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CONSELHO DE DISCIPLINA SECÇÃO PROFISSIONAL. Processo n.º /2021

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CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

Processo n.º 86 – 2020/2021

DESCRITORES: Aplicação da lei no tempo - Infrações específicas dos dirigentes – Declarações proferidas em órgão de comunicação social – Lesão da honra e da reputação – Liberdade de expressão – Direito de crítica objetiva – Deveres funcionais dos agentes desportivos – Reincidência como elemento de qualificação do tipo – Confissão integral e sem reservas

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ESPÉCIE: Processo Disciplinar

PARTES: Vítor Jorge Fonseca Murta, Presidente do Conselho de Administração da Boavista Futebol Clube – Futebol SAD.

OBJETO: Declarações proferidas em órgão de comunicação social.

DATA DO DESPACHO: 02 de novembro de 2021 RELATORA: Marta Vicente

NORMAS APLICADAS: Artigos 19.º, 112.º, n.ºs 1, 136.º, n.ºs 1 e 3 e 245.º do RDLPFP20; artigo 51.º n.º 1 do RCLPFP20.

SUMÁRIO:

I. Subjacente aos artigos 112.º e 136.º RDLPFP não se acha apenas o desiderato de proteção do direito subjetivo fundamental à honra e ao bom nome dos agentes desportivos coenvolvidos, enquanto concretização inalienável da sua dignidade pessoal. Está também, simultaneamente, o interesse constitucionalmente protegido de prevenção da violência no desporto – que declarações ofensivas da honra de outros agentes desportivos, atenta a ressonância mediática e simbólica dos respetivos protagonistas, podem indiscutivelmente comprometer – e o interesse público, confiado às Federações Desportivas e às Ligas Profissionais, de assegurar o princípio da ética desportiva, entre outras, na sua dimensão relacional ou dialógica, o prestígio e o bom funcionamento das competições de natureza profissional.

II. Pratica a infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.º 1 [Lesão da Honra e da reputação e denúncia caluniosa] do RDLPFP o dirigente desportivo que, na conferência de imprensa após o jogo disputado pela respetiva sociedade desportiva, profere declarações onde insinua a existência de um desígnio da parte das equipas de arbitragem e dos organizadores das competições profissionais de futebol no sentido de que essa sociedade desportiva seja afastada da I Liga [«acima de tudo começamos a ficar preocupados se é para dizer que não podemos ficar na Liga digam-nos e assim poupamos deslocações, estágios (...). Não sei qual é o objetivo disto, mas sei que não pode continuar (...) Vamos continuar na luta, todos juntos, e não serão estas situações estranhas, para não lhe chamar outra coisa, que nos vão derrubar»], uma vez que tais declarações extravasam o direito crítica objetiva, colocando em causa a imparcialidade, a reputação profissional e o bom nome das pessoas e entidades com responsabilidades em

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matéria de arbitragem e contribuindo para um clima de suspeição e de radicalização do discurso e das atitudes adotadas em contexto desportivo.

III. O sancionamento do Arguido pela prática do ilícito disciplinar p. e p. nos artigos 136.º [Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa] não constitui, no caso sub judice, uma interferência desproporcional na sua liberdade de expressão, nem encontra justificação excludente da ilicitude no exercício daquele direito fundamental. Em linha com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e sem prejuízo dos matizes do caso concreto e da variabilidade inerente ao juízo de concordância prática, o ordenamento disciplinar desportivo não permite que, ao abrigo ou sob capa da liberdade de expressão, se produzam declarações que, para além de ofensivas da honra e reputação profissional, contribuam para o descrédito das competições desportivas e sejam idóneas a promover a violência no desporto.

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DESPACHO-DECISÃO

Decisão proferida ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 245.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol1

I – Relatório

§1. Registo inicial

1. Por deliberação da Secção profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), datada de 13.04.2021 (fls. 1-3), na sequência de participação disciplinar da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (fls. 4), foi instaurado e remetido à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), o presente processo, autuado como processo disciplinar, no qual é Arguido Vítor Jorge Fonseca Murta, Presidente da Boavista Futebol Clube, Futebol SAD, e que tem por objeto «Declarações proferidas em órgão de comunicação social».

2. Por Despacho do Exmo. Presidente da Comissão de Instrutores – Senhor Professor Doutor Fernando Torrão – de fls. 21, datado de 30.04.2021, foi o processo distribuído ao respetivo autor, que deu início à atividade instrutória, nos termos dos artigos 228.º ss. do RDLPFP.

3. Por Despacho do Il. Instrutor, com data de 03.05.2021, em cumprimento do artigo 227.º do RDLPFP (fls. 22-26), foi o Arguido notificado: (i) da instauração do presente processo disciplinar pelo Conselho de Disciplina da FPF, (ii) do respetivo objeto, (iii) de que a factualidade descrita, sem prejuízo do que viesse a ser apurado em sede de instrução, seria suscetível de integrar a infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1 e 4 [Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa], com referência ao preceituado nos artigos 112.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. c) do RDLPFP;

(iv) e de que poderia, querendo, pronunciar-se, nomeadamente por escrito e no prazo de 5

1 Aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018, 22 de maio de 2019 e 28 de julho de 2020, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 26 de agosto de 2020, doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP20 ou apenas por RDLPFP ou simplesmente RD. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP.

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(cinco) dias, acerca dos factos em investigação, tendo o direito de requerer diligências instrutórias pertinentes e necessárias ao objeto dos presentes autos.

4. Como diligências instrutórias, determinou o Il. Instrutor, ao abrigo do artigo 228.º do RDLPFP, naquele mesmo despacho:

a. Junção aos autos do extrato disciplinar do Arguido, abrangendo a época desportiva em curso e as três épocas desportivas anteriores àquela em que ocorreram os factos objeto deste processo, o qual agora consta de fls. 32;

b. Documentação oficial respeitante ao jogo da 26.ª jornada da época 2020/2021 da Liga NOS, realizado no dia 10.04.2021, no Estádio do Bessa Século XXI, entre a Boavista Futebol Clube – Futebol, SAD e a Rio Ave Futebol Clube – Futebol, SDUQ – o que foi feito a fls. 33-48.

c. Gravação das imagens e som concernentes às declarações que são objeto dos presentes autos, designadamente as proferidas imediatamente após o término do predito jogo, eventualmente reproduzidas no canal Sport TV – agora constante do DVD referido a fls. 50.

d. Notícias na comunicação social referidas às declarações que constituem objeto dos presentes autos, agora constantes de fls. 51 a 53.

5. Devidamente notificados, o Arguido não exerceu o seu direito de pronúncia.

§2. Relatório Final e acusação

6. O Il. Instrutor apresentou Relatório Final, em 07.10.2021 (fls. 54 a 69), contendo acusação, por considerar suficientemente indiciada a prática, pelo Arguido Vítor Jorge Fonseca Murta, Presidente da Boavista Futebol Clube – Futebol, SAD, de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1 e 3 do RDLPFP [Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa], por referência ao disposto no artigo 112.º, n.º 1, conjugado com o artigo 4.º, n.º 1, al. c) do RDLPFP.

§3. Audiência disciplinar

7. Dispõe o artigo 237.º do RDLPFP que, deduzida a acusação, são os autos remetidos à Secção disciplinar e, se nada obstar ao seu recebimento, o Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol ordena a notificação da acusação ao Arguido e procede ao agendamento de uma audiência disciplinar para um dos 10 dias úteis seguintes.

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8. No cumprimento do citado comando regulamentar, foi ordenada a notificação da acusação ao Arguido e designado o dia 21.10.2021, pelas 12h00, para a realização da audiência disciplinar, a ter lugar perante a Relatora, na sede da Liga Portugal (cf. Despacho de fls. 71, com data de 13.10.2021, notificado ao arguido no mesmo dia).

9. Por intermédio de requerimento subscrito pela sua Ilustre mandatária (cf. procuração junta a fls. 93), que deu entrada no dia 20.10.2021, pelas 12h16, veio o Arguido requerer o adiamento da audiência disciplinar, por motivo de doença, protestando juntar atestado médico, o que veio a acontecer, por requerimento enviado no mesmo dia às 17h09. Do sobredito atestado médico constava referência ao problema de saúde do Arguido e à necessidade de permanecer em isolamento profilático durante pelo menos 48h. Por Despacho datado de 20.10.2021, constante de fls. 97-98 dos autos, a Relatora deferiu o adiamento da audiência disciplinar, solicitando à Exma. mandatária do Arguido que, em cumprimento do preceituado no n.º 3 do artigo 244.º do RDLPFP, indicasse, com a maior urgência, três datas alternativas para a realização da audiência, com a advertência de que essas datas seriam tidas em conta pela Relatora na estrita medida em que se revelassem compatíveis com as exigências de celeridade processual.

Apesar da urgência solicitada, a Exma. Mandatária do Arguido só no dia 25.10.2021, pelas 18h25, veio apresentar requerimento com indicação das datas alternativas para a realização da audiência disciplinar – 17, 24 e 25 de novembro de 2021. Sobre este requerimento, recaiu Despacho da Relatora, proferido no mesmo dia (fls. 115-116), com o seguinte teor:

«(...)

3. Tal como se alertou no Despacho de fls. 97-98, as datas sugeridas pela defesa seriam tidas em conta pela Relatora, na estrita medida em que se revelassem compatíveis com as exigências de celeridade processual. É esse o sentido normativo a retirar da utilização do advérbio de modo “preferencialmente” constante da parte final do n.º 3 do artigo 244.º do RDLPFP, o qual, aliás, salvaguarda expressamente que a remarcação da audiência disciplinar se fará de acordo com as “exigências de celeridade processual”.

4. Ora, nos termos do artigo 237.º, n.º 2 do RDLPFP, a audiência disciplinar deve ser agendada para um dos dez dias úteis seguintes à notificação da acusação ao Arguido.

Apesar de revestir natureza ordenadora (cf. artigo 215.º, n.º 1 do RDLPFP), entende-se ser este o prazo que, para o regulador das competições profissionais, deve (via de regra) mediar

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entre a notificação da acusação e a realização da audiência disciplinar, em termos ainda compatíveis, portanto, com uma célere realização da justiça desportiva.

5. Neste conspecto, entende a Relatora que as datas sugeridas pela Mandatária do Arguido, Exma. Senhora Dr.ª Adelina Trindade Guedes se desviam significativamente dos

“indicadores” de celeridade processual fornecidos pelo RDLPFP. Por essa razão, e servindo- se da discricionariedade que a parte final do n.º 3 do artigo 244.º do RDLPFP lhe confere nesta matéria, determina a Relatora que a audiência disciplinar tenha lugar no próximo dia 29 de outubro de 2021, às 11h00, na sede da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (Porto).

(...)»

10. Por requerimento subscrito pela sua Ilustre mandatária, que deu entrada no dia 29.10.2021, pelas 10h21 (fls. 131), o Arguido veio confessar integramente e sem reservas os factos constantes da acusação. Atenta a proximidade da hora de início da audiência disciplinar, a Relatora não teve oportunidade de apreciar o sobredito requerimento em tempo útil. Assim, a audiência disciplinar teve lugar no dia e hora designados, e contou com a presença da Relatora, do Ilustre Representante da CI, Senhor Dr. Bruno Rodrigues Sampaio, da Ilustre mandatária do Arguido, Senhora Dr.ª Adelina Trindade Guedes, e da Dr.ª Nicole Pimenta.

Destarte, nos termos regulamentares, a Relatora deu a palavra ao Ilustre Representante da CI para sustentar a acusação. De seguida, a Relatora apreciou o requerimento apresentado pela Ilustre mandatária do Arguido e, considerando cumpridos os requisitos previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 245.º do RDLPFP (cf. procuração junta a fls. 93, com poderes especiais para a confissão), julgou válida e eficaz a confissão, dando imediatamente sem efeito a audiência disciplinar nos termos do n.º 4 do mesmo preceito regulamentar (cf. ata da audiência disciplinar, a fls. 133, e respetivo registo áudio, a fls. 134).

II – Competência do Conselho de Disciplina

11. De acordo com o artigo 43.º, n.º 1 do RJFD20082, compete a este Conselho, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos

2 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2º e 4º Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio.

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e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva. No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho3.

III – Da aplicação da lei no tempo

12. Sendo o presente acórdão prolatado na vigência do RDLPFP21,4 que entrou em vigor na sequência do Comunicado Oficial n.º 18, datado de 14.07.2021,5 cumpre indagar se a sucessão de regimes regulamentares levanta, in casu, um problema de aplicação da lei no tempo.

13. Preceitua a disposição transitória 1.ª do novo Regulamento o seguinte: «O presente Regulamento entra em vigor imediatamente após a publicação em comunicado oficial da deliberação de ratificação pela Assembleia-Geral da FPF, nos termos do artigo 47.º dos Estatutos Federativos».

14. Em linha com os anteriores, o RDLPFP21 contém disposições específicas em matéria de aplicação no tempo, lendo-se no artigo 11.º o seguinte: «(...) 1. As sanções são determinadas pela norma punitiva vigente no momento da prática da infração disciplinar; 2. O facto punível como infração por norma legal ou regulamentar no momento da sua prática deixa de ser punível se, em virtude da entrada em vigor de nova disposição legal ou regulamentar, deixar de ser qualificado como infração disciplinar; no caso de já ter havido condenação, ainda que por decisão já definitiva na ordem jurídica desportiva, cessa de imediato a respetiva execução; 3.

Quando a sanção aplicável no momento da prática do facto for diversa daquela que vigorar em momento posterior será sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão transitada em julgado (...); 6. As

3 Disponível, na íntegra, na página da Federação Portuguesa de Futebol.

4 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019 e de 28 de julho de 2020 e 02 de junho de 2021, ratificado na reunião da Assembleia Geral Extraordinária da FPF de 05 de julho de 2021.

5 Cf. Comunicado Oficial n.º 18, de 14.07.2021, disponível em

https://www.fpf.pt/pt/Institucional/Documenta%C3%A7%C3%A3o (acesso em 18.07.2021).

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normas procedimentais previstas no presente Regulamento serão aplicáveis a todos os procedimentos instaurados após a sua entrada em vigor (...)».

15. Assim sendo, importa destacar que à data da prática dos factos que deram origem à instauração do presente Processo Disciplinar estava vigente o RDLPFP20. Como nota Germano Marques da Silva, «a escolha dos regimes penais em confronto em sede de aplicação das leis no tempo, tem de ser feita em bloco, não podendo criar-se uma norma abstracta com os elementos mais favoráveis das várias leis».6

16. A infração disciplinar em liça nos presentes autos – a saber, o artigo 136.º [Lesão da honra e reputação e denúncia caluniosa – não sofreu alterações nem na sua hipótese, nem no respetivo arco sancionatório. A alteração na redação do artigo 53.º, n.ºs 2 e 3 [Circunstâncias agravantes]

do RDLPFP tem natureza meramente interpretativa, não se revelando concretamente mais vantajosa para o Arguido.

17. Uma vez que não se detetam, noutros segmentos do Regulamento, alterações com impacto na responsabilidade disciplinar do Arguido – mormente no que respeita às circunstâncias atenuantes (artigo 55.º), à reincidência como elemento de qualificação do tipo (artigo 54.º), aos prazos de caducidade e prescrição (artigos 22.º e 23.º) e ao valor da unidade de conta (UC), sobre o qual recai o fator de ponderação previsto no n.º 3 do artigo 36.º (0,4) – e tendo em conta que, efetuado um exercício comparativo entre os blocos normativos do RDLPFP20 e do RDLPFP21, não se mostra o segundo concretamente mais favorável para o Arguido do que o primeiro, em termos que imponham a aplicação do preceituado no n.º 3 do artigo 11.º, conclui- se que o presente procedimento disciplinar deve ser regulado, tanto substantiva como procedimentalmente, pelo Regulamento disciplinar vigente à data da prática dos factos – a saber, o RDLPFP20.

IV – Fundamentação de facto

§1. A prova no direito disciplinar desportivo

6 Germano Marques da Silva, Direito Penal Português – Parte Geral – I Introdução e teoria da lei penal, Editorial Verbo, Lisboa, 1997, p. 265

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18. Em sede de direito disciplinar desportivo, atenta natureza sancionatória do processo e o disposto no artigo 16.º, n.º 1 do RDLPFP20 – segundo o qual «na determinação da responsabilidade disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo procedimento, as regras constantes do (...) Código de Processo Penal» - vale prima facie o princípio da livre apreciação de prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal («Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente»).

19. Como se lê no Acórdão n.º 1165/96, do Tribunal Constitucional, «a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efetiva motivação da decisão».7

20. Ou como explica, na doutrina, Maria João Antunes, «[O] princípio da livre apreciação da prova significa, negativamente, a ausência de critérios legais que predeterminem o valor da prova e, positivamente, que as entidades a quem caiba valorar a prova o façam de acordo com o dever de perseguir a realização da justiça e a descoberta da verdade material, numa apreciação que terá de ser sempre objetivável e motivável e, por conseguinte, suscetível de controlo».8

21. Apesar de haver, consabidamente, exceções ao princípio que acaba de se enunciar, tanto no domínio do processo penal como sob a égide do direito disciplinar desportivo, a verdade é que a mesmas se afiguram de escassa relevância no caso sub judice, pelo que formaremos a nossa convicção, como se disse supra, de acordo com as regras da lógica, da ciência e da experiência, orientadas pelo princípio da prossecução da verdade material.

§2. Factos provados e motivação

7 Cf. Acórdão n.º 1165/96, do Tribunal Constitucional, prolatado a 19.11.1996 (Relator: Monteiro Diniz), reiterada, entre outros, no acórdão n.º 395/2018, prolatado a 11.07.2018 (Relator: Maria José Rangel de Mesquita), ambos disponíveis na íntegra em www.tribunalconstitucional.pt.

8 Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2.ª ed. revista, Almedina, Coimbra, 2020, p. 177.

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22. No contexto das diligências instrutórias, foi apurada a seguinte factualidade com relevância para a decisão nos presentes autos:

1.º - No dia 10.04.2021, pelas 15h30, realizou-se no Estádio Bessa XXI o jogo melhor identificado sob o n.º 12609, entre a Boavista Futebol Clube – Futebol, SAD e a Rio Ave Futebol Clube – Futebol, SAD, a contar para a 26.ª jornada da época de 2020/2021 da Liga NOS, e que terminou com o resultado de 3-3.

2.º - A equipa de arbitragem do jogo era composta pelos seguintes elementos: André Narciso (Árbitro), Paulo Brás (Assistente 1), Marco Vieira (Assistente 2), Flávio Loureiro (4.º Árbitro).

3.º - Na conferência de imprensa que seguiu ao sobredito jogo, o Arguido Vítor Jorge Fonseca Murta, Presidente da Boavista Futebol Clube – Futebol, SAD, proferiu as seguintes declarações:

«(...)

[S]into-me orgulhoso de ser presidente deste grande clube, mas não posso deixar de dizer que vou com um sentimento de frustração, porque o Boavista é a equipa com mais vermelhos, com mais tempo com menos jogadores em campo e a equipa que sofre mais penáltis. Acima de tudo começamos a ficar preocupados se é para dizer que não podemos ficar na Liga digam-nos e assim poupamos deslocações, estágios. Sinceramente estou preocupado. Preocupado com o estado do futebol, mas não com o destino desta equipa porque contra tudo e contra todos vamos permanecer na Liga”.

“[A] tentativa frustrada de branquear o comportamento deplorável do treinador do Rio Ave serviu, sobretudo, para desviar as atenções do que aconteceu durante o jogo. O Boavista voltou a ser fortemente prejudicado e não foi a primeira, nem a segunda, nem sequer a terceira vez que isto aconteceu esta época. Não sei qual é o objetivo disto, mas sei que não pode continuar. Já chega, estamos fartos! Voltámos a ter um jogador expulso e um penálti contra. Somos a equipa do campeonato com mais expulsões, com mais penáltis contra, a maior parte sem qualquer justificação… Isto não pode ser obra do acaso. Aliás, só por uma vez os nossos adversários tiveram um jogador expulso e, mesmo assim, foi preciso recorrer ao VAR e lesionar o Nuno Santos, que ficou de fora da competição durante um mês.

Simplesmente ridículo.

Neste jogo ficou bem vincada a dualidade de critérios utilizada ao longo de toda a temporada: na primeira parte, o Paulinho é afastado com o braço, dentro da área, e nada foi assinalado; na segunda parte, bastou um jogador adversário cair na nossa área,

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desequilibrado, muito provavelmente, por uma rajada de vento mais forte, para se marcar uma grande penalidade, acrescida de expulsão, mais uma. O que estava o VAR a fazer? (…) Nas últimas horas, tenho recebido mensagens de vários jogadores indignados com o que aconteceu. E o que lhes digo? Como posso defender perante eles que existe verdade desportiva em Portugal? Apesar de tudo o que tem acontecido, nós não vamos desistir.

Vamos continuar na luta, todos juntos, e não serão estas situações estranhas, para não lhe chamar outra coisa, que nos vão derrubar. Vão ter de levar connosco até ao fim, custe o que custar!”.

(...)»

4.º - As declarações supratranscritas tiveram ressonância em meios de comunicação social, designadamente na imprensa desportiva.

5.º - O Arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era disciplinarmente punível.

6.º - O Arguido tem antecedentes disciplinares, tendo sido condenado, por decisão já transitada em julgado, pela prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1 e 4 do RDLPFP na época desportiva de 2018-2019, em sanção de suspensão de 45 (quarenta e cinco) e dias e sanção de multa no montante de 5.740,00€ (cinco mil setecentos e quarenta euros).

§3. Factos não provados

23. Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.

§4. Motivação quanto à matéria de facto

24. A convicção formada apoia-se, fundamentalmente, numa apreciação crítica, objetiva e articulada dos documentos juntos aos autos, à luz das regras da experiência e da lógica, tal como exigido pelo princípio da livre apreciação da prova, e em particular da confissão integral e sem reservas, pelo Arguido, dos factos constantes da acusação. Concretamente:

a) Os factos descritos em 1.º e 2.º de §2. Factos provados encontram suporte na documentação oficial do jogo junta aos autos a fls. 33 a 48.

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b) Os factos descritos em 3.º e 4.º de §2. Factos provados resultam do DVD constante de fls. 50, que reúne a gravação de imagem e som de uma parte da conferência de imprensa que ocorreu na sequência do jogo identificado sob o n.º 12609, das notícias constantes da edição online do Jornal Record (fls. 53) e da edição online do jornal A Bola (fls. 6) e ainda da confissão integral e sem reservas dos factos constantes da acusação.

c) No que respeita à factualidade de índole subjetiva descrita em 5.º de §2. Factos provados, isto é, à ligação psicológica que se surpreende entre o agente e o facto, a sua demonstração decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo à luz das regras da experiência comum e da lógica, em especial da confissão integral e sem reservas dos factos constantes da acusação.

d) O facto descrito em 6.º de §2. Factos provados resulta do cadastro disciplinar do Arguido, junto a fls. 33.

V – Fundamentação de direito

§1. Enquadramento jurídico-disciplinar

25. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol profissional – assume natureza pública. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), e dos artigos 10.º, 13.º, alínea i), do RJFD2008.

26. A existência de um regulamento disciplinar justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º, n.º 1, do RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008).

O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º, n.º 1, do RJFD2008). Em

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conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal.

27. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos perante um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram a ele sujeito, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concretos interesses desses agentes e organizações desportivas.

§2. Das infrações disciplinares em geral

28. O RDLPFP encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela qualidade do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e treinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga. Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves, graves e leves.

§3. Das infrações disciplinares concretamente imputadas

29. A infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º [Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa] está localizada na Secção II [Infrações específicas dos dirigentes], Subsecção II [Infrações disciplinares graves].

«(...)

Artigo 136.º

Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa

1. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra órgãos da Liga ou da FPF respetivos membros, elementos da equipa de arbitragem, clubes, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

2. (...)

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro.

4. Caso as infrações previstas nos n.ºs 1 e 2 sejam praticados através de meios de comunicação social, nomeadamente em programa televisivo ou radiofónico que se dedique

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exclusiva ou principalmente à análise e comentário do futebol profissional, as sanções nele previstas são elevadas para o dobro.

(...)»

30. Importa igualmente atentar na redação da infração disciplinar p. e p. no artigo 112.º, n.º 1 [Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros] para a qual o artigo 136.º, n.º 1 remete. O dispositivo tem o seguinte teor:

«(...)

Artigo 112.º

Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros

1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.

(...)»

31. As normas supra enunciadas integram o ordenamento disciplinar desportivo, partilhando, destarte, da sua teleologia normativa, que assenta, como é sabido, no princípio da ética desportiva (artigo 52.º, n.ºs 1 e 2 do RJFD)9 e no dever que a Constituição faz impender sobre o Estado de prevenção da violência no desporto (artigo 79.º, n.º 2 CRP).

32. Esta é, naturalmente, uma nota da maior relevância na disquisição do sentido e alcance daquelas prescrições normativas, ao pôr em evidência que subjacente aos artigos 112.º e 136.º do RDLPFP não se acha apenas o desiderato de proteção do direito subjetivo fundamental à honra e ao bom nome (in casu) dos agentes de arbitragem, enquanto concretização inalienável da sua dignidade pessoal. Está também, e simultaneamente, o interesse constitucionalmente

9 Cf., adicionalmente, quanto ao conceito de ética desportiva, o avançado no Código de Ética Desportiva, elaborado em 2014, com a participação de inúmeras entidades públicas e privadas ligadas ao desporto, entre elas a Federação Portuguesa de Futebol, que na enunciação dos seus objetivos dá conta que «[F]alar de ética no desporto é centrarmo- nos em valores que deverão estar presentes na orientação dos praticantes, em todos os agentes desportivos e no movimento associativo, de forma a que o desporto se possa constituir como verdadeiro fator educacional, de integração e inclusão social, contribuindo para o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas e consciencialização de todos os agentes que se relacionam com o desporto quanto à respetiva responsabilidade na observância de comportamentos leais que possam servir de modelo positivo para os mais jovens».

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protegido de prevenção da violência no desporto e uma das suas concretizações mais relevantes no plano infraconstitucional, que é a salvaguarda da ética desportiva e do espírito desportivo. A isto acresce, nas modalidades que, como o futebol, dispõem de uma federação desportiva dotada de estatuto de utilidade pública desportiva e de uma Liga profissional, o propósito de assegurar o prestígio e o bom funcionamento das competições, interesses públicos que são condição da renovação e conservação daquele estatuto e garantem, a fortiori, a legitimidade da opção legislativa de delegação de poderes públicos nas federações e ligas profissionais.

33. Por outro lado, o que vem de dizer-se demonstra que as pessoas que detêm a qualidade de agente desportivo (artigo 4.º, n.º 1, al. b) do RDLPFP20) – estando, por conseguinte, sujeitas ao jus disciplinar – ostentam, quando atuam nas dimensões de publicidade do desporto, um estatuto privilegiado de direitos e deveres, que – importa deixar claro – não são assacáveis aos demais intervenientes no espaço público informativo ou comunicacional, inclusivamente no espaço público desportivo (e.g. jornalistas, colunistas e comentadores desportivos que não sejam agentes desportivos). Daí a previsão de deveres de correção e urbanidade que se surpreende no artigo 51.º, n.º 1 do Regulamento das Competições Organizadas pela LPFP [Deveres de correção e urbanidade dos intervenientes], e no n.º 1 do artigo 19.º do RDLPFP [Deveres e obrigações gerais].10

§4. O caso concreto: subsunção ao direito aplicável

34. Determina o artigo 17.º [Conceito de infração disciplinar], do RDLPFP20 que se considera infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.

35. Ora, para que se possa verificar o tipo disciplinar previsto pelo artigo 136.º, n.º 1 do RDLPFP20 [Lesão da honra e denúncia caluniosa], é necessário que, voluntariamente e ainda

10 De forma porventura mais explícita, vejam-se as normas de conduta oponíveis aos Dirigentes ou gestores desportivos constantes do Código da Ética Desportiva, entre as quais se contam os deveres de «não proferir, sob qualquer forma, declarações depreciativas do mérito e do valor das demais associações ou sociedades desportivas, bem como dos dirigentes, praticantes, treinadores, árbitros ou outros agentes desportivos» e de «respeitar as decisões desportivas dos árbitros, juízes, cronometristas e demais aplicadores das leis do jogo».

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que de forma meramente culposa, (i) um dirigente; (ii) use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros; (iii) para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos.

36. Como resulta da matéria de facto provada (cf. 3.º de §2. Factos provados), o Arguido Vítor Jorge Fonseca Murta era, à data da prática das condutas que lhe são imputadas na acusação, Presidente da Boavista Futebol Clube – Futebol, SAD, sendo, por conseguinte, não só “agente desportivo” para efeitos do preceituado no artigo 4.º, n.º 1, al. b) do RDLPFP20, mas também

“dirigente de clube” na aceção da alínea c) do mesmo normativo e, por conseguinte, na aceção do artigo 136.º, n.º 1 do RDLPFP20.11

37. Vários segmentos das declarações prestadas pelo Arguido Vítor Jorge Fonseca Murta são jus disciplinarmente irrelevantes por configurarem uma manifestação de crítica objetiva, dimensão nuclear do direito fundamental à liberdade de expressão e pensamento (artigo 37.º, n.º 1 da CRP), e que existe «enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo diretamente à pessoa dos seus autores ou criadores».12 É legítimo questionar as decisões tomadas pela equipa de arbitragem na aplicação das leis do jogo e das quais resulta a marcação ou não marcação de penalties, a admoestação ou a expulsão de jogadores, e é legítimo, também, evidenciar «o nexo de causalidade entre os erros técnicos cometidos pela equipa de arbitragem e o resultado desfavorável do jogo para a equipa do clube que perdeu» (cf. o acórdão do STA de 01.10.2021, Recurso n.º 50/20.0BLS, Relatora: Conselheira Cristina Gallego Santos). Manifestar a frustração ou motivar o grupo de trabalho são, de igual forma, comportamentos inócuos do ponto de vista disciplinar («Nas últimas horas, tenho recebido mensagens de vários jogadores indignados com o que aconteceu. E o que lhes digo? (...) Apesar de tudo o que tem acontecido, nós não vamos desistir»).

11 De acordo com a alínea c), dirigentes dos clubes são «os titulares dos respetivos órgãos sociais e os respetivos diretores e quaisquer outros funcionários ou colaboradores que, independentemente do respetivo vínculo contratual, desempenhem funções de direção, chefia ou coordenação na respetiva estrutura orgânica, bem como os respetivos mandatários».

12 Cf., entre outros, o Processo Disciplinar n.º 83 – 2019/2020, Despacho-decisão tirado em 11.08.2020 (Relator: Vasco Cavaleiro), citando os ensinamentos de Costa Andrade.

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38. Questão distinta, como assinala o acórdão do STA a que se aludiu supra, «é o clube perdedor extravasar do plano objetivo dos erros técnicos implicados no resultado desfavorável e passar para o plano subjetivo, afirmando que os erros técnicos nas faltas assinaladas e omitidas foram levados à prática pela equipa de arbitragem por esta prever e querer o resultado desfavorável que veio a verificar-se, ou seja, imputando aos árbitros um agir claramente pré-ordenado e ilícito à luz do princípio da verdade desportiva, dirigido ao cometimento de erros técnicos assinalados tendo por finalidade o resultado verificado».

39. A relevância disciplinar das declarações do Arguido assenta, portanto, naqueles segmentos que, numa perspetiva objetiva, isto é, na perspetiva do leitor médio, contêm (pelo menos) uma insinuação de que há um desígnio da parte de sucessivas equipas de arbitragem – e dos próprios organizadores das competições e órgãos responsáveis pela nomeação daquelas equipas – no sentido de afastar a equipa da Boavista Futebol Clube – Futebol, SAD da I Liga [«acima de tudo começamos a ficar preocupados se é para dizer que não podemos ficar na Liga digam-nos e assim poupamos deslocações, estágios (...). Não sei qual é o objetivo disto, mas sei que não pode continuar (...) Vamos continuar na luta, todos juntos, e não serão estas situações estranhas, para não lhe chamar outra coisa, que nos vão derrubar»]. Estas são afirmações que, de forma objetiva, ainda que sob a capa da insinuação,13 questionam a imparcialidade e a equidistância dos agentes de arbitragem que vêm apitando os jogos em que a Boavista Futebol Clube – Futebol, SAD intervém, e, reitere-se, também dos organizadores das competições profissionais e dos órgãos com competência para nomear aquelas equipas de arbitragem.

40. Importa ter presente que a mobilização do interesse público de proteção da ética desportiva e de prevenção da violência no desporto ergue, no quadro do direito disciplinar desportivo, limites mais intensos ao exercício do direito fundamental de crítica objetiva, abaixando, portanto, o limiar de tipicidade, ou, por outras palavras, agilizando ou facilitando o preenchimento dos elementos do tipo.14 Ora, é entendimento deste Conselho que a conduta do

13Sobre a tipicidade das insinuações, cf. José de Faria Costa, “Artigo 180.º [Difamação]”, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 612.

14Veja-se, neste sentido, o RHI n.º 13 – 20/21, acórdão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina tirado por unanimidade em 12.01.2021: «A especial necessidade de prevenção impõe um filtro muito mais amplo do que se passa no lado de qualquer infração criminal de lesão da honra. Enquanto nestas lesões à honra, do que se trata, são de afetações pessoais, individualizadas e que não acarretam outras consequências, no domínio disciplinar, as lesões à honra dos agentes desportivos (nomeadamente dos árbitros), têm um elevado potencial de danosidade social dado

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dirigente Vítor Jorge Fonseca Murta não consubstancia, nos últimos segmentos transcritos, um exercício do direito de crítica objetiva, em abstrato suscetível de afastar a tipicidade da sua conduta. Trata-se de declarações tipicamente lesivas da honra das pessoas envolvidas e que menorizam o seu bom-nome e reputação profissional, contribuindo para um clima de suspeição e de radicalização do discurso e das atitudes adotadas em contexto desportivo.

41. Também o elemento subjetivo do tipo de ilícito se encontra preenchido. De nada releva que o Arguido não tenha pretendido injuriar ou difamar os elementos da equipa de arbitragem ou os organizadores das competições. Há consenso na doutrina e na jurisprudência penais no sentido de que o animus difamandi não integra o tipo subjetivo do crime de difamação.15 Estas asserções relevam no plano da responsabilidade disciplinar, onde o direito penal é subsidiariamente aplicável ex vi do artigo 16.º, n.º 1 do RDLPFP20. A nossa conclusão, atento o teor das declarações proferidas, é a de que o Arguido agiu com dolo, havendo, no caso vertente, conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objetivo de ilícito.

42. Afirmações deste jaez não encontram justificação excludente da ilicitude no exercício do direito fundamental à liberdade de expressão, consagrado no artigo 37.º, n.º 1, da CRP e acolhido no artigo 10.º da CEDH.

Este Conselho não ignora o efeito de condicionamento recíproco entre honra e liberdade de expressão, no sentido de que o modo como é tutelada a honra, seja no direito civil, seja no direito penal, seja no direito disciplinar, tem de levar em linha de conta a interpretação dos preceitos internacionais, constitucionais e legais sobre a liberdade de expressão.16 Tão-pouco

o “efeito de bola de neve”, suscetível de gerar perigo de perturbação (por vezes até grave) da ordem e tranquilidade públicas (maxime, os fenómenos de violência desportiva), como de resto se tem comprovado pela experiência. Tudo afetando, uma vez mais, o interesse público na credibilidade das competições profissionais». Esta jurisprudência foi, entretanto, reiterada em diversos arestos destes Conselho de Disciplina, entre eles, recentemente, no RHI n.º 03 – 21/22, acórdão da Secção Profissional tirado por unanimidade em 17.08.2021, Relatora: Maria José Carvalho e no RHI n.º 05 – 20/21, acórdão da Secção Profissional tirado por unanimidade em 07.09.2021, Relator: João Gouveia de Caires.

15 Cf., na jurisprudência o Acórdão do STJ de 29.05.2015, processo n.º 9/15.0YGLSB.S2-B (Relator: Raul Borges), disponível em www.dgsi.pt; na doutrina, cf. Renato Lopes Militão, «Sobre a tutela penal da honra das entidades coletivas», Julgar (online), março de 2016, p. 39).

16 Cf. Manuel da Costa Andrade, Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal – Uma perspetiva jurídico- constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 222)

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ignora a evolução por que vem passando a jurisprudência nacional – civil e penal – no tratamento daquele efeito recíproco, que é inegável, constituindo em boa medida uma decorrência do impacto da jurisprudência do TEDH, em homenagem a uma interpretação conforme à Constituição e ao direito internacional.17 Tal não legitima, todavia, a transposição tout court dessa jurisprudência, prolatada, sobretudo, no contexto da liberdade de imprensa e da liberdade de informar, para um domínio como é o direito administrativo sancionatório, maxime o direito disciplinar desportivo, cuja teleologia se centra, precisamente, na prevenção dos fenómenos perversores do desporto e na salvaguarda da ética desportiva.

Ou seja, se a convocação daquela jurisprudência se impõe, a título de res interpretata, aos tribunais dos Estados partes da Convenção, influenciando a interpretação dos preceitos constitucionais e os juízos de ponderação que hajam de fazer-se no caso concreto, não deixa de ser verdade que há contextos normativos que reclamam – sem menoscabo da centralidade da liberdade de expressão nas sociedades democráticas – maior latitude de apreciação para o Estado parte, da qual pode emergir uma diferente sopesação dos bens jurídicos fundamentais em presença.

43. O mesmo é dizer que a condenação do Arguido pela prática, in casu, da infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.º 1 do RDLPFP20 não constitui, na terminologia do TEDH, uma interferência desproporcional naquele direito fundamental, ou seja, uma interferência que comprometa a justa composição ou o justo equilíbrio (fair balance) entre os interesses e bens jurídicos em presença – aqui, o direito à liberdade de expressão dos dirigentes, o direito à honra e reputação dos agentes de arbitragem visados (também ele um direito fundamental, com acolhimento no artigo 26.º, n.º 1 da CRP) e o interesse público de prevenção da violência no desporto e de salvaguarda da ética desportiva (artigo 79.º, n.º 2 da CRP).

46. O específico recorte normativo do direito disciplinar desportivo, mormente no capítulo das ofensas à honra e reputação dos agentes de arbitragem, é dado coonestado por um sem- número de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, os quais, sem prejuízo dos matizes

17 Cf., quanto a este ponto, o texto de Francisco Pereira Coutinho, «O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Imprensa: os casos portugueses», in Media, direito e democracia: I curso pós-graduado em direito da comunicação (coord. Carlos Blanco de Morais, Maria Luísa Duarte e Raquel Alexandra Brízida Castro), Coimbra, Almedina, 2014, pp. 319-361

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do caso concreto e da variabilidade inerente ao juízo de concordância prática, confirmam que o ordenamento desportivo não permite que, ao abrigo ou sob a capa da liberdade de expressão, se pratiquem comportamentos que, para além de ofensivos da honra, integridade moral e reputação dos agentes de arbitragem, contribuam para o descrédito das competições desportivas ou sejam idóneas a promover a violência no desporto.18 Tanto mais que a declaração imputada ao Arguido foi proferida numa conferência de imprensa pós-jogo, circunstância que alavanca indiscutivelmente o seu impacto mediático e, a fortiori, a lesão do princípio da ética desportiva e o descrédito das competições organizadas pela LPFP.

47. O ilícito disciplinar comporta a reincidência como elemento de qualificação do tipo, dispondo-se no n.º 3 daquele normativo, que «[E]m caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro». Segundo o artigo 54.º do RDLPFP20, «quando em norma especial do presente Regulamento se exija a verificação da reincidência para efeitos de qualificação de uma infração disciplinar apenas se considera reincidente o agente que, em qualquer uma das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificarem os factos, tiver sido condenado pela prática da mesma infração disciplinar mediante decisão transitada em julgado».

18 Cf. o acórdão do STA de 04.06.2020, processo n.º 0154/19.2BCLSB (Relator: Cláudio Monteiro), jurisprudência reiterada pelo mesmo Tribunal, entre outros, no acórdão de 10.09.2020, processo n.º 038/19.4BCLSB (Relatora: Maria do Céu Neves); no acórdão de 02.07.2020, processo n.º 0139/19.9BCLSB (Relator: Fonseca da Paz); no acórdão de 03.12.2020, processo n.º 062/20.4BCLSB (Relatora: Teresa de Sousa); no acórdão de 04.02.2021, processo n.º 063/20.2BCLSB (Relatora: Maria Benedita Urbano); no acórdão de 11.03.2021, processo n.º 053/20.5BCLSB, Relatora:

Conselheira Maria do Céu Neves; no acórdão de 07.10.2021, processo n.º 77/21.5BCLSB, Relator: Ricardo Ferreira Leite, sempre com fundamentação e desfecho semelhantes. Posição sufragada entre outros, nos acórdãos do TCA- Sul, de 09.09.2021, processo n.º 21/20.7BCLSB, Relator: Jorge Pelicano, e do TAD, com data de 26.05.2021, processo n.º 7/2021, onde se lê, com relevo, o seguinte: «A arbitragem está, naturalmente, sujeita a apreciações sobre o seu desempenho profissional, mesmo que apreciações contundentes. Mas tal não significa que, sob a capa de discordância, se introduzam na opinião pública juízos depreciativos que belisquem os elementares valores da convivência no desporto entre os vários agentes desportivos, entidades e corpos dirigentes, pondo-se em causa a honorabilidade, competência e imparcialidade com que determinado agente deve exercer a sua função (...). O escopo das normas regulamentares invocadas (mormente o art. 112.º do RD) visa, além da defesa do bom nome e da reputação dos visados (tal como nos arts. 180.º e 181.º do CP), a salvaguarda da ética e valores desportivos, bem como a credibilidade da modalidade, dos competidores e cargos desportivos (...). A admitir-se como normal, por parte de qualquer agente desportivo ou Clube, a imputação sem qualquer suporte factual a árbitro ou ao Conselho de Arbitragem da FPF de parcialidade sistemática e de inação por cobardia, estar-se-ia a dar cobertura ao intolerável achincalhamento, rebaixamento e ataque gratuito ao bom nome a que qualquer cidadão tem direito, numa perversa subversão dos valores inerentes a um Estado de direito».

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48. Ora, olhando ao cadastro disciplinar do Arguido (junto a fls. 32 dos autos), verificamos o averbamento de condenação pela prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1 e 4 do RDLPFP [Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa], na época desportiva de 2018-2019, por decisão já transitada em julgado, sancionada com multa no montante de

€5740,00 (cinco mil setecentos e quarenta euros) e suspensão de 45 (quarenta e cinco) dias.

49. Encontram-se, portanto, reunidos os pressupostos de natureza objetiva e subjetiva de que depende a responsabilidade disciplinar do Arguido Vítor Jorge Fonseca Murta, Presidente da Boavista Futebol Clube – Futebol, SAD, nos termos conjugados dos artigos 136.º, n.ºs 1 e 3 e 112.º, n.º 1 do RDLPFP20, sem que, pelas razões enunciadas, a sua conduta possa encontrar justificação no exercício do direito à liberdade de expressão.

VI – Medida e graduação da sanção

50. É no Capítulo III (medida e graduação das sanções), artigos 52.º a 61.º, do RDLPFP20, que nos deparamos com as normas que possibilitam alcançar a medida concreta da sanção, tendo sempre presente o princípio da proporcionalidade, patente no artigo 10.º,19 e o funcionamento das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo da infração, militem a favor do agente ou contra ele, e que encontram consagração nos artigos 53.º (Circunstâncias agravantes) e 55.º (Circunstâncias atenuantes) do Regulamento. A isto acresce ainda a possibilidade de atenuação especial da sanção, prevista no artigo 60.º, incidente sobre a sanção concretamente aplicada.

51. Como princípio estruturante da tarefa de concretização da medida da sanção, devemos ter ainda como revelante o disposto no artigo 52.º (Determinação da medida da sanção): «A determinação da medida da sanção, dentro dos limites definidos no presente Regulamento, far- se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuras infrações disciplinares.»

52. Portanto, prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da sanção, espelhando o primeiro a necessidade comunitária do sancionamento do caso

19 Segundo o artigo 10.º do RDLPFP20, «as sanções disciplinares aplicadas como consequência da prática das infrações disciplinares previstas no presente regulamento devem ser proporcionais e adequadas ao grau da ilicitude do facto e à intensidade da culpa do agente».

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concreto, ou, nas distintas palavras de Figueiredo Dias, «a necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada»,20 e constituindo o segundo dos enunciados critérios, especificamente dirigido ao agente da infração, o limite às exigências de prevenção e, portanto, o limite máximo da sanção.

53. Mister é, neste particular, notar que é a ideia de prevenção geral (positiva) enquanto finalidade primordial visada pela sanção, que dá sustento ao cumprimento do princípio da necessidade da pena consagrado, em termos gerais, no artigo 18.º, n.º 2 da CRP. São, nomeadamente, as exigências de prevenção geral que definem a chamada “moldura da prevenção”, em que o quantum máximo de sanção corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a sanção deve alcançar e o limite inferior é aquele que define o limiar mínimo da defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de sanção sem irremediável prejuízo da respetiva função tutelar. Nesse contexto, no que concerne às exigências de prevenção especial ou individual, a sanção não pode deixar de alcançar o objetivo de fazer o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta de molde a prevenir a prática de futuros ilícitos disciplinares. Em todo o caso, a medida da sanção não pode ultrapassar a medida da culpa, que constitui «um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas».21 São este, pois, os critérios que orientam o aplicador do direito na determinação do substrato da medida da pena.

54. Ora, apurados os factos valorados como atentatórios da ordem jurídica desportiva e enquadrados nos respetivos tipos de infração, resta apreciar e decidir as sanções a aplicar.

55. A prática da infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.º 1 RDLPF20 é punida, em abstrato, com sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 e o máximo de 300 UC. Atento o funcionamento da reincidência como elemento de qualificação do tipo, que implica a elevação para o dobro dos limites mínimo e máximo das molduras abstratamente aplicáveis, a sanção de suspensão deveria fixar-se entre o mínimo de dois meses e o máximo

20 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Teoria Geral, Tomo I, 2.ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 79.

21 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Teoria Geral, Tomo I, 2.ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 230.

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de quatro anos e a sanção acessória de multa entre o mínimo de 100 e o máximo de 600 UC.

Contudo, compulsada a confissão integral e sem reservas, pelo Arguido, dos factos constantes da acusação, «os limites mínimo e máximo das sanções de suspensão e das sanções de natureza pecuniária aplicáveis são reduzidas a metade» (cf. artigo 245.º, n.º 6 do RDLPFP20), de onde decorre, portanto, a reposição, em termos de moldura abstrata, dos limites mínimo e máximo previstos no n.º 1 do artigo 136.º do RDLPFP20.

56. Posto isto, em termos de prevenção geral, há que considerar a natureza e a relevância dos bens jurídicos protegidos pelos tipos de ilícito em questão, ou seja, não só o direito subjetivo fundamental à honra e ao bom nome dos agentes desportivos coenvolvidos, em especial atenta a sua qualidade de agentes de arbitragem, mas também o interesse constitucionalmente protegido de prevenção da violência no desporto e o interesse público, confiado às Federações Desportivas e às Ligas Profissionais, de assegurar o princípio da ética desportiva e o bom funcionamento das competições de natureza profissional.

57. Do mesmo modo, não se pode deixar de ter em conta a frequência da ocorrência de fenómenos como os provados nos autos, o que incrementa a «necessidade da tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada».22 Afiguram-se, assim, intensas as necessidades de prevenção geral que se fazem registar.

58. Já no que respeita às exigências de prevenção especial ou individual, há que destacar que o Arguido tem averbada no seu registo disciplinar não só uma condenação pela prática da infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1 e 4 do RDLPFP20, referente à época desportiva de 2018- 2019, razão pela qual se fez funcionar o instituto da reincidência enquanto elemento de qualificação do tipo, mas também, já na época desportiva de 2020-2021, uma condenação em processo sumário pela prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 140.º [Protesto contra a equipa de arbitragem]. Dados que não podem deixar de evidenciar a insuficiência dos sancionamentos que lhe vêm sendo aplicados na prevenção da prática de comportamentos contrários ao ordenamento disciplinar desportivo.

22 FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição (2ª Reimpressão), Coimbra Editora, 2012, p. 79.

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59. A censura jurídica (culpa) a dirigir ao Arguido não é despicienda, tanto mais que este atuou, como se demonstrou supra, com dolo.

60. Aqui chegados, sopesada toda a materialidade dada como provada e os critérios normativos orientadores da dosimetria da sanção, entende-se suficiente e adequado, tanto em termos preventivos, como para efeitos sancionatórios, situar a sanção concreta a aplicar ao Arguido Vítor Jorge Fonseca Murta, pela prática da infração disciplinar p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 136.º, n.ºs 1 e 3 e 112.º, n.º 1 do RDLPFP20, em sanção de suspensão que se fixa que se fixa em 45 (quarenta e cinco) dias, e em sanção acessória de multa que se fixa em 65 UC, a que corresponde, compulsado o fator de ponderação a que alude o n.º 3 do artigo 36.º do RDLPFP20 (0,4), o montante de €2652,00 (dois mil seiscentos e cinquenta e dois euros).

VII – Decisão

Nestes termos e com os fundamentos expostos, decide a Relatora julgar procedente a acusação e condenar o Arguido, Vítor Jorge Fonseca Murta, Presidente da Boavista Futebol Clube – Futebol, SAD, pela prática de uma infração disciplinar p. e p. no artigo 136.º, n.ºs 1 e 3 [Lesão da Honra e da reputação e denúncia caluniosa] do RDLPFP20, por referência ao disposto no artigo 112.º, n.º 1 do mesmo Regulamento, em sanção de suspensão de 45 (quarenta e cinco) dias e em sanção de multa no montante de €2652,00 (dois mil seiscentos e cinquenta e dois euros).

Sem custas (artigo 245.º, n.º 6, in fine do RDLPFP20) Registe, notifique e publicite.

Cidade do Futebol, 02 de novembro de 2021

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RECURSO DESTA DECISÃO

Os atos materialmente administrativos – considerando-se, como tais, os atos que ponham termo ao procedimento disciplinar (artigo 290.º, n.º 2, do RDLPFP) – proferidos singularmente pelos membros da Secção Profissional do Conselho de Disciplina são impugnáveis por via de recurso hierárquico impróprio para o Pleno dessa mesma Secção (artigos 287.º, n.º 3 e 290.º, n.º 1, ambos do RDLPFP).

O referido recurso é interposto por meio de requerimento devidamente fundamentado dirigido ao Presidente do Conselho de Disciplina e apresentado no prazo de 5 (cinco) dias (artigo 292.º, n.º 1, do RDLPFP).

A decisão torna-se executória quando: i) se esgotar o prazo para a sua impugnação, ii) houver decisão do recurso pelo Pleno do Conselho de Disciplina ou iii) houver renúncia do arguido ao prazo para a impugnação por pretender que a decisão se torne imediatamente executória.

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