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Arquipélagos moventes ou imagens pensantes: fotografias da cidade de São Paulo

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Academic year: 2021

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Arquipélagos moventes ou imagens pensantes: fotografias da cidade de São

Paulo

S. Macedo

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(a) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, suianni.macedo@gmail.com

Resumo

A ideia de arquipélago talvez seja uma possibilidade de descrição dos encontros conformadores de uma cidade. Num livro inteiramente dedicado a sua cidade natal, Pamuk descreve o dia no qual percebeu Istambul como um arquipélago, e não mais apenas como um conjunto de vidas emparedadas. Para além das paredes o que estava em questão era uma cidade que se realizava em todos os seus encontros. Se uma ilha é uma porção de terra cercada pelo mar, um arquipélago é sua possibilidade de sair do isolamento, estabelecer relações. Nossos arquipélagos são conexões e não conexões que constituem o espaço como processo no interior das imagens da cidade de São Paulo bem como o modo pelo qual elas transbordam para além do espaço/imagem compondo o espaço da própria cidade. Assim inspirados, consideramos a cidade como arquipélagos de histórias até aqui, tomando de empréstimo, simultaneamente, as expressões de Pamuk e de Massey.

Palavras chave: arte/pensamento; arte/devir; geografias-menores;

1. Primeira ilha: geografia de encontros

“O mundo não é o que existe, mas o que acontece”. Mia Couto

A ideia de arquipélago talvez seja uma possibilidade de descrição dos encontros conformadores de uma cidade. Num livro inteiramente dedicado a sua cidade natal, Orhan Pamuk descreve o dia no qual percebeu Istambul como um arquipélago, e não mais apenas como um conjunto de vidas emparedadas (Pamuk, 2007: 94). Para além das paredes o que estava em questão era uma cidade que se realizava em todos os seus encontros: a vida cotidiana de seus habitantes os tirava do anonimato e preenchia a cidade retirando-lhe qualquer possibilidade de fixidez. Se uma ilha é uma porção de terra cercada pelo mar, um arquipélago é sua possibilidade de sair do isolamento, formar redes e estabelecer relações. Assim inspirados, consideraremos as imagens fotográficas da cidade de São Paulo como arquipélagos de histórias até aqui, tomando de empréstimo, simultaneamente, as expressões de Orham Pamuk e de Doreen Massey.

Propomos pensar, desta forma, nosso arquipélago paulistano como espaço processo, pois “se o espaço é mais do que coordenadas (ou mesmo não é), mas um produto de relações […] É nesse processo de estabelecer uma relação que […] o espaço é construído, bem como atravessado, nesse encontro” (Massey, 2008: 139). Nosso arquipélago se constitui nos encontros, nas conexões, desconexões e não conexões que constituem o espaço como processo. Ao confrontarmos tal espaço em processo, apresentado por Massey, podemos perceber que o espaço já-interconectado é estreito demais para

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comportar os corpos, sujeitos e objetos, que o atravessam. O espaço processo é pensado como aquele que dá forma a uma multiplicidade de trajetórias, mas sendo em si mesmo processo suas formas são transitórias e imprevisíveis. O espaço, consequentemente, está sempre aguardando ser determinado, salienta Massey, logo é sempre indeterminado, bem como é sempre inacabado e aberto “contanto que ‘acabado’ não esteja na agenda” (Massey, 2008: 160).

Tal espaço enquanto forma do acaso consiste num pensamento espacial pautado na intensidade, em detrimento da extensão, ou dito de outra forma, na multiplicidade continua, segundo a qual o espaço é uma “simultaneidade de estórias-até-agora” ou uma “simultaneidade dinâmica” (Massey, 2008: 49 e 160 respectivamente). Assim podemos pensar o espaço da cidade de São Paulo como sendo “mais do que distância”, mais do que os limites de coordenadas e de extensão (Massey, 2008: 139). Segundo Massey, o espaço “é a esfera de configurações de resultados imprevisíveis, dentro de multiplicidades” (Massey, 2008: 139). A esfera da simultaneidade dinâmica configura o espaço como conexões e desconexões: são seus atravessamentos que fazem do espaço processo um espaço em devir onde nada está determinado por um arranjo de forças previstas.

As imagens são, também, corpos atravessados ao espaço, e a maneira do arquipélago de Pamuk, são relações que se movem alterando ininterruptamente o próprio espaço. São conexões e atravessamentos no interior das imagens que transbordam para além do espaço/imagem para compor o espaço da própria cidade. E “mesmo que a história pareça tortuosa e a geografia ameaçadora, [afirma a curadoria de uma exposição dedicada a cidade de São Paulo] aqui se tem a certeza de que chegar perto da cidade é reinventá-la para si mesmo” (Name, 2011: 13). Assim, seguiremos nesta apresentação propondo uma reflexão na qual as fotografias da cidade de São Paulo sejam arquipélagos de histórias que a partir de seu interior a fazem, refazem e desfazem. Mais do outras miradas da cidade as imagens de Claudia Jaguaribe, Gal Opido e Marcelo Mosqueta são parte do encontro que cria o próprio espaço da cidade.

2. Segunda ilha: arte em estórias-até-agora

Se considerarmos o espaço como uma esfera permanentemente conectada e desconectada por novas chegadas, as obras de arte criam conexões e não conexões as quais são parte do espaço processo. Note-se que para o espaço apenas é permanente sua simultaneidade dinâmica, ou seja, apenas permanentemente existe o seu incessante tornar-se. Em oposição àquilo que o espaço possuí de imprevisível, de instável - como Massey não deixa de nos lembrar “esta arena do espaço não é um terreno firme para ficar” (Massey, 2008: 160) -, a arte se conserva em si, de tal forma que ela independe plenamente de seu suporte perecível e de seu criador efêmero. A arte é um monumento, afirmam Deleuze e Guattari, mas um monumento devotado ao presente, um bloco de sensações de vibrações, enlaces e distensões presentes. Por isso, ainda assim, a arte pode ser encontros e desconexões no espaço, posto que o

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que se conserva é precisamente um bloco de sensações (Deleuze; Guattari, 2013: 193-194). Ou melhor, é precisamente por ser monumento que a arte não cessa de criar possíveis encontros.

A arte é um composto de perceptos e afectos que nada tem a ver com as percepções e sentimentos dos indivíduos que os experimentam “transbordam a força daqueles que são atravessados por eles” (Deleuze; Guattari, 2013:194). Os perceptos e os afectos são aquilo que se conservam em si, entretanto, a arte existe enquanto vibração, enlace e distensão. Logo, os compostos de sensação se encadeiam, variam e se transformam. Em última instância o que a arte traz ao mundo é variedade, faz do mundo uma fábula. A arte é um encontro de encontros, mas também um desvio de desvios no espaço dinâmico que nos descreve Massey. Seus afectos reverberam no espaço criando e recriando conexões e disjunções que configuram o próprio espaço “ainda a fazer” (Massey, 2008: 161). A arte não tem nenhuma relação com o vivido, salientam Deleuze e Guattari, na medida em que seus afectos e perceptos não são meras reproduções de percepções e sensações da experiência (Deleuze; Guattari, 2013: 194), ainda assim afetam o vivido, pois os afectos não existem apenas no interior da obra. O artista, escrevem os dois filósofos “não é somente em sua obra que ele os cria [os afectos], ele os dá para nós e nos faz transformarmos com eles […]” (Deleuze; Guattari, 2013: 207). Se o espaço “não pode ser, jamais, aquela simultaneidade completa na qual todas as interconexões já tenha sido estabelecidas, na qual cada lugar já está (e nesse momento imutavelmente) ligado a todos os outros” talvez a arte, com seus perceptos e afectos que não cessam de derivar, de devir e de ser outro sendo ainda o mesmo, sejam uma forma de nos trazer afectos de outros modos de sentirmos próprio espaço.

3. Terceira ilha: paisagens como formas da percepção espacial

O estilo artístico conhecido como paisagem se difundiu como um tema pictórico autônomo a partir do século XVI. Conforme destacou Anne Cauquelin, a paisagem se consolidou enquanto estilo artístico mas também conformou um modo de relação com a natureza. Segundo a autora: “a paisagem fora pensada e construída como equivalente a natureza [...] uma prática pictórica que, pouco a pouco, ia dando forma a nossas categorias cognitivas e, consequentemente, a nossas percepções espaciais” (Cauquelin, 2007: 7). Interessante notar que a paisagem não só almejou se equiparar à natureza como acreditou, em conseqüência, que era capaz de dar forma aos conceitos filosóficos que definiriam nossas percepções espaciais.

Procuramos destacar com este apontamento inicial duas questões: nossas percepções espaciais são “coisas” passíveis de ganharem forma? E se esse é o caso, pode a arte dar forma a tais percepções? Seguiremos um pouco o percurso indicado por Deleuze e Guattari para pensarmos as implicações de ambas as questões. Segundo os autores, cabe a filosofia criar conceitos, e a arte criar perceptos e afectos. Ambas são formas do pensar conformadas por operações criativas próprias e cujas criações povoam

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planos distintos, o plano de imanência corresponde a primeira forma do pensar e o plano de consistência corresponde a segunda.

Os conceitos dispostos sobre o plano de imanência não se confundem com o próprio plano; assim os conceitos povoam o plano, criam relações de vizinhança entre si, mas não de complementaridade, pois não funcionam como quebra-cabeças. As relações de vizinhança que aproximam os conceitos uns dos outros são tão importantes quanto as zonas de indeterminação nas quais um conceito não continua nem se completa no outro. A força que os mantém no plano são forças rizomáticas: ao mesmo tempo que reúnem os conceitos, bifurcam em infinitas direções.

A arte, por sua vez, cria pensamento através dos afectos e dos perceptos, logo, são eles que povoam o plano de composição. Os perceptos e afectos, entretanto, nada tem a ver com as percepções e afecções do vivido, destacam Deleuze e Guattari. O que o pensar cria, portanto, no plano de composição são variações que fazem “gaguejar […] ou tremer, ou gritar ou mesmo cantar” a linguagem das sensações (Deleuze; Guattari, 2013: 208). Em ambos os planos, pensar é criar - conceitos ou afectos -, traçar planos sobre o caos, mas pensar é sempre também devir, pois é criação que não para de criar.

Feitas tais distinções, deveríamos, então, perguntar a qual conceito de espaço esperamos dar forma, pois se a filosofia cria conceitos, e o fazer filosófico está em aberto, existem muitos conceitos de espaço. Por outro lado, a arte cria afectos e perceptos que não são meras reproduções das sensações do vivido, da experiência, assim sendo a arte não dá forma a percepções, não importando de qual gênero sejam. Podemos então perguntar, na seqüência: pode a arte dar forma a conceitos de espaço?

Retornemos a paisagem. Ela constrói aquilo que entendemos ser a natureza, a ponto do mesmo termo designar o estilo pictórico e a realidade natural. De tal forma, que por vezes é necessário as distinguir enquanto paisagem-pictórica (mesmo que esta não exista apenas na pintura) e paisagem-natural; Interessante notar, que a primeira assume a tarefa de criar a realidade, justamente quando se acreditava estar criando através dela a forma de nossas “categorias cognitivas e nossas percepções espaciais”. Isso nos leva novamente às proposições de Deleuze e Guattari, pois sendo a arte e a filosofia formas de criação distintas não é possível que arte dê forma a algo que não seja por ela criado: afectos. Mas tal crença nos fornece uma importante pista, se trocarmos a proposição de que a arte “da forma a percepções espaçais” para “cria percepções espaciais” talvez seja mais viável compreendermos a natureza da paisagem e suas potências. Segundo Cauquelin, a invenção da paisagem-pictórica, (e note-se que a palavra inventar é da autora) e da perspectiva geométrica inventaram a paisagem-natural: “ela [a perspectiva] envolve de tal modo o conjunto de nossas construções mentais que só conseguiríamos ver através de seu prisma” (Cauquelin, 2007: 38). Como afirma Jacques Rancière: “as práticas artísticas ‘são maneiras de fazer’ que intervêm na distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas relações com as maneiras de fazer e formas de visibilidade.” (Rancière, 2009: 17). A invenção da paisagem é, portanto, uma dupla

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invenção: a arte inventou um estilo artístico, mas também as percepções espaciais. Criou perceptos e afectos de um espaço por-vir.

4. Quarta e quinta e… um arquipélago a guisa de conclusão

As artes criam outras geografias, pois não apenas se conforma a apresentar uma outra imagem possível de uma cidade, de um lugar. Cada imagem é a própria criação de um outro espaço em devir, um espaço pensável, pois é no momento em que a imagem coloca em desvio àquilo que era habitual que o espaço devêm o inesperado: todas as variedades. Uma obra de arte expressa além da sua visualidade, promove aberturas nos sentidos pré-estabelecidos do mundo ao constituir o real atravessado pela imaginação. A arte, tal como entende Deleuze e Guattari, cria outros mundos possíveis, devires, que compõem, recompõem e decompõem a realidade, pois são estes mesmos mundos a própria realidade, na medida em que a realidade e a verdade são meras ficções e o mundo uma fábula (Deleuze, 2001).

Pensar as relações entre a arte e o espaço enquanto um arquipélago é, para nós, um meio de pensar como as criações da filosofia e da arte “se cruzam, se entrelaçam, mas sem síntese nem identificação. […] Um rico tecido de correspondências pode estabelecer-se entre os planos” (Deleuze; Guattari, 2013: 234). Não existe, portanto correspondência entre o espaço conceito e o espaço afecto; a arte não é representação, mas criação. Existem, todavia, conexões infinitas de um no outro, por isso, um arquipélago: um o pensamento como heterogênese. Segundo Deleuze e Guattari, “cada elemento criado sobre um plano apela a outros elementos heterogêneos, que restam por criar sobre outros planos: o pensamento como heterogênese”. (Deleuze; Guattari, 2013: 234-5)

A arte nos deixa ver fendas no guarda-sol que nos protege do caos, o artista o “[…] rasga até o firmamento, para fazer passar um pouco do caos livre e tempestuoso” (Deleuze; Guattari, 2013: 240). Por tal brecha, vislumbramos ao menos quão limitado é o espaço no qual todas as coisas já estão dispostas e inertes, e todas as conexões pré-fixadas. Uma ilha nunca está realmente isolada, pois a água circundante a liga a fronteiras mesmo que desconhecidas. O arquipélago, todavia, é mais que uma reunião, são elementos que estão definitivamente juntos ainda que separados, em encontro permanente ainda que, por vezes, desconectados. O arquipélago pressupõe arranjos e re-arranjos infinitos. Se os planos de imanência e de composição eventualmente se cruzam, a arte pode trazer afectos de espaço que não conheceríamos de nenhum outro modo.

4. Bibliografia

Livros

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Couto, M. (2005). O último voo do flamingo. São Paulo: Companhia das Letras.

Deleuze, G., Guattari, F. (2013). O que é a filosofia? Trad. Bento Prado Jr e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34.

Deleuze, G. (2001). Nietzsche e a Filosofia. Trad. Antonio M. Magalhães. Porto: RES Editora. Massey, D. (2008) Pelo Espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Name, D. (20110. Mapas invisíveis. São Paulo: Caixa Cultural.

Referências

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