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SUMÁRIO 11 GUAIRÁ: MEMÓRIA E HISTÓRIA 15 APRESENTAÇÃO: COLONIALISMO E MISSÕES

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SUMÁRIO

11 GUAIRÁ: MEMÓRIA E HISTÓRIA

15 APRESENTAÇÃO: COLONIALISMO E MISSÕES

25 1 - A INTEGRAÇÃO dO PRATA NO SISTEMA COLONIAL

25 O CARÁTER DA COLONIZAÇÃO LUSO-ESPANHOLA E A CONQUISTA DO ESPAÇO PLATINO

25 Símbolos e representações 29 Colonialismo luso-espanhol

33 Formas e sentido da ocupação colonial

44 A DINÂMICA DO COLONIALISMO NO PRATA E A CONQUISTA DO ÍNDIO

44 O expansionismo luso-espanhol 48 Contato de civilizações

52 A nova dinâmica sociocultural no Prata 61 2 - A ExPANSÃO dO COLONIALISMO INTERNO

61 A ALIANÇA HISPANO-GUARANI E A EXPANSÃO DO NÚCLEO COLONIAL DE ASSUNÇÃO

61 A produção do espaço colonial platino 67 A construção das relações hispano-guaranis 70 A emergência da sociedade colonial 72 A expansão do núcleo colonial de Assunção 73 Fricções interétnicas ou crise de identidade 75 A conquista do índio

78 A colonização agropastoril

82 O NÚCLEO COLONIAL DE SÃO VICENTE E A PROJEÇÃO DA INTENÇÃO MISSIONÁRIA DOS JESUÍTAS DO BRASIL

81 A produção do espaço colonial português 84 O campo missional

87 desenvolvimento agrícola e evangelização 93 A conversão do gentio

97 A disputa do índio 101 A escravização indígena

103 A CRISE DAS RELAÇÕES COLONIAIS NO PRATA E A INTERVENÇÃO HUMANA E CRISTÃ

103 A produção da crise

108 divergências entre as frentes missionária e colonizadora 110 A integração comercial do Prata

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115 3 - O PARAGUAI MISSIONEIRO

115 OS JESUÍTAS NO PARAGUAI E NO GUAIRÁ 115 A intenção missionária

118 A estratégia da paz

120 A Província do Paraguai e a utopia colonial

130 A LUTA CONTRA O SERVIÇO PESSOAL E A OPÇÃO PELOS ÍNDIOS 130 As contradições

133 A proteção

134 A opção preferencial pelo índio 136 A nova postura em relação ao índio 141 4 - AS MISSÕES jESUíTICAS dO GUAIRÁ

141 O DESDOBRAMENTO DO TRABALHO MISSIONÁRIO E A FUNDAÇÃO DAS REDUÇÕES DO GUAIRÁ

141 O contexto humano e social

145 O Guairá: dimensões geopolíticas e humanas 152 Missão por redução

154 A produção social e a representação do espaço missional 160 A expansão do espaço missioneiro

165 AS REDUÇÕES E A ORGANIZAÇÃO DEFENSIVA DOS ÍNDIOS 165 A missão como estratégia colonial

169 A organização defensiva do índio 174 A opção preferencial pelos índios 178 O colonialismo interno

185 Missões do Guaírá: uma utopia colonial 193 REFERêNCIAS

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APRESENTAÇÃO: COLONIALISMO E MISSÕES

As missões jesuíticas com os Guarani na antiga Província do Paraguai foram merecedoras de uma vasta produção histórica. Essa produção contempla as mais diferentes linhas de interpretação, cercadas, em muitos casos, por estereótipos que consagram versões muitas vezes carregadas de conteúdo mítico ou ideológico, se não postuladas a partir de um invólucro místico, o que descaracteriza e dificulta a compreensão do processo histórico da expansão colonial ibérica na área do Prata. Há, na historiografia missioneira, uma tendência que situa as reduções jesuíticas2 como uma experiência

singular, cuja relação com a formação colonial na área do Prata seria apenas acidental.

Essa postura fundamenta-se, basicamente, nos modelos heurísticos que fazem a projeção de utopias, que geralmente expressam uma possibilidade futura, mas que, com a experiência jesuítico-guarani, teriam alcançado a sua concretização. Nesse sentido, um significativo número de obras rotulou as missões jesuíticas com modelos pré-concebidos, forjando, assim, a sua leitura unidimensional numa perspectiva de construção de uma história dentro da história3.

O tratamento redutivo, a partir do qual as missões são vistas como uma experiência histórica fechada em si mesma, dificulta a compreensão da sua vertente explicativa mais forte, que é a sua profunda inserção no processo histórico mais amplo do colonialismo. Os próprios jesuítas, por meio de suas correspondências, faziam descrições fantásticas das reduções que mantinham entre os Guarani, impulsionados, muitas vezes, por posturas apologéticas. Aos observadores menos atentos ou

2 Montoya (1892, p. 29) apresenta a seguinte definição para as reduções: “Llamamos

reducciones a los pueblos de Indios, que viviendo a su antigua usanza en montes, sierras y valles, en escondidos arroyos, en três, cuatro ó seis casas solas, separadas a legua, dos três y más, unos de otros, los redujo la diligencia de los Padres a poblaciones grandes y a vida política y humana […]”.

3 Entre as obras que buscam atribuir ou forjar modelos para as reduções, podemos citar

El império jesuítico: ensayo histórico (LUGONES, 1945), A república comunista cristã dos Guaranis, 1610-1768 (LUGON, 1968), La república de Platón y los Guaraníes (PERAMÁS, 1946) e O socialismo missioneiro (FREITAS, 1982), entre outras.

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aos que se fundamentam na pura observação empírica, retratando a experiência reducional conforme é aferida na documentação, passa, por vezes, despercebida a necessidade de considerar os jesuítas como homens que se articularam dentro das possibilidades e dos limites do seu tempo e do seu lugar, embora movidos por uma profunda mística religiosa4.

Nesse universo de interpretações desencontradas, despontaram, contudo, estudos de grande alcance e valor históricos, principalmente pelo tratamento globalizante que dão ao processo histórico platino, situando as missões na dinâmica social e cultural resultante do movimento de conquista e colonização5. Entretanto, a partir da perspectiva da

ciência histórica de dar conta da totalidade social, apareceram importantes obras que marcam decididamente uma intervenção crítica e uma abordagem multidisciplinar6. Uma vertente investiga as missões

jesuíticas privilegiando o plano político, integrando-o ao religioso, ao social e ao econômico e relacionando-o à sociedade global espanhola, para aferir a organização política dos Trinta Povos das Missões. A outra se limita a um espaço específico, dentro de circunstâncias coloniais específicas, mas sempre articulada com o movimento global do colonialismo. Privilegia aspectos específicos como a infraestrutura econômica, a organização política e social, não perdendo de vista os sistemas de vida e as instituições que caracterizaram tanto a sociedade colonizadora quanto as sociedades tribais autóctones.

As missões jesuíticas do Guairá carecem, até o momento, de um estudo específico que explore seu verdadeiro sentido histórico no contexto da colonização do Prata. Em muitas oportunidades, são referidas em obras gerais ou em esparsos artigos que não possibilitam o exame global dos mecanismos coloniais geradores de um contexto de fricção interétnica e de conflitos socioeconômicos, situação em que a

4 Paul Veyne (1983) diz que o mito do período nasce da dificuldade de dominar a

do-cumentação.

5 Entre esses estudos, destacam-se as obras gerais de Zavala (1977), Mörner (1970),

Ko-netzke (1982), Bastos (1978), Mora Mérida (1973) e Cardozo (1938). Entre os estudos que tomam as missões como tema central, destacam-se Melià (1986), Flores (1983), Kern (1982a) e Gadelha (1981).

6 A tonalidade social é caracterizada por Goldmann (1972) como a estrutura da

hu-manidade presente ou futura. Para Braudel (1982), a totalidade da história pode ser percebida da mesma forma como, a partir de uma infraestrutura, se compreendem as fragmentações do tempo a partir dessa profundidade.

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ação missionária se impôs como uma solução humana e cristã para o sistema colonial (JAEGER, 1957; MORA MÉRIDA, 1971; MOLINA, 1948).

A delimitação do assunto em torno das missões jesuíticas do Guairá, de 1588 a 1631, não se prende tão somente à necessidade do estabelecimento dos limites espaciotemporais para a investigação, mas fundamenta-se, sobretudo, no objetivo de resgatar a origem e as condições em que surgiu a obra missionária dos jesuítas com as reduções dos Guarani. O antigo Guairá missioneiro tem seus limites geográficos inscritos no atual estado brasileiro do Paraná. Era densamente povoado por parcialidades indígenas, com predominância absoluta dos Guarani. O Guairá configurou-se como uma área de confluência de dois colonialismos internos: a expansão do núcleo de povoamento espanhol de Assunção e a projeção paulista.

O colonialismo interno foi se forjando a partir das próprias condições de conquista e colonização do Prata7. A região do Prata

apareceu, nos dois primeiros séculos do movimento colonial, como marginal e de extremidade, situada entre dois polos de exploração mercantil: o da agricultura tropical do Nordeste brasileiro e o da exploração das minas de prata nas imediações de Potosí. A projeção colonialista desencadeada por Portugal e pela Espanha se fez, sobremaneira, em vista do controle e da exploração desses dois polos, que responderam às exigências do sistema mercantilista e o sustentaram.

O Prata não mereceu, em função disso, atenção e intervenção tão sistemáticas das autoridades coloniais como as dispensadas àquelas áreas. Assim, a empresa de ocupação e colonização das terras platinas ficou, inicialmente, entregue à iniciativa de particulares. A inexistência de metais preciosos que se inserissem perfeitamente no sistema mercantil e a inviabilidade de uma exploração agrícola com fins comerciais impediram que, no extremo sul do continente, se incrementassem rígidas estruturas coloniais.

Assim, os primeiros povoadores dos núcleos de Assunção e São Vicente, desprovidos de estruturas de amparo, tanto políticas quanto econômicas, estabeleceram uma situação de contato com as populações nativas, marcada por profundas relações interétnicas

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e interculturais, do que resultou a formação de uma rápida sociedade mestiça8. A expansão das estruturas econômico-sociais dessa

sociedade, além de contrastar com os ideais éticos e os propósitos políticos, foi se constituindo em uma ameaça à hegemonia do Estado e da Igreja no controle do sistema colonial9.

A estruturação das bases econômicas sobre a exploração da mão de obra indígena fez de Guairá um espaço de fricção interétnica e de conflitos socioeconômicos. Os colonos foram, progressivamente, se adonando, por meio do regime de encomienda, das terras dos índios e dos próprios índios, explorando-os no serviço pessoal10. Por outro lado,

os paulistas projetaram sobre Guairá os seus interesses econômicos em função da abundância da mão de obra disponível, a qual começou a ser a recrutada e vendida para a agroindústria do litoral brasileiro.

Esse duplo movimento colonialista interno se expandiu sobre os territórios tribais, resultando na destruição dos indígenas, num processo de despopulação, desorganização tribal, desagregação e dispersão das populações tribais. Por causa da resistência dos índios, colonos e paulistas foram obrigados a enfrentá-los para salvaguardar seus interesses econômicos.

As missões jesuíticas da antiga Província do Paraguai resultaram, pois, de uma medida política do sistema colonial, numa associação dos interesses da Igreja e do Estado, para trazer uma solução humana e cristã para os conflitos resultantes da indiscriminada exploração da força de trabalho indígena pelos colonos espanhóis e de seu avanço sobre os territórios tribais. Interessava às autoridades coloniais promover a efetiva colonização pela fixação do povoamento, o que não seria possível com a destruição dos índios, mas com sua incorporação ao sistema colonial.

No Guairá, área de projeção dos interesses do colonialismo interno, as missões jesuíticas começaram a reduzir os índios em grandes povoados para livrá-los da dispersão, torná-los autossuficientes,

8 Entendemos por cultura “o viver coletivo, em função de um sistema de referências

comum. Assim a cultura é algo vivo. São as formas concretas de vida que o homem co-letivamente adota e que definem o seu modo de ser” (TERMENÓN Y SOLÍS, 1983, p. 188).

9 O conceito de hegemonia é usado de acordo com a definição de Gramsci, que

impli-ca a direção polítiimpli-ca, moral, cultural e ideológiimpli-ca da sociedade (GRUPPI, 1978).

10 Veja-se, sobre o assunto, a obra Las encomiendas según tasas y ordenanzas (CRUZ,

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convertê-los à vida civil e cristã e defendê-los da exploração do serviço pessoal e do resgate11. Os missionários da Companhia de Jesus, tanto do

Brasil como do Paraguai, perceberam que era impossível converter os índios à vida civil e cristã por causa da convivência e do mau exemplo dos colonos. A redução era uma estratégia missionária que visava a afastar e a defender os índios da influência e da exploração dos colonos para criar um espaço colonial de conversão à vida humana e cristã, segundo os padrões éticos e culturais da sociedade ibérica.

A crescente pressão do colonialismo interno, exercida pelos encomendeiros do Guairá e pela projeção paulista, fez as reduções jesuítico-guaranis assumirem uma nítida feição de instituições de defesa do índio e das fronteiras de um espaço missional dentro do sistema colonial. Nesse espaço missional, os jesuítas almejavam a construção da futura sociedade colonial, perfeitamente integrada na vida civil do Império e convertida ao cristianismo.

Os jesuítas sempre se mantiveram fiéis às orientações dos seus superiores e às determinações do Império, mesmo, em âmbito local, encontrando duras resistências e tendo de enfrentar acirrados conflitos. Assim, a redução dos índios, prevista na legislação do Império, desenvolveu-se no Guairá em circunstâncias peculiares; porém, dentro da dinâmica do próprio sistema colonial. As missões jesuíticas devem ser analisadas a partir de um modelo analítico complexo e multicausal, que permita verificar como elas tomaram forma e sentido dentro da própria dinâmica do colonialismo nas fronteiras do Prata.

O estudo desse tema, de fundamental importância para a história colonial do Brasil e da América Latina, caracteriza o contato das sociedades global ibérica e indígena, isto é, de dois sistemas de vida e de instituições, distinguindo as peculiaridades, as diversidades e os conflitos interétnicos, visando a dar conta da totalidade social12.

No decorrer da análise, evidencia-se uma terceira força motora da dinâmica do processo colonial platino: o colonialismo interno, que passou a ser um fator de desestabilização do próprio sistema colonial

11 O conceito de ‘resgate’ é usado por Sallaberry (1926) para designar os índios que

eram roubados e vendidos, ou os índios que eram feitos escravos por outros índios para serem vendidos.

12 Roberto Cardoso de Oliveira (1972) faz uma análise substanciosa dos problemas

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e de destruição das sociedades tribais. A formação de uma sociedade mestiça, que foi imprimindo desigualdades no conjunto da sociedade colonial, permite a análise das rupturas e das continuidades que marcaram a formação social latino-americana, de modo especial a platina13.

A linha da análise adotada para a abordagem desse tema de estudo privilegia os aspectos socioculturais, sem desconsiderar as bases materiais que sustentaram a dinâmica social e o movimento de expansão econômica no Prata. Para tanto, torna-se necessário recorrer às ciências humanas para explicar as variáveis do processo de formação sociocultural dentro de um tempo e de um espaço (VEYNE, 1983). O contato interétnico é submetido à consideração analítica e crítica das diferentes modalidades desse relacionamento.

As raízes histórico-culturais da sociedade ibérica, que, ao lado do movimento global de desenclausuramento da sociedade europeia, concorreram substancialmente para a definição dos mecanismos de conquista civil e religiosa de novas áreas coloniais, é assunto abordado no primeiro capítulo desta obra. A encarnação social e política da religião, na perspectiva da Contrarreforma, é percebida, diante da expansão do Estado, como possibilidade de reafirmação da Igreja Católica e, ao mesmo tempo, como sustentação ideológica à política colonial do próprio Estado. Ainda nesse capítulo, caracterizam-se os motivos humanos que levaram a sociedade ibérica à possibilidade de ascensão social por meio dos empreendimentos no além-mar. Assim, nas relações entre o plano político e o plano social, são caracterizadas as diferentes representações que moveram o processo da conquista e colonização das fronteiras geográficas e humanas do Prata. Na aparente supremacia dos empreendimentos privados, procura-se evidenciar as diferenciadas estratégias colonizadoras que os estados, espanhol e português, adotaram para preservar sua hegemonia sobre o processo colonizador, embora se mostrassem incapacitados para tal.

13 Entende-se por formação social uma totalidade concreta e historicamente

determi-nada. É uma estrutura complexa, composta de estruturas regionais complexas a partir da estrutura das relações de produção (HARNECKER, [s.d.]; ESCOBAR, 1979). Braudel (1982) define o sentido do conceito de estrutura, para a história, como um agrupamen-to, uma arquitetura e, mais ainda, como uma realidade que o tempo demora a des-gastar e a transportar, dentro de uma perspectiva do fato histórico de longa duração.

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No segundo capítulo, mostra-se como, nas circunstâncias do processo de conquista e colonização do Prata, os primeiros povoadores foram mesclando as formas organizacionais da sociedade colonizadora com as das sociedades indígenas locais, resultando daí uma nova dinâmica sociocultural14. São estabelecidas as relações entre as

estruturas sociais emergentes e a sociedade tribal, bem como os contrastes resultantes das práticas sociais com os ideais políticos e os princípios éticos dos setores hegemônicos da sociedade global luso-espanhola. Ainda nessa linha de análise, a progressiva desarticulação da sociedade tribal, em função da introdução de novos elementos culturais e do estabelecimento de novas relações sociais, é vista a partir das controvérsias do próprio sistema colonial.

O terceiro capítulo aborda a dinâmica interna dos núcleos coloniais, basicamente dos de Assunção e São Paulo, e sua expansão colonizadora. Nessa análise, caracteriza-se o movimento do colonialismo interno, que foi gradualmente subjugando os índios aos seus interesses de expansão econômica e ocupando os seus territórios. A partir dessa realidade, estudam-se os conflitos socioeconômicos e as fricções interétnicas, que começaram a ameaçar as próprias bases do sistema colonial. Examina-se, ainda, a articulação do núcleo colonial de Assunção com o de São Paulo em torno da subjugação do índio, que teve no Guairá o seu ponto de operacionalização. A partir daí, a abordagem se debruça sobre a questão do exercício da hegemonia e do controle do sistema colonial no Prata, situando o crescente domínio social e econômico das forças sociais que sustentaram o colonialismo interno frente à resistência do índio e à articulação das hierarquias política e eclesiástica. Com esse enfoque, evidencia-se a dinâmica do sistema colonial a partir de uma dupla projeção colonizadora sobre o índio: de um lado, a ação do colonialismo interno, que o absorve e consome na sustentação de suas iniciativas econômicas, e, de outro, as estratégias políticas do Estado e evangelizadoras da Igreja, que procuram reduzi-lo à vida civil e cristã, livrando-o do domínio direto dos colonos espanhóis e dos paulistas, na perspectiva de recuperar a condução do processo colonizador.

14 Kern (1982b, p. 65) define ‘sistema sociocultural’ como um conjunto de elementos que

caracterizam uma nação, um povo e que pode ser denominado ‘unidade de estudo’ para a história.

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No quarto capítulo, são analisadas a incômoda situação gerada entre as forças do colonialismo interno e a resistência da sociedade indígena, e, em consequência, a articulação política do Estado e da Igreja visando a uma solução para os conflitos socioeconômicos, para as distorções morais e para a progressiva extinção do índio. Situando essa estratégia política diante dos interesses do Estado e da Igreja no processo colonizador, busca-se evidenciar que o índio não foi pensado em si, mas em relação aos interesses e às obrigações morais que o Estado e a religião projetaram sobre ele. As missões jesuíticas do Guairá são analisadas, num primeiro nível, a partir da função mediadora que desempenharam no sistema colonial. Nessa parte, demonstra-se a articulação entre o poder político e os membros da Companhia de Jesus. Porém, na medida em que as articulações entre o poder econômico local e as autoridades coloniais representaram uma ameaça aos ideais de conversão à vida civil e cristã dos povos nativos, defendidos pelo próprio sistema colonial, a ação missionária dos jesuítas passou a se orientar pela estratégia da organização defensiva dos índios, reduzindo-os a povoados sob a sua custódia. A partir desse momento, as reduções passaram a representar um obstáculo para a expansão do colonialismo interno e foram definindo uma nova fronteira, marcada pela distinção entre a expansão da frente colonizadora e a da frente missonária.

A fundação de um conjunto de reduções no Guairá evidencia as contradições que marcaram o sistema colonial, opondo interesses locais com os derivados da própria legislação do Império luso-espanhol. É importante não perder de vista que as missões jesuíticas do Guairá ocorreram no período da unificação das coroas espanhola e portuguesa. Mesmo que as lutas diplomáticas em torno da questão das fronteiras dos impérios tivessem sido abrandadas nesse período, ao nível interno do sistema colonial, as fronteiras incertas geraram tensões e conflitos em função do avanço dos movimentos do colonialismo interno. A organização das reduções, no que se refere a sua estrutura interna, é confrontada e analisada a partir dessa dinâmica do colonialismo. Nessa linha de abordagem, a estratégia missionária dos jesuítas com os Guarani é aferida a partir das ordenações dos superiores da Companhia de Jesus, da legislação das Índias e do amplo e complexo quadro da sociedade colonial.

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Pela presente análise histórica, não se pretende expor uma simples recriação factual e tampouco surpreender os historiadores com a revelação de novos fatos. Da mesma sorte, o propósito do trabalho não é apresentar um conjunto de documentação inédita, embora revele documentos ainda inexplorados e busque, fundamentalmente, na documentação publicada o exame crítico e sua reinterpretação. Nessa perspectiva de análise crítica, os informes dos cronistas, a documentação jesuítica e a oficial sempre são vistos e interpretados a partir de uma ótica do movimento global da sociedade colonizadora e da indígena, embora não se tenha desta a memória registrada por ela mesma. No exame da bibliografia, buscou-se uma crítica interna das obras para dissecar as tendências e avaliar a produção historiográfica tanto da vertente portuguesa quanto da espanhola. O estudo de obras de apoio teórico e metodológico, bem como de outros campos das ciências humanas, concorreram substancialmente para a compreensão da dinâmica sociocultural resultante do processo colonizador do Prata. O estudo das missões jesuíticas do Guairá recupera as raízes históricas de um problema nacional e latino-americano: o do avanço das estruturas do poder econômico e político e da cultura da sociedade capitalista em expansão sobre as sociedades indígenas.

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