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PEDAGOGIAS CULTURAIS E O CYBERPUNK: UMA ANÁLISE DO FILME TOTAL RECALL: O VINGADOR DO FUTURO. Alessandra da Rosa Trindade Camilo

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PEDAGOGIAS CULTURAIS E O CYBERPUNK: UMA ANÁLISE DO FILME

TOTAL RECALL: O VINGADOR DO FUTURO.

Alessandra da Rosa Trindade Camilo

A relação estabelecida entre o cinema e a literatura cyberpunk iniciou da década de 80, quando o gênero literário ganhou as vitrines do mundo através do clássico Neuromancer, escrito por William Gibson e lançado em 1984, apresentando a instigante e questionadora relação entre o homem e a máquina. No mesmo período, o filme Blade Runner, do diretor Ridley Scott, ganhava as grandes telas explorando a mescla do orgânico e mecânico. Pode se dizer que a origem do gênero literário cyberpunk deu-se na ficção científica dos anos 60 e 70, que já mesclava a temática das tecnologias com a fascinação das pessoas sobre o que estava por vir, o futuro frente à convivência cada vez mais intensa da humanidade com a high tech.

Algumas das temáticas mais abordadas nas obras daquela época eram as guerras nucleares, a ameaça biológica, os avanços da medicina, a evolução da robótica e da cibernética, as quais influenciaram significativamente o cyberpunk, que é considerado uma espécie ou subgênero específico da ficção científica. Nele, são enfatizadas a obscuridade e as incertezas frente às tecnologias implantadas em ambientes de caos urbano, principalmente as novas tecnologias digitais. Resumidamente, o cyberpunk indica uma corrente ou um movimento da ficção científica dos anos 80 que se faz presente – embora nem sempre preservado em suas características originais – ainda hoje em inúmeras obras de ficção científica, tanto no contexto da literatura quanto do cinema.

Essa relação da literatura como influência e inspiração de obras fílmicas vêm instigando muitos estudos que buscam compreender essa transição de significados gerados na escrita e reportados pela imagem, especialmente considerando os textos de Gibson, autor de considerável atuação no gênero cyberpunk. Para Douglas Kellner (2001), os texto de Gibson induzem-nos a refletir sobre o modo como a tecnologia pode, ao mesmo tempo, melhorar a vida humana e agir como força destrutiva. É importante ressaltar que vários estudiosos dedicados à análise desse gênero argumentam que, ao representarem o sujeito enquanto um híbrido composto entre o digital e o humano, essas narrativas funcionam como metáforas produtivas para discutir questões levantadas no âmbito das teorias do pós-modernismo sobre o sujeito contemporâneo. Nas palavras de Amaral (2003, p. 3),

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São várias as origens filosóficas que desembocaram nas chamadas teorias pós-modernas para alguns, teorias da contemporaneidade para outros; e as controvérsias continuam no centro dos debates acadêmicos. Não cabe aqui esse debate e sim, apenas apresentar a pós-modernidade como um dos elementos que dá sustentação teórica à ficção científica e mais precisamente ao cyberpunk.

De encontro a essas considerações, sobre a base pós-moderna que sustenta as obras cyberpunk, Kellner (2001, p. 381) chama atenção para o caráter pedagógico que esse gênero adquire na propagação de conceitos e valores ligados ao que se tem denominado, de modo amplo e genérico, de pós-modernidade: “No cyberpunk, a visão pós-moderna encontra a sua expressão literária paradigmática e dissemina as suas visões para a cultura contemporânea da qual extraiu energia e agudeza”. Portanto, as narrativas cyberpunk podem ser – e têm sido – lidas como metáforas que permitem pensar sobre um “ser” ou um “sujeito” pós-moderno, marcado principalmente pela hibridização entre o humano e o tecnológico num futuro não tão distante.

A partir desse pano de fundo, é importante esclarecer que o interesse dessa análise sobre o gênero literário e cinematográfico em questão, insere-se no contexto dos Estudos Culturais e Educação, por acreditar que, juntamente com outros artefatos culturais contemporâneos, as narrativas cyberpunk têm produzido representações e discursos que circulam e operam pedagogicamente na composição de identidades pós-modernas. Assim sendo, inspirada pelas reflexões de Kellner, entre outros, através do presente estudo, será analisado de que modo o gênero literário/cinematográfico cyberpunk atua como uma pedagogia cultural que dissemina representações sobre um sujeito pós-moderno marcado pela hibridação do ser humano com o universo das novas tecnologias digitais.

O artefato que será investigado é o filme Total Recall: O vingador do futuro do diretor Len Wiseman, e inspirado no conto de Philip K. Dick, intitulado We can remeber it for you wholesale, que significa “Nós podemos lembrar por você por um bom preço”, e que representa a voz da literatura na obra fílmica. Lançado na revista The magazine of Fantasy and Science Fiction, em 1966, o conto inspirou uma primeira adaptação fílmica já na década de 1990, realizada por Paul Verhoeven. Vinte e dois anos depois, ganhou um remake e retornou ao público, em 2012.

O enredo de Total Recall se passa no final do século XXI, quando uma guerra global química levou o planeta Terra a muito próximo de se tornar inabitável, dando origem, assim, aos únicos dois espaços ainda habitáveis: as Federações Unidas da Grã-Bretanha (FUGB), de

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um lado, e a Colônia, de outro. O primeiro representa o poder e o controle sobre todos os seres humanos sobreviventes da guerra química, sendo habitado pela elite. Caracterizado por ser um lugar seguro e limpo, apresenta condições de vida muito superiores às oferecidas para os habitantes da Colônia. Já o segundo espaço, por sua vez, é configurado como um submundo onde vive a classe dos trabalhadores, que é explorada pelos habitantes da FUGB. Esse tipo de divisão do espaço, no filme, remete de imediato à tendência do gênero cyberpunk em dividir a ambientação a partir de uma polarização entre diferentes tipos de sujeitos: aqueles integrados e os não-integrados a uma ordem pré-estabelecida. No caso específico desse filme, existe uma ironia presenteísta construída pelo modo como tais espaços foram nomeados e localizados. Ao passo que a elite habita o que o espectador hodierno reconhece como a Grã-Bretanha, os proletários habitam o lado oposto do planeta, localizado na Austrália, uma antiga colônia britânica. Esse recurso dialógico remete à ideia do imperialismo praticado historicamente pela Grã-Bretanha, mas também sugere, ironicamente, que tal prática política jamais foi abolida do planeta, sobrevivendo, inclusive, no futuro.

Chama atenção, na Colônia, a presença de muitos asiáticos, o que também pode ser lido como uma ironia com fins de crítica social, na medida em que remete para a questão da imigração de populações provindas de países pobres para países ricos. Esses imigrantes, geralmente, desempenham o trabalho braçal, pesado e mal remunerado que a população dos países ricos não está disposta a realizar. Mesmo assim, são estigmatizados e, frequentemente, trabalham e moram em condições precárias.

Os habitantes da Colônia são transportados até as Federações Unidas por meio de um artefato tecnológico denominado The Fall (“a queda”). Esse meio de locomoção representa toda a potência da tecnologia abordada pelo filme, sendo uma espécie de metrô que atravessa o globo terrestre, por dentro, de um lado ao outro, passando próximo ao centro da terra. Em inglês, o verbo fall pode significar, literalmente, cair, o que poderia remeter simplesmente para o fato de que os passageiros “caem” de um lado do planeta, ressurgindo no outro. Entretanto, também nesse caso, existe uma ironia dotada de crítica social, pois esse verbo pode sugerir a ideia de declínio, perda de poder (fall from power) e, inclusive, de perda de uma batalha (to fall in battle).

Comparando os ambientes, os dois espaços representam os extremos em termos de distância. Conotativamente, a travessia que os trabalhadores da Colônia precisam fazer, diariamente, em direção à FUGB, adquire um sentido de declínio e de perda, sugerindo que os sujeitos submetidos a esse transporte são os reais perdedores de uma guerra ou batalha. Tanto

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a elite que vive na FUGB quanto os proletários que vivem na Colônia estão integrados em um sistema socialmente injusto e exploratório. No entanto, existe um grupo de sujeitos não integrados a esse sistema, os revolucionários, liderados por um ativista chamado Mathias. O objetivo desse grupo de resistência é destruir o poder concentrado na FUGB, proporcionando uma vida mais justa e igualitária para os habitantes da Colônia. É interessante notar que, geograficamente, esse grupo não habita nem a FUGB e tampouco a Colônia: esconde-se justamente na área que ainda está sob efeito de poluentes químicos, fora de todo o território conhecido. Metaforicamente, é um grupo que resiste à dominação representada pela divisão territorial entre uma colônia e uma metrópole, propondo uma nova organização sociopolítica.

A vinculação do filme com a estética cyberpunk pode ser percebida através de vários elementos ao longo do filme. Um aspecto que chama atenção, por exemplo, é a caracterização do ambiente da colônia pela obscuridade. As paredes pichadas conotam o clima de revolta das ruas estampadas no cenário que compõe a Colônia, o que também dialoga com a estética cyberpunk, além de os personagens secundários serem sempre dispostos nesse espaço sombrio.

No que diz respeito especificamente à relação do filme com os postulados do pós- modernismo, a principal questão abordada ao longo do enredo diz respeito à identidade do protagonista, Quaid, que vive o dilema de ter tido sua memória alterada através de tecnologia digital. As principais ações do enredo, na verdade, decorrem de seus conflitos com relação ao que sente, ao que lembra e ao que imagina, ao ponto de não saber mais quem realmente é. Em última análise, o filme lança a pergunta sobre o que constitui, de fato, um sujeito, pois as memórias acumuladas ao longo da vida podem não ser confiáveis. No início do filme, Quaid é apresentado como um dos trabalhadores da Colônia. No entanto, diferente dos demais, ele não consegue aceitar a realidade vivida diariamente, sentindo-se escravo dos trabalhos que deve prestar nas Federações Unidas como fabricante de novos robôs. Além de se sentir aprisionado aos comandos das Federações Unidas, o personagem também é perseguido por sonhos perturbadores que remetem a lembranças mescladas à sua imaginação.

Sua condição de montador de androides, os quais desempenham o papel de policiais nas Federações Unidas, instiga, no personagem, sentimentos de revolta pela vida que leva, desejando mudança. Inicialmente, Quaid se mantém pacífico porque percebe que todas as pessoas com quem convive se sentem protegidas pelas Federações Unidas e, ao mesmo tempo, impotentes diante de tamanho poder exercido sobre a Colônia.

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Porém, em mais um dia de trabalho, ao chegar à estação principal para embarcar na The Fall, o personagem se depara com um grupo de manifestantes insatisfeitos com a exploração a que estão submetidos nesse espaço altamente controlado. Essa cena retrata a seguinte mensagem pichada em um muro: “A queda escraviza a todos nós”. Em meio a essa situação, Quaid lê o anúncio da empresa Rekall, que oferta a possibilidade de trocar de memória, concedendo, a qualquer sujeito, a oportunidade de assumir outra personalidade por um curto espaço de tempo. Trata-se de uma forma de escapismo vendida – o que dialoga com a ideia de droga alucinógena, capaz de alterar a percepção de quem a consome. No entanto, a droga oferecida pela Rekall caracteriza-se como uma manipulação da mente por meio de tecnologia digital, a qual atua diretamente sobre o cérebro, substituindo memórias existentes por memórias desejadas. No universo ficcional do filme, esse procedimento é possível porque o próprio conteúdo da memória é tratado como se fosse composto por bits de informação, fazendo com que pensamentos possam transitar do cérebro para as máquinas, e vice-versa.

Tentado pela oportunidade de escapar da rotina, Quaid procura por esse local e aceita o desafio de viver, temporariamente, outra personalidade. Durante o processo de transferência de sua nova memória, contudo, os funcionários da Rekall descobrem que o personagem, de fato, já vive uma personalidade falsa, implantada em seu cérebro anteriormente. Essa cena, descrita, retrata o momento em que Quaid aparece preparado para fazer o download de uma nova memória, a qual representa a convergência invisível entre homem e tecnologia. Completamente atordoado, Quaid, que já não sabe mais se esse é o seu nome verdadeiro, começa a lutar contra as próprias lembranças. A primeira atitude que toma é questionar sua esposa Lori Quaid, indagando sobre pistas que o conduzissem à sua vida real. Para sua surpresa, descobre que a atual esposa, na verdade, é uma terrível inimiga que compactua com seus algozes, os quais o mantêm aprisionado a uma falsa identidade. Ela o aconselhava a desconsiderar os sonhos que tinha todas as noites, os quais, na verdade, revelavam lembranças de sua vida de espião federal e confrontam suas memórias e com a realidade.

Determinado a recuperar sua identidade roubada, Quaid passa a percorrer as ruas da Colônia à procura de outras recordações que o ajudassem a compreender o motivo pelo qual as Federações Unidas fizeram-no esquecer sua profissão de espião. Nessa caça, descobre que seu verdadeiro nome é Hauser e que a mulher com quem costumava sonhar todas as noites é a sua verdadeira companheira. O personagem também descobre o motivo pelo qual sua personalidade foi alterada: suas atitudes, enquanto espião, estavam se configurando como uma ameaça ao novo sistema de poder estabelecido pelas Federações Unidas, o qual era

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comandado pelo personagem Cohaagen. A discussão colocada, nesse contexto, tensiona as fronteiras que separam o sonho e a memória, pois, no caso de Quaid, os sonhos possuíam correspondência com a realidade, ao passo que suas memórias eram ilusórias. Como se verá adiante, essa questão está diretamente vinculada à maneira como o filme aborda a questão da identidade, pois, em última análise, tanto o sonhado quanto o lembrado são realidades efêmeras e evanescentes, não podendo, portanto, garantir uma identidade constante e imutável.

Com a comprovação de que sua identidade tinha sido realmente alterada, Quaid decide fugir da Colônia, utilizando o único meio que poderia transportá-lo até o espaço das Federações Unidas: The Fall. Nessa cena é retratado o momento em que o personagem consegue vencer o controle dos robôs da polícia, tendo o ciberespaço como facilitador da fuga.

Nesse contexto, uma das principais mensagens produzidas pelo filme é que a identidade do sujeito contemporâneo não possui um fundamento absoluto e imutável, o que está de acordo com as principais discussões realizadas no contexto das teorizações do pós- moderno. No episódio da fuga, por exemplo, o protagonista está encurralado pela polícia e se vê confrontado entre Melina, a mulher com quem sonhava, e seu melhor amigo durante a vida que levava na Colônia. Ao passo que Melina tenta convencê-lo de que seus sonhos eram lembranças de uma vida real, o suposto amigo tenta convencê-lo do contrário. Completamente desamparado, o personagem não sabe se deve confiar no que lembra ou no que sonhou para tomar qualquer decisão sobre quem realmente é.

A solução para esse conflito é apresentada apenas na parte final do filme, quando Quaid/Hauser finalmente consegue se encontrar com o líder revolucionário Mathias, o qual teria o poder de lhe devolver a identidade roubada. No diálogo que se estabelece entre Mathias e Quaid/Hauser, o primeiro desafia o segundo sobre sua verdadeira intenção ao procurá-lo. Este afirma, inicialmente, que quer aderir à revolução e, em seguida, que quer saber quem realmente é. A resposta de Mathias é a seguinte: “Não importa quem você foi. O importante é quem você é e o que faz agora”. Como se percebe, a identidade, aqui, não se define pela memória e tampouco pelo sonho, mas pela ação no presente. No caso de Quaid/Hauser, sua identidade se define, de fato, quando ele decide participar do movimento revolucionário: pelo menos para Mathias. Assim sendo, o filme parece estabelecer um contraponto entre as lembranças e os sonhos - que se encontram no passado ou na imaginação – e a ação, a qual é sempre presente e, por isso, não pode ser fixada. Em poucos termos, o

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filme Total recall representa a identidade como uma (re)invenção constante, a qual é realizada a partir de ações que ocorrem em um presente sempre reconfigurado, mas jamais no passado.

O papel das novas tecnologias na discussão sobre a constituição da identidade não é essencial, pois é a própria memória que está sendo colocada em cheque enquanto um fundamento capaz de fixar a identidade. Por outro lado, o filme produz a representação de um universo completamente atravessado por transformações tecnológicas, as quais estão integradas ao cotidiano das personagens, muitas vezes, transformando-as em seres híbridos: orgânicos e não-orgânicos. Em poucos termos, não existe, no filme, uma concepção tecnofóbica e tampouco tecnófila. O que existe é uma espécie de naturalização da presença da tecnologia e das identidades híbridas que dela decorrem. Na maior parte do filme, existe a representação de uma convivência naturalizada entre o homem o robô. Os homens mecânicos circulam tranquilamente entre os humanos, o que pode ser exemplificado, em uma das cenas que os trabalhadores da Colônia são levados, através da The Fall, até as Federações Unidas para mais uma jornada de trabalho.

Com relação ao convívio de máquinas e humanos, as pessoas transitam tranquilamente na estação principal entre Colônia e Federações Unidas, com robôs agindo como corpo policial. No entanto, existem cenas em que esse convívio não é tão funcional, adquirindo um caráter íntimo. Na cena em que Quaid/Hauser passa a ser perseguido por Cohaagen, por exemplo, o personagem acaba na zona boêmia da Colônia e presencia uma cena de prostituição entre o homem e a máquina. A cena causa impacto porque apresenta o corpo de um robô feminino, o que sugere que a máquina pode exercer não apenas funções práticas e legítimas do ponto de vista social, mas também funções ligadas ao desejo e ao erotismo. Por outro lado, as relações entre o ser humano e as tecnologias ultrapassam o mero convívio nesse filme. Em muitas cenas e episódios, existem exemplos de hibridação entre o orgânico e o inorgânico. O próprio fato de Quaid/Hauser ter suas memórias retiradas e implantadas com uso de tecnologia digital já aponta para um tipo de hibridismo muito comum no gênero cyberpunk, de acordo com o qual o pensamento pode ser transformado em bits de informação. Assim sendo, o cérebro se transforma em uma espécie de suporte parecido com um computador, ao passo que o computador se transforma em um suporte parecido com o cérebro.

Ao passo que o implante de memórias aponta para uma hibridação entre o cérebro e a máquina, existem cenas que apontam para hibridações entre o corpo e máquina. Em uma das cenas, por exemplo, uma personagem que habita o submundo da Colônia possui tatuagens

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reluzentes em suas costas, as quais brilham como se fossem lâmpadas fosforescentes. Já em outro momento, no qual Quaid/Hauser está fugindo da polícia é possível visualizar o momento em que, inesperadamente, um telefone toca e o personagem descobre que o toque vinha de dentro de sua própria mão direita. Trata-se de um implante subcutâneo, o qual é retirado pelo mesmo. Ao atender a ligação, Quaid recebe o recado de um antigo amigo que sabia de tudo o que havia ocorrido antes de sua memória ser tomada e modificada. Como instrução final, para evitar que o sistema das Federações Unidas rastreasse sua localização, Quaid atende ao pedido de seu conhecido e se desfaz do aparelho inserido em seu corpo.

Para finalizar esta reflexão, é importante ressaltar que o filme não apresenta o uso da tecnologia em termos de benefícios ou malefícios; antes, apresenta um mundo já transformado pela tecnologia digital, no qual os próprios seres humanos estão hibridados com as máquinas, em maior ou menor escala. A mensagem construída ao longo do enredo aponta para o fato de que a identidade é uma construção constante realizada através de nossas ações num presente que está sempre em movimento. Nesse sentido, no final do enredo, quando o personagem Quaid/Hauser finalmente vence o comando das Federações Unidas, destruindo as forças opressivas que governavam os sobreviventes do ataque químico, o filme interpela o espectador para que reconheça a necessidade de lutar por justiça social. A tecnologia, nesse contexto, não é o verdadeiro protagonista, mas o próprio sujeito, mesmo que se trate de um sujeito marcado pela hibridação entre o orgânico e o inorgânico.

O sol brilhando, no final da obra, é um contraste em relação ao ambiente sombrio que predominou no decorrer de praticamente todo o filme. Enquanto o poder destrutivo de Cohaagen imperava sobre as Federações Unidas, escravizando a Colônia, não houve uma cena sequer em que o céu não estivesse nublado ou chuvoso. Com a vitória de Quaid/Hauser e, consequentemente, do grupo revolucionário, renovam-se as esperanças de que esse sujeito híbrido cuja identidade está em constante construção seja capaz de superar uma realidade marcada pela exploração econômica e pela injustiça social: o mundo atual, e não o mundo do futuro. Esse parece ser o principal ensinamento construído pelo filme Total Recall enquanto uma pedagogia cultural.

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FILMES REFERIDOS

Blade Runner (1982).

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