AS RELAÇõES INTERPESSOAIS NA ESCOLA
SOB O OLHAR PSICOPEDAGÓGICO
MARINALVA IMACULADA CUzIN, doutoranda em Psicolo-gia da Educação pela Unicamp e docente do curso de pós-graduação em Psicopedagogia do Unasp, Campus Enge-nheiro Coelho e Hortolândia, marytaki@yahoo.com.br.
Resumo: Esse artigo procura refletir sobre as relações interpessoais no ambiente
educacional. Trabalha os múltiplos olhares carregados de valores, cultura e afetividade, bem como a diferença lingüística entre enxergar e olhar e entre ouvir e escutar, o contraste entre os monólogos e os diálogos. Apresenta o paradigma probalístico e o paradigma cartesiano numa perspectiva psicopedagógica, o papel do psicopedagogo frente à escola e as dificuldades de aprendizagem da criança. Caracteriza a escola enquanto informativa, formativa e normativa. Defende a relevância do trabalho preventivo do psicopedagogo em parceria com o professor, família e sociedade, objetivando amenizar alguns dos conflitos e dificuldades de aprendizagem presentes na instituição educacional.
PalavRas-chave: Relações interpessoais, psicopedagogia, educação, indivíduo,
sociedade, valores
THE INTERPERSONAL RELATIONSHIP UNDER A PSyCHOPEDAGOGIC VIEw abstRact: This article deals with the interpersonal relationships in the
educational institution within social context, working with different views full of values, culture and affectivity. The difference of seeing and viewing, hearing and listening, the contrast between the monologues and the dialogues, shows the Probability paradigm and the Cartesian paradigm in a psichopedagogic perspective. The function of psichopedagogue in the school, the difficulties of child learning, characterizing the school as a formative, informative and normative and the relevance of the preventive works of psichopedagogue in partnership with the professor, parents and society aim to minimize some of the conflicts and difficulties of learning in the educational institution.
KeywoRds: Interpersonal relationship, psichopedagogic, education, person,
society, values
O homem tem uma tendência inata para viver em uma sociedade constituída por seus semelhantes, recebendo dela o amparo de que necessita e utilizando-a para desenvolver suas capacidades. Por isso se diz que o homem é um ser social. (Jacob Moreno).
Introdução
Esse estudo é resultado das reflexões da autora sobre os seus estudos de doutorado, os quais têm realimentado o interesse da mesma pela temática que envolve as relações inter-pessoais, as dinâmicas de grupo, o psicodrama e a imensurável relevância do educador para os alunos e a sociedade em geral.
No decorrer da docência das disciplinas do curso de pós-graduação em Psicopedagogia no Unasp percebi que tal relevância se estende também ao psicopedagogo, e tenho me certifi-cado de que a formação acadêmica oferecida a esses profissionais realmente os habilita para um atendimento adequado aos seus pacientes. Haja vista que, a preocupação com o diálogo entre as áreas de Saúde e Educação se faz presente em todo o período de formação dos alunos.
O primeiro desafio a mim apresentado, proposta desse artigo, foi o de olhar a temática das relações interpessoais e as demais registradas no início do texto, sob a ótica do psicope-dagogo, buscando observar até onde o diálogo entre as áreas de Educação e Saúde realmente acontecem na prática psicopedagógica.
A metodologia de pesquisa se caracteriza como qualitativa, através de pesquisa biblio-gráfica, observações, reflexões, comentários e sugestões num processo contínuo marcado pelo diálogo com o corpo discente.
Esse artigo não tem como propósito esgotar o tema apresentado e a pesquisa que ainda não foi dada como encerrada, mas sim, como um início de muitas outras descobertas e motivações para se continuar a “olhar” para essa temática enquanto pesquisadora desejante do saber e do aprender. Será apresentado um ensaio motivador e extremamente prazeroso do que tem sido trabalhar com a Psicopedagogia.
“Olhar psicopedagógico”. Quando nos referimos ao termo “olhar”, falamos de di-versas interpretações, já que um único olhar carrega em si valores, culturas variadas e ao mesmo tempo específicas de cada ser. Tratamos de um ser humano completo e complexo, sem “divisórias” ou “gavetinhas”, sem divisão estanque entre razão e emoção, vida familiar e escolar. Se um olhar envolve várias questões, reflexões e riqueza de detalhes, muito mais se pode esperar de múltiplos olhares. Ademais, a expressão pelo olhar consegue ser tão sincera a ponto de contradizer as expressões orais, criteriosamente selecionadas pelo nosso cons-ciente, nosso superego.
Homem: um ser social
Vivemos sempre atentos às nossas responsabilidades, como se a vida girasse em torno de um grande tratado, um “negócio” enquanto negação do ócio, gerando comportamentos individualizados e interesses isolados. Como se dedicar parte do nosso tempo sem a
preo-cupação restrita com a produtividade - valorizando os momentos envoltos de afeto, carinho, alegria, fé, harmonia, solidariedade e interação relacional - fossem inquietações secundárias.
Esse comportamento individualizado está diretamente relacionado à maneira como pensamos e vivemos as relações interpessoais, quer seja na esfera familiar, profissional, inte-lectual/cognitiva, matrimonial ou social.
Do nascimento até à morte, nossa vida é um permanente exercício de sociabilidade. O homem é um ser grupal, e está em contínuo processo de interação com o outro. Por isso é um ser de relações, de inter-relações, de diálogo, de participação e de comunicação. O ser humano se traduz no cotidiano. Por meio da convivência, ele concretiza a sua existência, produzindo, recriando e se realizando nas suas relações com o outro.
Na vida, na família, nas escolas, nos grupos de trabalho ou lazer, nas empresas, seja qual for a atividade a ser desenvolvida, as ações isoladas dificultam o alcance dos objetivos. Ninguém é bom sozinho. Há sempre um referencial, um suporte, uma estrutura, que incen-tiva e impulsiona para a realização do trabalho a ser efetuado.
No nosso dia-a-dia, enxergamos tudo e a todos ao mesmo tempo, mas não olhamos para quase ninguém enquanto ser humano que sente, pensa e age, nem sequer nos damos conta da representação lingüística diferenciada entre as palavras “enxergar” e “olhar”, da mesma maneira que não distinguimos as expressões “escutar” e “ouvir”.
Costumamos estar prontos a enxergar, mas não a olhar. Antônio houAiss traz as
se-guintes definições sobre tais verbetes. “Enxergar” é definido como “distinguir, perceber pela visão, alcançar com a vista” (2001, p. 1154). E “olhar”, como “dirigir os olhos para alguém, algo ou para si, ver-se mutuamente, mirar, contemplar, prestar atenção, aspecto dos olhos, ocupar-se intensamente de, considerado como reflexo do sentimento” (2001, p. 2058).
Olhar exige mais do que perceber pela visão, requer perceber com o coração, destitu-ído do egoísmo e do individualismo que leva à cegueira social. Uma sociedade é constituída por indivíduos e o indivíduo só se faz enquanto ser humano em comunhão com a sociedade em que está inscrito, com sua cultura, seu credo, seus valores.
Ainda segundo houAiss (2001), o verbete “escutar” é definido como “estar consciente
do que está ouvindo, ficar atento para ouvir, dar atenção” (Ibid., p.1213), enquanto que “ou-vir” é definido como “perceber (som, palavra) pelo sentido da audição” (Ibid., p.2094).
Diante disso, a maioria dos diálogos poderia ser denominado monólogos. Prova disso é que, por vezes numa conversa, nos mostramos interessados a dar respostas prontas, do que a ouvir quem nos fala, nos tornamos “pseudosurdos”. Geralmente, num diálogo, o emissor quer mais ser ouvido do que receber soluções ou respostas do seu receptor.
Tal comportamento dificulta a comunicação, a compreensão, as relações interpes-soais e a convivência em grupo. Sem olharmos e sem ouvirmos aos que nos cercam, se torna impossível pensarmos num mundo mais justo, mais humano, com valores mais construtivos, no qual a vida valha mais do que objetos materiais, em que a fé e a Palavra de Deus sejam onipresentes.
Quando conseguimos refletir sobre nossos comportamentos, observando como nos relacionamos, vamos além de nossas compulsões, de nossas neuroses, nos tornamos indiví-duos que, vão além de si mesmos, gerando uma sinergia num único ser harmonioso.
A psicopedagogia e o modelo probabilístico
Diante da importância dos relacionamentos interpessoais para a aprendizagem, o olhar
psicopedagógico se faz muito importante no ambiente escolar. Renata ferreirA (2002)
de-fende que a psicopedagogia educacional se preocupa com a reflexão dos profissionais da área da educação quanto ao papel da escola frente às dificuldades de aprendizagem da criança.
Eulalia BAssedAset al (1996, p. 42) se refere à escola como uma instituição social, que
compartilha funções e que se inter-relaciona com outros sistemas, dentre eles, o familiar, numa ligação contínua. Nessa interação, nem sempre são obtidas atuações adequadas, já que, muitas vezes, esses sistemas se fazem compostos, ao invés de complementares.
De acordo com Terezinha zorziM (2006, p. 3):
A relação família - escola e a intervenção da psicopedagogia necessitam ter objeti-vos comuns constantes, estimulando e instigando o educando a crescer e tornar-se autoconfiante em suas possibilidades. Isto requer a existência do conhecimento mútuo e o estabelecimento e vínculos saudáveis que permitam que a criança se sinta segura e vá em frente.
Essa postura psicopedagógica está alinhada com o novo paradigma da ciência, o
pro-balístico, o qual contrapõe o modelo cartesiano. Fritjof CAprA (1996, p. 25) define o
paradig-ma probalístico da seguinte paradig-maneira:
O paradigma probalístico também chamado de novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominada visão ecológica, se o termo ecológico for empregado num sentido muito mais amplo e mais profundo que o usual. A concepção ecológica profunda reconhece a interde-pendência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedade estão todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e em última análise, somos dependentes desses processos).
Já quanto ao modelo cartesiano, o autor assim o define:
O paradigma cartesiano consiste em várias idéias e valores entrincheirados entre os quais a visão do universo como um sistema mecânico composto de blocos de cons-trução elementares, a visão do corpo humano como uma máquina, a visão da vida em sociedade como uma luta competitiva pela existência, a crença no progresso material ilimitado, a ser obtido por intermédio de crescimento econômico e tecno-lógico, é uma sociedade que segue uma lei básica da natureza (Ibidem).
A escola se constitui em uma organização sistêmica aberta, conjunto de elementos, que interagem e se influenciam mutuamente. Conjunto esse relacionado, na forma de troca de influências, ao meio em que se insere. Dessa maneira, quaisquer mudanças em qualquer dos elementos da escola produz mudanças em outros âmbitos sociais, mudanças essas que
provocam novas alterações no elemento iniciador, e assim sucessivamente. Por isso, o mo-delo probabilístico se mostra mais coerente com o trabalho do psicopedagogo, pois propõe uma visão mais ecológica, holística da realidade.
Para Joana di sAnto (2006, p. 2), a atuação do psicopedagogo se dá em equipe:
A ação profissional do psicopedagogo, jamais poderá ser isolada, mas integrada à ação da equipe escolar buscando em conjunto, vivenciar a escola, não só como espaço de aprendizagem de conteúdos educacionais, mas de convívio, de cultura, de valores, de pesquisa e experimentação, que possibilitam a flexibilidade de atividades docentes e discentes.
A escola tem apresentado dificuldades para incluir e despertar o interesse cognitivo dos alunos com dificuldades de aprendizagem. Esses alunos são geralmente rotulados de preguiçosos, desatentos, desinteressados, irresponsáveis e “alunos-problema”. É com esses alunos que o psicopedagogo terá que trabalhar.
O trabalho preventivo do psicopedagogo
As dificuldades de aprendizagem se manifestam em áreas específicas, como a lingua-gem, leitura, escrita, compreensão da matemática e nos transtornos de conduta, porém, elas estão diretamente relacionadas umas as outras.
Um aluno com transtornos de conduta moderado ou severo apresentará déficit de atenção nas aulas, nas relações interpessoais com os colegas de classe, quando não com os pais e com o grupo social mais próximo. É provável também que, apresentará um quadro preocupante em relação à auto-imagem, autoconceito, auto-estima e auto-eficácia. Esse impacto emocional pode se refletir no aprendizado cognitivo dele, que na maioria das vezes resulta no convite formal da es-cola aos pais desse aluno para que o mesmo seja transferido compulsoriamente, leia-se expulso.
A escola muito mais do que informativa e formativa é a instituição que melhor do que qualquer outra exerce a função de normativa. É com o ingresso da criança na escola que a educação oferecida pelos pais vem a ser questionada, principalmente quando o aluno se de-para com diferentes valores, culturas, crenças, tradições e regras. Esse processo nem sempre facilita o ingresso e a permanência do aluno na escola.
Com um trabalho preventivo do psicopedagogo, em parceria com os professores, pais dos alunos, e sociedade em geral se torna possível, ao menos amenizar alguns dos conflitos e dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar.
fritzen (2005, p. 7) defende que:
Uma das necessidades ou realidades psicológicas, melhor psicossociais, é a de cada um precisar do outro para realizar-se. A precisão que as pessoas têm um do ou-tro subentende a contemplação no sentido de ninguém ser auto-suficiente, de se bastar a si mesmo. Subentende o encontro com o outro e com os outros para a maturação mútua da sua personalidade. Subentende ainda a superação do isola-mento vivencial e existencial.
O psicopedagogo recebe a formação acadêmica que o qualifica para ser o elo entre as áreas de Educação e de Saúde, o que o diferencia dos demais profissionais aos quais são encaminhados os alunos que de alguma maneira não se adequaram ao modelo institucional educacional.
A intervenção psicopedagógica pode ser muito significativa para os envolvidos no processo de aprendizagem, inclusive para o próprio psicopedagogo. Quando essa prática se dá por meio de um olhar transdisciplinar, caracterizado por um vínculo in-ter-relacional saudável e humilde do profissional, reconhecendo que não tem respos-tas pronrespos-tas para tudo e nem soluções para todos os problemas existentes na escola, mas que está interessado em fazer o melhor de si, aberto a sugestões, ao olhar e à escutar todos ganham.
Conclusão
A escola, enquanto instituição normativa oferece-nos a oportunidade de
participarmos do processo de construção/formação de cidadãos mais conscientes
de seus papeis sociais, enquanto indivíduo social. Quando nos referimos aos
alu-nos, estamos nos remetendo a seres humanos criados a semelhança de Deus e
per-feitos aos olhos do pai. Dignos de serem muito amados, respeitados, repreendidos
quando necessário e educados.
O psicopedagogo tem a obrigação de estar consciente de que atua como
pro-tagonista na formação de seus alunos/pacientes e, que somente com um trabalho em
conjunto com os demais profissionais, pais e com a sociedade, teremos melhores alunos
e cidadãos, e acima de tudo um mundo melhor.
Vivemos num mundo extremamente estressante e carente de valores positivos,
onde o valor à vida, o amor, o respeito ao próximo e a si mesmo e a presença de Deus
nos corações, na educação da família e nos comportamentos éticos e morais enquanto
exemplo aos filhos e demais adultos, tem deixado de ser prioridade.
Numa sociedade em que tais pré-requisitos deixam de ter relevância não podemos
esperar uma convivência com crianças, adolescentes e futuros adultos com
comporta-mentos minimamente saudáveis e “normais” ou que venham a apresentar o aprendizado
sócio-cognitivo esperado. Existe uma co-relação muito direta entre os aspectos afetivo,
cognitivo-intelectual, neural, mental, psicológico, social, moral e ético, numa perspectiva
intrinsecamente relacional.
Diante do quadro apresentado envolvendo princípios básicos e o que
te-mos presenciado, salvo em alguns lares, podete-mos concluir que o psicopedagogo
deve investir na formação continuada e comprometida, apostando num
aumen-to de oportunidades no mercado de trabalho. Sem a maximização dos valores
positivos apresentados se torna impossível escapar dos transtornos, problemas
ou dificuldades de aprendizagem e principalmente dos transtornos de condutas
comportamentais ou comprovadamente neurológicas. Não é por acaso que se
tornou tão popular e ao mesmo pejorativo devido à “febre de diagnóstico” o
ter-mo hiperatividade e déficits de atenção, e tão divulgado pela imprensa o aumento
de receituário para crianças de pouca idade, de medicamentos como a “ritalina”
e “antidepressivos”.
Toda instituição educacional cristã ou laica, privada ou pública deveria ter em seu
quadro funcional um psicopedagogo em tempo integral, que circulasse pelas salas de aula,
pelas quadras de esporte, pátios utilizados nos intervalos entre as aulas e outros espaços
físicos da escola, enquanto profissional com formação adequada para atender aos alunos
com necessidades curativas e principalmente preventivas, como também, orientar os pais,
professores e demais profissionais da instituição, mediante aos transtornos, dificuldades
e problemas de aprendizagem e comportamento. Esperemos que em breve possamos
comemorar por essa vitória.
Referências bibliográficas
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