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Rumo à mecânica quântica, via fótons polarizados

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Academic year: 2021

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Rumo à mecânica quântica, via fótons

polarizados

4.1 Resumo

Nesta aula iniciamos a exploração do mundo quântico, através da observação do que ocorre nos experimen-tos envolvendo a polarização da luz quando reduzimos a intensidade dos feixes luminosos. Veremos como os resultados experimentais nos forçam a uma mudança radical no modo de interpretar as equações que descrevem o nosso sistema.

Bibliograa: Uma discussão semelhante a esta aula pode ser encontrada no livro de French e Taylor, cap. 7. Outra referência, infelizmente não disponível na biblioteca, é J. Townsend, A modern introduction to Quantum Mechanics, cap. 1.

4.2 Falha da teoria clássica da luz

A teoria que vimos na aula passada funciona admiravelmente bem para descrever experiências envolvendo luz polarizada sucientemente intensa. Dada uma fonte produzindo luz com características iniciais (polarização, intensidade e fase) conhecidas, podemos usar a nossa teoria para entender o que ocorre quando ela atravesse ltros, divisores de feixe, e outros componentes óticos. Um exemplo é a Lei de Malus deduzida acima para ltros polarizadores lineares.

Entretanto, se diminuímos sucientemente a intensidade da luz, ocorre algo totalmente imprevisto pela 18

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4.2. FALHA DA TEORIA CLÁSSICA DA LUZ 19

teoria. Imagine que à frente da nossa fonte haja uma câmera muito sensível. Segundo a eq. (2.9), ela deverá medir uma uxo contínuo e constante de energia1, sobre toda a sua objetiva.

Suponha então que diminuamos a intensidade progressivamente (por exemplo, colocando uma série de ltros absorventes entre a fonte e a câmera). A partir de certo ponto, começamos a perceber que o uxo de energia detectado pela câmera não é mais constante - ela passa a chegar de forma intermitente, em pacotes localizados no tempo e no espaço. Em outras palavras, a luz revela uma natureza granular, como se fosse formada por partículas (às quais chamamos fótons). Ainda, para uma dada fonte monocromática de freqüência angular ω, observa-se que cada fóton sempre carrega a mesma quantidade de energia (~ω). Assim, ao baixarmos a intensidade (energia/segundo) da luz, os fótons vão chegando de forma cada vez mais intermitente- até que, por exemplo, podemos observar somente um fóton atingindo a câmera a cada segundo. Podemos nos referir a essa situação como o regime de fótons individuais .

A existência e o comportamento dos fótons obviamente não é explicada pela teoria clássica do eletromag-netismo, na qual a luz é uma onda. No entanto, essa teoria não pode estar completamente errada: ela prevê uma série de fenômenos característicos de ondas, como difração e interferência, os quais são de fato obser-vados em feixes sucientemente intensos! Nos deparamos assim com um enigma semelhante àquele que já encontramos na experiência de fenda dupla com elétrons: como conciliar esses dois aspectos, aparentemente contraditórios, da luz?

A resposta mais completa a essa pergunta é a teoria conhecida como Eletrodinâmica Quântica (ou EDQ), desenvolvida em meados do século XX por Feynman, Schwinger, Tomonaga, Dyson e outros. Essa teoria permite entender em grande detalhe todos os aspectos da luz (e todos os demais fenômenos eletromagnéticos). Na situação acima, por exemplo, ela explica completamente a distribuição espacial e temporal com que os fótons são detectados. Trata-se de fato da teoria física mais precisa já criada pela Humanidade, tendo sido comprovada em experiências com margens de erro melhores do que uma parte em 1015!

Uma discussão completa da EDQ está, evidentemente, acima do nível do presente curso2. Felizmente,

porém, ela não é necessária para nós, pois nosso interesse aqui é mais especíco: queremos apenas com-preender como a luz concilia seus aspectos de onda e partícula. Veremos a seguir que é possível alcançar essa compreensão discutindo apenas um aspecto da luz - suas propriedades de polarização. De fato, ao ob-servar o comportamento de um fóton polarizado, obtém-se a chave para entender os princípios fundamentais

1Desprezamos aqui a oscilação deste uxo ao longo de um período T de oscilação da onda, a qual em geral é imperceptível

na escala de tempo experimental - Por exemplo, para o caso de luz visível, T =2π ω ' 10

−15s!)

2Uma introdução à EDQ em um nível acessível a alunos de início de graduação (ou mesmo de segundo grau!) é o magistral

livrinho de Richard Feynman, `QED: The Strange Theory of Light and Matter', que deveria ser leitura obrigatória para qualquer físico.

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da mecânica quântica - os quais, até onde sabemos, são válidos universalmente, seja para luz, matéria, ou qualquer outro sistema físico!

4.3 Experiências de pensamento com fótons polarizados

Albert Einstein gostava de discutir as teorias da física moderna, como a mecânica quântica ou a relatividade, usando o que ele chamava em alemão de gedankenexperiments, ou experiências de pensamento. Trata-se da prática de imaginar cenários experimentais idealizados, nos quais aspectos especícos de uma teoria podem ser isolados e analisados cuidadosamente.

Nesta seção vamos adotar essa losoa, propondo e analisando uma série de situações envolvendo fótons polarizados. Como indicamos acima, não vamos nos preocupar em entender a existência dos fótons (a qual vamos tomar como um dado experimental), nem como eles se distribuem no espaço e no tempo. Nosso objetivo é apenas o seguinte: queremos construir uma noção consistente para a polarização de um único fóton. Essa teoria deve ser capaz de descrever o que acontece quando manipulamos e medimos a polarização de feixes luminosos no regime de fótons individuais.

É importante lembrar que, assim como ocorreu quando discutimos a experiência de fenda dupla, não é possível adivinhar de antemão o que ocorre com os fótons simplesmente nos baseando na experiência familiar com feixes de luz polarizada. É preciso ver o que acontece experimentalmente, e então tirar as conclusões.

4.3.1 Experiência 1: Polarizadores repetidos

Figure 4.1: Experiência I: Todos os fótons que atravessam o polarizador Pi também atravessam outro

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4.3. EXPERIÊNCIAS DE PENSAMENTO COM FÓTONS POLARIZADOS 21

Antes de mais nada: como sabemos que fótons individuais têm polarização? Considere a situação da g. 4.1. Já vimos que um feixe luminoso intenso já polarizado não sofre qualquer atenuação na sua intensidade quando passa por um segundo polarizador do mesmo tipo. Esse comportamento independe da intensidade do feixe, e, experimentalmente, não se altera mesmo quando atenuamos o feixe até o regime de fótons individuais. Em outras palavras se, após passar o polarizador Pi, o nosso feixe tem um uxo de um fóton

por segundo, então continuamos detectando um fóton por segundo após o polarizador Pf. Podemos assim

ter fótons polarizados com cada polarização |P (θ, φ)i permitida pela eq. (2.33).

O que signica, porém, essa polarização de um fóton? Será que podemos continuar, como na teoria clássica, associando-a ao campo elétrico de uma onda, usando a eq. (2.8)?

4.3.2 Experiência 2: Dois polarizadores distintos

Para tentar responder a essa pergunta, vamos modicar um pouco a experiência anterior, usando agora polarizadores Pi e Pf distintos (g. 4.2).

Figure 4.2: Experiência II: Cada fóton que atravessa o polarizador Pi tem uma probabilidade p xa de

atravessar um segundo polarizador Pf de outro tipo, dada pela eq. (4.1).

Por exemplo, suponha que Pi seja um polarizador linear vertical, e Pf um outro polarizador linear,

orientado a um ângulo θ com respeito à vertical. Vimos que, de acordo com a física clássica, nessa situação um feixe de luz obedece à `Lei de Malus': o campo transmitido em Pf tem intensidade reduzida por um

fator cos2θ. Vimos ainda que, se usarmos em P

f um divisor de feixes polarizador (DFP) ao invés de um

polarizador simples, a onda de luz se divide em duas - uma transmitida e outra reetida - sendo que esta última tem intensidade reduzida por um fator sen2θ.

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ao invés do fóton se dividir em dois menos intensos, o que ocorre é que algumas vezes ele atravessa o polarizador, e em outras ele é reetido. Mais precisamente: se repetimos a experiência muitas vezes, usando sempre a mesma fonte e detectando os fótons um a um, vemos que uma fração de aproximadamente cos2θdo

total de fótons atravessa o polarizador, enquanto que os demais sen2θsão desviados, sem que haja qualquer

motivo aparente para um ou outro resultado ocorrer. Em outras palavras, os fótons parecem se comportar de forma probabilística, como moedas em um cara-ou-coroa. Cada fóton tem probabilidade p = cos2θ de

conseguir atravessar o polarizador, e sen2θ = 1 − pde não conseguir. (Note que a analogia com uma moeda

comum (com 50% de chance para cara ou coroa) vale só quando θ = ±45◦. Os demais casos lembram uma

moeda `viciada').

A mesma experiência pode é claro ser feita usando polarizadores Pi, Pf de qualquer tipo (por exemplo,

poderíamos escolher Pitransparente à polarização linear a θ = ±45◦, e Pf transparente à polarização circular

|P i. O resultado que efetivamente ocorre é o seguinte: após ter sido polarizado em Pi, um fóton atravessa

o segundo polarizador Pf com probabilidade

p = | hPf|Pii |2 (4.1)

Repare que esse comportamento dos fótons individuais é perfeitamente consistente com aquilo que ocorre no regime clássico. Quando um feixe de luz contendo bilhões e bilhões de fótons polarizados com polarização |Piiincide sobre um polarizador Pf, apenas uma fração p deles consegue atravessar. Como a intensidade de

um feixe é proporcional ao número de fótons por segundo, tudo o que observamos é o efeito descrito na eq. (3.7). Em outras palavras, o comportamento macroscópico descrito pela física clássica é na verdade o efeito agregado das escolhas probabilísticas feitas independentemente por cada um dos fótons!

Os resultados dessas experiências não respondem porém a uma pergunta simples, mas fundamental: anal, de onde vêm essas probabilidades?. Ou, em outras palavras, o que faz cada fóton `escolher' ser transmitido ou não no polarizador?

Essa pergunta aparentemente inocente esconde um mistério profundo, pois a resposta é: ninguém sabe! Até hoje, ninguém foi capaz de encontrar uma explicação - hoje em dia muitos físicos consideram que não faz sentido pedir uma explicação. Para entender por que isso é tão difícil, vamos tentar formular hipóteses sobre o que está acontecendo, e então testá-las através de novas experiências.

4.3.3 Experiência 3: Três Polarizadores

Antes da mais nada, vamos fazer uma pausa para lembrar como é que probabilidades costumam aparecer em física. Por exemplo, o que queremos dizer quando armamos que uma moeda tem  50% de chance de

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4.3. EXPERIÊNCIAS DE PENSAMENTO COM FÓTONS POLARIZADOS 23

dar cara ou coroa, ou um dado tem 1/6 de chance de cair com cada face para cima? Recorde que as leis de movimento (Leis de Newton) da mecânica clássica são determinísticas. Se soubermos a condição inicial (posição e velocidade) de uma partícula, bem como as forças que atuam sobre elas, em princípio podemos resolver a equação de movimento e encontrar a posição em qualquer instante. No caso de corpos rígidos, como moedas e dados, precisamos conhecer ainda a velocidade angular inicial, bem como os torques que agem sobre o corpo, mas o princípio é o mesmo. Em teoria, é possível calcular o resultado de um cara-ou-coroa.

Na prática, é claro, isso não é possível, pois simplesmente não conhecemos essas posições, velocidades e forças com a precisão necessária. No caso de um cara-ou-coroa, mudanças muito pequenas nessas condições podem levar a resultados nais muito diferentes, e assim acabamos sem poder prever o que de fato ocorre. A lição é clara: pelo menos na física clássica, probabilidades surgem como uma expressão da nossa ignorância sobre as condições precisas do sistema. Dito de outra forma, embora nós podemos não saber se vai dar cara ou coroa, a moeda sabe perfeitamente.

Voltemos agora aos nossos fótons polarizados. Baseado no que acabamos de discutir, uma hipótese plausível para explicar seu comportamento probabilístico é a seguinte:

Hipótese I: de alguma forma, cada fóton carregaria um conjunto de instruções (determinísticas) sobre o que fazer ao se deparar com um polarizador de cada tipo. Por exemplo: as instruções para um dado fóton poderiam especicar que ele deverá atravessar polarizadores verticais, mas não atravessar polarizadores circulares à direita, etc. Essas instruções variariam de fóton para fóton dentro de um mesmo feixe luminoso, de tal forma que nós, que não temos acesso a elas, veríamos apenas um efeito probabilístico.

Figure 4.3: Experiência III: Os polarizadores P1 e P3 são transparentes a fótons verticalmente polarizados,

enquanto que P2é transparente a fótons polarizados linearmente a 45◦. Apenas 25% dos fótons que passam

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Podemos testar essa hipótese com a seguinte experiência (g 4.3): colocamos três polarizadores em seqüência, sendo o primeiro (P1) e o último (P3) transparentes à polarização vertical |V i = |P (π/2, 0)i, e o

segundo à polarização linear a 45◦. Classicamente, a Lei de Malus (eq. (3.8)) prevê que o feixe polarizado

em P1seja atenuado em 50% ao passar por P2, e por novos 50% ao passar por P3, de modo que a intensidade

do feixe transmitido se reduz a 25% da original.

O que esperamos que ocorra no regime de fótons individuais? Pelo que vimos na Experiência 2, cada um dos fótons que atravessam P1 tem 50% de chance de atravessar também P2. Se a hipótese levantada acima

estiver certa, todos os fótons que atravessarem P1(i.e., que tenham instruções para atravessar polarizadores

verticais) deveriam também atravessar P3. Assim, esta hipótese prevê que a chance de um fóton atravessar

os 3 polarizadores é de 50%.

Na realidade, porém, não é isto que ocorre. Verica-se que apenas metade dos fótons que atravessam P1

e depois P2 consegue também atravessar P3- ou seja, um dado fóton polarizado por P1 tem apenas 25% de

chance de atravessar os 2 outros polarizadores (como tem de ser, aliás, para ser consistente com o resultado no regime clássico). Podemos concluir assim que a Hipótese I acima está errada.

O que está acontecendo então? Note que, se retirarmos o polarizador P2, retornamos à situação do

Experimento I, e vemos novamente 100% dos fótons que atravessam P1atravessando também P3. A presença

do segundo polarizador, com orientação distinta dos outros dois, é portanto fundamental para a mudança que observamos. Este fato sugere uma segunda hipótese para explicar o que vemos:

Hipótese II: como na hipótese I, cada fóton carregaria um conjunto de instruções (determinísticas) sobre o que fazer ao se deparar com um polarizador de cada tipo. No entanto, essas instruções poderiam ser embaralhadas ou modicadas a cada vez que o fóton interagisse com um polarizador. Por exemplo, ao passar pelo polarizador P2, um fóton com a instrução de atravessar polarizadores verticais (e que por isso

atravessou P1) poderia agora receber a instrução oposta. No caso da Experiência 3, haveria algum mecanismo

pelo qual metade dos fótons sofreria essa alteração em P2 e metade não. Desta maneira, explicaríamos o

resultado observado.

Infelizmente, essa hipótese também não se sustenta. Para ver isso, vamos testá-la com mais uma exper-iência.

4.3.4 Experiência 4: Interferômetro de Mach-Zehnder

Considere a montagem representada na g. 4.4. Um feixe linearmente polarizado a 45◦ incide sobre um

divisor de feixe polarizador (DF P 1), o qual é transparente a luz horizontalmente polarizada, mas desvia luz verticalmente polarizada. Os feixes são reetidos por espelhos e então recombinados em um outro DFP do

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4.3. EXPERIÊNCIAS DE PENSAMENTO COM FÓTONS POLARIZADOS 25

mesmo tipo. Observe que, como novamente a luz horizontalmente polarizada é transmitida e a vertical é reetida, ambos os feixes saem pelo mesmo lado do DF P 2. Logo em seguida, colocamos um terceiro DFP, desta vez orientado de modo a ser transparente a luz polarizada a 45◦, e a reetir luz polarizada a −45.

Finalmente, colocamos um detector de fótons em cada porta de saída. Chamamos este aparelho de um Interferômetro de Mach-Zehnder3.

Figure 4.4: Experiência IV (Interferômetro de Mach-Zehnder): Um feixe de luz polarizada a 45◦incide sobre

um divisor de feixe polarizador (DFP1), o qual transmite a polarização H e reete a polarização V . Mais à frente, o feixe é recombinado em outro DFP idêntico (DFP2). Como resultado, todo o feixe é enviado na direção de DFP3, o qual transmite luz linearmente polarizada a +45◦ e reete luz polarizada a −45.

Verica-se que todos os fótons são detectados em D2.

O que ocorre com a luz que atravessa esta montagem? Na descrição da física clássica, a onda de luz incidente se divide em duas no DF P 1 (v. eqs. (3.1) e (3.2)), as quais então se recombinam no DF P 2. Essa recombinação, superpondo os campos elétricos das duas ondas, reconstitui o feixe original com polarização a +45◦, de modo que toda a luz atravessa o DF P 3.4

Vista dessa maneira, a montagem não parece ser muito útil - separamos o feixe simplesmente para juntá-lo novamente! Considere porém, o mesmo aparelho no regime de fótons individuais. Pejuntá-lo que acabamos de

3Mais precisamente, trata-se de uma versão modicada do interferômetro inventado por E. Mach e L. Zehnder, alterada para

ser sensível à polarização da luz.

4Assumimos aqui que os dois caminhos têm o mesmo comprimento, de modo que os campos que percorrem cada caminho

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ver, todos os fótons atravessam o DF P 3. Comparemos agora esse fato com aquilo que prevê a Hipótese II acima. De acordo com essa hipótese, cada fóton (inicialmente polarizado a 45◦) teria instruções internas

que o levariam a escolher uma das duas saídas (V ou H) do DF P 1. Ao chegar no DF P 2, que tem a mesma orientação do anterior, as mesmas instruções fariam todos os fótons tomarem o rumo `para cima', independente do seu caminho anterior (isso tem de ser verdade, devido ao que vimos na Experiência I). Até esse ponto, portanto, a Hipótese II concorda com o que realmente ocorre.

Figure 4.5: Experiência IV (Interferômetro de Mach-Zehnder): Tapando um dos braços do interferômetro com um detector, as chances de cada fóton ser detectado em D1, D2 ou D3 passam a ser respectivamente 25%, 25% e 50%.

Ao analisarmos o que ocorre no DF P 3, porém, encontramos problemas. Note que, para ser consistente com o que vimos na Experiência 3, a passagem de um fóton pelos DF P 1 e DF P 2 teria de embaralhar as suas supostas instruções internas, levando-o a ter apenas 50% de chance de atravessar um polarizador como DF P 3, orientado a ±45◦ com respeito aos anteriores. Em outras palavras, a Hipótese II prevê que,

após atravessar DF P 2 o fóton teria apenas 50% de chance de atravessar o DF P 3. Como isto não é o que ocorre, a Hipótese II também está errada!

E agora, como podemos entender o que está acontecendo? Observe que o resultado desta experiência depende de forma essencial da recombinação entre os feixes que seguiram os dois caminhos. Para ver isto com mais clareza, suponha que tapemos um dos caminhos com um terceiro detector D3 (v. g.4.5), de modo que a luz que chega ao DF P 3 contém apenas polarização |V i. Como se pode esperar, 50% dos

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4.3. EXPERIÊNCIAS DE PENSAMENTO COM FÓTONS POLARIZADOS 27

fótons passam agora a ser detectados em D3. Nas vezes em que isto não acontece, porém, vemos os fótons aparecendo tanto no detector D1 quanto no detector D2, com igual probabilidade! Exatamente o mesmo ocorre se bloquearmos apenas o outro caminho.

Do ponto de vista clássico, compreendemos essa situação em termos da interferência entre os campos que percorrem cada um dos dois caminhos. A onda de luz tem uma certa amplitude de chegar ao detector D1 pelo caminho de cima, e outra (no caso, de mesmo módulo e sinal oposto) de chegar pelo caminho de baixo. Quando ambos os caminhos estão abertos, ocorre uma interferência destrutiva em D1 que anula a amplitude total de chegada ali. (Simultaneamente, ocorre uma interferência construtiva que torna igual a 100% a amplitude de chegar em D2). Quando um dos caminhos é bloqueado, a interferência não ocorre.

O resultado da Experiência 4 indica que esta interferência entre caminhos continua ocorrendo mesmo que um único fóton esteja percorrendo o interferômetro. Não parece haver outra forma de explicar como a chance de detectar fótons em D1 pode cair quando desbloqueamos um dos caminhos até lá. Para isso, porém, de algum modo o fóton parece ter de passar ao mesmo tempo por ambos os caminhos!

Temos aqui assim uma situação exatamente análoga à da experiência de fenda dupla com elétrons que vimos na 1a aula. Note que, naquele caso, tratava-se de objetos que costumamos tratar classicamente como partículas, mas que manifestam características ondulatórias. Aqui temos um `objeto' (um feixe de luz) que costumamos tratar classicamente como uma onda, mas que também apresenta características de partícula. A única diferença do caso atual é que aqui o fóton é detectado em um de um conjunto nito de locais possíveis, enquanto que, com os elétrons, havia um contínuo de pontos possíveis de chegada no anteparo. É por isso que escolhemos começar nosso estudo com os fótons polarizados: neste sistema a `estranheza' da mecânica quântica está reduzido à sua expressão mais simples.

Continuamos porém com o problema: será possível encontrar alguma outra hipótese que explique, de forma determinística, o comportamento probabilístico dos fótons? Muitos físicos no passado, (e alguns até hoje), acreditaram que sim. Albert Einstein, por exemplo, passou a vida inteira inconformado com o in-determinismo quântico, e foi nesse contexto que ele proferiu a famosa frase Não posso acreditar que Deus jogue dados com o Universo). No entanto, uma outra experiência de pensamento, proposta originalmente pelo físico John Bell em 1964, mostra que, se existir uma tal hipótese, ela tem de ser bem estranha. Em par-ticular, ela tem de permitir que objetos muito distantes possam se comunicar instantaneamente à distância, violando assim um dos princípios fundamentais da teoria da relatividade do próprio Einstein!!

A experiência proposta por Bell é complexa demais para podermos explicar nesta altura inicial do curso (talvez tenhamos tempo no nal do curso). Basta dizer, no entanto, que ela já foi de fato realizada em lab-oratório. Os resultados encontrados conrmam completamente as previsões quânticas, enterrando (quase)5

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de vez a possibilidade de haver uma explicação para as probabilidades quânticas no sentido buscado por Einstein.

O ponto de vista atual da maioria dos físicos é simplesmente desistir de procurar uma explicação, e aceitar a aleatoriedade presente na mecânica quântica como um aspecto fundamental e intrínseco da Natureza. Nessa visão, o máximo que podemos fazer quando descrevemos uma situação física é calcular as probabilidades de cada resultado possível de uma experiência, sem podermos em geral prever o que de fato ocorre.

Referências

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