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CONSELHO DE DISCIPLINA SECÇÃO PROFISSIONAL. Processo n.º 28-20/21

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CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

Processo n.º 28-20/21

DESCRITORES: Agente Desportivo – Jogador - Presidente de Clube – Diretor de Comunicação – Clube - Lesão da Honra e Reputação.

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ESPÉCIE: Processo Disciplinar

ARGUIDOS: JOÃO MÁRIO NAVAL DA COSTA EDUARDO,FREDERICO NUNO FARO VARANDAS,MIGUELNOBRE

GUEDES BRAGA E SPORTING CLUBE DE PORTUGAL –FUTEBOL SAD

OBJETO: Eventuais declarações prestadas a órgãos de comunicação social. DATA DO ACÓRDÃO: 6 de julho de 2021

TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade RELATORA: Isabel Lestra Gonçalves

NORMAS APLICADAS: Artigos 112.º, n.º 1, 3 e 4; 136.º, n.º 1 e 4, 158.º a) todos do RDLPFP20 SUMÁRIO:

I. Os agentes desportivos, que exerçam funções no âmbito das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, devem manter conduta conforme os princípios desportivos de lealdade, probidade e retidão.

II. Age com uma atitude ético-jurídica incorreta e atentatória dos padrões de conduta esperados e minimamente exigíveis a qualquer agente desportivo quem, tendo esta qualidade, por qualquer meio, proferir frases, expressões ou afirmações ofensivas da honra de outro agente desportivo, elementos da equipa de arbitragem ou órgão da Liga ou da FPF e respetivos membros.

III. Incorre na infração disciplinar p. e p. pela alínea a) do artigo 158º do RDLPFP20, o jogador de um clube que, em declarações prestadas na “flash interview” que se segue ao desafio, tendo como pano de fundo queixas quanto à arbitragem, profere palavras e expressões difamatórias e grosseiras, ofensivas da honra e da consideração da equipa de arbitragem e, em particular, do árbitro da partida, nomeadamente “(…) infelizmente não nos deixaram ganhar”.

IV. Incorre na infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º n.º 1 e n.º 4 aplicável em conjugação com o artigo 112.º n.º 1 ambos do RDLPFP o Presidente de uma SAD que no final de um jogo, no canal SPORTV, e após criticar uma decisão da equipa de arbitragem declara expressamente: «este golo jamais seria anulado com os nossos rivais [Benfica ou FC Porto] … Jamais!». e, referindo à videoarbitragem do jogo declara, «vamos utilizar o VAR e vamos encontrar alguma coisa que justifique poder anular o golo… e se for preciso colocamos uma câmara microscópica […] depois chamam o VAR e vamos lá com a visão microscópica… como é que eu consigo anular este golo? E o árbitro consegue… […]».

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V. Incorre na infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º n.º 1 aplicável em conjugação com o artigo 112.º n.º 1 ambos do RDLPFP, o Diretor de Comunicação de uma SAD que num programa transmitido pela estação televisiva por si detida e explorada declara: «APAF está a ser coerente com ela própria... Quando o Sporting fala, a APAF reage, quando os outros falam, a APAF fica em silêncio… Um dualidade de critérios de que nos queixamos fora e dentro do campo»; «não queremos fazer nomeações cirúrgicas dentro do Sistema para as coisas correrem melhor para nós»; «Não queremos nomear este árbitro para aqui, aquele árbitro para ali, como já o disseram outros clubes e até com orgulho»; «Quem é competente não teme a transparência […]».

VI. Incorre na infração disciplinar p. e p. no artigo 112.º n.º 1, 3 e 4 do RDLPFP, a SAD que através dos seus canais de comunicação e informação, difunda declarações visando a atuação dos agentes de arbitragem e a associação que os representa, bem como juízos gravosos para o interesse da própria competição profissional de futebol, utilizando expressões objetivamente injuriosas, difamatórias ou grosseiras e, consequentemente, contrárias à ética desportiva que deve pautar as relações entre as instituições.

VII. Tais comportamentos não se vêm justificados pelo exercício lícito da sua liberdade de expressão, pelo que, por afrontar valores tutelados pelo direito disciplinar desportivo, faz incorrer os seus autores na prática dos ilícitos disciplinares em referência.

VIII. Aos artigos 112.º e 136.º do RDLPFP subjaz o desiderato de proteção do direito subjetivo fundamental à honra e ao bom nome dos agentes desportivos coenvolvidos, enquanto concretização inalienável da sua dignidade pessoal, mas também o interesse constitucionalmente protegido de prevenção da violência no desporto, in casu, o de assegurar o prestígio e o bom funcionamento das competições de natureza profissional. IX. O juízo de ponderação ou de concordância prática entre os bens jurídicos em conflito

(honra, liberdade de expressão, ética desportiva) não pode ignorar o facto de a qualidade de agente desportivo estar associada, nos termos legais e regulamentares, a um estatuto especial de direitos e deveres, entre eles o dever, para esses agentes, de se absterem de condutas que potenciem comportamentos violentos ou perturbações da ordem pública. Esta asserção não só encontra arrimo na jurisprudência do STA, como é um dos aspetos tidos em conta pelo TEDH na interpretação e aplicação do artigo 10.º, n.º 2 da CEDH, quando ali se assinala que certas pessoas ou grupos, pelos deveres e responsabilidades

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inerentes à atividade que desempenham, podem ter de suportar interferências mais intensas na sua liberdade de expressão, sem que isso perturbe o justo equilíbrio dos interesses em presença, atenta a premência dos interesses públicos em que se esteiam aquelas situações funcionais.

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ACÓRDÃO

Acordam, em Plenário, ao abrigo do artigo 206.º n.º 1 do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional1 os membros do Conselho

de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol

I – Relatório 1. Registo Inicial

1.Por deliberação da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, datada de 09.12.2020, mediante várias comunicações do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (CA), foi instaurado e remetido à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (CI) o presente processo, autuado como processo disciplinar, e em que são arguidos Frederico Nuno Faro Varandas, Presidente do Conselho de Administração, Miguel Nobre Guedes Braga, Diretor de Comunicação e João Mário Naval da Costa Eduardo, jogador, todos da Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, tendo como objeto «Eventuais declarações prestadas a órgãos da comunicação social».

2. Por despacho do Senhor Presidente da Comissão de Instrutores, datado de 14.12.2020 e proferido nos termos da alínea c) do Artigo 210.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante, RD LPFP 2020-21 ou, simplesmente, RD), foi nomeado instrutor para o presente processo disciplinar (fls. 33).

3. Por despacho de 15.12.2020 (fls. 35 a 39), que aqui se dá por integralmente reproduzido, determinou-se a notificação dos arguidos Frederico Nuno Faro Varandas, Miguel Nobre Guedes

1 Aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018, 22 de maio de 2019 e 28 de julho de 2020, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 26 de agosto de 2020, doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP20 ou apenas por RDLPFP. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP.

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Braga e João Mário Naval da Costa Eduardo, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 227.º do RDLPFP.

4. Concomitantemente, determinou-se a junção aos presentes autos: a) Dos extratos disciplinares dos arguidos (agora juntos em fls. 47 a 50);

b) Da documentação oficial concernente ao jogo entre a Futebol Clube de Famalicão, Futebol SAD e a Sporting Clube de Portugal, Futebol SAD, a contar para a 9.ª jornada da época 2020/21 da Liga NOS, realizado no dia 5.12.2020 (agora junta em fls. 51 a 63);

c) De gravação das imagens e som relativamente às declarações proferidas pelos arguidos que constituem objeto dos presentes autos (juntas, a 21.12.2020, em CD a fls. 68).

5. A 22.12.2020, o Conselho de Disciplina determinou a junção aos presentes autos de vária documentação que lhe fora remetida pelo Conselho de Arbitragem a 16.12.2020, concretamente hiperligações para notícias de jornais desportivos (fls 70, 71 e 72).

6. Considerando os indícios de que as declarações do arguido Miguel Nobre Guedes Braga se produziram no programa “Raio-X”, no canal Sporting TV (fls. 20), considerou-se adequado ampliar o âmbito do processo, com vista ao apuramento de eventual responsabilidade disciplinar, da Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, nomeadamente nos termos do disposto no artigo 112.º, n.º 1 e n.º 4, do RDLPFP, o que a CI propôs, por despacho datado de 03.05.2021, ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, deferindo-se para momento posterior a notificação prescrita no n.º 1 do artigo 227.º do RD LPFP (fls 74 e 75).

7. Nessa sequência, veio o CD FPF, por deliberação de 11.05.2021, notificada à CI em 12.05.2021, determinar a ampliação do âmbito do presente processo (cf. fls 79), em conformidade com o proposto, passando a Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD a nele ser, também, arguida.

8. Por despacho de fls. 81 a 85, de 17.05.2021, que aqui se dá por integralmente reproduzido, determinou-se a notificação da arguida Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD - renovando-se igual notificação aos demais arguidos - nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 227.º do RD

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9. Concomitantemente, determinou-se a junção aos presentes autos da gravação de som e imagem do programa “Raio-X”, da Sporting TV, transmitido em 7 de dezembro de 2021, contendo as declarações do arguido Miguel Nobre Guedes Braga (agora junta em CD ínsito a fls. 96).

10. Determinou-se, ainda, por despacho datado de 26 de maio de 2021 (fls. 101), a junção do extrato disciplinar da arguida Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD (agora junto em fls. 102 a 121).

11. Devidamente notificados, os Arguidos pronunciaram-se nos termos constantes de fls 100, que aqui damos reproduzidos, requerendo a junção de apreciações jornalísticas bem como do relatório de avaliação da prestação da equipa de arbitragem do jogo em causa nos autos.

12. Atento o acervo probatório reunido em sede do presente processo disciplinar, constatou-se a suficiência de indícios da prática de infracções disciplinares por todos os Arguidos, pelo que a Comissão de Instrutores da LPFP, dando cumprimento ao disposto no artigo 233.º, n.º 1 do RDLPFP20, deduziu acusação contra:

1. João Mário da Costa Eduardo pela prática de 1 (uma) infração disciplinar p. p. pelo artigo 158º, alínea a) [Injúrias e ofensas à reputação] do RD LPFP.

2. Frederico Nuno Faro Varandas pela prática de 1 (uma) infração disciplinar, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 136.º, n.º 1 e n.º 4, e 112.º, n.º 1 [Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa], ambos do RD LPFP;

3. Miguel Nobre Guedes Braga, pela prática de 1 (uma) infração disciplinar nos termos das disposições conjugadas dos artigos 136.º, n.º 1 e n.º 4 e 112.º, n.º 1 [Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa], ambos do RD LPFP;

4. Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, pela prática de 1 (uma) infração disciplinar p. p. nos termos conjugados dos artigos 112.º, n.ºs 1, 3 e 4 [Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros] do RD LPFP.

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II – Competência do Conselho de Disciplina

1. De acordo com o artigo 43.º, n.º 1 do RJFD20082, compete a este Conselho, de acordo com a

Lei e com os Regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva.

No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho3.

2. Conforme o disposto no artigo 237.º RDLPFP20, deduzida a acusação, são os autos remetidos à Secção Disciplinar no mais curto espaço de tempo e, se nada obstar ao seu recebimento, o Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, ordena a notificação da acusação ao Arguido, procede ao agendamento de uma audiência disciplinar para um dos 10 dias úteis seguintes e distribui o processo a um Relator.

3. No cumprimento do citado comando regulamentar, foi recebida a acusação, ordenada a notificação nos termos regulamentares aos Arguidos, designado o dia 16 de junho de 2021, pelas 14.00h, para a audiência disciplinar e distribuídos os autos à Relatora.

4. Em 14 de junho de 2021 os Arguidos apresentaram memorial assentando a sua defesa em três eixos; 1) nulidade da acusação; 2) omissão de pronúncia quanto a diligência probatória requerida pelos Arguidos; 3) liberdade de expressão.

5. Presentes na audiência, em representação da CI, o seu Presidente, Senhor Prof. Doutor Fernando Torrão, o mandatário dos Arguidos, Senhor Dr. José Miguel de Albuquerque. Os Arguidos, devidamente notificados, escolheram não comparecer à audiência disciplinar, pelo que cumpridas as respetivas formalidades regulamentares, o processo foi concluso à Relatora para decisão.

2 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e das condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2º e 4º Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último.

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III – Fundamentação de facto

§1. A prova no direito disciplinar do desporto

1. Nem no RDLPFP, nem em qualquer outro diploma de natureza jusdisciplinar desportiva que regule as competições futebolísticas, encontramos uma resposta expressa à questão da valoração da prova em ambiente disciplinar desportivo.

2. Contudo, encontramos no RDLPF uma norma que nos permite enfrentar esta questão: o art.º 16º n.º 1, cuja previsão transcrevemos: “Na determinação da responsabilidade disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo procedimento, as regras constantes do Código de Procedimento Administrativo e, subsequentemente, do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações”.

3. Compulsados os diversos compêndios legais adjetivos existentes no nosso ordenamento jurídico e, portanto, potencialmente aplicáveis, é, sem dúvida, no processo penal que vamos encontrar um complexo normativo referencial para a questão da valoração da prova no direito disciplinar desportivo.

4. Neste enquadramento, quando se questiona e se indaga a base normativa para a valoração da prova pelo julgador, para efeitos do Processo Disciplinar do Desporto e, especialmente, porque este assume natureza pública, o entendimento deste Conselho respalda-se nos princípios do direito penal e, em especial, nas regras do respetivo processual penal. Efetivamente, entende-se que as normas processuais penais são, naturalmente, aquelas que se colocam como mais garantísticas dos direitos de defesa dos Arguidos, razão pela qual, nalguns casos e sempre com as necessárias adaptações, o processo penal pode e deve representar a matriz do direito sancionatório público (criminal, contraordenacional e disciplinar)4.

5. Por outro lado, é também entendimento pacífico na nossa jurisprudência que ao processo disciplinar se deve aplicar a regra da “livre apreciação da prova” consagrada no artigo 127.º, do Código de Processo Penal5, o que bem se compreende, dadas as proximidades e as similitudes

4 A própria Constituição da República Portuguesa parece sufragar este entendimento quando, a propósito das garantias do processo criminal, estende a outros processos sancionatórios, de forma inequívoca, pelo menos algumas delas (cf. artigo 32.º, n.º 10). Vide, a este respeito, JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 526 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2.ª edição, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 740-743.

5 Neste sentido ver, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 03132/11.6BEPRT, de 20-05-2016; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 07455/11, de 12-03-2015; o acórdão do

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entre o processo disciplinar e o processo penal, designadamente no que respeita a alguns procedimentos e às garantias do Arguido.

6. Na verdade, o artigo 127.º do Código de Processo Penal estatui que a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, sem prejuízo, como é óbvio, do princípio da “presunção de inocência”, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, e do princípio “in dubio pro reo”, que igualmente fazem parte da dimensão jurídico-processual do princípio material da culpa.

7. Nesta conformidade, o julgador, no exercício do poder disciplinar - ou seja, a “entidade competente” de que nos fala o citado artigo 127º, para o processo penal - tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos à sua apreciação e ao seu julgamento, sendo que a livre apreciação da prova não pode nunca “ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”6.

8. Uma livre apreciação que, em primeiro lugar e pela negativa, importa a “exclusão de vinculação a regras de prova fixas”7, estando por isso proibido um sistema de provas tabeladas (e.g., “testis

unus, testis nullus”, etc.), típico do sistema inquisitorial, bem como igualmente proibida a determinação, mesmo que por via normativa, de provas pleníssimas (que nem admitiriam a prova do contrário). Em segundo lugar, implica, pela positiva, que as “entidades a quem caiba valorar a prova o façam de acordo com o dever de perseguir a realização da justiça e a descoberta da verdade material, numa apreciação que terá de ser sempre objectivável, motivável e, por conseguinte, suscetível de controlo”8.

9. Em suma, no exercício do poder disciplinar, a autoridade competente tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos ao seu julgamento, mas não de forma

Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 06944/10, de 20-12-2012; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00093/06.7BEVIS, de 09-12-2011; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 01717/06, de 05-11-2009; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 12372/03, de 29-09-2005; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 10842/01, de 11-03-2004 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

6 Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Editorial Verbo, 1993, p. 111.

7 Claus Roxin/Bernd Schünemann, Derecho Procesal Penal, 1.ª ed., 2019, Buenos Aires, Didot (trad. Mario Amoretti e Darío Rolón, revista por I. Tedesco, da 29.ª ed. alemã, Sfrafverfahrensrecht, Munique, 2017), p. 173.

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arbitrária, porque motivada e controlável, e consequentemente ela há-de “processar-se segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência”9 e condicionada pelo princípio da persecução da

verdade material. Dito por outras palavras, com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo. O julgador em sede disciplinar deve apreciar a prova de acordo com as regras da experiência comum e a sua livre convicção, sendo, porém, objetivo, ponderado e justo na análise dessa mesma prova, dentro dos limites da legalidade a que deve obediência.

10. À luz da enunciada doutrina e citada jurisprudência o julgador, in casu, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, avaliou a prova dos autos de forma crítica e de acordo com as já citadas regras da experiência.

11. É, pois, em conformidade com estes fundamentos que cumpre decidir sobre a matéria de facto relevante para a decisão.

§2. Factos provados

Analisada e valorada a prova constante dos autos, nomeadamente a que resulta da instrução, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Na época desportiva 2020/2021, o Arguido João Mário Naval da Costa Eduardo (Lic. n.º 772525), encontra-se inscrito e registado, pela Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD (1095.1), na qualidade de jogador, como é notória e publicamente conhecido.

2. No dia 05.12.2020, realizou-se, no Estádio Municipal de Famalicão, o jogo oficialmente identificado sob o n.º 10901 entre a Futebol Clube de Famalicão – Futebol SAD e a Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, a contar para a 9.ª Jornada da Liga NOS, época 2020/21.

3. A equipa de arbitragem do sobredito jogo foi constituída por Luís Godinho, Árbitro principal, Rui Teixeira, Árbitro Assistente n.º 1, Válter Rufo, Árbitro Assistente, n.º 2, Dinis

9 A este propósito, entre muitos outros, consultar, Germano Marques da Silva. Produção e valoração da prova em processo penal, Revista do CEJ, n.º 4, 2006, pp. 37-53 (p.39).

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Gorjão, 4.º Árbitro, Artur Soares Dias, VAR, Rui Licínio, AVAR e Agostinho Silva, Observador.

4. Tendo como referência o predito jogo, aquando da flash interview da Sport TV, no final do mesmo, o arguido, João Mário Naval da Costa Eduardo, proferiu, no essencial, as seguintes declarações: «Anularam-nos um golo limpo, a acabar, não consigo ver falta, já vi a repetição várias vezes […]. Temos de nos habituar, há sempre estas situações que não controlamos e, infelizmente, neste tipo de decisões, não consigo entender. Controlamos o jogo, fizemos um jogo melhor, basta ver os números do jogo, mas infelizmente hoje não nos deixaram ganhar […]. Fizemos tudo para ganhar, fizemos um 3.º golo importante e acho que o árbitro errou nesse lance».

5. As sobreditas declarações tiveram repercussão na imprensa desportiva nacional. 6. O Arguido João Mário Naval da Costa Eduardo agiu de forma livre, consciente e

voluntária, bem sabendo que as suas declarações, por serem inapropriadas em relação à equipa de arbitragem, consubstanciavam comportamento previsto e punível pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, as quais não se absteve, porém, de concretizar. 7. O arguido João Mário Naval da Costa Eduardo, à data da prática dos factos, tinha

antecedentes disciplinares.

8. O arguido, Frederico Nuno Faro Varandas, é Presidente do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal − Futebol SAD (1095.1), como é pública e notoriamente conhecido.

9. Tendo como referência o supramencionado jogo (artigo 2.º da presente acusação) e a constituição dos elementos da equipa de arbitragem (artigo 3.º desta acusação), o arguido, Frederico Nuno Faro Varandas, proferiu, no essencial, e no final do jogo à estação de televisão SporTV, as seguintes declarações: «Voltamos a ter o árbitro Luís Godinho e um árbitro no VAR [Artur Soares Dias], que não é o mesmo, mas pelos vistos manteve influência num momento capital.… e hoje volto a fazer a mesma questão (que vou dizer a mesma resposta): este lance final de anular o golo ao Coates é, um dos rivais, Benfica ou Porto, nunca seria anulado… nunca seria anulado… […]. Em todos os jogos de futebol existem erros, existe um erro ou outro… o que me preocupa aqui é a natureza e a forma como tem sido visto o VAR, curiosamente nos dois jogos em que perdemos pontos… Este lance do golo do Coates é um golo “limpo”… E depois o que é que acontece? O que acontece é: vamos utilizar o VAR e vamos encontrar alguma coisa que justifique

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poder anular o golo… e se for preciso colocamos uma câmara microscópica, com uma ampliação de 64 vezes, e vamos… não… atenção… toca no braço e há razão para anular um golo… volto a dizer: este golo jamais seria anulado com os nossos rivais [Benfica ou FC Porto] … Jamais! Lamento, mas enquanto Presidente do Sporting custa muito ver 4 pontos retirados onde se utiliza mal o VAR… por uma utilização má do VAR […] Já falei com o Presidente do Conselho de Arbitragem que partilha a mesma opinião que o VAR tem de ser utilizado para erros gritantes... clamorosos… o árbitro valida o golo, o golo é “limpo” […] e depois chamam o VAR e vamos lá com a visão microscópica… como é que eu consigo anular este golo? E o árbitro consegue… e depois vêm todos os especialistas… veem, há um frame em que toca… pelo amor de Deus, aquele golo é “limpo” em qualquer campo. […]. Eram quatro pontos de avanço e começa a tremer…. Só que quanto mais tremem e quanto mais fazem isto, mais força dão àquele grupo… isso vos garanto!». 10. As sobreditas declarações tiveram repercussão na imprensa desportiva nacional. 11. O arguido Frederico Nuno Faro Varandas agiu de forma livre, consciente e voluntária,

bem sabendo que o seu comportamento, por ser desrespeitoso, lesava a honra e consideração dos visados e afetava a relações entre agentes desportivos, o princípio da ética desportiva e o bom funcionamento das competições profissionais de futebol em que o próprio arguido se encontra envolvido enquanto Presidente do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal − Futebol SAD.

12. O arguido Frederico Nuno Faro Varandas, à data da prática dos factos, tinha antecedentes disciplinares.

13. O arguido Miguel Nobre Guedes Braga é Diretor de Comunicação da Sporting Clube de Portugal − Futebol SAD (1095.1), como é pública e notoriamente conhecido.

14. Considerando o jogo em apreço e respetiva equipa de arbitragem (artigos 2.º e 3.º desta acusação), o arguido Miguel Nobre Guedes Braga, proferiu as seguintes declarações no programa “Raio-X”, transmitido no canal Sporting TV em 7 de dezembro de 2020: «APAF está a ser coerente com ela própria ... Quando o Sporting fala, a APAF reage, quando os outros falam, a APAF fica em silêncio… Uma dualidade de critérios de que nos queixamos for a e dentro do campo. […] Em 9 jogos realizados, o Sporting apenas perdeu pontos em 2 jogos. Curiosamente teve o mesmo árbitro e curiosamente ambas as atuações foram contestadas […]. Não queremos regras diferentes para o Sporting, não queremos fazer nomeações cirúrgicas dentro do Sistema para as coisas correrem melhor para nós. Nós

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queremos regras iguais para todos. Eu acho que isto assusta muita gente, assusta o poder instalado. O verdadeiro poder instalado assusta-se com a transparência e com as regras iguais para todos. Não queremos nomear este árbitro para aqui, aquele árbitro para ali, como já o disseram outros clubes e até com orgulho…Luís Godinho não apitou bem nos 2 jogos com o Sporting… […] Se me pergunta se eu quero ver o Luís Godinho a apitar mais jogos do Sporting… Não, não quero… E não quero até para o proteger a ele próprio… […] mais uma vez provou-se que seria útil ouvir as comunicações entre árbitro e VAR…Gostaria de ouvir a conversa entre Luís Godinho e Soares Dias, perceber qual foi o critério. Quem é competente não teme a transparência… […].

15. As sobreditas declarações tiveram repercussão na comunicação social.

16. O arguido Miguel Nobre Guedes Braga agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, por ser desrespeitoso, lesava a honra e consideração dos visados e afetava a relações entre agentes desportivos, o princípio da ética desportiva e o bom funcionamento das competições profissionais de futebol em que o próprio arguido se encontra envolvido enquanto Diretor de Comunicação da Sporting Clube de Portugal − Futebol SAD.

17. O arguido, à data dos factos, não tinha antecedentes disciplinares.

18. Na época desportiva 2020/2021, a arguida Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, disputa a Liga NOS, organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

19. Considerando o jogo em apreço e respetiva equipa de arbitragem (ut supra, artigos 2.º e 3.º desta acusação), o arguido Miguel Nobre Guedes Braga, proferiu as seguintes declarações no programa “Raio-X”, transmitido no canal Sporting TV em 7 de dezembro de 2020, canal privado da arguida Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD como é público e notoriamente conhecido: «APAF está a ser coerente com ela própria... Quando o Sporting fala, a APAF reage, quando os outros falam, a APAF fica em silêncio… Um dualidade de critérios de que nos queixamos for a e dentro do campo. […] Em 9 jogos realizados, o Sporting apenas perdeu pontos em 2 jogos. Curiosamente teve o mesmo árbitro e curiosamente ambas as atuações foram contestadas […]. Não queremos regras diferentes para o Sporting, não queremos fazer nomeações cirúrgicas dentro do Sistema para as coisas correrem melhor para nós. Nós queremos regras iguais para todos. Eu acho que isto assusta muita gente, assusta o poder instalado. O verdadeiro poder instalado assusta-se com a transparência e com as regras iguais para todos. Não

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queremos nomear este árbitro para aqui, aquele árbitro para ali, como já o disseram outros clubes e até com orgulho…Luís Godinho não apitou bem nos 2 jogos com o Sporting… […] Se me pergunta se eu quero ver o Luís Godinho a apitar mais jogos do Sporting… Não, não quero… E não quero até para o proteger a ele próprio… […] mais uma vez provou-se que seria útil ouvir as comunicações entre árbitro e VAR…Gostaria de ouvir a conversa entre Luís Godinho e Soares Dias, perceber qual foi o critério. Quem é competente não teme a transparência… […].

20. A arguida agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, por ser desrespeitoso, lesava a honra e consideração dos elementos da equipa de arbitragem do jogo em apreço nestes autos, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva em que ela própria, Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, se encontra envolvida, facto que, consubstanciando comportamento previsto e punível pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, não se absteve, porém, de concretizar.

21. À data dos factos, a arguida tinha antecedentes disciplinares.

§3. Motivação da Fundamentação de Facto

Tendo presentes os ensinamentos da doutrina e jurisprudências já citadas, a convicção do julgador, agora o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, quanto aos factos provados fundou-se na conjugação da factualidade objetiva provada, no teor dos documentos junto aos autos, de acordo com a livre convicção e as citadas regras da experiência comum, como se passa a expor:

I. Os factos descritos em 1.º, 8.º, 13.º e 18.º de s §2. Factos provados, são factos concretos, públicos e notórios, de conhecimento geral, conhecidos pelo cidadão comum regularmente informado, com acesso aos meios normais de informação.

II. Os factos descritos em 2.º e 3.º de §2. Factos provados estão suportados na documentação oficial do jogo, nomeadamente no Relatório de Árbitro e de Delegado de fls. 51 a 56 dos autos.

III. O CD com a gravação da imagem e som das declarações a que se reportam os factos descritos em 4.º (João Mário) e 9º (Frederico Varandas) de §2. Factos provados encontra-se nos autos a fls. 68 (declarações prestadas à SporTV no final do jogo).

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IV. O facto descrito em 5.º de §2. Factos provados, resulta das notícias desportivas do jornal Record de 06 de dezembro de 2020, com destaque para a de fls 17.

V. Os factos descritos em 6.º, 11.º, 16º e 20.º de §2. Factos provados, correspondente à materialidade de índole subjetiva, representa o estado psíquico concernente ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo das infrações disciplinares em causa, sendo a sua demonstração decorrente dos factos em si e da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo (acima já analisados) à luz das regras da experiência comum e da lógica;

VI. O facto descrito em 7.º de §2. Factos provados encontra-se provado por documento de fls. 49 e 50 dos autos e 209.

VII. O facto descrito em 10.º de §2. Factos provados resulta das notícias desportivas do jornal Record de 06 e 07 de dezembro de 2020, concretamente as insertas a fls 3 a 15, com destaque para a de fls. 15 e das edições do Correio da Manhã e do Jornal o Jogo do dia 07 de dezembro de 2020.

VIII. O facto descrito em 12.º de §2. Factos provados encontra-se provado por documento de fls. 47 dos autos.

IX. O CD com a gravação da imagem e som das declarações a que se reportam os factos descritos em 14.º e 19.º de §2. Factos provados encontra-se nos autos a fls 96.

X. facto descrito em 15.º de §2. Factos provados resulta das notícias desportivas insertas a fls. 4,10, 12, 21 e 21.

XI. O facto descrito em 17.º de §2. Factos provados encontra-se provado por documento de fls. 48 dos autos que atesta a inexistência de cadastro disciplinar.

XII. O cadastro disciplinar de fls. 102 a 121 faz prova do facto descrito em 21.º de §2. Factos;

IV – Fundamentação de Direito A. Da Nulidade da Acusação

1. No memorial de defesa que tempestivamente apresentaram, reiterando depois em sede de audiência disciplinar pelo Mandatário, os Arguidos suscitam a questão da nulidade da acusação, alegando no essencial o seguinte:

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1. O presente processo disciplinar foi instaurado pelo Conselho de Disciplina em 09.12.2020, tendo sido nomeado instrutor a 14.12.2020.

2. Em cumprimento do disposto no artigo 229.º n.º 2 do RDLPFP, a instrução do processo disciplinar teve o seu início em 16.12.2020.

3. Nos termos do disposto no artigo 229.º n.º 3 do RDLPFP, “A instrução deve findar no prazo de quinze dias, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação deste prazo em casos de especial complexidade, da qual se lavrará cota no processo, ou em que seja necessário desenvolver diligências probatórias que se não possam completar nesse prazo, não podendo, em caso algum, o prazo, acrescido da prorrogação, exceder 30 dias”.

4. Não há no processo qualquer pedido de prorrogação em função da sua putativa excecional complexidade.

5. Nos termos do n.º 1 do artigo 215.º do RDLPFP, os prazos procedimentais têm natureza ordenadora, salvo disposição legal ou regulamentar em contrário.

6. A expressão – “não podendo, em caso algum, o prazo, acrescido da prorrogação, exceder 30 dias” é – e só pode ser lida desta forma, sob pena de ser letra vazia – a disposição regulamentar em contrário.

7. Não se discute que o prazo de 15 dias referido na parte inicial do artigo 229.º n.º 3 RDLPFP seja ordenador, mas a formulação final da parte final não permite, em caso algum, chegar à mesma conclusão.

8. Estamos, sem dúvida, perante um prazo concretamente determinado de duração máxima – que, por definição só pode ser perentório – que está regulamentarmente previsto como limite imposto à Comissão de Instrutores e como expressão do direito fundamental dos arguidos a “procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (artigo 20.º n.º 5 da CRP).

9. E por ser perentório, o seu decurso extingue o poder de deduzir acusação – o que torna a presente acusação nula e concorre para a imediata absolvição dos arguidos.

10. No seu excurso, recorda a Lição da Ex.ma Senhora Professora Doutora Claúdia Cruz Santos, in “O controlo judicial da violação dos prazos de duração máxima do inquérito”, Julgar, Revista da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, n.º 37, pág. 233 e seguintes, enfatizando, para além do mais que, “o legislador português previu de forma expressa, no artigo 276.º do CPP, os prazos de duração máxima do inquérito, não optando por uma formulação vaga ou

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indeterminada no que tange ao entendimento de que o inquérito deve ser célere. O «apagamento» dos prazos de duração máxima do inquérito é por isso um apagamento da lei. Desconsiderar tais prazos implica uma derrogação do principio da legalidade consagrado logo no artigo 2.º do CPP e, consequentemente, das ideias de que nulla poena, nullum crimen y nulla coactio sine lege”, para concluir que a Comissão de Instrutores ultrapassou largamente o prazo de instrução que, nos termos do Regulamento não podia, em caso algum, ser ultrapassado; que o prazo previsto na parte final do n.º 3 do artigo 229.º do RDLPFP não pode ser visto como um prazo ordenador, mas como um prazo perentório, que limita temporalmente a instrução, exaltando este Conselho a desconsiderar uma acusação extemporânea e violadora de princípios constitucionais, que é nula por vício da violação da lei.

2. Vejamos,

a) O presente processo disciplinar foi instaurado, pelo CD, em 9 de dezembro de 2020 na sequência de várias comunicações do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (CA) e remetido à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (CI) no dia seguinte, 10 de dezembro de 2020, tendo como arguidos Frederico Nuno Faro Varandas, Presidente do Conselho de Administração, Miguel Nobre Guedes Braga, Diretor de Comunicação e João Mário Naval da Costa Eduardo, jogador, todos da Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD;

b) A 14 de dezembro de 2020, ocorreu a distribuição ao Il. Instrutor, e a 15 de dezembro ocorre a abertura de instrução, ordenando-se o cumprimento do disposto no artigo 227.º RDLPFP e de diligências instrutórias;

c) A notificação do despacho que antecede aos arguidos ocorreu a 16 de dezembro 2020 e o cumprimento das preditas diligências a 21 de dezembro seguinte (vide fls 64);

d) A 16 de dezembro 2020, o CD recebe várias comunicações da APAF contendo hiperligações para várias noticias, deliberando-se, a 22 de dezembro de 2020, a sua remessa à CI e junção ao processo (vide fls 72);

e) Tal deliberação, motivou despacho da CI, de 3 de maio de 2021, de ampliação do âmbito do objeto do processo por forma a apurar, também, a responsabilidade disciplinar da Sporting Clube de Portugal, Futebol SAD, face às declarações proferidas pelo Senhor Miguel Nobre Guedes Braga no programa Raio X (vide fls 74);

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f) Remetido o referido despacho a este CD, a 6 de maio de 2020, por deliberação de 11 de maio foi o mesmo deferido;

g) A 17 de maio de 2021 é renovado o cumprimento do disposto no artigo 227.º RDLPFP (fls. 85) quanto a todos os Arguidos;

h) A 24 de maio de 2021 os Arguidos apresentam requerimento constante de fls 100, onde, para além do mais, requerem a junção de documentos jornalísticos e bem assim o Relatório de Avaliação da prestação da Equipa de Arbitragem do jogo da 9.º jornada da liga NOS;

i) A 26 de maio de 2021 é determinada a junção de cadastro disciplinar da SAD Arguida; e j) a 1 de junho 2021 é elaborado Relatório Final e acusação (fls 122 a 148).

3. Determina o artigo 229.º n.º 3 do RDLPFP, sob epigrafe âmbito da instrução. “A instrução deve findar no prazo de 15 dias, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação deste prazo em casos de excecional complexidade, da qual se lavrará cota no processo, ou em que seja necessário desenvolver diligências probatórias que se não possam completar nesse prazo, não podendo, em caso algum, o prazo acrescido da prorrogação, exceder 30 dias”.

4. Como vimos, a Arguida defende que este prazo de 30 dias não é um prazo ordenador, mas antes perentório, nas suas palavras, um prazo de duração máxima. Assim sendo considerado, não se vislumbrando no processo disciplinar que tenha sido proferido despacho a fundamentar excecional complexidade, nem tendo sido declarado urgente, existe uma violação de normas que inculcam a observância de prazos legais máximos ou inultrapassáveis, pelo que o presente processo disciplinar, naquelas vertebrado, está ferido de ilegalidade.

5. Neste âmbito, dispõe o artº 215º do RDLPFP, sob epígrafe Natureza dos prazos procedimentais e avocação de competência 1. Salvo disposição legal ou regulamentar em contrário, os prazos procedimentais previstos no presente título têm natureza ordenadora e o seu decurso não extingue o direito ou o poder de praticar o ato a que os mesmos se referem. 2. Têm natureza perentória os prazos procedimentais relativos à prática de atos pelos arguidos e pelos contrainteressados, bem como os prazos para a prática de atos pela Comissão de Instrutores durante a audiência disciplinar e os prazos para a interposição dos recursos previstos no presente Regulamento. 3. O disposto no n.º 1 não dispensa do dever de cumprimento escrupuloso dos prazos procedimentais previstos no presente título, salvo no caso de ocorrência de circunstâncias

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excecionais que impeçam ou dificultem o cumprimento dos prazos. 4. Sempre que a decisão do procedimento disciplinar não seja proferida no prazo de 45 dias ou, em situações fundamentadas de complexidade da causa, no prazo de 75 dias contados a partir da autuação do respetivo processo, a parte interessada pode requerer a avocação de competência junto do Tribunal Arbitral do Desporto, nos termos da lei”.

6. Na interpretação da norma regulamentar citada, julgamos poder afirmar, seguindo aquela que tem sido a melhor jurisprudência, que os prazos procedimentais, regra geral (n.º 1 do citado artigo 215.º RDLPFP), não são prazos “perentórios e/ou absolutos”, mas antes de natureza ordenadora, disciplinadora, aceleratória ou programática, sem qualquer consequência do ponto de vista da validade do processado, pelo que a sua eventual inobservância não extingue a possibilidade da prática do ato, nem constitui vício procedimental suscetível de se repercutir no ato final do processo disciplinar (neste sentido, cfr. Ac. do STA (Conselheiro Jorge de Sousa), de 2003.11.05, in Diário da República, Apêndice de 2004.07.30, II, págs. 8185 e do STJ de 04.12. 2002 (Conselheiro Azambuja Fonseca) Revista n.º 3058/02 - 4.ª Secção.

7. Os prazos regulamentarmente qualificados como tendo natureza perentória estão delimitados no n.º 2 do mesmo normativo e, no que concerne à prática de atos pela Comissão de Instrutores, circunscritos durante a audiência disciplinar, fase processual a que já chegamos sem que se possa afirmar que tais prazos foram violados.

8. A expressão “em caso algum” constante do n.º 3 do artigo 229.º RDLPFP, não sendo particularmente feliz, permite que se defenda, a quem naturalmente aproveita, a natureza preclusiva do prazo do fim da instrução ou até da validade do processado.

9. No entanto, em face ao que dispõe o citado artigo 215.º RDLPFP julgamos não ter tal índole preclusiva qualquer respaldo, essencialmente porque, para além do que deixamos expresso, não pode o Conselho de Disciplina, titular único do poder disciplinar, ficar refém no seu exercício, da atuação mais ou menos célere de uma entidade regularmente (que não legalmente) criada para exercício da função instrutória disciplinar, que não tem poderes materiais ou de facto que possam conformar autonomamente o processo e o seu objeto. A expressão “em caso algum” pretende, sobretudo, reforçar o carácter vinculativo daquela prorrogação regulamentarmente prevista não

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ser de duração ilimitada e vincular a instrução a um prazo razoável. Com todo o rigor, tal expressão não constitui a exceção exigida pelo n.º 1 do artigo 215.º do RD para que pudesse ter o efeito preclusivo pretendido. Para que constituísse uma exceção aquela regra geral teria de inequivocamente cominar com a perda de eficácia ou de validade do processado (por exemplo, se manifestasse de algum modo a cominação típica de “sob pena de nulidade” ou outra equivalente) ou de caducidade do procedimento. Não sendo expressa tal exceção, vigora plenamente a regra geral estipulado no n.º 1 do artigo 215.º do RD, improcedendo por esta via o invocado pela defesa dos arguidos.

10. Admitir a natureza preclusiva dos prazos de instrução seria conferir, contra o legal e regulamentarmente determinado, poderes disciplinares decisórios a quem não os poderá ter.

11.Por isso tal prazo não pode sujeitar à invalidade quer as diligências instrutórias quer uma acusação quando estas são produzidas fora daquele interstício temporal.

12. Ademais, o n.º 3 do artigo 215.º, ressalva, casos “de ocorrência de circunstâncias excecionais que impeçam ou dificultem o cumprimento dos prazos.” E pelo menos há a considerar duas ocorrências do tipo das citadas: o alargamento do objeto do processo a 3 de maio de 2021, com nova notificação para o cumprimento do 227.º RDLPFP para todos os Arguidos; e ii) a suspensão dos prazos administrativos10 até 6 de abril de 2021, nos termos do disposto no artigo 6.º-C da Lei

n.º 1-A/2020, de 19 de março (na versão que resultou Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).

13 De resto, ainda que seja valiosíssimo o contributo doutrinário trazido pelos Arguidos, as garantias do processo penal não valem de igual forma para o processo sancionatório público, já que as consequências no âmbito de um processo sancionatório não penal, como é o disciplinar, que ora nos ocupa, são, substancialmente menos gravosas do que as previstas para o primeiro. Naturalmente o que a Lição defende, no que respeita à fase do inquérito em processo penal, não pode valer para a fase de instrução de um processo disciplinar. Nas palavras da Autora: “a existência de um processo que está na fase judicial há tempo excessivo, pelas mesmas razões haverá uma violação desse direito humano (ou talvez até por maioria de razões) quando o processo está numa fase pré-judicial em que a compressão dos direitos fundamentais do arguido

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é particularmente intensa, nomeadamente por força da existência de medidas de coacção, pela incerteza quanto ao objecto do processo e pela ofensa à honra e consideração inerente à publicidade fáctica, com extensíssimos danos para a vida pessoal e profissional do arguido. O tempo do inquérito é um tempo especialmente desvalioso sob o ponto de vista da compressão de direitos fundamentais do arguido”11.

14. Importa frisar que uma aproximação aos bens e valores protegidos pelas normas disciplinares – dir-se-ia, mesmo, em especial às que se movem em ambiente desportivo –, não pode ser a mesma que se opera perante o direito penal e o seu ramo adjetivo.

15. Desde logo porque a tal se opõe a autonomia dos ilícitos e das respetivas responsabilidades como bem se afirma no artigo 6º do RDLPFP, sob epígrafe autonomia do regime disciplinar desportivo e que é recolhido sem crítica: “1. O regime disciplinar desportivo é autónomo e independente da responsabilidade civil ou penal, assim como do regime emergente das relações laborais ou estatuto profissional, os quais serão regidos pelas respetivas normas em vigor. 2. O regime disciplinar é ainda autónomo e independente da responsabilidade disciplinar de natureza associativa decorrente da qualidade de associado da Liga Portugal. 3. A aplicação de sanções criminais, contraordenacionais, administrativas, cíveis ou associativas não constitui impedimento, atento o seu distinto fundamento, à investigação e punição das infrações disciplinares de natureza desportiva.”

16. Tal significa, em termos breves, entre tantas outras consequências, que o direito disciplinar se move em parâmetros próprios e, em cada atividade, em registos específicos consoante os valores essenciais da organização em causa. O desporto tem os seus e, em termos de RDLPFP, eles encontram amparo na multiplicidade de normas que compõem esse texto normativo. Mas todos eles convergem, bem vistas as coisas, para um quadro referencial mais sucinto e que globalmente considerado não é exatamente idêntico ao do direito penal e processual penal. E, neste espaço concentrado, ganha realce a regularidade da competição desportiva, o bom nome da organização desportiva e de todos os seus componentes.

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17. O direito disciplinar desportivo, enquanto sistema regulamentar integrado nas regras da competição, aplicar-se-á a uma parcela específica, objetiva e subjetivamente delimitada, da realidade social. É aqui que poderá traçar-se uma primeira distinção face à lei penal, de aplicação global e geral: o direito disciplinar apenas se dirige àqueles que a ele voluntariamente se sujeitam, tendo em conta um âmbito de aplicação objetivo restrito e previamente definido; o direito penal (incluindo o seu direito processual) é tendencialmente transversal a todos os âmbitos e vivências sociais, aplicável erga omnes.

18. Uma coisa será o desvalor de uma conduta no âmbito da determinação da responsabilidade penal, outra diversa será a mesma conduta quando avaliada à luz do ordenamento jurídico disciplinar desportivo; um facto disciplinarmente merecedor não o é nunca por, nos mesmos termos e concomitantemente, o ser penalmente: as concretas responsabilidades e a sua determinação são, sempre, independentes. E se assim é quanto ao direito substantivo, também o é, a forteriori, quanto ao direito adjetivo.

19. Tudo motivos pelos quais o invocado vício apontado à acusação terá de improceder.

B. Omissão de pronúncia quanto a diligência probatória requerida pelos Arguidos

20. No memorial de defesa, reiterando depois em sede de audiência disciplinar, os Arguidos suscitaram, ainda, a omissão de pronúncia quanto a diligência probatória que requereram em sede de instrução, alegando no essencial o seguinte:

1. Os arguidos requereram “a junção de apreciações jornalísticas e especialistas, bem como do relatório de avaliação da prestação da equipa de arbitragem do jogo da 9.ª jornada da época 2020/2021 da Liga NOS, realizado em 05.12.2020, entre a Futebol clube de Famalicão – Futebol SAD e a Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD” (cfr. requerimento a fls. 97 a 100).

2. Os arguidos requereram estas diligências “que se lhe afiguraram necessárias ou convenientes à descoberta da verdade” (artigo 231.º do RD) e não obtiveram, por parte do instrutor do processo, qualquer despacho de pronúncia ou, por qualquer outra forma, qualquer resposta quanto à prova que requereram que fosse junta aos autos e que deles não consta.

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3. Em particular, o relatório de avaliação da prestação da equipa de arbitragem no jogo em apreço é importante para percebermos quais as considerações e classificação atribuídas aos árbitros do jogo em causa e para a prova da existência (ou ausência) aos olhos desses avaliadores de erros na prestação dos referidos árbitros – facto que releva para enquadramento das declarações dos arguidos.

4. Em boa-fé, os arguidos pretendem reforçar que o seu requerimento foi dirigido à Comissão de Instrutores, a quem solicitaram a realização das referidas diligências, pelo que aguardam que os referidos documentos sejam “oferecidos até ao início da audiência disciplinar.”

22. Sobre este capítulo, começamos por referir que os Arguidos admitiram na audiência disciplinar, que podiam, eles próprios, ter procedido à junção das “apreciações jornalísticas e especialistas”, tanto mais que, em sede de instrução, nem indicaram que documentos pretendiam, em concreto, que se juntassem, numa altura em que era já profusa a prova documental junta aos autos.

Por outro lado,

23. Compulsados os autos, salvo o devido respeito, não se antolham quaisquer motivos justificativos – sendo que nem os Arguidos os alegaram, por mínimos que fossem, a fim de fundamentar tal requerimento probatório realizado em sede instrutória – e, portanto, qual a relevância da junção aos autos de documentos relativos às avaliação da prestação da equipa de arbitragem que, como é consabido, não consubstancia documentação de acesso público geral, atento, desde logo, o facto de serem documentos que estão a coberto de um princípio de reserva que não se vislumbra motivo algum para afastar.

24. Segundo alegaram, já em sede de audiência disciplinar, os relatórios de avaliação da equipa de arbitragem seriam importantes para perceber quais as considerações e classificação atribuídas aos árbitros do jogo em causa e para a prova da existência (ou ausência) aos olhos desses avaliadores de erros na prestação dos referidos árbitros, facto que, nas suas perspetivas, releva para enquadramento das suas declarações.

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25. Ora, as classificações atribuídas à equipa de arbitragem são absolutamente indiferentes para o objeto do processo, que se restringe, como bem sabem os arguidos, se nas declarações que prestaram extravasaram ou não a crítica objetiva.

26. Não se reconhece assim qualquer omissão – que fulmine uma acusação - à CI quando deixa de se pronunciar sobre pedidos de diligências cuja pertinência não está devidamente fundamentada para além de que nunca o direito de defesa dos Arguidos ficaria afetado, já que podiam renovar tal pedido ao abrigo do disposto no artigo 246.º RDLPFP, requerendo a produção de prova adicional já em sede de audiência disciplinar, o que não fizeram, facto este que lhes foi questionado pela Relatora.

27. Naturalmente que constitui boa prática processual tomar posição sobre a pertinência (ou falta dela), dos requerimentos de prova requeridos pelos Arguidos, e a C.I. isso mesmo reconheceu em audiência (de que podia ter recaído despacho sobre tal requerimento) mas neste caso concreto, de uma tal omissão, por não colidir com o direito fundamental à defesa dos arguidos, não pode ressurgir qualquer vício, tanto mais que os Arguidos se limitaram a aguardar que tais documentos fossem “oferecidos até ao início da audiência disciplinar”, renunciando, como se disse, ao exercício do mesmo nas janelas de oportunidades que lhes são regulamentarmente reconhecidas (por exemplo, na apresentação do memorial e meios de prova antes da realização da audiência disciplinar, ou pedido de diligências complementares finda a produção de prova naquela mesma audiência).

28. Acresce que sempre se dirá que a junção das avaliações dos árbitros por parte do Conselho de Arbitragem não constituiria uma diligência imprescindível para a defesa dos arguidos atento o concreto objeto processual. No objeto dos presentes autos não se discute se houve erros de arbitragem, até porque a reação a tais erros é atípica por se tratar de critica objetiva (obviamente não sancionável). O objeto está para além dessa factualidade mínima e centra-se na ofensa à honra e/ou juízos de valor sobre a personalidade dos agentes desportivos e o seu impacto na credibilidade e prestígio das competições.

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C. Enquadramento juridicodisciplinar – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar

1. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional – assume natureza pública. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19.º n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), e dos artigos 10.º, 13.º alínea i), do RJFD2008.

2. A existência de um regulamento justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º n.º 1 do RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008).

3. O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º n.º 1, do RJFD2008).

Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal.

4. Todo este enquadramento representa, entre tantas consequências, que estamos perante um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram a ele sujeitos, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concretos interesses desses agentes e organizações desportivas.

Das infrações disciplinares em geral

5. O RDLPFP encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela qualidade do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e treinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga.

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6. Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves, graves e leves.

Das infrações disciplinares concretamente imputadas

7. Considera-se infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável (artigo 17.º do RDLPFP20).

8. E quanto ao âmbito subjetivo de aplicação das normas disciplinares, determina o n.º 1, do artigo 7.º, do mesmo Regulamento que “as pessoas singulares serão punidas pelas faltas cometidas durante o tempo em que desempenhem as respetivas funções ou exerçam os respetivos cargos, ainda que os deixem de desempenhar ou passem a exercer outros”. E o n.º 2 que “os clubes são responsáveis pelas infrações cometidas nas épocas desportivas em que participarem nas competições organizadas pela Liga Portugal e no âmbito dessas competições”.

9. No caso concreto situamo-nos no universo das infrações específicas dos Jogadores, dos Dirigentes12 e dos Clubes, previstas e punidas nos termos regulamentares como segue:

«Artigo 158.º

Injúrias e ofensas à reputação

Os jogadores que usem expressões, verbalmente ou por escrito, ou façam gestos de carácter injurioso, difamatório ou grosseiro são punidos:

a) no caso de expressões dirigidas contra a equipa de arbitragem, com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um e o máximo de quatro jogos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 15 UC e o máximo de 75 UC;

[…]».

«Artigo 136.º

Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa

1.Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra órgãos da Liga ou da FPF respetivos membros, elementos da equipa de arbitragem, clubes, dirigentes,

jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de

12 Artigo 4.º Definições 1. Para efeitos de aplicação do presente Regulamento, considera-se: […] c) «dirigentes dos

clubes», os titulares dos respetivos órgãos sociais e os respetivos diretores e quaisquer outros funcionários ou colaboradores que, independentemente do respetivo vínculo contratual, desempenhem funções de direção, chefia ou coordenação na respetiva estrutura orgânica, bem como os respetivos mandatários»

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suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

[…]

4. Caso as infrações previstas nos n.os 1 e 2 sejam praticados através de meios de comunicação social, nomeadamente em programa televisivo ou radiofónico que se dedique exclusiva ou principalmente à análise e comentário do futebol profissional, as sanções nele previstas são elevadas para o dobro».

«Artigo 112.º

Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros 1.O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC. […]

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das multas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro.

4. O clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa.

D. O caso concreto: subsunção ao direito aplicável

1. Constitui o objeto de presente processo a apreciação da relevância jusdisciplinar dos comportamentos assumidos pelos diferentes Arguidos na sequência do jogo realizado no dia 05.12.2020, oficialmente identificado sob o n.º 10901 entre a Futebol Clube de Famalicão – Futebol SAD e a Sporting Clube de Portugal, Futebol SAD, a contar para a 9.ª jornada da Liga NOS, época 2020/21.

2. Considerando que as questões axiais a dilucidar se projetam na esfera de vários agentes desportivos iremos debruçar-nos separadamente sobre a sua responsabilidade acompanhando a sistematização trazida pela acusação.

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Da responsabilidade do Arguido João Mário da Costa Eduardo

1. Na época desportiva 2020/2021, o arguido João Mário da Costa Eduardo encontrava-se inscrito e registado na Liga pela Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, na qualidade de jogador, sendo, por isso, considerado «agente desportivo» e encontrando-se, como tal, submetido ao Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP2020), ao Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RCLPFP2020), bem como ao exercício da ação disciplinar por parte do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol , nos termos dos artigos 3.º n.º 1, 4.º n.º 1, alínea b), 5.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, todos do RDLPFP.

2. A propósito dos direitos e deveres dos jogadores, o artigo 80.º do RCLPFP20 estatui, com clareza, que os jogadores devem respeito para com todos os intervenientes no jogo e espectadores, devendo, correspetivamente, ser tratados por aqueles com urbanidade (n.º 2) e que devem em especial não manifestar, por qualquer meio, perante a equipa de arbitragem a sua discordância quanto às decisões desta (n.º 3, alínea c)) e proceder com lealdade e correção para com os restantes intervenientes do jogo, espectadores e demais pessoas autorizadas a permanecer no recinto do jogo (n.º 3, alínea d)).

3. Considerem-se as declarações do arguido João Mário Naval da Costa Eduardo em apreço (artigo 4.º da matéria de facto provada):

«Anularam-nos um golo “limpo”, a acabar, não consigo ver falta, já vi a repetição várias vezes […]. Temos de nos habituar, há sempre estas situações que não controlamos e, infelizmente, neste tipo de decisões, não consigo entender. Controlamos o jogo, fizemos um jogo melhor, basta ver os números do jogo, mas infelizmente hoje não nos deixaram ganhar […]. Fizemos tudo para ganhar, fizemos um 3.º golo importante e acho que o árbitro errou nesse lance».

4. Estamos em crer que não merece qualquer contestação a afirmação de que nestas declarações, o arguido, João Mário Naval da Costa Eduardo, critica uma decisão da equipa de arbitragem, quando diz expressamente: «não nos deixaram ganhar».

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5. Com esta afirmação, coloca o arguido em causa a imparcialidade da equipa de arbitragem, ao imputar juízos subjetivos que, no mínimo, insinuam uma vontade desta equipa de arbitragem em não deixar a Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD ganhar o jogo em apreço.

6. Por isso uma tal afirmação tem de se considerar manifestamente grosseira e injuriosa e, portanto, ostensivamente atentatória da dignidade de que qualquer pessoa e, mais ainda, de que um julgador – e é isso que um árbitro é: um juiz – é credor.

7. Com efeito, quando dirigida a uma pessoa que está investida numa função judicativa, por alguém sujeito a esse mesmo poder decisório, tal conduta resulta ainda mais grave, pois vai para além da pessoa visada, refletindo-se negativamente na própria função, desrespeitando-a e diminuindo-a, daí resultando um desvalor acrescido que não pode ser escamoteado.

8. O Arguido, face à acusação, procura justificar a sua conduta no plano da configuração jurídica, defendendo que a sua atuação não é disciplinarmente relevante, muito menos injuriosa, ou danosa a ponto de se justificar uma censura às suas palavras, que foram um mero desabafo, factualmente sustentado e explicado, ainda que proferidas no calor do momento e porque se encontrava regulamentarmente obrigado a prestar declarações na flash interview, enquadrando-as, sem extrapolar, no exercício do seu direito à liberdade de expressão.

9. Ora, segundo as máximas da experiência comum e num juízo de normalidade, estando o Arguido integrado numa competição de futebol profissional do mais alto escalão e, nomeadamente sabendo ou estando em condições de saber quais os direitos e deveres que lhes são impostos pelas normas regulamentares, o ter assumido a afirmação, com ressonância pública, «não nos deixaram ganhar», mesmo atendendo a todo o contexto, coloca - o como destinatário de um juízo de censura por ter agido do modo como agiu.

10. Com isto queremos também afirmar que não se pode aceitar o argumento de que tais declarações têm uma base factual que as explica, principalmente quando tal justificação advém do entendimento da imprensa desportiva que, segundo o arguido afirma - juntando uma crónica denominada “liga da verdade”, como documento n.º 1 -, apreciou negativamente a decisão da

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