crescimento e da diversificação da empresa se deu através e p o r força das pesquisas tecnológicas, realizadas dentro dela p e l o pessoal t é c n i c o de seus p r ó p r i o s laboratórios3 0. E isto

é algo que parece indicar cabalmente que, para p o d e r enfrentar a con¬ corrência e a expansão das empresas multinacionais, não basta que os g o v e r n o s dos diversos países em desenvolvimento f o r m u l e m e p o n h a m em prática políticas protecionistas do tipo da reserva de mercados, sen¬ do necessário t a m b é m , e acima de tudo, que as empresas locais, interes¬ sadas nos mercados de tais países, invistam recursos em pesquisa e d e

-2 8 I b i d e m , p p . 45-46.

2 9 I b i d e m , p . 63, n o t a 3 . C o n f o r m e i n f o r m a N e i l K a y à s p á g i n a s 9 0 e 9 6 d o seu trabalho r e f e r i d o a c i m a , n a n o t a 25, a H e r c u l e s ostentava, n o f i n a l d a d é c a d a d e 1990, u m v a l o r d e v e n d a s anuais s u p e r i o r a US$1,9 b i l h ã o , m a i s d a m e t a d e d o q u a l era r e a l i z a d o f o r a d o s E U A , nas suas d e z e n a s d e fábricas e m o u t r o s países, l o c a l i z a d o s p r i n c i p a l m e n t e n a E u r o p a .

(12)

senvolvimento e passem a dedicar-se a elas, tal c o m o fizeram as do Japão e, mais recentemente, as da C o r é i a3 1.

As grandes empresas multinacionais desses dois países fazem parte, j u n t o c o m as dos EUA e as de outros países altamente desenvolvidos, do

rol das mais importantes organizações internacionais de nossa é p o c a . Sua magnitude e relevância foram avaliadas p o r Edith Penrose em dois trabalhos subseqüentes, publicados no final da década de 19603 2. Ela

c o m e ç a realçando, no primeiro, que, apesar do fato de estarem presentes em numerosos países, às vezes até no m u n d o t o d o , cada u m a delas, c o m raras e x c e ç õ e s , possui uma nacionalidade individual, estando, portanto, legalmente subordinadas à jurisdição dos g o v e r n o s de seus respectivos países de o r i g e m . Elas d e v e m , além disso, p e l o m e n o s formalmente, submeter-se de igual m o d o aos g o v e r n o s dos diversos países em que atuam p o r m e i o de suas filiais e subsidiárias3 3.

Essa atuação envolve quatro questões c o m p l e x a s e de difícil equa-c i o n a m e n t o : I. a dos preços estabeleequa-cidos para as transações intrafirmas (das subsidiárias entre si e destas c o m sua matriz), que c o n f i g u r a m ao m e s m o t e m p o transações internacionais e, portanto, i n c i d e m sobre os balanços de pagamentos e as estruturas fiscais dos países entre os quais elas o c o r r e m ; II. o fato de as empresas multinacionais terem acesso a tecnologias mais avançadas e a e c o n o m i a s de escala, que, geralmente, não estão disponíveis para as empresas locais dos países em que elas se instalam; III. a questão de as vantagens de que d i s p õ e m p o d e r e m am¬ pliar-se p o r m e i o do reinvestimento de lucros não-repatriados; e IV. a questão das pressões daí resultantes, para que as empresas multinacionais, que ainda não o fizeram, passem a associar-se a grupos e c o n ô m i c o s

3 1 V e j a m - s e , a r e s p e i t o das trajetórias das e m p r e s a s m u l t i n a c i o n a i s desses países, o s livros de MORRIS-SUZUKI,Tessa, The Technological Transformation of Japan,from the seventeenth to the twenty-first century. C a m b r i d g e : C a m b r i d g e U n i v e r s i t y Press, 1994, e de KIM, L i n s u , Da Imitação à Inovação: a dinâmica do aprendizado tecnológico da Coréia. C a m p i n a s : E d i t o r a d a U N I C A M P , 2005.

Trata-se d o a r t i g o " P r o b l e m s a s s o c i a t e d w i t h t h e g r o w t h o f i n t e r n a t i o n a l f i r m s " , p u b l i c a d o em 1968, no p e r i ó d i c o h o l a n d ê s Tijschrift voor Vennootschrappen. Vereiniginen en Stichlingen, II (9) 219-26; r e p r o d u c i d o às p p . 82 a 90 da c o l e t â n e a m e n c i o n a d a a c i m a , n o f i n a l d a n o t a 4 ; e d o j á m e n c i o n a d o c a p í t u l o " I n t e r n a t i o n a l E c o n o m i c R e l a t i o n s a n d t h e L a r g e I n t e r n a t i o n a l F i r m " , d o l i v r o r e f e r i d o n a n o t a 1 6 e r e p r o d u z i d o à s p p . 91-118 d a m e s m a c o l e t â n e a . 33 PENROSE, E d i t h , " P r o b l e m s a s s o c i a t e d w i t h t h e g r o w t h o f i n t e r n a t i o n a l firms", o p . c i t . , p p . 8 2 - 8 3 .

(13)

locais e t o r n e m suas administrações abertas a pessoas nascidas nos países e m que atuam.

A p ó s ter discutido em detalhe cada um desses problemas, a Autora assinalou que não dispunha de soluções para resolvê-los, mas que a falta de soluções para eles p o d e r i a vir a c o m p r o m e t e r a futura aceita¬ bilidade das empresas multinacionais nos países em desenvolvimento, o u , então, a transformá-las, nesses países, em simples companhias de investimentos internacionais, vigiadas de perto pelos g o v e r n o s l o c a i s3 4

e, talvez, cada v e z m e n o s propensas a para eles transferirem suas novas tecnologias. Este ú l t i m o a d e n d o é de minha autoria pessoal e provavel¬ mente constitui um anacronismo, desvinculado, seja das c o n d i ç õ e s vi¬ gentes no m u n d o naquela é p o c a (década de 1960), seja do pensamento de Edith Penrose a esse respeito, o qual, obviamente, só p o d e ser resga¬ tado através dos escritos de sua autoria. Por esse m o t i v o , nada m e l h o r do que voltarmos agora nossas vistas para seu texto de 1969, no qual ela encarava as grandes firmas nacionais e internacionais não c o m o simples empresas, mas c o m o "redes c o m freqüência extremamente intrincadas" de diversas sociedades anônimas e / o u de responsabilidade limitada, " c o m direções e propriedades intensamente interligadas", via de regra, c o o r ¬ denadas p o r uma empresa holding ( o u controladora), detentora da maio¬ ria das ações de todas as companhias subsidiárias que, j u n t o c o m ela, integram cada uma dessas firmas3 5.

A administração de tais c o n j u n t o s é realizada p o r m e i o de c o n s e l h o s e c o m i t ê s , nos quais os dirigentes das diversas empresas subsidiárias t ê m assento ou estão representados, enquanto a propriedade das mesmas se acha repartida entre seus acionistas, que p o d e m ser pessoas físicas, ou¬ tras empresas, investidores institucionais, ou até entidades governamen¬ tais, cujas influências individuais nos assuntos administrativos t e n d e m a ser, no geral, bastante restritas, m u i t o e m b o r a alguns administradores possam t a m b é m ser acionistas e apesar de alguns grandes investidores institucionais, c o m o os b a n c o s , p o d e r e m , às vezes, exercer u m a ampla interferência3 6.

34 I b i d e m , p p . 8 9 - 9 0 .

3 5 I d e m , " I n t e r n a t i o n a l E c o n o m i c R e l a t i o n s a n d t h e Large International F i r m " , o p . cit.,

p p . 9 1 - 9 2 .

(14)

As grandes firmas internacionais são entidades e c o n o m i c a m e n t e poderosas, m e s m o q u a n d o não desfrutam de p o s i ç õ e s monopolísticas nos mercados em que atuam. Isto se dá p o r q u e elas: (a) c o n t r o l a m gran-des v o l u m e s de recursos h u m a n o s e materiais; (b) atuam em amplos e numerosos mercados, p o r elas influenciados de diversas maneiras; e (c) m o b i l i z a m e gastam grandes somas de dinheiro, p o r serem grandes compradoras e grandes empregadoras. Estas c o n d i ç õ e s lhes p r o p o r c i o n a m uma significativa influência no uso dos recursos, na distribuição dos bens e serviços, nos preços c o b r a d o s p o r esses produtos, nos gastos dos c o n ¬ sumidores, no desenvolvimento de novas tecnologias e na repartição da renda de muitas e c o n o m i a s nacionais. Sua expansão p e l o m u n d o afora se dá p o r m e i o de investimentos diretos na instalação ou na aquisição de unidades produtivas nos diversos países3 7, os quais, de um lado, passam

a desenvolver-se mais rapidamente, mas, de outro, se t o r n a m tributários dessas firmas e, indiretamente, dos g o v e r n o s de seus países de o r i g e m .

Trata-se de situações capazes de afetar não apenas as relações inter¬ nacionais, mas t a m b é m o p r ó p r i o desenvolvimento, a m é d i o e l o n g o prazo, dos países receptores de tais investimentos e, às vezes, até de terceiros países, principalmente nos casos (freqüentes) de conflitos de i n -teresses, c o m o , p o r e x e m p l o , os que t ê m o p o s t o C u b a e os EUA desde o final da década de 19503 8. Na verdade, tanto as grandes firmas inter¬

nacionais procuram, sempre que p o d e m , apoiar-se nos g o v e r n o s de seus países de o r i g e m , c o m o estes c o s t u m a m manobrar as condutas das mes¬ mas, c o m vistas a atenderem a seus próprios interesses e objetivos, p o r e x e m p l o , no que se refere à situação de seus balanços de p a g a m e n t o s3 9.

Já nos países receptores dos investimentos das firmas multinacionais e das pressões de g o v e r n o s dos seus países de o r i g e m , os g o v e r n o s locais muitas vezes resistem a tomar medidas contra elas, p o r q u e os críticos da sua atuação freqüentemente d e s c o n h e c e m quer os benefícios que elas trazem à e c o n o m i a local, quer os custos a serem incorridos p o r quaisquer enfrentamentos e ataques aos interesses dessas c o m p a n h i a s4 0. Por tais

m o t i v o s , não parece haver nada de irracional p o r parte de alguns países

3 7 I b i d e m , p p . 93-94. 3 8 I b i d e m , p p . 95-96 e 114. 3 9 I b i d e m , p p . 99-100. 4 0 I b i d e m , p . 101.

(15)

que preferem continuar a gerir seus próprios n e g ó c i o s , sem interferência das firmas multinacionais, e que, para se v e r e m livres delas, e x i g e m a concessão de benefícios extraordinários, em troca da autorização de suas presenças4 1.

Edith Penrose c o n t i n u o u a referir-se às empresas multinacionais em seus trabalhos da década de 1980. O primeiro deles, publicado em 1985, fora apresentado no ano anterior, na c o m e m o r a ç ã o do 25° aniversario do lançamento de A Teoria do Crescimento da Firma, ocasião em que ela foi h o m e n a g e a d a pela Universidade de Uppsala, na Suécia, que lhe conferiu um d o u t o r a d o honoris causa42.

L i m i t a m o - n o s , agora, a fazer uma breve referência, ao final desse trabalho, relativa ao tema de nosso interesse, visto que o texto, c o m o um t o d o , p o u c o divulgado na é p o c a , acabou constituindo a base e uma primeira versão do seu prefácio à terceira edição (de 1995) daquele livro, sobre o qual iremos falar daqui a p o u c o . E, c o m o procuramos mostrar na ocasião, foi justamente a seu respeito que o pensamento da Autora se m o d i f i c o u no final de sua vida.

Nessa parte final, ela a p o n t o u para o grande aumento havido no n ú m e r o de trabalhos sobre tais empresas desde a década de 1950, quan-do publicara seu artigo "Foreign Investment and the G r o w t h of the F i r m " (1956), que c o m e n t a m o s há p o u c o . A proliferação dessa literatu¬ ra o c o r r e u , segundo ela, numa velocidade m u i t o maior que a do "de¬ senvolvimento de novas idéias, p e r c e p ç õ e s e c o m p r e e n s õ e s analíticas" d o f e n ô m e n o . E , apesar d e ter havido u m b o m n ú m e r o d e contribuições relevantes, Edith Penrose taxativamente descartou a necessidade de "uma teoria especial para explicar os investimentos privados diretos no exte¬ rior em sua forma m o d e r n a "4 3. Estes, para ela, constituíam apenas uma

das modalidades de expansão das grandes firmas de nossa é p o c a , sendo tão somente necessário apor-lhes

(... ) alguns pressupostos empíricos subsidiários para a análise das oportu¬ nidades de funcionamento lucrativo das firmas estrangeiras que não estejam

4 1 I b i d e m , p . 104.

4 2 I d e m , "The Theory of the Growth of the Firm t w e n t y - f i v e years later", Uppsala Lectures in Business I. U p p s a l a : Acta Universitatis Upsaliensis: Studia Economiae Negotiorum 20, 1985:1-16.

(16)

disponíveis para as firmas locais, i n c l u i n d o os vários tipos de barreiras ao acesso b e m - s u c e d i d o das diversas maneiras pelas quais as empresas multina¬ cionais c o n s e g u e m p e r c e b e r seus mais lucrativos m o d o s d e f u n c i o n a m e n t o d e n t r o de suas estratégias, estruturas, recursos, e t c .4 4.

Estes m e s m o s p o n t o s de vista foram reafirmados de maneira mais sistemática n u m verbete sobre "empresas multinacionais", que Edith Penrose elaborou para a e d i ç ã o de 1 9 8 7 do New Palgrave45. Fazendo um

retrospecto histórico da f o r m a ç ã o das idéias e c o n ô m i c a s sobre os inves-timentos privados diretos no exterior e sobre as empresas que os fazem, ela assinala que se deveu à tese de d o u t o r a d o , defendida em 1 9 6 0 , p o r Stephen H y m e r4 6, o primeiro desafio formal e frontal às "teorias" c o n ¬

vencionais relativas a esses assuntos, ao enfatizar que os primeiros repre¬ sentam m u i t o mais do que simples fluxos financeiros à procura de m e l h o r remuneração, e que as segundas, p o r serem produtivas, não visam apenas obter b o n s lucros através da aplicação de seus capitais, mas tam¬ b é m , e principalmente, garantir a o c u p a ç ã o e a manutenção de merca¬ dos para seus produtos em face da c o n c o r r ê n c i a das empresas rivais4 7. A

partir dessa nova perspectiva - acrescenta a A u t o r a - foram surgindo n u m e r o s o s estudos t e ó r i c o s e e m p í r i c o s , p r o c u r a n d o caracterizar a atuação das empresas multinacionais e diferenciá-las do f u n c i o n a m e n t o e das atividades de outras, nos mais diversos c a m p o s . Apesar de reco¬ nhecer o valor científico da c o n t r i b u i ç ã o de muitos desses trabalhos, a sua posição teórica pessoal manteve-se inalterada:

D o p o n t o d e vista e c o n ô m i c o — dizia ela — e x i s t e m diferenças entre firmas n a c i o n a i s e as i n t e r n a c i o n a i s , mas elas n ã o c h e g a m ao p o n t o de r e q u e r e r u m a distinção t e ó r i c a entre esses dois t i p o s de o r g a n i z a ç ã o , mas apenas u m r e c o n h e c i m e n t o d e q u e [ a e x i s t ê n c i a d e ] fronteiras n a c i o n a i s

4 4 I b i d e m , p p . 1 4 - 1 5 . O d e s t a q u e d a d o à palavra " e m p í r i c o s " é d a A u t o r a .

4 5 I d e m , " M u l t i n a t i o n a l C o r p o r a t i o n s " , The New Palgrave: a dictionary of economics. L o n d o n : M a c m i l l a n , v . 3 , 1 9 8 7 : 5 6 2 - 6 4 .

4 6 Essa tese, intitulada The International Operation of National Firms: a study of direct foreign investment s ó f o i p u b l i c a d a c o m o l i v r o a n o s mais tarde. C a m b r i d g e , M a s s . :

M I T Press, 1 9 7 6 .

(17)

e s t a b e l e c e m u m a diferença e m p í r i c a no q u e se refere às o p o r t u n i d a d e s e aos custos d e a m b o s4 8.

Bastante mais cáusticas f o r a m as o b s e r v a ç õ e s e p i s t e m o l ó g i c a s e m e t o d o l ó g i c a s q u e ela fez a esse respeito, no X C o n g r e s s o Interna-c i o n a l d e H i s t ó r i a E Interna-c o n ô m i Interna-c a , realizado e m B e r n a (Suíça), e m 1 9 8 6 , publicadas três anos mais t a r d e4 9. V e n d o nas empresas multinacionais

o r g a n i z a ç õ e s e c o n ô m i c a s c o m p l e x a s , n o r m a l m e n t e dotadas d e u m a n a c i o n a l i d a d e especifica, mas n ã o subordinadas à j u r i s d i ç ã o de um ú n i c o g o v e r n o , Edith Penrose r e a l ç o u , na ocasião, sua c o n t r a d i t ó r i a natureza s o c i o p o l í t i c a , c o m suas raízes fincadas no industrialismo e n o i m p e r i a l i s m o o c i d e n t a l e c o n f o r m a n d o a o m e s m o t e m p o u m a luz para o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o de t o d o s os países e um canto de sereia para atraí-los a falsos c a m i n h o s . E, no fim, c h e g o u à c o n c l u s ã o d e q u e

(...) o p r o b l e m a (...) de se tentar p r o d u z i r ' u m a ' t e o r i a das empresas multinacionais deriva da futilidade de se construir d e f i n i ç õ e s s e m fazer q u e s t i o n a m e n t o s relevantes e r a z o a v e l m e n t e p r e c i s o s s o b r e p o r q u e se p r o c u r a obtê-las ( . . . ) . E difícil fazer perguntas s e m saber t a m b é m p o r q u e as f a z e m o s — ou seja, s e m [ t e r m o s ] u m a t e o r i a5 0.

Mas esta o p i n i ã o incisiva p o r parte dela não p e r m a n e c e u inalterada, c o n f o r m e se p o d e notar em seus últimos escritos, d e v i d o à p e r c e p ç ã o que teve das mudanças ocorridas nas empresas multinacionais durante as décadas de 1 9 8 0 e 1 9 9 0 . Enquanto essa p e r c e p ç ã o é reveladora de sua sensibilidade c o m o historiadora, a mudança do seu p o n t o de vista re¬ fletiu uma rara e inegável honestidade intelectual.

Um p r i m e i r o i n d í c i o de sua nova postura p o d e ser observado n u m artigo, que p u b l i c o u em 1 9 9 0 , sobre o c o m b a t e às práticas de dumping das empresas multinacionais, no c o m é r c i o internacional de produtos

4 8 I b i d e m , p . 563.

4 9 I d e m , " H i s t o r y , t h e s o c i a l s c i e n c e s a n d e c o n o m i c ' t h e o r y ' w i t h special reference to m u l t i n a t i o n a l e n t e r p r i s e " , in TEICHOVA, A l i c e et alii ( e d s . ) , Historical Studies in

International Corporate Business. C a m b r i d g e U n i v e r s i t y Press, 1989:7-13. 5 0 I b i d e m , p p . 7 e 12.

(18)

industrializados5 1. Tais práticas, para Edith Penrose, geralmente confi¬

g u r a m casos de discriminação de p r e ç o s , perfeitamente n o r m a i s nas e c o n o m i a s o l i g o p o l i z a d a s de n o s s o t e m p o , e d e v e m ser vistas mais c o m o sintoma d o q u e c o m o causa das distorções d e m e r c a d o , q u e estão l o n g e de ser livres e perfeitamente c o m p e t i t i v o s . O c o m b a t e a elas, p o r g o v e r n o s nacionais de alguns países altamente industrializados e p o r entidades internacionais dominadas p o r estes, t e m , c o m fre¬ qüência, p r o m o v i d o a a d o ç ã o de espúrias políticas, e protecionistas, p o r parte desses países.

B o a parte do c o m é r c i o internacional de produtos industrializados é atualmente realizada p o r empresas subsidiárias de firmas multinacionais, presentes em muitos países e altamente integradas em t e r m o s verticais, horizontais, geográficos e funcionais, produtoras de numerosas espécies de bens e serviços a partir de insumos e processos diversos, p o r é m inter-relacionados e c o m base em intensas e contínuas pesquisas t e c n o l ó g i c a s . U m a parcela ponderável dessa p r o d u ç ã o , principalmente de seus c o m ¬ ponentes, flui de um país, ou de alguns p o u c o s , para outros, no interior das mesmas firmas, e n v o l v e n d o preços de simples transferências. Outra parcela, de maior valor, principalmente constituída de produtos acabados, é exportada p o r tais empresas para os mercados mundiais propriamen¬ te ditos.

As firmas em questão constituem redes de empresas c o m suas famí¬ lias de produtos, c o m p e t i n d o intensamente umas c o m as outras em t o d o s os mercados e p o r t o d o s os m e i o s , inclusive (e talvez principal¬ mente) os t e c n o l ó g i c o s . Nessa intensa c o m p e t i ç ã o intercapitalista que atravessa fronteiras, cada empresa multinacional t e m p o r o b j e t i v o a conquista, a manutenção ou a ampliação de determinadas participações de mercado. Trata-se de um processo cuja análise envolve não apenas as causas e os efeitos (custos e benefícios) desse c o m é r c i o internacional (incluindo as transferências de t e c n o l o g i a ) , mas t a m b é m a desejabilida-de e a eficiência das medidas que p r o m o v e m a sua regulação, medidas essas que p r o c e d e m mais das próprias empresas do que dos g o v e r n o s dos vários países em que elas atuam5 2.

5 1 I d e m , "Dumping, Unfair C o m p e t i t i o n a n d M u l t i n a t i o n a l C o r p o r a t i o n s " , Japan and the World Economy, 2 (1990) 181-187.

(19)

Mas os g o v e r n o s nacionais, principalmente os dos países de o r i g e m das firmas multinacionais, t a m b é m t ê m seus poderes de decisão e de atuação, que c h e g a m a ser eventualmente capazes de frustrar os objeti¬ vos e os interesses das empresas multinacionais. Criam-se, em conse¬ qüência disso, c o n d i ç õ e s para o estabelecimento de alianças, através das quais os g o v e r n o s p r o c u r a m interferir no c o m é r c i o internacional para p r o m o v e r e m suas políticas nacionais, e as empresas p r o c u r a m valer-se destas e das intervenções a elas vinculadas para aumentarem sua capa¬ cidade c o m p e t i t i v a5 3.

As considerações relativas à natureza e à especificidade das empresas multinacionais foram subseqüentemente aprofundadas e sistematizadas pela Autora, no seu prefácio à terceira edição de A Teoria do Crescimento da Firma (1995) e n u m último trabalho, publicado no ano de sua m o r t e5 4.

Esses dois trabalhos p a r e c e m ter sido escritos em conjunto, ou um na imediata seqüência do outro, visto que ambos partilham de um referen¬ cial bibliográfico bastante similar e até apresentam alguns parágrafos e frases m u i t o semelhantes entre si.

Edith Penrose inicia o texto de seu último prefácio c o m referências a precursores de sua teoria, Alfred Marshall ( c o m seus Princípios de Eco¬ nomia, de 1890, e seu m e n o s famoso, mas t a m b é m importante Industry and Trade, de 1919), e R o n a l d Coase ( c o m seu artigo de 1937, " T h e Nature of the F i r m " ) , b e m c o m o a c o n t e m p o r â n e o s seus, que apresen¬ taram idéias parecidas, praticamente ao m e s m o t e m p o que ela, notada-mente Alfred Chandler (cujo livro, Strategy and Structure, data de 1962) e R o b i n Marris (que p u b l i c o u , em 1964, seu Economic Theory of Mana-gerial Capitalism). Sempre procurando dialogar c o m seus comentaristas, críticos e sucessores, ela aborda em seguida os fatores internos e exter¬ nos que fazem crescer as empresas, o papel fundamental d e s e m p e n h a d o pela acumulação de c o n h e c i m e n t o s , a expansão das empresas multina¬ cionais, os limites ao crescimento das firmas e um i t e m que aí c h a m o u de " M e t a m o r f o s e " , para referir-se às redes interempresariais.

Esses três últimos itens foram mais b e m desenvolvidos em seu ver¬ bete de 1996, " G r o w t h of the F i r m and N e t w o r k i n g " , para o qual

5 3 I b i d e m , p p . 184-185.

5 4 Trata-se d o v e r b e t e " G r o w t h o f t h e F i r m a n d N e t w o r k i n g " , p u b l i c a d o n o s e g u n d o v o l u m e da International Encyclopedia of Business and Management. L o n d o n : R o u t l e d g e ,

(20)

voltaremos agora nossa atenção. " A s maiores firmas do m u n d o — diz a A u t o r a — são internacionais. De um m o d o geral (...) a firma que se expande internacionalmente o faz em b o a parte pelas mesmas razões daquela que se expande em âmbito n a c i o n a l "5 5.

A t é aqui, nada de n o v o em relação a suas p r o p o s i ç õ e s anteriores; mas as novidades acabam surgindo na terceira e na quarta razões pelas quais se dá esse crescimento e que se aplicam apenas às empresas multinacio¬ nais, a saber:

(3) o fato de que a escala, a posição de mercado e a integração alcançada dão origem a ativos específicos à firma, e cujo uso pode ser melhor [sic] feito em âmbito internacional do que no nacional;

(4) a subseqüente e cumulativamente crescente produção de conheci¬ mentos relativos a possibilidades internacionais5 6.

E, ainda nessa mesma página, Edith Penrose acrescenta textualmen¬ te que os termos "multinacional", "transnacional" e " g l o b a l " servem para indicar que "as fronteiras nacionais constituem u m a razão suficiente para justificar um tratamento separado das firmas internacionais". As dife¬

renças que elas apresentam em relação às nacionais d e c o r r e m de

(... ) obstáculos ou vantagens de diversas espécies, referentes a fatores monetários, políticos, econômicos, culturais e tecnológicos. Além disso, o crescimento dessas empresas afeta a economia não apenas de um, mas de vários países em que elas atuam, e mais particularmente as economias mais frágeis e de menor porte, podendo-se inclusive perguntar até que ponto a governança empresarial será capaz de desalojar amplamente os mercados nos países maiores, ou até em âmbito internacional5 7.

Trata-se de algo que t e m a ver c o m os limites ao crescimento das firmas. No que se refere a essa questão, Edith Penrose mostrou-se per¬ feitamente a par das mudanças havidas durante as décadas de 1980 e 1990 no c o m p o r t a m e n t o e na expansão das grandes firmas (inclusive das multinacionais), as quais tenderam a restringir suas atividades a um

55 O p . c i t . , p . 1 7 2 0 . 5 6 I b i d e m .

(21)

n ú c l e o (core), originário ou principal, livrando-se de todas as outras, consideradas periféricas ou supérfluas.

E foi nessa mesma é p o c a do século XX que se verificou igualmente o surgimento de uma importante novidade em âmbito internacional, representada pelas redes interempresariais - isto é, p o r alianças tempo¬ rárias entre firmas independentes e c o n c o r r e n t e s umas c o m as outras, formadas principalmente para fins de c o o p e r a ç ã o t e c n o l ó g i c a . Essas parcerias, ou "quase-firmas", até hoje existentes, diferem dos tradicionais distritos industriais, ou dos chamados arranjos produtivos locais (clusters), na medida em que agrupam principalmente grandes firmas multinacio¬ nais, situadas em diversos países. Elas t a m b é m se diferenciam dos cartéis e de outras associações monopolísticas do passado e do presente e, ao m e s m o t e m p o , nada t ê m a ver c o m quaisquer estruturas concorrenciais retratadas pelos manuais de e c o n o m i a .

Trata-se, na verdade, de novas instituições e c o n ô m i c a s , surgidas na globalização da e c o n o m i a mundial, as quais, seguindo os caminhos indi¬ cados p o r Edith Penrose, precisamos c o m e ç a r a estudar historicamente e a aferir em termos t e ó r i c o s . Para entender o presente ou tentar prever o futuro, precisamos voltar ao passado, não apenas c o m vistas a c o n h e c ê -lo m e l h o r , mas, principalmente, para identificar, analisar e interpretar as mudanças havidas desde então. São estas mudanças que fundamental¬ mente interessam, ou deveriam interessar, tanto aos historiadores c o m o aos economistas.

Referências bibliográficas

A L C H I A N , A r m e n , " U n c e r t a i n t y , E v o l u t i o n a n d E c o n o m i c T h e o r y " . J o u r n a l o f Political Economy, v o l . LVIII, J u n e , 1950:211-21.

BOULDING, K e n n e n t h E. (1950), A Reconstruction of Economics. N e w Y o r k : W i l e y & S o n s , 1950.

CHANDLER, A. D. Jr., Strategy and Structure: chapters in the history of the American industrial enterprise. C a m b r i d g e , M a s s . : MIT Press, 1962.

________ , Scale and Scope: the dynamics of industrial capitalism. C a m b r i d g e , M a s s . : H a r v a r d U n i v e r s i t y Press, 1990.

C O A S E , R o n a l d H . , " T h e N a t u r e o f t h e F i r m " , Economica. I V (4), 1937.

E N K E , S t e p h e n , " O n M a x i m i z i n g Profits: a d i s t i n c t i o n b e t w e e n C h a m b e r l i n a n d R o -b i n s o n " , American Economic Review, v o l . XLI, S e p t e m -b e r , 1951:566-78.

(22)

HYMER, S t e p h e n , The International Operation of National Firms: a study of direct foreign investment. C a m b r i d g e , M a s s . : MIT Press, 1976.

KAY, N e i l , " H e r c u l e s a n d P e n r o s e " , in C h r i s t o s Pitelis ( E d . ) , The Growth of the Firm: the Lexgacy of Edith Penrose. O x f o r d : O x f o r d U n i v e r s i t y Press, 2002:81-100.

KIM, L i n s u , Da Imitação à Inovação: a dinâmica do aprendizado tecnológico da Coréia. C a m ¬ pinas: E d i t o r a d a U N I C A M P , 2005.

LAZONICK, W i l l i a m , " T h e US industrial c o r p o r a t i o n a n d The Theory of the Growth of the Firm", in C h r i s t o s Pitelis ( E d . ) , The Growth of the Firm: the legacy of Edith Penrose. O x f o r d : O x f o r d U n i v e r s i t y Press, 2002:249-77.

________, " I n n o v a t i v e E n t e r p r i s e a n d H i s t o r i c a l T r a n s f o r m a t i o n " , Enterprise and Society, 3 (1), M a r c h , 2002a:3-47.

MARRIS, R. L., The Economic Theory of Managerial Capitalism. L o n d o n : M a c m i l l a n , 1964.

MARSHALL, A l f r e d , Principles of Economics. L o n d o n : M a c m i l l a n , 1890. ________, Industry and Trade. L o n d o n : M a c m i l l a n , 1919.

MORRIS-SUZUKI, Tessa, The Technological Transformation of Japan, from the seventeenth to the twenty first century. C a m b r i d g e : C a m b r i d g e U n i v e r s i t y Press, 1994.

NELSON, R i c h a r d e WINTER, S y d n e y (2005), Uma Teoria Evolucionária da Mudança Econômica. C a m p i n a s : E d i t o r a da U N I C A M P , 2005.

PENROSE, E d i t h , The Economics of the International Patent System. B a l t i m o r e : J o h n s H o p k i n s U n i v e r s i t y Press, 1951.

_ _ _ _ _ _ _ _ , " B i o l o g i c a l A n a l o g i e s i n t h e T h e o r y o f the F i r m " , American Economic Review, X L I I (5), D e c e m b e r , 1952:804-19.

________ , " L i m i t s to t h e size a n d g r o w t h of firms", American Economic Review, XIV (2), M a y , 1955:531-43.

, " F o r e i g n I n v e s t m e n t a n d t h e G r o w t h o f t h e F i r m " , Economic Journal, v . 66, n. 262, J u n e , 1956:220-235.

________ , The Theory of the Growth of the Firm. O x f o r d : Basil B l a c k w e l l , 1959. _ _ _ _ _ _ _ _ , " T h e G r o w t h o f t h e f i r m , a case s t u d y o f t h e H e r c u l e s P o w d e r C o m p a n y " ,

Business History Review, XXXIV(1), S p r i n g , 1960:1-23.

_ _ _ _ _ _ _ _ , " S o m e p r o b l e m s o f p o l i c y t o w a r d s d i r e c t f o r e i g n i n v e s t m e n t i n d e v e l o p i n g c o u n t r i e s " , Middle East Economic Papers. B e i r u t , 1962:121-39.

________ , The Large International Firm in Developing Countries: the international petroleum industry. L o n d o n : A l l e n & U n w i n , 1968.

_ _ _ _ _ _ _ _ , " P r o b l e m s a s s o c i a t e d w i t h the g r o w t h o f i n t e r n a t i o n a l f i r m s " , Tijdschrift voor Vennootschrappen. Vereiniginen en Stichlingen, II (9), 1968a:219-26.

, " I n t e r n a t i o n a l E c o n o m i c R e l a t i o n s a n d t h e L a r g e I n t e r n a t i o n a l F i r m " , i n E . F. P e n r o s e a n d P. L y o n s ( E d s . ) , New Orientations: Essays in International Relations. L o n d o n : F r a n k Cass, 1969.

________, The Growth of Firms, Middle East Oil and Other Essays. L o n d o n : Frank Cass, 1971. _ _ _ _ _ _ _ _ , " T h e State a n d the M u l t i n a t i o n a l E n t e r p r i s e i n L e s s - D e v e l o p e d C o u n t r i e s " , in J. D u n n i n g ( E d . ) The Multinational Enterprise. L o n d o n : A l l e n & U n w i n , 1971a.

(23)

P E N R O S E , E d i t h , " I n t e r n a t i o n a l P a t e n t i n g a n d t h e Less D e v e l o p e d C o u n t r i e s " , Eco-nomic Journal, S e p t e m b e r , 1 9 7 3 : 7 6 8 - 8 6 .

_ _ _ _ _ _ _ _ , " T h e T h e o r y o f G r o w t h o f t h e F i r m t w e n t y - f i v e years l a t e r " , Uppsala Lectures in Business I. U p p s a l a : A c t a Universitatis U p s a l i e n s i s : Studia E c o n o m i a e N e g o t i o r u m 2 0 , 1 9 8 5 : 1 - 1 6 .

________ , " M u l t i n a t i o n a l C o r p o r a t i o n s " , The New Palgrave: a dictionary of economics, v . 3 . L o n d o n : M a c m i l l a n , 1 9 8 7 : 5 6 2 - 6 4 .

_ _ _ _ _ _ _ _ , " H i s t o r y , t h e s o c i a l s c i e n c e s a n d e c o n o m i c ' t h e o r y ' , w i t h s p e c i a l r e f e r e n c e to m u l t i n a t i o n a l e n t e r p r i s e " , in A l i c e T e i c h o v a et alii ( E d s . ) , Historical Studies in International Corporate Business. C a m b r i d g e : C a m b r i d g e U n i v e r s i t y Press, 1 9 8 9 : 7 - 1 3 . _ _ _ _ _ _ _ _ , " D u m p i n g , U n f a i r C o m p e t i t i o n a n d M u l t i n a t i o n a l C o r p o r a t i o n s " , J a p a n and

the World Economy, v o l . 2, 1 9 9 0 : 1 8 1 - 1 8 7 .

________, " P r e f a c e to the T h i r d E d i t i o n " of The Theory of the Growth of the Firm. O x f o r d : O x f o r d U n i v e r s i t y Press, 1 9 9 5 .

_ _ _ _ _ _ _ _ , " G r o w t h o f the F i r m a n d N e t w o r k i n g " , International Encyclopedia o f Business and Management, v. 2 . L o n d o n : R o u t l e d g e , 1 9 9 6 : 1 7 1 6 - 2 4 .

, A Teoria do Crescimento da Firma. C a m p i n a s : E d i t o r a d a U N I C A M P , 2 0 0 7 . P E N R O S E , E d i t h a n d M A C H L U P , Fritz, " T h e p a t e n t c o n t r o v e r s i e s i n t h e n i n e t e e n t h

c e n t u r y " , Journal of Economic History, X ( 1 ) , 1 9 5 0 : 1 - 2 9 .

P I T E L I S , C h r i s t o s ( E d . ) , The Growth of the Firm: the legacy of Edith Penrose. O x f o r d : O x f o r d U n i v e r s i t y Press, 2 0 0 2 .

S H O V E , G e r a l d F., " T h e r e p r e s e n t a t i v e firm a n d i n c r e a s i n g r e t u r n s " , Economic Journal, v . 4 0 , M a r c h , 1 9 3 0 .

Referências

Documentos relacionados

Desse modo, com relação às sementes de aroeira estudadas podemos verificar pelos resultados dos testes de IVG e germinação, Tabelas 1 e 2, respectivamente, que os

Os pontos críticos encontrados ao acomodar um piloto de percentil 5% foram o ângulo de deslocamento dos braços para o alcance das manivas/mudas, com 116,01°, sendo o recomendado é

A síntese da concepção dos diferentes autores quanto ao uso das TICs converge para um “tipo ideal” de cidades: (i) tornar as cidades mais eficientes, sustentáveis e

Nesta tese é apresentada uma forma de analisar dados estruturados hierarquicamente, estrutura que provêm das hierarquias associadas às dimensões, tirando partido

Os ovários e o útero foram fixados em formol 10% e corados com Hematoxilina /Eosina (H.E.) O peso corpóreo das ratas foi influenciado significativamente (p<0,001) pelo

Nesse sentido, cabe pensar no processo de alfabetização de alunos surdos numa perspectiva bilíngüe de educação considerando que o ensino da língua de sinais deve acontecer desde

Protective effect of Baccharis trimera extract on liver damage induced by carbon tetrachloride in rats Iuri F.. Cabralb, Karen Luise

entre os causadores de doenças nas fruteiras de caroço. O presente trabalho teve por objetivo avaliar o efeito dos extratos das espécies citadas sobre a