ADMINISTRAÇÃO
GESTÃO CONFLITUOSA
A administração das empresas de transportes de cargas está assentada basicamente, em quatro pés: área operacional; área comercial; área financeira e RH.
A departamentalização, com funções e responsabilidades específicas e especializadas, favorece as disputas entre os executivos, cada qual focado naquilo que considera “o que é melhor para a Empresa”. A visão particular e compartimentada, ainda que, baseada em fundamentação técnica inquestionável, dificulta o processo decisório e compromete o resultado final.
O progresso e desenvolvimento saudável da Empresa vista como um todo depende da ação conjunta de todas as áreas. Entretanto, a dissintonia de opiniões, entre os executivos departamentais, pode ser claramente percebida durante as reuniões de Diretoria.
Nas reuniões de diretoria, a gerência de cada área supervaloriza a importância do trabalho da sua equipe, querendo provar que o sucesso da Empresa depende da gestão eficaz e das ações promovidas pelo seu departamento.
O primeiro poder
Na ponta da mesa de reunião, o Gerente Comercial (marketing/vendas) ironiza a estreiteza da visão do Gerente Financeiro. Adota uma postura de vanguarda: propõe alavancagem no volume de vendas, extravasando um otimismo muito peculiar desse profissional. Chega até a afirmar que: “o departamento de vendas funciona como uma máquina – é a locomotiva que mantém a empresa viva”.
Em seguida, desfia uma série de propostas, com o objetivo de modernizar o processo produtivo e melhorar o atendimento aos clientes.
Está convencido de que, é preciso:
Investir na planta dos terminais de cargas, para dar maior agilidade ao processo operacional;
Expandir o mercado, com abertura de filiais nas regiões onde a empresa ainda não opera;
Alterar o “modus operandi” para oferecer serviços especiais a clientes de grande expressão;
Elaborar um plano para renovação da frota;
Priorizar o uso da frota própria, em vez de contratar serviços de transportes por terceiros;
Racionalizar o processo produtivo com o objetivo de reduzir custos operacionais e conseguir ganhos de produtividade.
Cumprir os prazos de entrega prometidos aos clientes;
Favorecer clientes classe “A”, especialmente no que se refere à dilatação nos prazos para pagamento do frete;
Aumentar as verbas de representação a fim de facilitar a manutenção dos clientes atuais e conquistar novos clientes.
Como se pode notar, em nenhum momento o Gerente Comercial propõe um plano de marketing e vendas, com metas definidas e estratégias a serem utilizadas. Está claro, ele não pretende assumir compromissos; transfere, para seus pares, a responsabilidade pelo sucesso ou insucesso nas vendas. É comum, ocorrer esse tipo de ingerência em outros departamentos, embora o saldo das discussões possa levar a algo positivo.
Segundo poder
Com a palavra o Gerente Financeiro. Relatórios financeiros (balancetes e demonstrativos de resultado econômico) são distribuídos aos demais membros componentes da reunião. Discorre e explica o que significam os números contabilizados. Afirma que os dados são indiscutíveis, aos quais não se pode opor qualquer dúvida, portanto, o foco das decisões está voltado, tão somente para a análise dos números apresentados.
O gerente financeiro procede à leitura dos relatórios financeiros, onde estão apontados índices de desempenho e demais informações da área. Comenta, detalhadamente, aquilo que considera importante:
A eficiência nas cobranças, declarada pelo baixo índice de inadimplência;
O corte de gastos desnecessários na compra de materiais supérfluos;
A mudança, ou troca de fornecedores de serviços e produtos, com o fim de reduzir despesas;
A resistência na contratação de investimentos patrimoniais, sob alegação de que havia riscos de insolvência;
Recomendação, nem sempre atendida, de se eliminar da carteira
de clientes, aqueles que operam com prejuízo; mas este é um
assunto delicado de difícil aceitação.1
O cuidado que se deve tomar quando da elaboração de projetos com o propósito de expandir a atividade operacional. Nunca liberar investimentos, de qualquer ordem, sem a devida análise das projeções econômico-financeira; uma preocupação com o endividamento da empresa;
Ficar atento aos índices de solvência para se evitar insuficiência de caixa;
Acompanhar atentamente os indicadores de rentabilidade ao longo do tempo, pois, operações com prejuízo é um sinal de alerta;
Vê-se, desde logo, pelas declarações do Gerente financeiro, um comportamento conservador, daquele que tem medo de arriscar-se, o que, naturalmente, trava as iniciativas mais ousadas. Além do mais, observa-se total desconexão com os problemas e preocupações das demais áreas da empresa.
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Quando se fala em praticar preços razoáveis segundo parâmetros determinados pela apuração de custos, há imediata reação dos promotores de vendas, que desqualificam e questionam os métodos de apuração de custos. Apontam falhas e inconsistências na apuração de custos. Estes promotores de vendas comumente citam os preços da concorrência como imbatíveis. No final, sempre prevalece o temor de que clientes sejam cativados pelo concorrente; porém, nunca se pergunta, nem se questiona por que e como a concorrência pode oferecer serviços a preços tão baixos, apesar do risco iminente de abrir falência num futuro próximo. Mesmo assim, os vendedores de serviços de transportes abominam a tecnocracia, rejeitam as planilhas de custos considerando‐as um impeditivo ao sucesso das negociações de fretes. Preferem adotar o preço médio de mercado, como referência para negociar fretes.
O gerente financeiro debruçado sobre os números frios dos relatórios, não indica caminhos para o desenvolvimento empresarial.
Terceiro poder
A reboque do conflito de interesses entre a área comercial e a área financeira, está a área operacional, vitimada de um lado pela restrição a investimentos produtivos, de outro pela cobrança à prestação de serviços de qualidade.
O Gerente Operacional, incomodado com as cobranças, faz as seguintes considerações:
A área operacional é vista como a atividade realizadora dos sonhos propugnados e desejados pelo departamento de Marketing/Vendas e pela realização dos lucros almejados pelo departamento financeiro.
Tão somente à área operacional são atribuídas as frustrações por desejos sonhados e não realizados;
Não é verdade que promessas feitas pelo departamento de vendas não são cumpridas pelo departamento. Operacional, muito menos a afirmação do departamento financeiro de que há acréscimos de custos motivados por ineficiência e improdutividade.
São infundadas as acusações, de que a área operacional, por falta de racionalização do processo, opera com perdas de produtividade;
Na verdade, o departamento comercial exime-se de suas responsabilidades ao afirmar que “a perda de clientes é atribuída à baixa qualidade dos serviços prestados”.
A gerência operacional se defende acusando a gerência financeira de restringir a liberação de recursos necessários ao aparelhamento e modernização tecnológica. De outro lado, culpa a gerência comercial por prometer aos clientes a realização de serviços especiais fora das possibilidades operacionais, tendo-se em vista a limitação do aparato produtivo. É preciso lembrar, também, que grande parte da ineficiência operacional, advém da baixa qualificação da mão-de-obra, especialmente
aquela dedicada aos serviços de coleta/entrega e pela operação dos terminais de cargas.
Quarto poder
O gerente de recursos humanos rebate as críticas alegando que a política salarial adotada pela empresa não autoriza pagamento de prêmios de produtividade, nem promoções de cargos por mérito.
Quanto à afirmação de que nossa mão-de-obra é despreparada e lhe falta qualificação profissional, de certa forma não deixa de ser verdade, entretanto, na medida do possível, a empresa desenvolve programas de treinamento interno, além da participação em treinamento externo. O problema, é que, dado os baixos salários pagos, não se consegue reter o funcionário em seus quadros.
A situação atual, não permite o reenquadramento salarial nos níveis ofertados pelo mercado, mesmo porque o valor da folha de pagamento hoje, já representa 22% do total das despesas da empresa.
Considerações finais do Diretor Presidente
Ouvimos atentamente o que cada gerente tinha a dizer. Nesta reunião, ninguém apresentou proposta no sentido de traçar diretrizes futuras.
Se analisarmos particularmente, a argumentação de cada executivo, aqui presente, concluiremos que todos têm razão, porém, muitas vezes, as forças de cada área estão em dissintonia com o objetivo final a que a empresa pretende alcançar.
As disputas são bem-vindas quando há aglutinação de forças em torno de um objetivo comum. Contundo, quando há preponderância na argumentação de determinado executivo da área à qual é responsável, sacrifica-se o esforço das outras áreas; perde-se a sinergia; abandonam-se ideias estratégicas – o foco primordial fica prejudicado, além da consequente desmotivação dos colaboradores.
Assim sendo, o presidente, no exercício de suas atribuições, resolve criar o departamento de Logística, designando para o cargo um profissional competente, de larga experiência, que será admitido na próxima semana.
Todos sabem que a Indústria e o Comércio vêm transferindo para o transportador de cargas as tarefas de planejamento do processo de distribuição de mercadorias.
Além da função precípua de dar agilidade ao processo de distribuição de mercadorias, caberá ao Diretor de Logística:
Elaborar um Planejamento estratégico;
Avaliar os recursos humanos, materiais e tecnológicos necessários às operações;
Harmonizar as comunicações entre as áreas funcionais da empresa;
Resolver eventuais conflitos entre o Cliente e a Gerência de determinada área;
Facilitar as negociações de frete, mediante estudos de viabilidade técnica e econômico-financeira;
Elaborar projetos para abertura de novos mercados, com pesquisas mercadológicas; avaliações econômico-financeiras e ampliação dos recursos tecnológicos – providência necessária para se cumprir, com segurança, os objetivos projetados;
Manter a qualidade dos serviços prestados de conformidade aos padrões aceitáveis.
Propor mudanças na matriz logística, com vistas à redução de custos e ganhos de produtividade.
Como se pode ver, o Diretor de Logística transitará livremente por todas as áreas da empresa, onde os dados e informações necessários serão acessados, para a realização do seu trabalho. É escusado dizer que a cooperação de todos é indispensável.
A fim de cumprir as suas funções, de maneira exitosa, este Diretor responderá diretamente à presidência, de quem receberá orientações. A elaboração e a coordenação dos planos: econômico-financeiro, de vendas e de produção ficam a cargo do Diretor de Logística.
Encerrada a reunião e lavrada a ata, o Presidente franqueia a palavra aos presentes. Houve manifestações e comentários das gerências, porém nenhuma oposição à vontade da presidência.
Aguardam-se novos desdobramentos na próxima reunião, oportunidade em que o novo Diretor de Logística mostrará por que e para que veio.
Fernando Giúdice 03.03.2014.