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FISIOLOGIA DA CINTURA ESCAPULAR

Raul Oliveira, João Paulo Sousa, Jan Cabri

Centro de Estudos de Fisioterapia –Faculdade de Motricidade Humana – Universidade Técnica de Lisboa

INTRODUÇÃO

Neste capítulo pretende-se fazer uma análise funcional ao Complexo Articular do Ombro (CAO), numa perspectiva quer da fisiologia articular quer da cinesiologia. O ombro e a cintura escapular, que em conjunto formam este complexo articular, são constituídos por várias articulações (gleno - umeral; acromio - clavicular; esterno - condro-clavicular) e por duas interfaces (escápulo-torácica e Supraumeral - Subacromial) que também participam nos seus movimentos e funções.

Existem vários grupos musculares com acções complementares no úmero, clavícula, omoplata e coluna cervico - torácica mas que são interdependentes e complementares na sua acção. O objectivo principal deste capítulo está centrado na descrição do que cada um desses elementos – articulares e músculo-tendinosos – fornece para o binómio mobilidade/estabilidade do CAO.

A compreensão dos aspectos funcionais e biomecânicos deste complexo articular permite aos diversos profissionais avaliar com maior rigor clínico as disfunções e patologias existentes bem como seleccionar as melhores estratégias de intervenção terapêutica assentes em evidência científica.

ARTICULAÇÃO GLENO-UMERAL (GU) – ANÁLISE FUNCIONAL

É a articulação com maior mobilidade do complexo articular do ombro (CAO), que permite movimentar a unidade funcional do braço em todos os planos do espaço tridimensional. É composta pela cabeça do úmero e pela cavidade glenóide da omoplata possuindo na sua periferia uma fibrocartilagem

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– labrum glenoideu - disposta de forma a aumentar a área de contacto e a congruência articular entre as duas superfícies articulares.

A cabeça umeral, relativamente à diáfise, está orientada para cima e para dentro (entre 130º e 150º) e ainda, para trás (entre 26º e 31º) (Kronberg, Brostrom, & Soderlund, 1990). Este último ângulo denomina-se retroversão da

cabeça umeral. Foi verificado que os atletas lançadores de elevado nível

competitivo (modalidades de gestos frequentes com a mão acima da cabeça) apresentaram uma retroversão da cabeça umeral superior, no braço dominante relativamente ao lado não dominante, no que foi considerado como uma adaptação óssea aos esforços solicitados (Crockett et al., 2002).

A dimensão da superfície articular da cavidade glenóide, cerca de 1/4 a 1/3 da superfície articular da cabeça do úmero, corresponde ao contacto de apenas 25% a 33%, independentemente da posição articular (Culham & Peat, 1993; Soslowsky, Flatow, Bigliani & Mow, 1992; Soslowsky et al., 1992).

Esta diminuição da congruência articular possibilita uma ampla liberdade de movimentos, resultante da interacção entre os três graus de liberdade rotacional e os 3 graus de liberdade de translação – potencial de mobilidade .

Por outro lado, sendo a cavidade glenóide da omoplata o segmento proximal da articulação GU, qualquer movimento e/ou posicionamento da omoplata (dependente da interacção entre as articulações acromio-clavicular, esterno-clavicular e interface omo-costal) vai influenciar a função da mesma (Levangie & Norkin, 2005).

Esta disponibilidade para o movimento, mantendo uma estabilidade articular funcional, exige desta articulação a interacção entre factores de estabilidade estáticos e dinâmicos com acção local (gleno-umeral) e regional (cintura escapular, escápulo-torácica e região cervico-dorsal), como está sistematizado no quadroII.1

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Quadro II.1 – Factores de estabilidade da articulação Gleno-Umeral

ESTABILIDADE ESTÁTICA ESTABILIDADE DINÂMICA Morfologia osteo-articular

Labrum glenoideu

Estruturas capsulo-ligamentares Pressão intra-articular negativa – Forças de

coesão articular

Coifa dos rotadores/Deltóide Tendão da longa porção do bicípite

Tensão ligamentar dinâmica Músculos escápulo-torácicos (base de

suporte) SISTEMA DE CONTROLE NEURO-MUSCULAR

ELEMENTOS POSTURAIS / CONTROLE POSTURAL LOCAL E REGIONAL

Como se pode observar no quadro II.1, os factores relacionados com a estabilidade articular da GU podem ser agrupados em estáticos e dinâmicos, mas interagem entre eles através de um sistema de controle neuro-motor, que assegura uma complementaridade das suas funções.

Os factores considerados estáticos, como as estruturas capsulo-ligamentares, exercem a sua função quando colocados em estiramento, não só pela resistência à sua deformação mecânica mas sobretudo pela informação cinestésica que fornecem (sentido de posição e movimento articular), potenciando assim uma resposta adequada e atempada dos elementos dinâmicos (músculos estabilizadores).

Outro factor de estabilidade estática é o labrum glenoideu, que permite aumentar a profundidade da glenoide em cerca de 5 a 10 mm aumentando igualmente a sua área de contacto com a cabeça umeral (Howell & Galinat, 1989). Foi estimado, por Lippit & Matsen (1993), que um labrum lesado aumenta em 20% os movimentos de translação da cabeça umeral comparativamente a uma situação do labrum íntegro.

A configuração diametralmente oposta na espessura da cartilagem que reveste a cabeça umeral (mais espessa na região central do que na periferia) relativamente à espessura da cartilagem da glenóide (mais espessa na periferia do que na região central), associada à função do labrum, contribui para a estabilidade estática da GU ao mesmo tempo que assegura alguma capacidade de deformação para melhor absorção das forças (Porterfield & DeRosa, 2004).

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O labrum na sua porção superior contacta com o tendão da longa porção do bicípite e serve ainda como ponto de inserção dos três ligamentos gleno-umerais (Gross, Seeger, Smith, Mandelbaum & Finerman, 1990; Prodromos, Ferry, Schiller & Zarins, 1990) sendo considerados como os principais reforços anteriores da cápsula articular da GU (Andrews, Carson & McLeod, 1985; Pappas, Goss & Kleinman, 1983; Peat, 1986; Snyder, Karzel, Del Pizzo, Ferkel & Friedman, 1990).

Os ligamentos gleno-umerais (LGU) vão limitar, no seu conjunto, os movimentos de abdução, rotação externa e hiperextensão (Kapandji, 1980).

O ligamento gleno-umeral inferior (o maior e mais desenvolvido dos três) é o principal factor de limitação estática à translação anterior da cabeça umeral, quando o braço se encontra entre os 45º e 90º de abdução e em rotação externa (Warner, Deng, Warren & Torzilli, 1992), bem como à abdução horizontal. Em abdução máxima e rotação externa do braço este ligamento exerce uma força de compressão sobre a cabeça umeral contribuindo para a sua coaptação, sendo que, em abdução e rotação interna, este limita a translação posterior.

O espaço compreendido entre os LGU médio e inferior é considerado como uma zona de fragilidade da cápsula – orifício de Weitbrecht – onde é comum ocorrerem as luxações anteriores (O'Brien et al., 1990).

Existe ainda o ligamento coraco-umeral que, com os seus dois feixes (anterior e posterior), está situado na região superior da cápsula, no chamado intervalo dos rotadores. Este ligamento limita os movimentos de flexão (feixe posterior), extensão (feixe anterior), rotação externa e adução (Kapandji, 1980). A integridade das estruturas capsulo-ligamentares assegura ainda que, em condições fisiológicas, exista uma pressão negativa intra-articular, que também contribui para a estabilidade articular, favorecendo uma maior coesão entre as superfícies articulares (Porterfield & DeRosa, 2004). Na posição anatómica, com os braços ao longo do tronco, as forças de gravidade causam uma translação inferior da cabeça, que é contrariada pela pressão negativa intra-articular (Magermans, Chadwick, Veeger & van der Helm, 2005).

O centro instantâneo de rotação da cabeça umeral varia de acordo com a posição articular. Isto significa que, durante os movimentos do ombro, esse centro instantâneo realiza uma trajectória que é descrita como um centróide, o

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que implica, em cada momento articular, nas condições fisiológicas, a existência de uma soma de forças que consiga manter a cabeça do úmero centrada na cavidade glenóide. Essas forças são desenvolvidas não só pelas estruturas capsulo-ligamentares, mas sobretudo pela actividade coordenada dos músculos da coifa dos rotadores, deltóide, longa porção do bicípite (Kronberg, Nemeth & Brostrom, 1990) e escápulo-torácicos, que asseguram uma estabilidade dinâmica, o que sucede particularmente nas amplitudes médias onde os ligamentos não estão totalmente em tensão (Schiffern, Rozencwaig, Antoniou, Richardson & Matsen, 2002).

Posteriormente, a cápsula da GU não apresenta auxílio ligamentar adicional, sendo reforçada pelos tendões do supra-espinhoso, infra-espinhoso e pequeno redondo que se fundem com a cápsula, pelo que são considerados

ligamentos activos (Peat, 1986) (figura II.1). Esses tendões também se

fundem entre eles numa banda única ao nível da sua inserção distal no troquíter, o que faz supor que os efeitos da contracção isolada de um dos tendões possa induzir actividade nos outros, numa dinâmica funcional de conjunto (Soslowsky, Carpenter, Bucchieri & Flatow, 1997).

Figura 1 – Orientação dos músculos (1) supra-espinhoso, (2) infra-espinhoso e (3) pequeno redondo na sua função de coaptação articular entre a cabeça umeral e cavidade glenóide

O músculo subescapular integra igualmente a coifa dos rotadores como um reforço anterior da cápsula da GU, que, em conjunto com os outros

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elementos da coifa (padrões de co-contracção), contribui para a coaptação articular e para a centragem da cabeça umeral (Decker, Tokish, Ellis, Torry & Hawkins, 2003).

Superiormente, a articulação GU é coberta por um conjunto osteo-ligamentar – arco coraco-acromial – constituído pela apófise coracóide, acromio e ligamento coraco-acromial, delimitando um espaço reduzido – espaço sub-acromial - ocupado por estruturas como o tendão do supra-espinhoso e a bolsa subacromial.

Os movimentos e posições da articulação GU, que fazem aproximar o troquíter do arco coraco-acromial, tornam as estruturas do espaço sub-acromial mais vulneráveis à lesão e a alterações degenerativas. Alguns exemplos incluem a excessiva translação superior e anterior da cabeça e uma diminuição da amplitude de rotação externa do braço. As alterações da posição da omoplata e do seu movimento fisiológico também podem contribuir para essa situação.

Durante os movimentos de abdução, a acção isolada do deltóide, leva a cabeça umeral a elevar-se dentro da cavidade glenóide (translacção superior), promovendo o conflito sub-acromial mais precocemente e diminuindo a amplitude de movimento disponível. A acção conjugada do deltóide com os músculos da coifa permite que a cabeça sofra um movimento de translação inferior (figura II.2), evitando a subida exagerada da cabeça (Levangie & Norkin, 2005) e mantendo-a centrada na cavidade glenóide.

Figura 2 – Translação inferior da cabeça umeral como resultante da acção conjugada entre o Deltóide e os músculos da coifa durante o movimento de abdução do braço.

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Este arco pode surgir como um obstáculo ou conflito à passagem do troquíter durante os movimentos de elevação do braço, sobretudo se o úmero estiver numa posição relativa de rotação interna e/ou os ombros anteriorizados (omoplata em protracção). A rotação externa do braço permite, em parte, minimizar este conflito ao colocar o troquíter numa posição mais posterior.

A sincronização dos movimentos articulares e das acções neuromusculares envolvidas no funcionamento do CAO implica, como em qualquer outro segmento, uma coordenação eficiente assegurada pelo sistema neurofisiológico, que estabelece uma interacção permanente entre os factores estáticos e dinâmicos envolvidos nas várias articulações que compõem este complexo articular. O sentido cinestésico proveniente dos mecano-receptores articulares, dos fusos neuromusculares e dos receptores de Golgi (tendões) desempenha um papel essencial na regulação da função neuromuscular (tónus e coordenação inter-muscular e intra-muscular) pela criação de arcos reflexos adequados à estabilização dinâmica, assegurada pelos diferentes músculos (Borsa, Timmons & Sauers, 2003; Guanche, Knatt, Solomonow, Lu & Baratta, 1995) e por uma “gestão” coordenada das suas acções.

Acrescente-se ainda que o funcionamento da articulação gleno-umeral está interdependente do funcionamento das restantes articulações e interfaces do CAO.

ARTICULAÇÃO EXTERNO-CLAVICULAR (AEC)

É a única ligação óssea do membro superior ao esqueleto axial. É uma articulação do tipo duplo-encaixe ou em “sela”, apresentando um disco intra-articular que permite melhorar a congruência das superfícies intra-articulares envolvidas. Esta articulação permite movimentos de pequena amplitude na extremidade interna da clavícula mas, devido à sua configuração anatómica e à sua relação com a omoplata (articulação acromio-clavicular), estes movimentos ganham uma maior amplitude na extremidade externa, para poderem acompanhar os movimentos da interface escápulo-torácica. Deste modo, descrevem-se os movimentos de elevação/depressão da clavícula e

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protracção/retropulsão em torno de um eixo que passa pela AEC. A clavícula sofre ainda um movimento de rotação axial em torno de um eixo longitudinal, que permite aumentar a sua ascensão nos movimentos de elevação do braço. A estabilidade desta articulação é assegurada pelas estruturas capsulo-ligamentares, onde se destaca o ligamento interclavicular (une as extremidades internas das duas clavículas) e o ligamento costo-clavicular que limita uma elevação exagerada da clavícula (Kapandji, 1980). Os movimentos combinados de rotação e elevação da clavícula, que participam na elevação do braço (qualquer que seja o plano), são designados de “crankshaft effects” (Inman, Saunders & Abbott, 1996)

ARTICULAÇÃO ACROMIO-CLAVICULAR (AAC)

Apresenta superfícies articulares planas que permitem somente pequenos movimentos de deslize. A estabilidade articular é assegurada pela cápsula articular, sendo reforçada superiormente pelo ligamento acromio-clavicular superior e à distância pelos ligamentos coraco-acromio-claviculares (trapezóide e conóide).

Em termos absolutos, os movimentos gerados nesta articulação são de pequena amplitude, mas é nela que ocorrer a sincronia entre os movimentos da omoplata e da clavícula. Durante os movimentos de elevação do braço, os ligamentos coraco-claviculares contribuem para o movimento de rotação axial da clavícula descrito anteriormente, permitindo compatibilizar o movimento de rotação superior da omoplata (interface escápulo-torácica) com a elevação da clavícula - fulcro na articulação esterno-clavicular - (Kapandji, 1980).

“ARTICULAÇÃO” ou INTERFACE ESCÁPULO-TORÁCICA

Esta articulação, também designada por “falsa articulação” omo-costal estabelece uma interface entre a face anterior da omoplata e o tórax, onde se interpõem os músculos grande dentado e subescapular. O posicionamento da omoplata sobre o tórax (cerca de 30º em relação ao plano frontal) e o controlo

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da sua mobilidade são factores que influenciam o funcionamento de todo o membro superior (Mottram, 1997; Mottram, Woledge & Morrissey, 2007).

A omoplata e a interface escápulo-torácica desempenham diversas funções essenciais para o funcionamento do CAO:

a) a omoplata serve de local de inserção dos principais músculos do ombro (músculos da coifa e deltóide, p ex.) e cintura escapular (estabilizadores da omoplata, como o trapézio, grande dentado e rombóides são os melhores exemplos), possibilitando oferecer uma adequada relação comprimento/tensão necessária nas diversas posições do braço (Doody, Freedman & Waterland, 1970; van der Helm, 1994b);

b) a posição correcta da glenóide relativamente ao úmero (articulação GU) está dependente da posição em que se encontra a omoplata. Essa posição condiciona quer o funcionamento dos músculos da coifa no seu papel de estabilizadores dinâmicos da GU, quer a localização do centro instantâneo de rotação (GU), com repercussões na sua artrocinemática (van der Helm, 1994a) minimizando os conflitos no espaço subacromial (Kibler, 2006);

c) o movimento de rotação superior da omoplata durante a elevação do braço permite “posicionar” o acrómio de forma a minimizar a possibilidade de conflito sub-acromial, sobretudo nos movimentos rápidos e/ou repetitivos com a mão acima da cabeça (Kamkar, Irrgang & Whitney, 1993);

d) o funcionamento desta interface depende igualmente da integridade das articulações acromio-clavicular e esterno-clavicular, bem como da sua sincronia (Peat, 1986) como será descrito mais à frente.

RITMO ESCÁPULO-UMERAL (REU)

A mobilidade e estabilidade do CAO resulta da conjugação dos movimentos articulares que se passam sincronizadamente na articulação gleno-umeral (a de maior mobilidade de todo o conjunto), nas articulações acromio-clavicular e esterno-clavicular, bem como, na interface escápulo-torácica, num conjunto harmonioso que (Codman, 1934) designou por ritmo escápulo-umeral O contributo dos movimentos da omoplata particularmente

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relevantes, uma vez que correspondem a cerca de 1/3 da amplitude total de elevação do braço (seja no plano sagital, frontal ou no plano da omoplata).

Classicamente, Codman (1934) descreveu este ritmo com um ratio constante entre os movimentos do úmero sob a glenóide (cerca de 2/3 do movimento total – 120º em 180º) e da omoplata sobre o tórax (1/3 do movimento na articulação escápulo-torácica) desde o início da elevação do braço (ver figura II.3).

Figura II.3 – Ritmo escápulo-umeral: sincronia desde o início da elevação do braço entre os movimentos de rotação superior da omoplata e de elevação da clavícula (A e B) e os movimentos do úmero (C).

No entanto, sabemos hoje que esse ratio não é consensual entre os diferentes estudos, nem uniforme ao longo dos diversos arcos de amplitude, e varia consoante os planos em que é feito (sagital, coronal ou no plano da omoplata), a velocidade de execução e ainda com a presença de carga externa ou resistência (Bagg & Forrest, 1988; Doody, Freedman & Waterland, 1970; Michiels & Grevenstein, 1995; Poppen & Walker, 1976; Saha, 1971). Apesar dessas diferenças, tem sido consensual uma participação relativa da escápulo-torácica nos movimentos de elevação do braço (contributos complementares do par articular acromio-clavicular/esterno-clavicular) em cerca de 1/3 do total do movimento (Mottram, 1997).

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Podem-se descrever quatro fases deste REU:

a) fase 1 ou setting phase - Durante os primeiros 60º de flexão e 30º de abdução (Dvir & Berme, 1978; Inman, Saunders & Abbott, 1996) a omoplata precisa de uma posição de estabilidade em relação ao úmero, orientação dinâmica da glenóide, assegurada pelos seus estabilizadores (rombóides, trapézio e grande dentado), fornecendo uma plataforma estável para os músculos que actuam na GU. A maior participação em termos de mobilidade nesta fase é, precisamente, da articulação GU (Inman, Saunders & Abbott, 1996), através da acção dos músculos deltóide e supra-espinhoso (Bagg & Forrest, 1988). Também ocorre uma ligeira elevação da clavícula num movimento cujo fulcro se situa na AEC.

b) Fase 2 – caracteriza-se por uma maior participação da articulação omo-costal através da rotação superior da omoplata (que atinge os seus valores relativos mais elevados entre os 80º e 140º de abdução do braço), associada igualmente a uma elevação da extremidade externa da clavícula (movimento na articulação esterno-clavicular) que no final do movimento é limitada pelo estiramento do ligamento costo-clavicular. Os movimentos realizados na omoplata e na clavícula são feitos pela acção sincronizada e simultânea do trapézio superior/trapézio inferior e grande dentado (Bagg & Forrest, 1986). Na GU continuam em actividade, embora com menor participação, o deltóide e supra-espinhoso (Doody, Freedman & Waterland, 1970);

c) Fase 3 – é uma fase em que a elevação do braço (sobretudo no plano frontal e no plano da omoplata) é acompanhada por uma rotação externa do úmero (Gagey, Bonfait, Gillot & Mazas, 1988), apesar de esta já se ter iniciado por volta dos 80º/100º de abdução do braço para minimizar o potencial conflito

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sub-acromial. Por outro lado, é nesta fase que se atinge a maior amplitude de rotação superior da omoplata (em que o centro instantâneo de rotação passa da raiz da espinha da omoplata para a articulação acromio-clavicular) mantendo-se activos e coordenados os músculos trapézio (superior e inferior) e grande dentado. A extremidade externa da clavícula poderá ainda sofrer uma ligeira elevação à custa de uma rotação axial com fulcro na AEC.

d) Fase 4 – etapa final do movimento de elevação do braço já com reduzida participação, em termos de mobilidade, das articulações quer da omoplata quer da clavícula, apesar de se manter a actividade dos músculos descritos anteriormente (Bagg & Forrest, 1988).

Podemos sintetizar os argumentos funcionais e mecânicos de um REU fisiológico na actividade do CAO em termos de se assegurar uma estabilidade dinâmica a todo conjunto:

* Manter a glenóide na posição ideal para receber a cabeça, contribuindo para o binómio mobilidade/estabilidade articular da GU e na centragem dinâmica da cabeça em todas as posições.

* Manter uma relação de comprimento/tensão óptima dos músculos da omoplata que actuam no úmero - músculos da coifa dos rotadores (estabilizadores dinâmicos da GU) e deltóide.

* Retirar o acrómio do trajecto da cabeça/troquíter para minimizar as situações de potencial conflito subacromial;

* Sincronizar os movimentos das diferentes articulações sob a acção dos diferentes músculos numa coordenação neuromuscular.

Nos movimentos e gestos com a mão acima da cabeça a manutenção da estabilidade da GU é um processo complexo, que envolve a coordenação de diversas estruturas músculo-esqueléticas e neuro-sensoriais do CAO. O movimento sincronizado entre úmero, omoplata e clavícula, traduzido no ritmo

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escápulo-umeral, constitui um mecanismo fundamental que contribui para um equilíbrio entre a mobilidade funcional e a estabilidade articular regional.

Numa perspectiva clínica, o REU tem sido considerado como um indicador fiável de análise da qualidade do movimento e da função do ombro (McQuade, Dawson & Smidt, 1998; McQuade, Shelley & Cvitkovic, 1999). Praticamente todas as patologias e/ou disfunções do ombro, do arco coracoacromial, da clavícula e omoplata traduzem-se na alteração do ritmo escápulo-umeral, concretizada numa alteração dos padrões de recrutamento motor com compensações e substituições diversas.

Num sentido mais alargado, o ombro e a cintura escapular integram-se numa cadeia cinética de movimento que vai dos membros inferiores até à mão, incluindo a coluna cervico-torácica e lombo-sagrada, como segmentos funcionais que também influenciam a actividade do CAO. Por exemplo, os estudos efectuados por (Hodges & Richardson, 1997) mostraram que os movimentos do ombro são precedidos de activação dos músculos pélvicos.

Os estudos citados atrás suportam a necessidade de um controlo postural eficiente quer do tronco (músculos posturais), quer da omoplata (músculos escápulo-torácicos) para um funcionamento eficiente do CAO.

Pontos-chave a reter:

- A fisiologia do complexo articular do ombro requer a participação coordenada e complementar de estruturas articulares e músculo-tendinosas dos diferentes segmentos.

- A “gestão” dos diferentes graus de liberdade (mobilidade) num contexto de segurança e risco controlado (do segmento corporal com maior mobilidade do corpo) exige a interdependência de factores de estabilidade quer estáticos quer dinâmicos, locais e regionais, envolvendo padrões de recrutamento motor. - A análise e avaliação do desempenho funcional do ritmo escapulo-umeral durante os movimentos de elevação do braço podem ser excelentes indicadores da participação específica de cada um dos elementos para na função global do CAO.

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- A limitação funcional e/ou a disfunção de um dos segmentos articulares que constitui o CAO reflecte-se em todo o conjunto funcional comprometendo a sua eficiência.

- A estabilidade da omoplata como plataforma-base para funcionamento dos restantes músculos é determinante para a fisiologia da cintura escapular. Essa estabilidade depende do equilíbrio e coordenação na actividade entre os músculos escapulo-toracicos (par trapézio superior/grande dentado e trapézio inferior) e músculos da coifa dos rotadores.

- A centragem dinâmica da cabeça umeral (qualquer que seja a posição articular do ombro) é o resultado da sincronia referida no ponto anterior.

Conclusão

A análise funcional, através dos conhecimentos actuais das ciências básicas como a biomecânica e a neurofisiologia, deve dar aos diferentes profissionais (médicos, cirurgiões, fisioterapeutas), que lidam com as disfunções do CAO, ferramentas e instrumentos quer de avaliação quer de intervenção mais credíveis e fundamentados.

A integração e aplicação em contexto clínico de escalas de avaliação funcional, por modelos de análise do movimento traduzindo o comportamento das estruturas anatómicas em situações reais deverá ser um objectivo a aprofundar por todos os profissionais, pelo que se torna necessário conhecerem melhor os seus fundamentos cinesiológicos

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