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43º Encontro Anual Da Anpocs; ST29 Pensando As Décadas Esportivas: Análise Social Do Futebol E Dos Eventos Esportivos Realizados no Brasil

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43º Encontro Anual Da Anpocs;

ST29 Pensando As Décadas Esportivas: Análise Social Do Futebol E Dos Eventos Esportivos Realizados no Brasil

OS SIJEITOS DO FUTEBOL EM CAMPO NOVO DO PARECIS: muito além de jogar, ele serve para estreitar

relações sociais

Elias Martins, IFMT, elias.martins@cnp.ifmt.edu.br

José Tarcísio Grunennvaldt, UFMT, jotagrun@hotmail.com

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OS SIJEITOS DO FUTEBOL EM CAMPO NOVO DO PARECIS: muito além de jogar, ele serve para estreitar

relações sociais

Elias Martins, IFMT, elias.martins@cnp.ifmt.edu.br

José Tarcísio Grunennvaldt, UFMT, jotagrun@hotmail.com

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Resumo: Às vésperas da Copa do Mundo de Futebol de 2018 o objetivo

deste trabalho foi verificar em que medida o futebol irmanou estranhos de diferentes partes do país e contribuiu para o desenvolvimento de Campo Novo do Parecis a partir de sua constituição como cidade. A história oral foi o recurso utilizado através do encontro de um grupo focal com pessoas presentes a época de sua emancipação política, permitindo analisar que o futebol assume características de utilidade pública e fonte de lazer. Um questionário semiestruturado, também foi utilizado como instrumento na coleta de dados empíricos através da realização de entrevistas individuais sobre organização, prática e modos de ser e jogar futebol em Campo Novo do Parecis, atualmente. O que leva-nos a perceber que o futebol é um elemento com inúmeras características que se ajustas as mais diversas formas de organização social de cada comunidade.

Palavras-Chave: futebol; fronteira; relações sociais.

Introdução

Viver na fronteira significa ter de inventar tudo, ou quase tudo, incluindo o próprio ato de inventar. Viver na fronteira significa converter o mundo numa questão pessoal, assumir uma espécie de responsabilidade pessoal que cria uma transparência total entre os atos e as suas consequências. Na fronteira, vive-se a sensação de estar a participar na criação de um novo mundo (SANTOS, 2007, p. 348).

O momento atual que vive o nosso país, inebriado pela copa do mundo de 2018 na Rússia, não poderia ser um período mais convidativo para se falar e escrever sobre o futebol. No entanto, destoante da ideia de que todas as elaborações futebolísticas assumem a mesma forma recorri as palavras de Boaventura de Souza Santos em destaque. A escolha da epígrafe fez-me pensar e admitir a possibilidade das várias “configurações” Elias (1970) do futebol nos mais diversos rincões desse imenso Brasil. Movidos por essa capacidade do ser humano de “ter de inventar tudo ou quase tudo ” ou, a partir de um novo contexto ter de inventar “o próprio ato de inventar”, se coloca como uma provocação para refletir acerca da força que o futebol assume em comunidades ou civilizações de fronteira. Vale destacar que os sujeitos para fazer acontecer

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o “futebol possível”, daquela comunidade incipiente das décadas de 1980-1990, eram conhecedores da força de aglutinação que esse fenômeno mundial possui, não obstante o fizeram com o que tinham às mãos.

Assim, momentos tais como a copa do mundo, as olimpíadas são guardadas pela imprensa e pelos periódicos, mais especificamente por números abordando sobre esses temas. Tal ousadia de envergadura não é a pretensão deste trabalho, mas pedimos permissão a José Carlos Bruni, para de sua apresentação do Dossiê Futebol da Revista USP – 1994, para nos lembrar que é:

Impossível não levar em conta, pelo menos neste momento e neste país, o imenso fenômeno denominado futebol. Sua definição estrita, como esporte que utiliza uma bola jogada com os pés, mal deixa entrever o universo de significações simbólicas, psíquicas, sociais, culturais, históricas, políticas e econômicas inesgotáveis que envolvem multidões, encontradas no público em geral, nas torcidas organizadas, nos jogadores e equipes técnicas e burocráticas, concentradas em torno de um espetáculo que empolga sociedades, nações, países, estados, em esfera planetária, mobilizando milhões de dólares e conquistando a adesão cada vez maior de pessoas de todas as camadas sociais (BRUNI, 1994, p. 7).

Certamente mergulhados pelo impacto dessa macro visão persuasiva que o futebol leva consigo pelo mundo, queremos apanhar dessa força a manifestação singular com que se apresentou o futebol para a pesquisa dessa comunidade incipiente da década de 1980-1990 em Campo Novo do Parecis -MT.

No âmbito das pesquisas que adotam o futebol como objeto de estudo, certamente a maioria dos sociólogos deve concordar, segundo Dunning (1992) de que muito do trabalho realizado na área da sociologia do desporto, se encontra longe de despertar interesse fora do quadro da Educação Física ou ainda de chamar atenção das “principais correntes” sociológicas.

Em um contexto mais contemporâneo, tendo em vista o impacto que o futebol tem causado na sociedade global, certamente esse quadro vem se modificando. Com efeito, não nos estranha a força que tem assumido esse fenômeno, de modo que já foi dito que o futebol é um modo de as pessoas recriarem laços de identidades coletivas perdidas

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após migrações populacionais e até mesmo a “religião leiga da classe operária. (HOBSBAWM, 1987)

No intuito de esclarecer acerca do escopo/escala desta pesquisa, privilegiaremos um olhar mais micro acerca de como se constituiu o futebol em Campo Novo do Parecis-MT e como alguns sujeitos pesquisados concebem e se relacionam com esse fenômeno. Para esse olhar específico faz sentido lançar mão dos ensinamentos de Dunning (1992) com algumas sugestões quanto ao aumento do significado do desporto. Acerca do envolvimento dos sujeitos com o desporto, o autor destaca que,

Para além da alteração de equilíbrio entre trabalho e lazer, tanto ideológico como factual, pode destacar-se um processo que realçou o significado das atividades de lazer em geral, uma constelação de, pelo menos, três aspectos inter-relacionados (DUNNING, 1992, p. 322).

Assim, nessa moderna configuração social emergente poderão se encontrar elementos capazes de ter contribuído para o aumento do significado do desporto e, com efeito, vamos nos valer na pesquisa da sugestão dos três aspectos que se relacionam:

1. O desenvolvimento do desporto como um dos principais meios de criação de excitação agradável;

2. A transformação do desporto, em termos de função, num dos principais meios de identificação colectiva, e;

3. A emergência do deporto como uma fonte decisiva de sentido na vida de muitas pessoas. (DUNNING, 1992, p. 322-3) Com efeito, a pesquisa buscará testar junto aos sujeitos e suas respostas aos questionamentos acerca do seu envolvimento com o futebol e, a configuração deste, em Campo Novo do Parecis-MT, a validade das três assertivas acima explicitadas acerca da dinâmica do desporto moderno e o significado social do mesmo para sujeitos que ajudaram a configurar o cenário de transição de um vilarejo distante mais de 390 da capital do Estado Cuiabá, para um próspero município destacando-se pelo turismo indígena e, na produção do girassol e do milho pipoca na

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safrinha, pois a safra principal é dominada pelo plantio de soja e cana de açúcar, principalmente.

Em outro texto, certa vez defendi e desenvolvi a ideia de que cabe a algumas cidades de Mato Grosso a alcunha de “civilização de fronteira”.1 Nesse sentido, a configuração do município de Campo Novo do Parecis e o relato dos sujeitos pesquisados seu envolvimento com o futebol é que foi analisado à luz do conceito de fronteira. Tendo em vista na fronteira não ter demarcações rígidas, portanto é possível que a subjetividade floresça nas relações sociais, na determinação das normas e no uso das regras. Santos (2007) destaca que em um período de transição das comunidades (aglomerados rurais) para cidades, nessa fronteira surge uma forma privilegiada de sociabilidade. De modo que quanto menos regulamentadas estiverem as relações e quanto mais à vontade os sujeitos se sentirem “... na fronteira, melhor a subjetividade poderá explorar o potencial emancipatório desta” (SANTOS, 2007, p. 347).

Cronon, Miles, Gitlin, apud, Santos, (2007), apontam que naquela confluência de chegada de migrantes, [no Oeste Americano] configurou um cenário entendido como viver e estar em uma situação de fronteira, tendo em vista a não fixidez das regras, à subjetividade foi permitida exploração do potencial emancipatório da fronteira. Destaca-se que as características da vida na fronteira que permitem para que Destaca-se configurem as condições acima enunciadas são:

1. Uso muito seletivo e instrumental das tradições trazidas para a fronteira por pioneiros e emigrantes;

2. Invenção de novas formas de sociabilidade; 3. Hierarquias fracas;

4. Pluralidade de poderes e de ordens jurídicas;

1 Boaventura de Sousa Santos destaca que quando se deseja “a construção de uma

subjetividade individual e colectiva, suficientemente apta para enfrentar as futuras competições paradigmáticas e disposta a explorar as possibilidades emancipatórias por elas abertas, deve ser guiada por três grandes topos: a fronteira, o barroco e o sul” (SANTOS, 2007, p. 347).

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5. Fluidez das relações sociais;

6. Promiscuidade entre estranhos e íntimos; 7. Misturas de heranças e invenções.

Nesses termos, o objetivo da pesquisa procurou descrever o movimento de organização do futebol e levantar o sentido que os sujeitos atribuem ao mesmo na configuração das relações sociais em uma cidade no interior de Mato Grosso, notadamente Campo Novo do Parecis. Em vista do objetivo levantaram-se as hipóteses da pesquisa:

H1. Na configuração inicial do Município de Campo Novo do Parecis-MT, o envolvimento dos sujeitos com o futebol funcionou como um mecanismo de liberação e renovação de tensões agradáveis como combate aos efeitos estressantes causados pela rotina do dia a dia das semanas;

H2. O futebol e o ambiente de aglomeração de pessoas que esse fenômeno proporciona em uma cidade em implantação, aliado à capacidade de festividade, assumem contornos de objeto de “utilidade pública” na melhoria das condições objetivas das instituições sociais locais, bem como na configuração do processo civilizador;

H3. O futebol em uma cidade em implantação como Campo Novo do Parecis-MT da década de 1980-1990, numa ocasião em que praticamente não havia outros modos de divertimentos públicos assumiu a função de uma “religião leiga” do povo.

De modo que queremos trazer como uma provocação, que assim como nos países europeus o futebol também aparece nessas regiões de ocupação tardia do Centro Oeste brasileiro [segunda metade do século XX], mais de cem anos depois, esse fenômeno se repete, certamente com as singularidades de cada lugar, como um modo de diversão pública.

As crianças tinham de brincar na rua ou no parque. Os rapazes e moças tinham de dançar e fazer a corte no espaço externo. Os homens confraternizavam em “casas públicas”. Até surgir o rádio, que no entre guerras transformou a vida da mulher da classe operária presa à casa - e apenas nuns poucos países favorecidos -, todas as formas de diversão foi, em seus primeiros anos, vista em locais públicos. Da partida de futebol ao comício ou passeio no feriado, a vida era experimentada, naquilo que visava ao prazer, em masse (HOBSBAWM, 1995, 300).

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Tendo em vista o objetivo da pesquisa e as hipóteses norteadoras, algumas questões de pesquisa se fazem necessárias:

1. Foi possível ao futebol além de funcionar como um divertimento dos finais de semana ter assumido a função de “utilidade pública” em uma civilização de fronteira como Campo Novo do Parecis das décadas de 1980 e 1990?

2. Por que e como o futebol era organizado em uma época em que não tinha quase que nada de diversão e a logística de deslocamento e a comunicação era incipiente em Campo Novo do Parecis?

3. Quais eram os critérios utilizados para a elaboração dos times de futebol na época da implantação do Município de Campo Novo do Parecis MT?

4. Como eram os primeiros espaços em que se jogava futebol em Campo Novo do Parecis-MT?

Caminhos Metodológicos Do Estudo

Tendo em vista a não existência de arcabouço de fontes documentais tradicionais de jornais do município que registraram o fenômeno da implantação da prática do futebol em Campo Novo do Parecis nas décadas de 1980-1990, teve-se de recorrer às fontes orais, tendo em vista este tipo de fonte se apresentar como medida mais plausível com vistas a desenvolver a pesquisa de cunho qualitativo, ora em desenvolvimento.

Para fazer valer a força de nosso objetivo e testar empiricamente as hipóteses levantadas, investigamos incipientemente sobre algumas pistas que apontam para evidências de quais foram as pessoas que se debruçaram e envidaram esforços no sentido do desenvolvimento do futebol no município. Tais informações foram levantadas junto a alguns sujeitos que estiveram muito próximo ao senhor Ari Tomazelli2, - grande

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idealizador, incentivador e comprometido com a implantação das práticas iniciais do futebol, que com sua esposa e filhos veio para Campo Novo do Parecis em 1980 e, atualmente já falecido.

Figura 01: Senhor Ari a direita fazendo entrega de troféus.

Recorremos às memórias dos sujeitos em suas falas no sentido de com elas traçar o panorama do cenário no qual se implantava o futebol em um contexto de cidade de fronteira na década de 1980- 1990 no estado de Mato Grosso. Somente com essas falas será possível de se averiguar a veracidade de ideia de que o futebol exerceu uma dupla função: a estética e a utilitária. Em síntese uma duplicidade.

Tendo em vista que o futebol foi vetor de liberação de tensões agradáveis e ao mesmo tempo foi mecanismo de funcionalidade, um vetor de utilidade pública em uma civilização de fronteira. Aqueles

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sujeitos imersos em um cenário inaugural de uma cidade em que quase tudo estava por se fazer, faziam com “o que tinham à mão”. Nesse sentido, não nos cabe querer saber se as ações se fizeram no âmbito do necessário ou do contingente. Acima de tudo,

O que importa é captar a fenomenologia geral da vida de fronteira, a fluidez dos seus processos sociais, a criação constante de mapas mentais semelhantes aos portulanos medievais(...) acima de tudo, a instabilidade, a transitoriedade e a precariedade da vida social na fronteira (SANTOS, 2007, p 350).

Visando nos aproximar de alguns dados com vista a subsidiar a elaboração do texto, foram reunidos os sujeitos com a finalidade de se comunicarem entre eles a partir de um roteiro de questões, o que se convencionou denominar de Grupo Focal. Assim, desse trabalho metódico de escuta buscou-se elementos históricos através da memória dos sujeitos participes da implantação do futebol em Campo Novo do Parecis-MT.

É possível admitir que,

[...] a história oral é um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica etc.) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo. Como consequência, o método da história oral produz fontes de consulta (as entrevistas) para outros estudos, podendo ser reunidas em um acervo aberto a pesquisadores. Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, conjunturas etc. à luz de depoimentos de pessoas que deles participaram ou os testemunharam (ALBERTI, 2004, p. 18).

José Carlos Meihy (1996) também nos auxilia na definição de História Oral, de modo que nos ensina que ela é um recurso moderno utilizado para elaboração de documentos, bem como seu arquivamento e estudos relacionados à vida social de pessoas. Diz respeito ao tempo presente, portanto conhecida como história viva. Deve-se destacar que não se esgota no momento de sua apreensão e da análise dos dados.

Seja para o arquivamento de experiência, ou para promover entendimento ou explicação de determinadas situações, a história oral deve obedecer a um sentido prático, utilitário e dialogar com a comunicação pública (MEIHY, 1996, p. 13).

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Na tentativa de compreender as especificidades que marcaram aquele processo inicial de configuração do futebol, damos ênfase aos sujeitos que vivenciaram o processo localmente, o que pode ser considerado como uma das marcas dos estudos etnográficos, por conta de que pretendem dar conta de descrições densas do contexto cultural em foco, buscando-se interpretar os padrões culturais em construção naquele lugar. (GEERTZ, 1989).

História Oral é um conjunto de procedimentos que se iniciam com a elaboração de um projeto e continuam com a definição de um grupo de pessoas (ou colônia) a serem entrevistados, com a transcrição , arquivamento e, sempre que possível, com a publicação dos resultados que devem, em primeiro lugar, voltar ao grupo que gerou as entrevistas. (MEIHY, 1996, p. 15).

Quando da escassez de informações e fontes documentais acerca de um episódio ou de uma ocorrência histórica, resta-nos que:

Recorremos a testemunhos para reforçar ou enfraquecer e para completar o que sabemos de um evento sobre o qual já temos alguma informação, embora muitas circunstâncias a ele relativas permaneçam obscuras a nós (HALBWACHS, 2006, p.29).

Outro instrumento utilizado na pesquisa de campo foi um questionário semiestruturado elaborado com 20 perguntas, sendo algumas especificas e outras semiabertas, o que permite ao entrevistado responder de forma espontâneas e aberta de acordo com suas percepções e vivencia prática seja na organização dos espaços, das rotinas de vida e modos de se relacionar com os companheiros de futebol.

Na realização das entrevistas teve-se como objetivo ouvir diversos sujeitos que não estavam diretamente ligados a família do senhor Ari Tomazelli como uma alternativa para obtenção de dados devido a:

a-) entrevista possibilita a obtenção de dados referentes aos mais diversos aspectos da vida social; b-) entrevista é uma técnica muito eficiente para a obtenção de dados em profundidade acerca do comportamento humano; c-) os dados obtidos são suscetíveis de classificação e de quantificação. (GIL, 2002, p.116).

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O futebol em Campo Novo do Parecis-MT: seus usos estéticos e utilitários.

Figura 02: Vista aérea da cidade

Fonte: Secretaria de Cultura

Nas três hipóteses levantadas nesse estudo, é possível de se perceber a dupla função do futebol naquele núcleo populacional que outrora estava emergindo no Chapadão do “Reino dos Parecis” que daria lugar à futura cidade de Campo Novo do Parecis-MT. Naquela configuração, duas funções foram constatadas.

Uma delas estava ligada à liberação de tensões agradáveis, ou seja, criava-se uma válvula de escapa em âmbito individual para a população trabalhadora do dia da semana se envolver com algo mais ligado a uma perspectiva da estética e não da funcionalidade racional do mundo do trabalho e da produção. A resposta ao questionário de um dos sujeitos da pesquisa é emblemática dessa função, senão vejamos: “A satisfação está em extravasar as tensões cotidianas” (Sujeito da Pesquisa).

A outra, também acontecia não no tempo laboral remunerado, mas o envolvimento ocorria tendo em vista uma finalidade teleológica, ou seja, os sujeitos e suas ações tinham uma finalidade utilitária.

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Figura 03: confraternização após torneio

Fonte: Arquivo de família

O futebol naquela comunidade assumia a função de “utilidade pública”. Vejamos a fala do sujeito que organizava a quitanda para alimentar as pessoas que compareciam ao futebol e preparava o cachorro quente.

“Nós tínhamos, nós tínhamos Churrascaria nessa época o que eu fazia viu [vinha] pessoal de Brasnorte, Juína para jogar eu fechava a churrascaria e fazia cachorro quente para ir lá vender para o pessoal (...)praticidade quando se tem padaria né porque não tinha também tinha que fazer um pão”(Depoimento do Grupo Focal).

Figura 04: Restaurante e dormitório.

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As ações humanas e seus usos podem assumir finalidades estéticas e utilitárias. Provocativamente, a instrumentalização do futebol para atender a uma finalidade pública de uma comunidade nascente na década de 1980, pode ser tencionada pela discussão que não é simples e nem pode ser analisada a partir de uma visão maniqueísta, - do tipo, ou a ação é puramente estética ou é utilitária - e, pode-se ainda para falar sobre “Quais são os conhecimentos de maior valor?”. Por analogia, podemos perguntar quais funções são mais importantes? Sobre esta brilhante discussão foi Herbert Spencer (1820-1903) quem discorreu de modo instigante ao perceber em evidências de que do ponto de vista da cronologia, o adorno precedeu ao vestuário em termos de função. Constatou ainda que:

Os povos que se submetem aos maiores sofrimentos físicos para se apresentarem belamente ornados, suportam também os máximos rigores da temperatura, pouco fazendo para mitigá-los (SPENCER, 1927, p. 5).

Se pensarmos com o entendimento de Spencer, tenderíamos a afirmar que o envolvimento das pessoas com o futebol nos finais de semana tinha uma relação mais com a estética, ou seja, se envolver porque faz bem para recuperar as energias e liberar/renovar tensões agradáveis. Mas, se pode pensar também quando se percebeu que naquele vilarejo, conforme a fala de um dos depoimentos de que “na época não tinha nada de diversão, você sabe o que é nada. A pouca diversão é esse esporte” (Depoimento, 2018), os encontro de futebol foram alavancados à condição de “utilidade pública” tendo em vista a facilidade que possuía para arregimentar as pessoas e, consequentemente, angariar fundos para a construção do salão de festa que de acordo com o depoimento era utilizado para as mais diversas funções sociais.

Se nos perguntarmos de modo análogo ao questionamento de Herbert Spencer acerca de qual envolvimento dos sujeitos naquele estado incipiente da implantação do futebol em Campo Novo do Parecis-MT, se o envolvimento meramente com a questão estética ou se envolver para que a aglomeração que a festividade oportuniza pode ser utilizada para tirar dividendos no sentido da operacionalização da construção de

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algumas instalações comunitárias, certamente é uma questão somente equalizada após ouvir às narrativas dos sujeitos para que busquem em suas memórias lembranças que evinciem elementos para elucidação desse embaraço.

Sobre os usos, as funções e as relações que os sujeitos estabeleceram com o futebol em Campo Novo do Parecis-MT quando da insipiência daquele vilarejo na década de 1980, parece que “os homens são submetidos em sua ação a uma situação de oposição a partir de impulsos contrários que são todos ‘compreensíveis’.

Seja qual for a intensidade relativa com que se manifestam na ação as diferentes referências significativas subjacentes nesta “luta de motivos”, que são para nós também compreensíveis, mas tudo isso, conforme a experiência, é coisa que não se pode apreciar nunca com toda a segurança, e, na maior parte, nem sequer de maneira aproximativa. De resto, só há a possibilidade da comparação do máximo possível de casos da vida cotidiana ou da vida histórica, que são, de maneira geral, de natureza idêntica, mas que se diferenciam num ponto decisivo: no que se refere ao “motivo” da sua importância prática (WEBER, 2016, p. 619).

Caracterização do campo de pesquisa: Campo Novo do ParecisMT.

Etimologicamente Campo origina-se do latim “campus” e refere-se a terreno extenso e plano, planície, nesrefere-se caso bem distribuídos em 10.796,10 Km² com uma vegetação composta por cerrados, campos e matas em um clima tropical de verão chuvoso e inverno seco com uma temperatura média de 24°C e distante da Capital em linha reta por 291 Km sendo vias estradas um total de 384,5 Km.

Novo do latim “novu” que se refere a novidade, vida nova de pouco tempo já que estes campus teve sua emancipação através da Lei n° 5.513/88 ao desmembrar-se da cidade de Diamantino em 04 de julho de 1988.

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Do – contração da preposição “de” (posse), com o artigo masculino “o”, pois em meio as terras Parecis os pioneiros á 13 de dezembro de 19753 veio se aproximar.

Parecis com origem incerta, é referência à serra e ao povo indígena de Mato Grosso (pareci), onde o termo “pareci” terras altas ei de significar já que a está a 570 metros acima do nível do mar, com máxima de 693 metros e mínima de 323 metros.

Campo Novo do Parecis, atualmente, tem como base econômica à agricultura, agroindústria, pecuária, comercio e o turismo ecológico e indígena.

Figura 05: Turma dos pioneiros.

Fonte: Arquivo de Família.

Sobre a configuração inicial do futebol em Campo Novo do Parecis, ou a fase incipiente

3 Considerada a data oficial, pois foi por volta de 1974 que alguns sulistas moradores de

Maracaju-MS a cidade começou a deixar em direção a terras devolutas no médio norte de Mato Grosso.

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Naqueles anos do recorte temporal adotado pela pesquisa, mais especificamente a década de 1980 e 1990, o cenário do futebol em Campo Novo do Parecis, pela memória de um dos primeiros moradores do vilarejo, que havia chegado com sua família em 1º de julho de 1980, na ocasião estava com 9 anos de idade. Seguem do seu depoimento as condições do futebol eram:

Fazenda Martele o pessoal jogava, e tinha o pessoal da Fazenda Garcia, também que era uma espécie de extensão de campo e o pessoal fazia os torneios lá e montava o torneio e os campeonatos e disputavam e o pessoal fazia as reformas dos campos. Que os campos eram feitos de terra batida. (Depoimento, 2018).

As evidências das narrativas dos sujeitos trazem uma singularidade do percurso realizado do futebol nessa fronteira marcado pela efemeridade que os processos apresentam em seus nascedouros. Na relação com o futebol esses homens e mulheres atuavam em circunstâncias condicionadas pelo lugar em transição de vilarejo, local não urbanizado para uma cidade. Mas vale destacar que naquele nascedouro de um lugar, a instabilidade, a transitoriedade e a “precariedade social da vida de fronteira” para que os sujeitos agindo em sua singularidade constituíssem a experiência coletiva desafiando-os a exercerem o protagonismo diante de um contexto de novidade e fluxo.

Parafraseando Santos (2007, p 350-1) “(...) a fronteira foi um momento social relativamente breve que desapareceu assim que o espaço da fronteira se transformou” sendo movida pelos ditames da fixidez normativa do esporte convencional. De modo que: “A extensão do poder estatal [futebol nos moldes convencionais] era a indicação mais clara possível de uma invasão bem-sucedida e de uma fronteira em retração” (CRONON, MILES, GITLIN, apud, SANTOS, 2007, p. 351).

No intuito, de consolidar o objetivo da pesquisa em consonância com as hipóteses da pesquisa, procurou-se nesse tópico tecer uma narrativa a partir dos dados empíricos evidenciado na pesquisa de campo.

Quanto à possibilidade de o futebol funcionar como um divertimento dos finais de semana e fazendo-se como função de

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“utilidade pública”, o senhor Ari Tomazelli foi pioneiro dessa ação concreta mediada pelos sujeitos que ali estavam, conscientemente ou não, parece ter percebido a mobilidade e a capacidade aglutinadora e civilizatória do futebol, nessa região de fronteira.

No entanto, para além de sua função festiva e recreativa a forma de organização do futebol configurada a partir do esforço do senhor Ari Tomazelli passa a assumir a função de “utilidade pública”, quando na sua forma de organizar torneios de futebol tinha como práxis cobrar um pequeno valor referente às inscrições e patrocínios para a realização de torneios, enquanto sua esposa Dalva ficava incumbida de fazer cachorro quente desde a produção do pão até a montagem do lanche e assim como a venda de bebidas tinham por objetivo arrecadação de verbas destinada a construir um salão comunitário, salão este que naquele momento e contexto social servia para quase tudo, desde a realização de missa, bailes, casamentos e até velório, pois não havia outro local no município.

Figura 06: Construção sala comunitário

Fonte: Arquivo de família.

Conforme Marcelino denomina de equipamentos de lazer.

Eles são importantes e sua proliferação é uma necessidade que deve ser atendida. Mas a ação democratizadora precisa abranger a conservação dos equipamentos já existentes, sua divulgação, “dessacralização” e incentivo à utilização, por meio de políticas especificas, e a preservação do patrimônio ambiental urbano (MARCELINO, 2008. p. 143).

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Essa forma de organização de torneios atraíram os apaixonados pelo futebol dos municípios da região como Brasnorte, Juína e Sapezal e nisso muitas vezes ocorriam algumas confusões, mas era aí que seu Ari demonstrava uma habilidade tão necessária nesse contexto ao não confrontar fazendeiros e outros brigões contornando a situação sempre com mansidão. De modo como soube ser apaziguador de ânimos entre os homens teve a sensibilidade de “traduzir” o esporte em um futebol possível naquele contexto longe dos grandes centros urbanos no país. Soube fazer do futebol em Campo Novo do Parecis algo que transcende a sua estruturação rígida.

Nesse processo de ocupação populacional no chapadão dos Parecis, a implantação de usina de açúcar e álcool trazia muitos trabalhadores de outros municípios e estados em busca de oportunidades de emprego e moradia, nesse sentido segundo a senhora Dalva esposa do seu Ari Tomazelli, o que complementava a rotina de ir à igreja nos finais de semana era esse “abençoado esporte”, ou seja, a religião laica do povo, o futebol.

Figura 07: Campo de Futebol

Fonte: Arquivo da Família

Quem passa pela praça da cultura em Campo Novo do Parecis hoje em dia, talvez, nem imagina que em outras épocas a quadra toda era

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um campo de futebol de terra, onde durante a semana as pessoas ao se deslocarem para suas atividades cortavam caminho por este terreno que ao chegar próximo aos finais de semana de futebol uma galera se reunia para ajeitar o rastro e retirar pedras e objetos deixados pelo caminho.

Considerações

Naqueles tempos o futebol em Campo Novo do Parecis fez se como uma configuração ao tempo que atendia os anseios estéticos e os aspectos utilitários, de modo, que as hipóteses levantadas são complementares entre si em uma situação concreta a partir dos dados apreendidos da realidade. Assim, se evidenciou que o futebol no chapadão do Parecis traz nele a marca da mobilidade social que naquele lugar distante dos grandes centros urbanos se fazia, levando em conta os anseios, os limites e as possibilidades que um lugar de fronteira oportunizava/permitia.

Referências

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de historiador. Tradução, André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Ed., 2001.

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FERREIRA, João Carlos Vicente. Cidades de Mato Grosso: Origem e significado de seus nomes. Cuiabá: Buriti, 1998.

GEERTZ, Clifford. A intepretação das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1989.

GIL, A. C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

GONDIM, Sônia Maria Guedes. Grupos focais como técnica de investigação qualitativa: desafios. Disponível em http://sites.ffclrp.usp.br/paideia/artigos Acesso em 17/06/2009.

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paradigmática. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2007.

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PAULA, Luís Carlos Rodrigues de. Campo Novo do Parecis de

cerrado a celeiro. Rio de Janeiro: Litteris Ed., 2001.

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