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Mediação Eclesial e Pneumatologia na Hermenêutica do Texto Inspirado

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Mediação Eclesial e Pneumatologia

na Hermenêutica do Texto Inspirado

Por Ricardo Tavares

Revista da Academia de São Tomás de Aquino, Angra do Heroísmo, 1 (1998) 125-138

Prefácio

Mediação Eclesial e Pneumatologia na Hermenêutica do Texto Inspirado, elaborado pelo Diácono Ricardo Tavares, aluno do Seminário Episcopal de Angra, é uma aproximação, mesmo que sintética, à história do processo interpretativo do texto inspirado, e à problemática e contributo que as diversas circunstâncias históricas proporcionaram. A afirmação dos critérios hermenêuticas que devem orientar uma leitura e interpretação da Bíblia no Espírito – 1. o conteúdo e a unidade de toda a Escritura; 2. o confronto com a vida e a Tradição de toda a Igreja; 3. a analogia da fé, que o autor bem considera na sua exposição –, contribui de facto para resolver o longo debate acerca dos sentidos da Bíblia. A relação entre sentido literal, sentido espiritual ou místico, sentido alegórico e sentido tipológico entre outros, já acenada e até desenvolvida por Orígenes na Antiguidade, mostra a riqueza incomensurável da Revelação de Deus, aponta para a hodierna necessidade de distinção entre a hermenêutica e a exegese, e conduz o teólogo a olhar com humildade para os diversos métodos exegéticos, já que nenhum deles esgota em si mesmo as possibilidades interpretativas da Revelação de Deus. A superação de uma visão ideológica da teologia e a clareza na apresentação de critérios eclesiais que movem o teólogo no esforço da investigação, e nunca fora desses critérios, conferem um valor altamente meritório a este trabalho, e, espero, constituirá mais um elemento para a necessária motivação constante de estudar e rezar sempre a Palavra de Deus... a bem do seu povo.

Roma, 7 de Janeiro de 1998 Ricardo Henriques

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PRÓLOGO

A largueza do depósito da fé eclesial ultrapassa os limites dos escritos bíblicos, para encontrar a sua totalidade na Tradição que, ao mesmo tempo, gera a Escritura e é por esta edificada. Tal dinamismo intra-eclesial não poderá encontrar desenvolvimento a não ser no Espírito Vivificante, qual condição de possibilidade para a comunhão de pensamento de fé entre as muitas e variadas gerações de cristãos. É sobre esta temática trifacetada de Escrituras, Tradição e Pneumatologia, que nos vamos debruçar reflexivamente, a fim de identificar a pluridimensionalidade da interacção entre os referidos elementos da eclesialidade profética.

A. ABORDAGEM HISTÓRICA

1. Encontra-se bem batente nas Escrituras a relação muito íntima que existe entre os textos inspirados e a mediação eclesial. A raiz desse nexo prende-se e alimenta-se na baalimenta-se pneumatológica da História da Salvação. Aprealimenta-sentamos apenas a seguinte proposição bíblica, dada a clareza da sua síntese, e porque abrange, em si, toda uma metodologia hermenêutica implícita no cânon bíblico:

Antes de mais nada, sabei isto: que nenhuma profecia da Escritura, resulta de uma interpretação particular, pois que a profecia jamais veio por vontade humana, mas os homens, impelidos pelo Espírito Santo, falaram da parte de Deus.1

2. Elemento conatural aquele, não obstante acendeu-se viva reflexão teológica por ocasião do II Concílio de Niceia (787), com o célebre argumento pneumatológico, segundo o qual, o Espírito Santo, que inspirou os Santos Padres, é o mesmo que habita na Igreja, pelo que o ensino daqueles, da Tradição e do Evangelho são, definitivamente, o mesmo2.

3. Ante a polémica reformista dos protestantes, o referido argumento adquiriu desenvolvimento e renovação da IV Sessão (1546) do Concílio de Trento3: a Escritura e a Tradição não constituem duas fontes de Revelação, mas dois meios pelos quais ela se torna presente na Igreja, sob a forma de Evangelho. Consequentemente, incorrecto será procurar deduzir qualquer sentido para o Texto Sagrado fora daquele que é dado pela Igreja, à qual compete julgar sobre o verdadeiro sentido e interpretação das Sagradas Escrituras, e também pelos Santos Padres4. A fonte exclusiva da Revelação é o Evangelho, entregue à Igreja e escrito não só em papel, mas também nos corações dos fiéis, pelo Espírito Santo. Com efeito, a Tradição Apostólica foi confiada por Cristo aos Apóstolos e conservada ininterruptamente pelo Espírito Santo.

4. Leão XIII, na carta encíclica Providentissimus Deus (1893), atende ao único sentido dos textos bíblicos dado pelo Espírito Santo, tanto aos escritores sagrados,

1

Cf. 2 PD 1:20-21.

2

H. DENZINGER, Enchiridion symbolorum definitionum et declarationum de rebus fidei et morum

(Barcelona 241946) n. 302, 111. W. KASPER, Escritura y tradición: perspectiva pneumatológica.

Selecciones de Teología 31 (1992) 252.

3

W. KASPER, a. c., 254.

4

Cf. CONCÍLIO DE TRENTO, Sess. IV, Decreto sobre edições e interpretação da Bíblia. In H. ALVES, Documentos da Igreja sobre a Bíblia (315-1987) (Lisboa 1991) 80.

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como a toda a Igreja, inspirando aqueles e assistindo a esta. As leis de uma sã hermenêutica não podem ignorar este essencial princípio5.

5. O Doutor Máximo, S. Jerónimo é apresentado por Bento XV, no seu documento Spiritus Paraclitus, como ilustre modelo daqueles que estudam as Escrituras, não na escola do bem triste mestre que é o orgulho, mas da graça divina e da autoridade da Tradição6.

6. Na mesma senda caminha a Divino Afflante Spirutu (1943), de Pio XII: dado que os Livros Sagrados são letras divinamente inspiradas e confiadas à conservação e interpretação da Igreja, o comentário aos textos deve considerar os ensinamentos dos Santos Padres e as explicações e declarações do Magistério Eclesiástico7. Noutra encíclica, Humani Generis (1950), o mesmo Pontífice refere que os ensinamentos do Magistério vivo já se encontram explícita ou implicitamente na Sagrada Escritura ou na divina Tradição. Deus entregou à Igreja não só as Sagradas Fontes, mas também um Magistério vivo para iluminar e pôr em relevo aquilo que no depósito da fé não se acha senão obscurecidamente e como que implícito: a doutrina definida pela Igreja encontra-se na Sagrada Escritura naquele mesmo sentido no qual foi definida pela Igreja8.

7. Este processo reflexivo atinge considerável maturidade no II Concílio do Vaticano, nomeadamente na Constituição Dogmática Dei Verbum (1965). A pregação apostólica foi conservada de modo especial nos Livros Inspirados. Todavia, a Tradição derivada dos Apóstolos e assistida pelo Espírito Santo progride e tende constantemente para a plenitude da verdade divina. Os Padres são testemunhas dessa presença vivificadora da Tradição, mediante a qual a Sagrada Escritura se vai compreendendo progressivamente. Deus continua a falar com a Esposa de seu amado Filho, porque o Espírito Santo faz o Evangelho ressoar vivamente na Igreja9, introduzindo os crentes na plena verdade. A sagrada Tradição, transmitida integralmente aos sucessores dos Apóstolos, contém a Palavra de Deus àqueles confiada por Cristo e pelo Espírito Santo. Derivando ambas da mesma fonte divina, a Escritura e a Tradição fazem como que uma coisa só e tendem para o mesmo fim10. A autoridade de interpretar a Escritura foi dada ao

Magistério vivo da Igreja, o qual não está acima da Palavra de Deus, mas apenas ao seu serviço, não ensinando senão aquilo que foi transmitido:

[...] Sagrada Tradição, Sagrada Escritura e Magistério da Igreja, segundo o sapientíssimo plano de Deus, de tal modo se relacionam e se associam entre si, que um sem os outros não se mantém, e todos juntos, cada um a seu modo e sob a acção do Espírito Santo, colaboram eficazmente para a salvação das almas.11

8. Em 1993, a Comissão Pontifícia Bíblica apresentou um documento sobre a interpretação da Bíblia na Igreja. De entre os diversos temas abordados, sobressai o da pré-compreensão: o texto bíblico deve ser compreendido na dinâmica eclesial

5

LEÃO XIII, Providentissimus Deus, n. 48. In H. ALVES, o. c., 104.

6

Cf. BENTO XV, Spiritus Paraclitus, AAS 12 (1920) n. 36-37. In H. ALVES, o. c., 145.

7

PIO XII, Divino Afflante Spiritu, AAS 35 (1943) n. 15. In H. ALVES, o. c., 175-176.

8

Cf. IDEM, Humani Generis, AAS 42 (1950) n. 20. In H. ALVES, o. c., 199.

9

IICONCÍLIO DO VATICANO, Sess. IV, Constituição Dogmática Dei Verbum, 8. In H. ALVES, o. c., 230-231.

10

Cf. Ibidem, n. 9, 232.

11

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em que se formou, se fixou e continua a ter vida12; o seu conteúdo está em diálogo com as comunidades crentes, porque nasceu das suas tradições de fé: por isso, a sua correcta interpretação só é possível no seio da Igreja, na sua pluralidade, na sua unidade e na sua tradição de fé13.

A hermenêutica de base pneumatológica é a única que pode abrir o sentido original dos textos sagrados, como deduzimos do seguinte texto da referida publicação:

A Igreja, povo de Deus, tem consciência de ser ajudada pelo Espírito Santo na sua compreensão e interpretação das Escrituras. Os primeiros discípulos de Jesus sabiam que não estavam à altura de compreender imediatamente em todos os seus aspectos a totalidade do que tinham recebido. Faziam a experiência, na sua vida de comunidade conduzida com perseverança, de um aprofundamento e de uma explicitação progressiva da revelação recebida. Eles reconheciam nisto a influência e acção do «Espírito da verdade», que Cristo lhes havia prometido para guiá-los em direcção à plenitude da verdade (Jo. 16,12-13). É assim igualmente que a Igreja prossegue o seu caminho, sustentada pela promessa de Cristo: «O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que Era vos disse» (Jo. 14,26).14

Citando o n.º 12 da Constituição Dogmática Lumen Gentium (1964), a Comissão apela para o «sentido da fé» (sensus fidei) que caracteriza o Povo de Deus e que é despertado e sustentado pelo Espírito da Verdade15. É este mesmo Espírito quem ilumina não só os bispos, presbíteros e diáconos, mas também todos os cristãos individualmente, proporcionando não uma leitura privada, mas uma leitura realizada na fé de toda a Igreja16, de todos os tempos e lugares.

B. PNEUMATOLOGIA E TRADIÇÃO

1. Consideremos, em primeiro lugar, o importante contributo dos estudos de J. L. McKenzie para o assunto que tratamos. Segundo este, o carisma da inspiração cessou com a morte dos Apóstolos, durou enquanto se possuía uma memória viva do Verbo Encarnado. Porém, ainda hoje a Palavra da Igreja é Palavra de Jesus Cristo: a Igreja não escreve mais a Palavra Inspirada, porque agora é a própria Palavra vivente de Deus. Assim, a Palavra Inspirada só encontra o seu verdadeiro significado dentro da Igreja viva, que a proclama com uma ressonância que é sempre nova17.

2. Igualmente interessante é a exposição K. Rahner18 acerca desta matéria: Deus, pelo mesmo acto de vontade que criou e organizou a Igreja, constituiu as Escrituras como sua parte integrante. Os escritores do Antigo e do Novo Testamento deixaram-nos um testemunho de fé e um reflexo da vida do Povo de Deus e da Igreja Primitiva, para constituírem a regra de vida da Igreja posterior. Assim, os Livros Bíblicos não podem ser tidos como factores externos introduzidos desde fora, mas como partindo da própria Tradição, fé e auto-realização da Igreja.

12

J. C. NEVES, Apresentação e iniciação à leitura do documento da Pontifícia Comissão Bíblica sobre a

interpretação da Bíblia na igreja. Bíblica, «Série Científica» 2 (1994) 112.

13

Cf. Ibidem, 113.

14

Cf. COMISSÃO PONTIFÍCIA BÍBLICA, A interpretação da Bíblia na Igreja (Lisboa 1994) 111.

15

Ibidem, 117-118.

16

Ibidem, 118-119.

17

Cf. W. HARRINGTON, Iniciación a la Biblia. I. Historia de la promesa. (Santander 1967) 145.

18

D. BOROBIO, De la celebración a la teología: ¿Qué es un sacramento? In AA.VV., La celebración en la Iglesia, I (Salamanca 31991) 486-487.

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Se o acto de ensinar da Igreja Primitiva implica a escrita, logo é óbvio que o acto posterior da Igreja docente apareça essencialmente infalível porque se encontra em referência à Escritura. Não há choque entre as duas infalibilidades: a interpretação inerrante da Igreja está precisamente na definição da sua união com a Igreja Primitiva19, realizada no Espírito Santo.

3. Acerca das relações estabelecidas entre a Tradição e a Escritura, K. Rahner e W. Kasper oferecem dois pontos de vista diferentes, mas que se enriquecem mutuamente20: O primeiro encara a Tradição e a Escritura como fontes parciais e complementares que seguem uma ao lado da outra21. O segundo prefere afirmar que Tradição e Escritura não são duas fontes que se complementam, mas dois caminhos, duas formas como chega até nós, no Espírito Santo, a única fé apostólica: uma é tudo e a outra também, pertencem-se indissoluvelmente; nem Escritura sem Igreja, nem Igreja sem Escritura22.

4. W. Kasper concebe que a Escritura abrange, conhece e foi formada mediante a Tradição; por seu turno, esta produziu, acolheu e transmitiu, até hoje, os textos eclesiais como Escritura Sagrada. Os conteúdos da Tradição são em grande parte dados pela Escritura, que é essencialmente interpretada por aquela. Sai ao encontro de uma e outra o mesmo Espírito23. Isto implica que se faça um

discernimento e uma separação entre Tradição e tradições dos homens, para o que é necessária uma particular atenção ao conteúdo da Escritura e à sua unidade, à Tradição viva e à sua analogia fidei24.

5. Existe um progresso histórico possível na compreensão da Tradição, guiado pelo Espírito Santo, mas não à base de conclusões e deduções teológicas, e sim através da reflexão, da inteligência interna e do estudo dos crentes, a partir da experiência espiritual e da pregação dirigida pelo carisma da verdade25. Tal realidade encontra fundamento no facto de a Escritura conter todas as verdades necessárias para a salvação, ainda que só na história venham a ser descobertas26: sendo a Igreja uma entidade vivente, o princípio não pode ser o fim, e é precisamente isto que abre a possibilidade à elaboração do dogma27.

6. A Revelação Bíblica tem lugar num processo de Tradição, no qual os factos mais antigos, relidos várias vezes, se convertem eles próprios numa nova revelação28, daí que Revelação, Tradição, Inspiração e Magistério sejam inseparáveis, como faces de um mesmo polígono.

19

W. HARRINGTON, o. c., 134-139.

20

Ambas as posições concretizam aquilo que ensina a Constituição Dei Verbum, no n.º 10: A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito da Palavra de Deus, confiado à Igreja. In H. ALVES, o. c., 234. 21 W. HARRINGTON, o. c., 134. 22 Cf. W. KASPER, a. c., 251. 23

Cf. Ibidem, 249. A Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo Espírito com que foi escrita: II CONCÍLIO DO VATICANO, Sess. IV, Constituição Dogmática Dei Verbum, 12. In H. ALVES, o. c.,

238. 24 W. KASPER, a. c., 258. 25 Ibidem, 257-258. 26 Ibidem, 258. 27 W. HARRINGTON, o. c., 139. 28 W. KASPER, a. c., 260.

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Com efeito, traditio e successio coincidem: a Tradição representa o conteúdo, e a sucessão, a forma29; por outras palavras, a sucessão apostólica não é a garantia, mas

a forma pela qual nos chega o conteúdo da Tradição Apostólica, que nos dá o acesso a Jesus Cristo30. Ao mesmo tempo que o Espírito Santo transmite a fé pelo

testemunho apostólico, escreve também o Evangelho nos corações...

7. A Tradição adquire um carácter normativo e carismático particular no caso da Escritura. Todo o texto vive, é levado pela tradição como a água que sustenta e faz avançar o barco31; ou, então, a Tradição é como o leito por onde corre o rio da

Palavra de Deus e da sua ininterrupta compreensão32.

O Texto Bíblico é essencialmente textus traditus: sem a Tradição, o Texto deixaria de ter sustento e acabaria por morrer. Na verdade, a Igreja, edificada pela Palavra proclamada, é o lugar privilegiado33 em que os cristãos entram em contacto com a

Palavra de Deus viva e eficaz.

8. O Texto Bíblico surgiu da vida do Povo de Deus. Segundo H. Alves, pretender interpretar a Bíblia à margem do que a Igreja sempre acreditou e acredita é violentar o Texto Sagrado, arrancá-lo do seu contexto espiritual34. No entanto, embora consciente de que a Tradição seja historicamente anterior à Bíblia, afirma que aquela sem esta não conseguiria subsistir, e que a Escritura não nasceu para se opôr à Tradição: a Bíblia converte-se como que em substância da Tradição, como aquilo que é mais digno de ser recolhido e transmitido, pelo critério sempre basilar da fé35. W. Kasper, neste sentido, faz referência à primazia da Escritura e da sua

função crítica relativamente à Tradição36.

C. CONCLUSÃO: O ESPÍRITO VIVIFICA A TRADIÇÃO HERMENÊUTICA

1. Consideremos a seguinte proposição da Constituição Conciliar Dei Verbum:

Pertence aos exegetas, de harmonia com estas regras, trabalhar e expôr mais profundamente o sentido da Escritura, para que, mercê deste estudo preparativo, vá amadurecendo o juízo da Igreja.37

Da leitura desta frase, compreendemos facilmente que é tão importante a missão dos estudiosos da Bíblia como a segurança da fé eclesial guardada diligentemente na Tradição pelo Magistério Eclesiástico. Não há motivo para pensar que as operações da exegese e do Magistério, usando as regras próprias de cada qual, entrem em conflito: as tensões ocasionais podem ser ultrapassadas por um estudo mais aprofundado de ambos os lados38. Deste modo, estudo exegético e Depósito da Fé vão-se fecundando e enriquecendo o património da Igreja. A dinamizar este processo, e implícito na supracitada proposição conciliar, encontra-se manifesta a acção do Espírito Santo.

29 Ibidem. 251. 30 Cf. Ibidem, 260. 31

Cf. L. ALONSO SCHÖKEL, J. M. BRAVO, Apuntes de hermenéutica (Madrid 1994) 126.

32

V. MANNUCCI, Bíblia. Palavra de Deus. (S. Paulo 1986) 371.

33 Cf. Ibidem, 405. 34 H. ALVES, o. c., 241. 35 Cf. Ibidem, 233. 36 W. KASPER, a. c., 261. 37

Cf. II CONCÍLIO DO VATICANO, Sess. IV, Constituição Dogmática Dei Verbum, 12. In H. ALVES, o. c., 238.

38

(7)

2. Afirmar que a Tradição tem a função de norma ou regra de interpretação não pode confundir-se com uma espécie de prisão dogmática, segundo o modelo legalista. Ser dócil à Tradição significa, hermeneuticamente, aceitar determinada compreensão da pessoa de Jesus Cristo, como se desenvolveu na comunidade apostólica e no decurso da Tradição pós-apostólica. Tal não significa deter-se passivamente num conjunto de enunciados culturalmente fixados, mas assumir a riqueza da Tradição como ponto de referência para todo o desenvolvimento da compreensão dos elementos da Revelação39.

3. Em 1986, a Congregação para a Doutrina da Fé, numa Carta aos Bispos, fez a seguinte afirmação:

É essencial reconhecer que as Escrituras não são entendidas adequadamente quando se interpretam de tal modo que entrem em contradição com a tradição viva da Igreja. Para que seja correcta, a interpretação da Escritura tem de estar substancialmente de acordo com aquela tradição.40

Esta postura não impede, de modo algum, que a interpretação da Bíblia realize avanços na tradição eclesial41. A Tradição não é imutável, mas dinâmica: a compreensão crescente que uma geração tem do texto converte-se em horizonte compreensivo para si mesma e para as gerações sucessivas42. O Espírito Santo é a

garantia da unidade: diversidade de gerações, mas um só Espírito como factor constitutivo do texto e da sua tradição43.

4. A interpretação dos escrituristas não deve ser aceite ou rejeitada por estar ou não de acordo com a Tradição, mas por ser de valor racional valioso ou caduco44:

Em vez de ignorar uma investigação bíblica que poderia provocar alterações no ensino tradicional, o Magistério deve hoje fazer frente à importantíssima tarefa do trabalho teológico de examinar a doutrina da Igreja à luz dos avanços alcançados na investigação bíblica e teológica, na prática da Igreja e no mundo moderno.45

5. A dogmática e a confissão de fé derivam do mesmo acto vital pelo qual vive a Igreja, de modo que não temos uma simples dogmática, mas uma dogmática eclesial46. Por isso, o debate científico não pode ser a repetição ou a confirmação

das afirmações do Magistério; aquele, de facto, necessita de espaço livre dentro da Igreja, que o Magistério lhe deve deixar serenamente47. Isto não significa, de modo algum, que os teólogos possam entender-se a si próprios como o Magistério da Igreja.

6. De facto, do mesmo modo que não podemos fundamentalizar uma Tradição rígida e imutável, também não podemos defender um conhecimento exegético absolutizado. As operações exegéticas não devem obscurecer-se ou misturar-se com visões reducionistas do espírito humano. Por mais que a exegese se aproxime

39

V. MANNUCCI, o. c., 371.

40

Cf C. E. GUDORF, El magisterio y la Biblia: la experiencia norteamericana. Concilium (1991) 122.

41

L. ALONSO SCHÖKEL, J. M. BRAVO, o. c., 127.

42

Cf. II CONCÍLIO DO VATICANO, Sess. IV, Constituição Dogmática Dei Verbum, 8. In H. ALVES, o. c., 230-231.

43

L. ALONSO SCHÖKEL, J. M. BRAVO, o. c., 127.

44

Cf. C. E. GUDORF, a. c., 123.

45

Cf. Ibidem, 129.

46

Cf. K. BERGER, La exegesis y la teología sistematica desde la perspectiva del exegeta. Concilium (1994) 1063.

47

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do sentido textual original, e depois o relate respeitosamente como fé de Israel e da Igreja, permanecerá ainda num valor relativamente limitado48. É óbvia a indispensabilidade da tarefa exegética, dada a objectividade das suas metodologias; contudo, a interpretação do Texto Sagrado pertence à missão da Teologia ou, melhor, à fé na sua peculiaridade eclesial. Esta asserção não constitui uma redução pré-científica, pietista ou inocente, mas resulta do facto da inspiração da Bíblia, ou seja, de esta ser um livro escrito por seres humanos movidos pelo Espírito, o que lhe confere um carácter muito especial: ser um livro de fé, escrito na fé e na fé da comunidade dos crentes, para ser normativo na vida do crente49. 7. Podemos ainda realizar uma última análise a fim de acarretar todas as consequências de todo este nosso processo teo-lógico. O valor final da vida cristã é a fé dinamizada pela graça do movimento interno próprio da união com Deus; a fé, embora exija, transcende ambas as mediações bíblica e eclesial50, já que foi trazida, pelo Espírito de adopção filial, para a comunhão com o Pai, no Filho, Jesus Cristo.

BIBLIOGRAFIA

1. DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO ECLESIÁSTICO

ALVES, H., Documentos da Igreja sobre a Bíblia (315-1987) (Lisboa 1991).

COMISSÃO PONTIFÍCIA BÍBLICA, A interpretação da Bíblia na Igreja (Lisboa 1994). DENZINGER, H., Enchiridion symbolorum definitionum et declarationum de rebus fidei et

morum (Barcelona 241946).

2. ARTIGOS

BERGER, K., La exegesis y la teología sistematica desde la perspectiva del exegeta. Concilium (1994) 1059-1071.

COSTACURTA, B., Esegesi e lettura credente della Scrittura. Gregorianum 73 (1992) 739-745.

GUDORF, C. E., El magisterio y la Biblia: la experiencia norteamericana. Concilium (1991) 115-129.

KASPER, W., Escritura y tradición: perspectiva pneumatológica. Selecciones de Teología 31 (1992) 249-263.

NEVES, J. C., Apresentação e iniciação à leitura do documento da Pontifícia Comissão Bíblica

sobre a interpretação da Bíblia na Igreja. Bíblia, «Série Científica» 2 (1994) 87-118.

WICKS, J., Biblical Criticism criticized. Gregorianum 72 (1991) 117-128.

3. MONOGRAFIAS

BOROBIO, D., De la celebración a la teología: ¿Qué es un sacramento? In AA.VV., La

celebración en la lglesia. I (Salamanca 31991).

48

J. WICKS, Biblical Criticism criticized. Gregorianum 72 (1991) 125-126.

49

B. COSTACURTA, Esegesi e lettura credente della Scrittura. Gregorianum 73 (1992) 740-741.

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ALONSO SCHÖKEL, L.; BRAVO, J. M., Apuntes de hermenéutica (Madrid 1994). HARRINGTON, W., Iniciación a la Biblia. I. Historia de la promesa. (Santander 1967). MANNUCCI, V., Bíblia. Palavra de Deus. (S. Paulo 1986).

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