A apresentação gráfica de bula de medicamentos: um estudo sob a perspectiva
da ergonomia informacional
The graphic presentation of patient package inserts: a study from the perspective of
the information ergonomics
Patrícia Tiemi Lopes Fujita
Bacharelanda de Desenho Industrial
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – patt80@hotmail.com
Carla Galvão Spinillo
Doutora (Phd), Departamento de Design
Universidade Federal do Paraná –
cgspin@terra.com.br
Palavras-chave em português: medicamentos,bulas, apresentação gráfica
Este artigo discute a composição gráfica de bulas de medicamentos, através dos resultados de um estudo analítico sobre os componentes e relações gráficas presentes nas bulas. Foram identificadas deficiências na hierarquia e apresentação informacional-gráfica na amostra. Algumas recomendações para a apresentação gráfica de textos nas bulas de medicamentos são também propostas.
Key-words in English: medicines, inserts, graphic presentation
This paper discusses the graphic configuration of medicine inserts, through the results of an
analytical study on the components and graphic relations presented in the inserts. Deficiencies in
hierarchy and in the information-graphic presentation were identified in the sample. Some
recommendations on the graphic presentation of text in the medicine inserts are also proposed.
1- Introdução
A bula de remédio é um documento de instrução impresso imprescindível no uso de medicamentos, pois fornece informações específicas sobre sua composição química, precauções/advertências/ cuidados (e.g. uso, acondicionamento do medicamento), formas de ministrar e até mesmo como preparar um medicamento (e.g. antibióticos em suspensão). A apresentação gráfica do conteúdo informacional nas bulas de remédios influencia sua leitura e compreensão, e portanto o uso dos
medicamentos. Deficiências tanto ao nível de conteúdo quanto na apresentação gráfica das informações em bulas podem levar ao mau uso de medicamentos, comprometendo o bem-estar e até acarretando sérias conseqüências na saúde do indivíduo.
A preocupação com a qualidade e tipo de conteúdo informacional veiculado em bulas de medicamentos faz com que governos implementem regulamentação sobre este tema junto aos fabricantes de produtos
farmacêuticos. No Brasil, a informação em
medicamentos [bulas e embalagem] é regulamentada pela ANVISA -Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, órgão do Ministério da Saúde. De acordo com a Portaria n.110 (1997), expedida pela
ANVISA, as bulas de remédios devem conter obrigatoriamente as seguintes identificações gerais: (a) Identificação do Produto; (b) Informações ao Paciente; (c) Informação Técnica e (d) Dizeres Legais (e.g. n° de registro da ANVISA/MS; farmacêutico responsável, etc)
No entanto, a legislação é omissa no que se refere à apresentação gráfica das informações obrigatórias. Aspectos como legibilidade, clareza nas instruções visuais (quando empregadas), layout do documento são desconsiderados, apesar da relevância destes aspectos na leitura e compreensão da mensagem. Problemas na composição gráfica de um documento, como a bula de medicamentos, podem interferir no status hierárquico da apresentação dos elementos informacionais, caso estes possuam grau de
títulos e subtítulos apresentados com mesmo tamanho, peso e caixa da fonte (e.g. Times 8 bold em caixa alta, i.e TÍTULO E SUBTÍTULO), não
distinguindo a relação de hierarquia entre estes. Outros aspectos na composição textual também influenciam a eficácia comunicacional de um documento, como o tamanho da fonte, o
espaçamento entre parágrafos, a entrelinha do corpo do texto (e.g. Schriver, 1999). No caso de bulas de medicamentos, além destes aspectos encontra-se também a apresentação de diferentes tipos de informação, como advertências e tabelas, fazendo das bulas um documento de considerável
complexidade informacional e gráfica.
Apesar da importância dos aspectos gráficos na eficácia comuncacional de bulas de medicamentos, pouco se tem investigado sobre este tema no Brasil, particularmente sob a ótica da ergonomia
informacional, apesar de que problemas de ordem gráfica-informacional podem dificultar a leitura e compreensão das bulas de medicamentos. Considerando a relevância e a necessidade de investigação neste tema, é apresentado aqui um estudo analítico sobre a composição gráfica da bula de medicamentos, identificando seus componentes e relações, com vistas a propor algumas
recomendações para a apresentação gráfica das bulas de medicamentos.
2- Alguns pressupostos teóricos
As instruções fazem parte de nossa vida cotidiana. A satisfatória realização de uma tarefa instrucional depende da completude das informações fornecidas e da qualidade da apresentação gráfica destas, caso contrário sérias conseqüências podem ocorrer ao usuário (e.g. Wright, 1999; Spinillo, 2002). Portanto, para fazer o uso correto de um medicamento, é preciso compreender as instruções e informações apresentadas nas bulas, devendo a informação ser produzida para que possa ser utilizada e
compreendida por diversos tipos de audiência (Gregory, 2004).
Fujita (2004) afirma que a utilização dos recursos gráficos em textos instrucionais de bulas de medicamentos pode melhorar a qualidade e legibilidade do documento. Pesquisas também têm demonstrado que a aplicação dos métodos de design e de ergonomia pode resultar em melhoria
substancial e mensurável na usabilidade de material instrucional, particularmente de bulas de
medicamentos (Roger set al 1995, Penman et al 1996, Mackenzie-Taylor et al 1997 apud Sless,
2004). Van der Waarde (1999, 2003) considera que a apresentação gráfica/visual da informação é um dos fatores que influencia na eficácia do uso de bulas de medicamentos. Afirma ainda que a bula é parte integral no uso do medicamento, contribuindo positivamente na comunicação entre fornecedores de remédios e pacientes.
No intuito de discutir a concordância e a adequação da apresentação gráfica em bulas de remédio, Van der Waarde (1999), estruturou um modelo para análise da apresentação gráfica deste tipo de
documento. Segundo o autor, a concordância gráfica refere-se à relação entre o conteúdo da informação e sua apresentação visual, enquanto que a adequação da apresentação gráfica refere-se a o quanto a representação visual é apropriada em bulas de remédio. O modelo de Van der Waarde (1999), compreende três níveis de análise. O nível 1: componentes - refere-se à verificação da existência dos seguintes componentes gráficos da bula de medicamento, enquanto documento
instrucional/informativo:
• Componentes Verbais: são todos os elementos que podem ser pronunciados;
• Componentes Pictóricos: são todas as marcas que podem ser interpretadas como figura; • Componentes Esquemáticos: são combinados
com outros tipos de componentes gráficos (verbal e pictórico), que geralmente são: marcadores, cores de fundo, linhas de sublinhamento, etc.
• Componentes Composto: são uma
composição de elementos gráficos que não podem ser muito separados, mas podem ser constituídos de qualquer combinação de componente verbal pictórico ou esquemático, por exemplo: gráficos, tabelas e diagramas. O nível 2: relações- analisa as relações entre os componentes gráficos constatados, as quais são: • Relação de Proximidade: refere-se à distância
entre os componentes gráficos que são posicionados próximos um do outro, sugerem ter uma forte relação entre os elementos de informação;
• Relação de Similaridade: é uma indicação de parentesco funcional, componentes que parecem similares possuem um status hierárquico similar. Componentes gráficos que aparentam ser diferentes apresentam elementos de informação com um diferente status;
• Proeminência: as diferenças entre os componentes gráficos são uma indicação da importância no status hierárquico entre os elementos de informação, quanto maior o contraste entre componentes gráficos, maior a diferença no status da informação;
• Relação de Seqüencialidade: a seqüência dos componentes gráficos indica a sucessão dos elementos de informação.
E o nível 3 examina a apresentação gráfica global da bula, com relação à:
• Consistência: o consistente uso de componentes gráficos e relações entre componentes de todo o encarte pode tornar a estrutura da informação mais fácil de ser compreendida.
Figura 1: Modelo de análise de Van der Waarde (1999)
A amostra analisada (aleatória simples) constou de 20 bulas de remédio selecionadas de diversos laboratórios, as quais possuíam o conteúdo técnico obrigatório conforme Portaria n.10 (Brasil, 1997). Cada uma das bulas foi analisada de acordo com o modelo apresentado de Van der Waarde (1999), conforme Figura 1, onde primeiramente procurou-se constatar quais os tipos de componentes gráficos que constituíam cada bula (verbal, pictórico,
esquemático e composto). Partindo da constatação dos componentes gráficos, examinaram-se as seguintes relações: proximidade, similaridade, proeminência e seqüencialidade e, por fim, analisou-se as características gerais de apreanalisou-sentação gráfica da bula, com relação à consistência, aparência física (qualidade de impressão e transparência do papel) e estética. Após a análise individual das bulas, os resultados foram estruturados em uma tabela para fins de discussão dos resultados. Os valores utilizados para classificar as relações entre os componentes gráficos e análise das características gerais, foram: 1 - ruim, 2 - regular, 3 - bom. • Características físicas: seriam as
características materiais do documento, no caso: qualidade de impressão e transparência do papel); e
• Estética: relacionada à apresentação gráfica geral em aspectos estéticos.
3- Metodologia
O estudo da apresentação gráfica/visual da bula de remédio como documento informacional é uma pesquisa descritiva que consistiu de uma análise qualitativa de 20 bulas de remédio, a qual realizou-se através da aplicação de um modelo para análirealizou-se da apresentação gráfica nas bulas de remédio, de acordo com a Figura 1, estruturado por Van der Waarde (1999).
4- Resultados e discussão
A partir, da Tabela 1, estruturaram-se os resultados da análise das 20 bulas de remédio de acordo com o modelo de Van der Waarde (1999).
Tabela 1: Análise gráfica das bulas (Legenda: 1 - ruim, 2 - regular, 3 - bom.)
Com relação aos componentes gráficos, constatou-se que todas as bulas possuem elementos verbais. Entretanto, a forma de representação gráfica destes componentes dificulta na legibilidade da
informação, tais como o uso excessivo de negrito e textos em caixa alta, conforme representado nas Figuras 2 e 3.
Figura 2: exemplo de bula de remédio para componente verbal
Figura 3: exemplo de bula de remédio para componente verbal
Constatou-se baixo índice de componentes pictóricos (N= 6 bulas) e grande incidência dos componentes esquemáticos e compostos. Foi notado que apenas 5 bulas apresentam por todos os
componentes gráficos citados.
Na análise da relação entre os componentes gráficos, o grau de proximidade foi considerado
como regular na maioria da amostra, pois muitas bulas apresentavam concordância informacional nos elementos gráficos próximos entre si. A relação de similaridade foi considerada também como grau regular, visto que muitos componentes pareciam similares, porém não possuíam relação funcional e status hierárquico similar. A Figura 4 mostra o caso dos títulos dos tópicos informativos (tais como: Informações ao Paciente) e das advertências, que são representados na mesma forma gráfica, ou seja, mesmo tamanho de fonte, em negrito e caixa alta (o nome do medicamento foi substituído por letras XXXXX por questão autoral).
Figura 4: Exemplo de Bula com relação de similaridade e proeminência
Esta constatação relativa ao grau de similaridade acarretou nos resultados mais expressivos da relação de proeminência, pois mais da metade da amostra foi considerada deficiente neste tópico (N=14 bulas). Elementos gráficos importantes, tais como “advertências”, foram encontradas com diferente status hierárquico, não diferindo na sua forma de apresentação gráfica e, conseqüentemente não causando o contraste necessário para descriminar o status da informação.
Por fim, na analise do nível três - a apresentação gráfica global das bulas- verificou-se que a maioria apresenta consistência regular, pois os elementos gráficos e suas relações apresentam deficiências. Em geral, a amostra apresenta espaçamento entre as linhas e as palavras muito reduzido, particularmente quando aplicados a texto em negrito ou em caixa alta, gerando uma massa pesada visualmente na pagina (poluição visual), comprometendo assim, a legibilidade do documento. Quanto às características físicas, apesar de apresentarem uma boa qualidade de impressão, o papel utilizado nas bulas causa transparência, interferindo na leitura. Por
conseqüência das constatações na consistência e nas características materiais da bula, a análise estética da amostra resultou em um conceito regular.
5-Conclusões
A partir da análise qualitativa de 20 bulas de remédio de acordo com o modelo de Van der Waarde (1999), foi possível constatar diversos problemas relacionados à legibilidade, pelo uso maciço de textos em negrito e/ou em caixa alta, o espaçamento entre linhas e palavras reduzido, e a transparência do papel, ocasionando uma poluição visual que dificulta a leitura, a localização e conseqüentemente afeta a compreensão das informações. Pode-se também concluir que a hierarquia gráfica e informacional constitui uma deficiência nas bulas de medicamentos, verificada nas relações entre os componentes gráficos, particularmente nas “advertências” e títulos de tópicos informativos. Há portanto, carência de contraste para diferenciação de hierarquia das informações em bulas de medicamentos.
6- Recomendações e considerações gerais
A partir dos resultados e considerações oriundos deste estudo analítico sobre a composição gráfica das bulas de medicamentos - de acordo com o modelo de Van der Waarde (1999), foram
elaboradas algumas recomendações sobre a apresentação e relação dos componentes gráficos que constituem a bula de medicamento, as quais são: - evitar o uso excessivo de negrito em textos,
usando-o somente para as informações mais importantes;
- evitar o uso de textos em caixa alta;
- ser consistente na representação gráfica para cada tipo de informação que apresentar um status hierárquico distinto;
- utilizar espaçamento entre linhas e palavras que promovam à legibilidade;
- não utilizar papel translúcido para a impressão de bulas de remédio.
Por fim, pode se afirmar que a partir da análise realizada foi possível constatar muitos problemas de composição gráfica que comprometem seriamente a legibilidade das bulas de medicamento. E espera-se que este estudo possa contribuir com a melhoria na qualidade de apresentação gráfica das instruções neste tipo de documento.
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