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2. Aracruz e o contexto da pesca artesanal

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OS INSTRUMENTOS DE DEMOCRATIZAÇÃO

DO ESTATUTO DA CIDADE E A COMUNIDADE

DE PESCA ARTESANAL DE BARRA DO RIACHO,

ARACRUZ/ES, FRENTE A IMPLANTAÇÃO DE

EMPREENDIMENTOS PORTUÁRIOS.

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Roberto Cabral Junior Universidade de Vila Velha – UVV

roberto.junior@uvv.br

Giovanilton André Carreta Ferreira Universidade de Vila Velha – UVV

giovanilton.ferreira@uvv.br

Marcus Vinícius Oliveira Sartório Universidade de Vila Velha – UVV

marcus.sartorio@uvv.br

Renan Lubanco Assis Universidade de Vila Velha – UVV

renan.assis@uvv.br

1. Introdução;

Entende-se por pescador artesanal aquele que tem um domínio do ambiente marinho e dos pe-trechos de pesca passado por gerações anteriores, ou por meio de uma relação de compadrio. Logo, possuidor de um saber-fazer transmitido por uma interação de atores humanos, diferentes gerações de pescadores, e atores não-humanos, elementos naturais que envolvem a atividade (Diegues, 2004; Cordell, 1989, 1981; Ramalho 2015 e; Dias Neto, 2015). É importante ressaltar que a atividade em si constitui uma territorialização das práticas sociais, que são referenciadas mentalmente pelo grupo que dispõe do saber compartilhado. Neste caso, a constituição de uma lógica própria de difícil assimilação por uma racionalidade técnica instrumental. Para que este modo de vida seja possível há necessidade de uma relação sustentável com o ambiente, que, a propósito, é um elemento importante na caracterização de um agrupamento como tradicional. A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo nº. 182, promulga que as políticas de desenvolvimento urbano devem ser executadas pelo poder público municipal, responsável pela regulamentação das diretrizes fixadas por leis municipais. O objetivo principal de tais políticas é ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habi-tantes. A Lei Federal nº. 10.257/2001, também conhecida como o Estatuto da Cidade, estabele-ce diretrizes para garantir os direitos imputados no artigo supracitado da Constituição Federal, bem como propõe instrumentos para o controle do desenvolvimento socioespacial da cidade e, sobretudo, para a garantir da função social da propriedade.

1 Este trabalho foi financiado pelo Convênio 5400.0107359.18.4 firmado entre a Petrobras e a UVV-ES

para execução do Projeto Redes de Cidadania, regulado pela Nota Técnica CGPEG/DILIC/IBAMA 01 de 2010. O Projeto Redes de Cidadania é uma medida de mitigação exigida no processo de licenciamento ambiental federal, conduzido pelo IBAMA, para os empreendimentos da Petrobras no ES.

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A Constituição Federal também trata em seus artigos nº. 215 e 216 sobre a garantia e preserva-ção dos direitos dos povos tradicionais quanto ao exercício de sua cultura, as diversas manifes-tações de seus aspectos culturais e seu patrimônio. É dever do Estado proteger as manifesmanifes-tações das culturas tradicionais do país. Em relação as comunidades tradicionais, conforme determina a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), instituída por meio do Decreto Federal de número 6.040/2007, os povos e comuni-dades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados, que se reconhecem como tais, pos-suindo suas próprias formas de organização social, territorial e utilização desse território, além de utilizarem os recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica.

Neste contexto, por meio do estudo das comunidades de pesca artesanal, e da compreensão da importância do território para a garantia da sobrevivência das comunidades tradicionais, o artigo propõe trazer esclarecimentos sobre qual tem sido o papel que os instrumentos de partici-pação democrática do Estatuto da Cidade, no que se refere à proteção da comunidade de pesca artesanal de Barra do Riacho, Aracruz/ES, frente a implantação de empreendimentos portuá-rios de grande porte.

Dessa forma, o artigo tem como objetivo geral analisar qual é a participação e o nível de envol-vimento da comunidade pesqueira nos processos de aprovação dos empreendimentos portuá-rios por meio da gestão democrática do município de Aracruz.

A partir da análise da participação da comunidade de pesca artesanal nos processos democráti-cos de decisão, tem-se como objetivos específidemocráti-cos: a) identificar o nível e os momentos de par-ticipação popular, com foco para as comunidades de pesca artesanal, nos processos de decisão na gestão pública municipal; e b) identificar os impactos que tais empreendimentos sobrepõem à vida da comunidade pesqueira, a partir da visão dos pescadores artesanais.

A fim de apreender qual o nível e momentos da participação popular dessas comunidades, pre-tende-se analisar como são desenvolvidos e regulamentados os artifícios legais que determinam a gestão democrática da cidade. Por fim, o artigo pretende descrever a comunidade de pesca artesanal de Barra do Riacho, da maneira descrita pelos estudos realizados pelas próprias em-presas que implantarão seus projetos na comunidade. Também pretende-se analisar como es-tes estudos abordam (ou se abstêm sobre) os impactos dos empreendimentos na comunidade pesca, comparando com as entrevistas realizadas na comunidade de pesca e os relatos dos im-pactos causados pelos empreendimentos portuários.

No tocante a pesca artesanal no Brasil, diversos estudos a tem apontado como uma relação de trabalho orientada por um saber-fazer transmitido por meio de tradição oral e prática, que orientam a realização da atividade de pesca, técnicas de navegação e confecção e reparos de petrechos e equipamentos utilizados na atividade. Além da forma de fazer, há uma relação de trabalho a ser considerada como demarcadora da atividade, que seria a predominância de uma economia familiar, na qual os diretamente envolvidos possuem relação de parentesco ou compadrio.

A pesca artesanal, a partir da análise de Diegues (1995), caracteriza-se por um trabalho de características familiares, baixo poder de predação e área de captura restrita, capacidade de produzir e reparar os petrechos de pesca e uma relação de troca que ultrapassa a relação puramente mercantil. Além dos aspectos já destacados cabe uma consideração sobre a relação

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estabelecida do homem com o ambiente natural, cuja mediação é dada pela capacidade de perceber fenômenos naturais e mentalizar mapas mentais que orientam a navegação. Neste caso, o que Cordell (1998; 1981) denomina “unidades básicas de apropriação social do espaço marítimo”, que seria o domínio mental de áreas importantes para a captura das espécies: as “marcas”.

Conhecer as “marcas” é fundamental na atividade, pois essas classificam as principais áreas de captura de determinadas espécies, e, portanto, condiciona os métodos de captura. O pescador, ao saber do local em que se encontram determinadas espécies, orienta toda a tripulação quanto aos petrechos a serem usados em casa situação específica. Ramalho (2017) considera este aspecto como sendo importante na designação da maestria, pois detém-se saberes fundamentais para a atividade, que seriam “conhecimentos náuticos, meteorológicos, hábitos de diversas espécies de pescados, marés, ventos, ciclos lunares, coordenação da tripulação e memorização das rotas e dos pesqueiros” (idem, p. 198).

As abordagens mencionadas até aqui nos permitem inferir que a pesca artesanal é constituída como tal, mais pelos seus atributos simbólicos do que físicos, portanto importa mais a competência para executar a atividade a partir de apreensão de um saber-fazer transmitido pelos pares do que uma parametrização física das embarcações e dos petrechos utilizados na pesca. Com relação a pesca artesanal no estado do Espírito Santo, trabalhos realizados (Trigueiro & Knox, 2014; Teixeira, 2004) na região centro-norte elencaram algumas características da pesca. A área total compreende quatorze municípios, com cinquenta comunidades e distritos de pescadores, totalizando trinta e seis portos de embarque e desembarque, com a geração de onze mil e seiscentos postos de trabalhos diretos e sessenta e nove mil e setecentos e vinte trabalhos indiretos. No tocante a conceituação “pesca artesanal”, esta é mobilizada para referenciar embarcações de no máximo, quinze metros, e com pequena tripulação (Trigueiro & Knox,

op. cit.). Neste caso há uma designação da pesca artesanal considerando aspectos físicos das

embarcações.

Considerando as principais características das comunidades pesqueiras que o projeto Redes de Cidadania abrange, há grande diversidade, mas apenas uma pequena parcela é passível de ser tomada como industrial, se utilizarmos como referência a caracterização dada por Diegues (1993), na qual a pesca é em larga escala e votada para a um nicho empresarial-capitalista, com as seguintes características: instrumentos de produção sob posse de uma empresa capitalista; salário fixo para a tripulação; pescador sem poder de decisão sobre o que pescar e o quanto; introdução de equipamentos modernos; embarcações com capacidade de tonelagem de pesca e; atividade voltada a produção da mercadoria. É importante ressaltar que o autor teve o cuidado de condicionar as mencionadas categorias à realidade empírica, e este aspecto é tomado nesta proposta como fundamental no entendimento da pesca artesanal nos seus próprios termos.

2. Aracruz e o contexto da pesca artesanal

O município de Aracruz teve seu núcleo fundacional instituído pela ordem Jesuítica no séc. XVII e foi um dos redutos da colonização italiana no estado do Espírito Santo a partir do século XIX, sendo também, reduto de populações indígenas de duas etnias diferentes, os tupis e os guaranis. (COUTINHO, 2006)

A partir de 1967 o município de Aracruz passou a sediar a Aracruz Florestal S.A. (Arflo), em-presa que inicia a aquisição de grandes porções de terra na região litorânea do norte do estado

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(PIQUET, 1998), provavelmente relacionadas aos citados estudos realizados pela CODES para a silvicultura, e à predisposição do município para a produção de madeira e carvão vegetal con-forme demandas da COFAVI. A Arflo passou a responsabilizar-se pelo cultivo de eucalipto e o emprego da mão-de-obra barata e não qualificada. A substituição da agricultura de subsistência pela produção de eucalipto em massa provocou um forte êxodo rural em direção às cidades, como foi o caso de Aracruz, intensificando as carências por infraestruturas urbanas (PIQUET, 1998). Esse êxodo rural foi característico das décadas de 1940 a 1980, em face dos planos de industrialização nacional, e num âmbito global, a periferização dos processos de produção de

commodities e insumos para os países emergentes (SANTOS, 2005). Nesse cenário, por meio

da Arflo o município de Aracruz passa a vincular-se intimamente aos processos de produção do capitalismo global.

A partir dos anos 2000, as empresas estabelecidas no Espírito Santo iniciam um novo processo de financeirização das empresas em um sistema de fluxo econômico global. Tal movimento se deu pela necessidade que o capital tinha de encontrar novas formas de aplicações financeiras, e dessa forma, submetendo as grandes empresas à volatilidade do mercado financeiro, fator que desencadeou a fusão da Arcel com a Votorantim Celulose e Papel, convertendo-as numa única empresa de capital aberto e consequentemente modificando seu controle acionário. Tais mudanças desencadearam uma perda de vínculo e de relações entre as empresas e o território em que estão inseridas, refletido nas mudanças de suas sedes administrativas para novos terri-tórios (mais vinculados com o fluxo econômico global), desvinculando-as dos seus locais de implantação original. A referida desvinculação se reflete pela própria toponímia dos lugares que as referenciavam aos seus espaços de produção: a Aracruz Celulose passou a chamar-se Fibria. (CABRAL, 2019)

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Figura 1 – Mapa de localização do Município de Aracruz/ES. Fonte: CABRAL, 2019, p. 38. Com a abertura de capital da empresa Aracruz Celulose (hoje Fibria/Suzano) no ano de 2009, sua sede administrativa foi transferida para o litoral, onde sua fábrica se localiza. Durante a mesma década, outros investimentos de grande porte se instalaram na orla, ao redor da empresa de celulose.

A concentração de empreendimentos industriais no litoral é característica do desenvolvimento industrial do Espírito Santo (VILLASCHI, 2011). Com a substituição da agricultura de sub-sistência pela produção de eucalipto em massa, no norte do Espírito Santo, ocorreu um forte movimento de êxodo rural, produzindo o que Ferreira (2009) definiu como o “imprensamento” das comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, pesqueiras), intensificando os quadros de carências por infraestruturas urbanas e a segregação socioespacial.

Entretanto, os processos de expansão urbana de Aracruz apresentaram dinâmicas diferentes e diversos deslocamentos no que se refere à localização dos seus centros de poder econômico e seus aparelhos produtivos e logísticos. Tais dinâmicas implicaram numa fragmentação dos cen-tros de poder: em Barra do Riacho concentram-se os cencen-tros de poder econômico, produtivo e logístico e a sede municipal concentra o poder político. (CABRAL, 2019)

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concentrada em uma área de pouco menos de um quilômetro quadrado. A área urbana de Barra do Riacho encontra-se cercada por um complexo industrial que envolve 13 empreendimentos ligados à setores como de logística, petróleo, químico e de celulose. Dentre eles os maiores empreendimentos podemos citar nomes conhecidos como Susano Celulose S.A., Petrobras, Jurong, Imetame, Nutripetro, dentre outros (Figura 2).

Figura 2 – Localização da comunidade de Barra do Riacho – Aracruz, em relação aos empreendimentos no entorno. Fonte: Elaborado pela PEA Redes de Cidadania, 2019.

Em meio a esta condensada área urbana e à labiríntica organização industrial, encontram-se os pescadores tradicionais. Alguns vivendo às margens do rio Riacho, que limita a porção leste da área urbana e desagua a sul desta, outros fragmentados, mais próximos à rodovia estadual ES-010, que liga a comunidade à Barra do Sahy, ao sul, e Vila do Riacho, a norte.

Os empreendimentos não somente limitam a área urbana da comunidade, mas causam intenso impacto ambiental derivado de suas atividades no território terrestre e marinho. Rejeitos industriais e químicos lançados nas áreas do entorno da comunidade geram poluição pontual e difusa no solo e na atmosfera, enquanto as atividades marinhas alteram o relevo submerso para passagem de dutos e embarcações. A paisagem no entorno da comunidade é composta, assim, por uma malha de elementos que desconfiguram os sistemas naturais, modificando o uso do solo, suprimindo a vegetação litorânea da Mata Atlântica e modificando fluxos de matéria e energia nos sistemas ambientais do local.

A pesca, neste sentido, é afetada em diversas frentes. Tanto a redução das áreas de pesca dada pela restrição, quanto a quantidade de poluentes lançados na água marinha são causas de um efeito generalizado na região: a redução da quantidade de peixes. Deveras, impactos de outras escalas afetam também a atividade pesqueira de Barra do Riacho, como os rejeitos da lama que se espalhou pelo litoral devido ao rompimento da barragem de Mariana-MG assim como pesquisas sísmicas de prospecção petrolífera executadas pela Petrobras.

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O empreendimento Estaleiro Jurong Aracruz – EJA localiza-se aproximadamente 3 km ao sul da comunidade de Barra do Riacho, no litoral centro-norte do estado do Espírito Santo. Ocupando uma área de aproximadamente um milhão de metros quadrados de área útil, pertencente anteriormente à Aracruz Celulose. O estaleiro possui estruturas instaladas em terra, com 855.000 m², e em ambiente marinho, com 112.000 m², além de uma área de restinga preservada de 125.000 m². O empreendimento é limitado a leste pelo oceano Atlântico e a oeste pela rodovia estadual ES-010, em um trecho de praia conhecido como Praia da Água Boa com 1550m de linha de costa.

Segundo o Estudo de Impacto Ambiental – EIA (2009), os fatores que contribuíram para escolha da instalação foram a ausência de população, o baixo nível de uso da praia, a baixa velocidade de correntes marinhas, a presença de mão de obra, o apoio das autoridades, a predominância de plantação de eucalipto na área e a presença de rodovias na proximidade.

Figura 2 – Localização dos empreendimentos Estaleiro Jurong, Terminal Industrial IMETAME e PORTOCEL em relação à comunidade de Barra do Riacho

As atividades da Jurong envolvem a construção e reparo em plataformas e navios além de conversão de navios-plataforma em plataformas de petróleo para empresas do ramo, a exemplo da Petrobras. De forma geral, o empreendimento está vinculado à descoberta e ao início da exploração de petróleo e gás na camada pré-sal no litoral brasileiro, atendendo a maior demanda de estruturas necessárias à execução das atividades de exploração desse recurso.

O Terminal Industrial IMETAME faz limite com a parte norte do EJA citado acima, estando ainda mais próximo da comunidade de Barra do Riacho (2,8km). O empreendimento também possui áreas em terra e em ambiente marinho, totalizando 542.000m², sendo limitado a oeste pela rodovia estadual ES-010, a sul pelo EJA e a leste pelo oceano Atlântico.

Segundo o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV (2015), o Terminal Industrial IMETAME foi concebido com o objetivo de servir de base para a expansão estratégica dos negócios da IMETAME Metalmecânica no mercado de equipamentos e serviços para a indústria do

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Petróleo, destacando-se a montagem e carregamento de conjuntos eletromecânicos, além dos recursos de acesso e movimentação de cargas para a cadeia de suprimentos desta indústria. As atividades realizadas pela IMETAME envolvem manutenção de embarcações, montagem final, carregamento e descarregamento de estruturas, equipamentos, módulos em embarcações, que serão embarcadas e levadas a outros terminais da empresa. Além disso, a empresa oferece suporte logístico às operações de exploração e produção de petróleo em alto mar, envolvendo o recebimento, armazenamento e entrega de materiais nas embarcações, que são levadas às plataformas e navios de exploração de petróleo.

O Terminal Especializado de Barra do Riacho – PORTOCEL localiza-se imediatamente ao sul da comunidade Barra do Riacho e ocupa uma área de 500.000 m², com estruturas em terra e em ambiente marinho. O terminal foi construído na década de 1970 (conferir), operando no embarque de celulose e descarga dos insumos necessários à sua fabricação, sob a gerência da Aracruz Celulose S.A. e pela Celulose Nipo-Brasileira S.A –Cenibra. A área da Portocel é constituída por dois Molhes, ao norte com 850 m de comprimento e ao sul com 1.420 m de comprimento; cais; docas; pontes e píeres de atracação e acostagem; armazéns; edificação em geral e vias rodoferroviárias internas de circulação.

Recentemente a empresa realizou uma expansão de sua área norte para ampliar sua área útil, com o objetivo de preparar o porto para o atendimento à crescente demanda de movimentação de celulose projetada para os anos seguintes. A ampliação envolverá a construção de novos quebra-mares externos, possibilitando criar novos berços de atracação.

3. Impactos sobre a pesca artesanal: Uma visão dos pescadores.

Em entrevistas realizadas na comunidade os pescadores apontaram os seguintes conflitos que afetam a atividade: 1) rompimento da barragem de rejeitos de minério da mineradora Samarco, despejo de esgoto no Rio Riacho; 2) alteração dos pesqueiros em decorrência das atividades dos empreendimentos no mar; 3) presença de embarcações de pesca industrial em áreas de pescadores artesanais; 4) assoreamento do rio; 5) emissão de gás no ar e ampliação de área de atuação das indústrias.

Dentre os conflitos mencionados daremos destaque ao que altera a área de pesca da comunidade. Como já destacado na caracterização da pesca artesanal, sabe-se o quanto a preservação do território marinho é importante para a conservação dos pesqueiros. No entanto, alguns relatos de pescadores têm apontado para processos de alteração dos pesqueiros em decorrência das atividades das empresas, que estão ocupando áreas consideráveis do litoral. Os efeitos produzidos pela ação das empresas, segundos os pescadores, decorrem no desaparecimento de diversas espécies marinhas, como peixe, ouriços e lagostas.

Em virtude da alteração das áreas de pesca os pescadores buscam novas áreas de pesca, o que exige maior capacidade de navegação dos barcos. As embarcações artesanais com baixa capacidade técnica de navegação acabam sendo as mais impactadas, pois adaptar-se requer mais custo, uma vez que há necessidade de investimentos em novos equipamentos de navegação e embarcações maiores, que tenham a capacidade de ficar mais tempo no mar.

4. Impactos sobre a pesca artesanal: Uma visão técnica do capital.

Os Estudos de Impacto de Vizinhança (EIVs) apresentam uma caracterização sobre a área a ser impactada pelo empreendimento, tanto diretamente quanto indiretamente, contudo, essa caracterização não envolve todos os aspectos das comunidades que estão dentro destas áreas. O EIV do Terminal Industrial IMETAME, por exemplo, aborda a influência que o empreendimento

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terá sobre o sistema viário em 61 páginas, sobre os equipamentos urbanos e comunitários em 28 páginas, e sobre a infraestrutura básica em 7 páginas (EIV IMETAME, 2015). No entanto, não são apresentadas as características ou possíveis impactos que o empreendimento pode causar sobre as comunidades pesqueiras. Como pode-se notar, no documento o enfoque é direcionado a determinados aspectos que supõe ser mais significativos para o estudo, como o impacto viário. Os pescadores são citados uma única vez no documento com a finalidade de indicar onde provavelmente foi o início da ocupação da comunidade Barra do Sahy, vizinha à Barra do Riacho, indicando o tipo de moradia e as características construtivas que se assemelham aos aspectos comuns às casas de pescadores.

No documento de EIV do estaleiro Jurong, os pescadores ganham um tímido destaque no estudo, em que se limitou a citá-los apenas para compor um plano de fundo para os “importantes” impactos que serão gerados no processo de implantação e após implantado o empreendimento. Novamente os impactos sobre o sistema viário ganharam destaque no estudo, compreendendo um total de 102 páginas, seguido da caracterização de uso e ocupação do solo, com 56 páginas e dos equipamentos urbanos e comunitários, com 43 páginas.

A atividade de pesca é citada em ocasiões onde se avalia as espécies da fauna aquática que serão impactadas, e por consequência a atividade econômica da pesca e nas atividades tradicionais impactadas, onde os grupos de pescadores ganharam três parágrafos dedicados. O primeiro parágrafo, contudo, apresenta uma breve explicação de que o curto conteúdo sobre os pescadores fora extraído do Estudo de Impacto Ambiental - EIA do empreendimento. O segundo e o terceiro indicam os principais impactos sobre este grupo: a possibilidade dos peixes se afastarem da costa devido ao aumento da circulação de embarcações e movimentações durante a implantação do empreendimento; e a eventuais prejuízos com a perda de material de pesca como redes e anzóis que podem ser arrastados por embarcações. Tal fato ocorrerá, segundo o documento, pois o empreendimento “está localizado na área do principal pesqueiro da região” (EIV JURONG, 2011).

5. Conclusão

Em análise da Lei Municipal 3.143/2008, o Plano Diretor Municipal (PDM), percebe-se a au-sência da devida menção de povos e comunidades tradicionais, bem como o direcionamento de diretrizes específicas que garantam efetivamente os direitos elencados nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal. As menções sobre comunidades se dão em momentos de retórica das leis de esfera nacional, como o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) e a Constituição Federal de 1989, e não se referem às comunidades tradicionais específicas presentes no territó-rio aracruzense.

No que se refere a gestão pública municipal e sua democratização, o PDM apresenta como instrumento de tal gestão democrática os conselhos municipais. Contudo, não existe indicada na lei, a garantia de pleito ou posição dentro do Conselho do Plano Diretor Municipal (CPDM) para comunidades tradicionais, sejam de pescadores artesanais ou indígenas.

As decisões sobre a implantação dos empreendimentos e complexos industriais, na orla Muni-cipal, passam pelas decisões e aprovação do CPDM. Negar a representação das comunidades de pesca tradicionais dentro do conselho é invisibilizar a comunidade. Se uma representação e uma articulação política dentro da gestão pública municipal, as comunidades tradicionais se tornam vulneráveis.

Esse fato se consuma no momento em que grandes empreendimentos implantam-se na vizi-nhança das comunidades, e seus próprios estudos de impacto não mencionam as comunidades

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que serão diretamente afetadas.

É importante ressaltar que dentro da esfera estadual e nacional de regulamentação, tais comu-nidades tornam-se mais evidentes nos estudos de impacto ambiental, ainda que timidamente. Entretanto, a luta ocorre no nível da esfera local, como é o exemplo de Barra do Riacho: as con-dicionantes implementadas como compensação dos impactos ambientais gerados por grandes empreendimentos como o Estaleiro Jurong de Aracruz e a Petrobras não se viabilizam, visto a falta de interesse do poder público promover a regularização fundiária de Barra do Riacho.2

Conforme demonstrado, percebe-se que a afirmação de uma gestão urbana guiada por lógicas mercadológicas se aplica à situação vivenciada em Aracruz, uma vez que o atual Plano Diretor Municipal sequer dá visibilidade para a comunidade de pesca artesanal. O histórico municipal é um histórico que privilegia a setor empresarial em detrimento das comunidades tradicionais locais. Hoje, o cenário não poderia ser diferente: o grande crescimento industrial na cidade pressiona as atividades dos pescadores artesanais, fator reafirmado e reforçado pela administra-ção pública municipal.

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2 As condicionantes dos Estudos de Impacto Ambiental do EJA não se viabilizaram em função da falta de regularização fundiária de Barra do Riacho, o que impossibilitou a aquisição de lotes para a implantação do projeto da condicionante. O poder público não apresenta interesse em regularizar a região, inviabilizaram a implementa-ção da condicionante.

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Referências

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