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AMÉRICA LATINA, AMÉRICA DO SUL E BRASIL NOS COMIC BOOKS ATÉ 1945 RESULTADOS INICIAIS.

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AMÉRICA LATINA, AMÉRICA DO SUL E BRASIL NOS COMIC BOOKS ATÉ 1945 – RESULTADOS INICIAIS.

Ricardo Bruno Flor Doutorando do PPGH da PUCRS. Bolsista CNPq. Orientador: Helder V Gordim da Silveira

E-mail: ricardo.flor@acad.pucrs.br

O presente texto deriva dos resultados iniciais da nossa proposta de Tese de Doutorado: estudar como os comic books estadunidenses publicados entre os anos 1934 a 1945 mostraram a América Latina, a América do Sul e o Brasil. Abordamos aqui dois aspectos do que desenvolvemos até o momento.

Primeiro, apresentamos um pouco da metodologia utilizada e as recentes alterações recentes que fizemos à mesma. O acesso aos comic books do período é complicado e durante a nossa pesquisa foram desenvolvidos alguns mecanismos e recursos que o facilitam. Além disso, encontramos uma ferramenta que facilita a exploração da documentação e descrevemos a mesma no texto abaixo.

Segundo, trazemos uma breve análise do material que analisamos até o momento: uma dezena de HQs publicadas entre 1938 e 1945 que mostram a América Latina, a América do Sul e o Brasil. Situamos essas produções dentro do conjunto maior de comic books do qual fazem parte e apresentamos uma análise inicial de sua relação com o contexto.

Metodologia de pesquisa: acesso às HQs

Desde nossas primeiras pesquisas sobre comic books publicados nos anos 1930 e 1940 (FLOR, 2012), o acesso às HQs tem sido o nosso principal desafio. Revistas anteriores a 1945 são praticamente impossíveis de acessar diretamente na maioria dos casos. Tratam-se de documentos raros, quando existentes com preços proibitivos. Uma edição original da Action Comics número 1, por exemplo, pode ser vendida por US$ 2,161,000.

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A melhor opção para um pesquisador é, concluímos, acessar as HQs através de reimpressões oficiais que afirmem fidelidade ao material original. Na maioria das vezes utilizamos as coletâneas de HQs apelidadas no mercado de encadernados. Essas edições especiais, nos EUA e no Brasil, reimprimem arcos, séries e números específicos de quadrinhos já publicados. A editora DC comics, por exemplo, apresenta diversas séries intituladas chronicles ou archives que reimprimem em ordem cronológica todas as HQs de personagens específicos ou séries de um comic book específico. Dentre os encadernados que apresentam com representações da América Latina estão The Superman Cronicles: volume 1 (c2006), Golden Age Green Lantern Archives: volume 1 (c1999), All Star Comics Archives: Volume 2 (c1993) e Wonder Woman Archives: volume 6 (c2010).

Algumas dessas coletâneas não reproduzem revistas por inteiro, optando por incluir apenas histórias de personagens específicos; no entanto, elas mantêm anúncios e capas na maioria dos casos. A Marvel republica revistas de décadas anteriores sob o título From the Marvel Vault. Essas revistas trazem informações tais como datas das publicações originais, omissões de material, adição de títulos e alterações semelhantes. A DC também publica as chamadas edições millennium, que reproduzem revistas específicas na íntegra, incluindo HQs de personagens menos famosos. As edições millennium têm como proposta reproduzir momentos importantes na história das HQs, como a primeira aparição de um herói ou vilão relevante. Como consequência, elas trazem apenas edições isoladas e desconectadas das séries originais, não seguem nenhuma ordem específica e não acompanham a trajetória de personagens ou revistas.

Finalmente, algumas revistas do período estudado vêm sendo publicadas oficialmente pelas editoras de quadrinhos em formato digital. Uma das revistas à venda nesse formato é More Fun Comics 73 (2012), que traz uma HQ com o personagem Clip Carson em uma aventura em Honduras publicada originalmente em 1941. Alguns dos primeiros comic books da editora estão disponíveis nesse formato. Também há o serviço por assinatura Marvel Unlimited da Marvel Comics, que permite o acesso a uma biblioteca de comic books digitalizados pela editora. O arquivo não está completo, mas já apresenta diversas revistas publicadas nos anos 1930 e 1940 e expande constantemente. Já foi possível encontrar alguns documentos úteis para nossa pesquisa através desse recurso. A segunda edição da revista USA Comics (2009), publicada originalmente em

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1941, apresenta duas HQs relevantes para nossa pesquisa: uma aventura de Major Liberty na costa caribenha e outra de The Defender na fronteira do México com os EUA. Também está disponível no site a Marvel Comics 1 (2007), publicada originalmente em 1939, com uma aventura na selva amazônica. As séries Human Torch e Fantastic Comics também têm alguns exemplares disponíveis na plataforma, mas ainda não foram colocadas lá as edições relevantes para nossa pesquisa.

O uso do encadernados, quadrinhos digitais e do Marvel Unlimited já havia sido previsto no nosso projeto, mas seus frutos devem ser registrados. As mudanças mais profundas na nossa metodologia partiram das ferramentas que desenvolvemos para identificar quais fontes são relevantes para a nossa pesquisa; ou seja, quais dessas reproduções traziam HQs e comic books que mostravam a América Latina, América do Sul e o Brasil em suas histórias, capas e anúncios. Considerando a quantidade de quadrinhos produzidos nas décadas de 1930 e 1940 e a dificuldade de acesso aos mesmos, não seria prático adquirir reproduções das revistas aleatória ou exaustivamente na esperança de encontrar HQs relevantes. Foi necessário desenvolver uma ferramenta para descobrir dentre os comic books da época quais eram relevantes ao nosso tema e, a partir daí, localizar suas reproduções.

Originalmente, nossa primeira estratégia foi utilizar as teses e dissertações disponíveis para localizar os comic books aos quais as obras faziam referência. Esse método se demonstrou insuficiente. Nenhuma tese tratou especificamente sobre nosso tema de pesquisa e algumas delas faziam referências a materiais que não sabíamos como acessar. Nesse caso, a literatura não acadêmica também continha referências a poucos casos relevantes – por motivos semelhantes.

A solução que encontramos foi uma menos ortodoxa. Como já mencionamos, a produção das editoras de quadrinhos e dos fãs de quadrinhos resulta numa literatura que serve como um excelente ponto de partida – mesmo nos casos nos quais a informação encontrada nessas obras se demonstra incorreta, a pesquisa necessária para avaliar essa informação ajuda na exploração da documentação. Fãs de comic books e de outras formas de cultura pop construíram nas últimas décadas diversos e variados materiais sobre seus interesses. No caso das HQs, existem inúmeros grupos, fóruns, comunidades on-line, convenções, sites e outras produções.

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Dessa forma, direcionamos nossa atenção para uma produção característica do

fandom1: as wikis e databases2. Sendo que seu funcionamento é semelhante ao da

Wikipedia, esses domínios online se distanciam bastante de qualquer validade enquanto fonte ou bibliografia para a pesquisa que propusemos. Apesar de sua riqueza de imagens, datas e outras informações, nenhuma destas poderia ser citada com qualquer expectativa de validade documental. No entanto, esses bancos de dados trazem dois recursos preciosos para a localização das fontes propriamente ditas.

Primeiro, são extremamente completos. Há poucas revistas, personagens e HQs registrados na literatura sobre o tema que não possuam um verbete nesses sites. Vários verbetes correspondem a edições específicas, com dados de publicação e sinopses das histórias contadas. Junto a essas descrições, os verbetes listam personagens, objetos importantes, artistas envolvidos e localizações mostradas – cidades, países, estados e marcos geográficos famosos. É possível utilizar as simples ferramentas de busca dessas plataformas para selecionar e navegar verbetes correspondentes a comic books relacionados a lugares específicos. Isso permite localizar dezenas ou mesmo centenas de verbetes com informações relevantes para a localização das fontes propriamente ditas. Considerando o caráter comercial dos encadernados e levando em conta que as edições digitalizadas estão disponíveis em plataformas nas quais a pesquisa é relativamente simples, é fácil localizar reproduções existentes de uma revista específica uma vez que os dados de publicação são conhecidos. Mesmo nos casos nos quais a descrição do encadernado enquanto produto não é clara, essas wikis e bases de dados frequentemente

listam em quais encadernados e edições especiais as revistas foram reimpressas.3

Sendo assim, uma busca rápida por esses sites permitiu a localização de diversas pistas sobre comic books que fazem referência a América Latina, América do Sul e Brasil. Novamente, esses verbetes não são e nem devem ser utilizados como fonte para o estudo dos comics. O que fizemos foi, a partir destes verbetes, procurar pelas formas de acesso

1 É a junção dos termos fan (fã em inglês) e dominion (domínio no sentido de local, território). O termo é

utilizado pelos fãs para definir o espaço de produções dos mesmos, incluindo fanzines, releituras e produções semelhantes.

2 O termo que inglês significa “bases de dados” é com frequência utilizado como descritivo de sites que

cumprem funções semelhantes às enciclopédias digitais, com verbetes passiveis de edição por terceiros.

3 Dentre os sites visitados, os que mais ajudaram a nossa pesquisa foram as seguintes:

http://dc.wikia.com/wiki/DC_Comics_Database

http://marvel.wikia.com/wiki/Marvel_Database

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às fontes relevantes. Em todos os casos, isso significou procurar pelas reimpressões oficiais das revistas e HQs citadas pelos sites, adquirir tais reimpressões e verificar se o material reproduzido realmente é relevante. Através desse método, localizamos uma HQ de Wonder Woman publicada originalmente na Sensation Comics número 45 em 1945 (WONDER, c2010), uma HQ publicada na Superman número 6 em 1940 (THE SUPERMAN, c2008), uma HQ de Clip Carson que se passa em Honduras (MORE, 2012) além de outras. Além disso, quase todos os comic books relevantes aos quais a literatura consultada faz referência também constam nessas wikis. Isso inclui uma HQ de Green Lantern publicada na primeira edição da Green Lantern em 1941 (GOLDEN, c1999) e uma da Justice Society of America (JSA) publicada na All Star Comics 9 em 1942 (ALL, 1993), por exemplo.

Os recursos aqui listados podem ser utilizados por pesquisadores interessados em trabalhar com os comic books como fontes e objetos de pesquisa, especialmente se desejam procurar por HQs que tratem de um tema específico. É necessário entender que essas ferramentas não exaurem as fontes disponíveis e dão preferência para comics, personagens e editoras que vieram a adquirir ou manter fama recentemente, não representando de forma necessariamente precisa o recorte estudado pelo historiador. Falaremos sobre isso na parte subsequente do texto.

Lendo os comic books dos anos 1930 e 1940

Estudar os comic books é estudar um meio de circulação caracterizado por uma comunidade de leitores específica, que surge com a mudança de suporte material das histórias em quadrinhos; das tirinhas de jornal para revistas especializadas. Dentro desse corpus, circulam ideias específicas, se constroem identidades e se legitimam atitudes. Isso significa que estudar as histórias em quadrinhos dentro das revistas cobre apenas uma parte pequena daquilo que é relevante nesses documentos. As capas, os textos em prosa, as seções especiais e os diversos anúncios dentro das revistas são tão relevantes quando as próprias HQs para entender como estas revistas mostravam o mundo para seus leitores. Os anúncios nas capas nem sempre vêm em forma de selos nos cantos ou imagens pequenas. Diversas vezes, o anúncio era o centro da capa, como no caso famoso de uma revista do Superman cuja capa era, inteira, um grande anúncio de bônus de guerra que

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convidava o leitor a “dar um tapa no japa” com a compra (KRAKHECKE, 2009, p. 57). A capa da Sensation Comics 45 (WONDER, c2010, p. 101) mostra Wonder Woman laçando um mexicano, vestido com uma indumentária facilmente identificável, com uma palmeira no fundo da cena.

Na nossa pesquisa mais recente, conseguimos observar que anúncios não estavam presentes apenas à parte das HQs, nas capas e sessões especiais que poderiam facilmente ser ignoradas. Em pelo menos um caso, mensagens a favor do esforço de guerra foram colocadas na base das páginas da história sob os quadrinhos na All Star Comics 9 (ALL, c1993). Diversas capas contendo anúncios, além de apelos ao patriotismo do leitor, pedindo apoio ao esforço de guerra, hostilidade aos alemães e japoneses e outros temas semelhantes foram discutidas na nossa dissertação de Mestrado (FLOR, 2014), além de outros recursos utilizados pelas revistas para se relacionar com seus leitores, como os fã-clubes e campanhas (inclusive algumas direcionadas ao esforço de guerra). Isso coloca em contexto às HQs que, como mostraremos, abordam temas como a Segunda Guerra mundial, diplomacia, democracia e governo.

Os temas relevantes e contemporâneos dos comic books fazem sentido quando levamos em conta o caráter serial das publicações. A maioria dos comic books que estudamos até o momento segue uma forma comum de narrativa-publicação da época. As revistas são publicadas em série, algumas com personagens-título outras com títulos temáticos, como a Action Comics ou a Detectvie Comics. Dentro de cada revista, as histórias narradas não possuem relação umas com as outras e são escritas por pessoas diferentes e mostram personagens diferentes. Quase todas HQs possuem personagens-título como protagonistas. As histórias costumam apresentar suas resoluções na mesma edição, havendo poucos casos em que uma revista faz referência a uma edição anterior. Normalmente são histórias que podem ser lidas por leitores que não acompanham a publicação. Em poucos casos, uma história começa em uma edição e conclui na seguinte – foi o caso da primeira aventura de Superman (THE SUPERMAN, c2006). Existem algumas variações: revistas que reúnem os personagens mais populares de outras revistas da mesma editora ou o caso das HQs da JSA. Estas funcionam da seguinte maneira: a revista inteira pode ser lida como uma história só, na qual algumas páginas de introdução apresentam um problema ou tema e as últimas páginas mostram o que ocorre depois de sua resolução. No entanto, entre essas duas etapas, os diferentes personagens têm suas

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aventuras de forma independente, inclusive sendo desenhadas e escritas por diferentes artistas. No entanto, todas essas aventuras solo seguem o mesmo fio condutor. Sendo assim, são narrativas semi-independentes. (ALL, 1993; ALL, 1999).

Esse formato é relevante por que influencia o tipo de história sobre a América Latina que encontramos. Claro, seria possível inventar um personagem brasileiro ou hondurenho e estrelar uma série de HQs com o mesmo. No entanto, isso exigiria criar, introduzir e manter uma nova propriedade criativa em um meio competido e habitado por diversos personagens e revistas estabelecidos. É mais fácil para os quadrinistas inserir dentro de uma narrativa um motivo ou justificativa para que seu(s) protagonista(s) visitasse(m) o local em questão. Além disso, essas HQs têm maior facilidade de sobreviver enquanto documento histórico, uma vez que sus personagens são mais famosos e pertenciam ou vieram a pertencer as grandes editoras responsáveis pela reimpressão dos comics e pela publicação de livros tratando da história dos quadrinhos.

Provavelmente é por isso que nosso objeto até agora abarca histórias que mostram Superman, Wonder Woman ou os membros da JSA visitando a América Latina ao invés de narrativas sobre personagens originais identificados como brasileiros, mexicanos e argentinos lutando por conta própria. Um dos poucos exemplos que destoa desse padrão é o caso da Senorita Rio, heroína de origem brasileira que combate espiões nazistas em solo estadunidense, seu lar adotivo (HIRSCH, 2013, p. 92). Na maioria das HQs, os autores tiveram de usar de outros mecanismos narrativos para inserir a participação mais ativa de personagens não-estadunidenses nas aventuras. Falaremos de um desses casos a seguir.

Até o momento, já localizamos, adquirimos e analisamos uma dezena de HQs publicadas nos EUA antes de 1945 cujas histórias referenciam países da América Latina. Nessas histórias nenhum outro tema apareceu com tanta frequência quanto a Segunda Guerra mundial e o papel da América Latina no conflito. Em diversas revistas em quadrinhos, super-heróis e outros personagens de ação e aventura norte-americanos se aventuram em países reais e fictícios da América Latina enfrentando forças nazistas e japonesas ou para impedir golpes de estado que afetariam interesses americanos. Algo frequentemente repetido é a ideia de que uma invasão à América Latina teria como resultado final ou objetivo principal atacar os EUA. Em uma história publicada em 1942, o diretor do FBI explica para a Justice Society of America que espiões e sabotadores estão

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tentando fomentar revoluções em governos amigáveis aos EUA e tentam obter recursos em países como Chile, Venezuela e Argentina que poderiam abastecer um exército invasor. Nazistas e facistas por muito tempo tentaram danificar nossas relações amigáveis com a América do Sul através de truques sujos e métodos desonestos4 (ALL, c1993, p. 141).

Embora isso pudesse ser usado para justificar a ação dos heróis em solo estrangeiro, há outra justificativa apresentada nas HQs. Como já mencionamos em trabalhos anteriores, durante a Segunda Guerra os comic books mostravam o conflito mundial como uma luta entre a democracia e a tirania (FLOR, 2014). Sendo assim, heróis e super-heróis podiam agir fora dos EUA para proteger a democracia das forças que a ameaçavam, independente do risco direto para seu país. Essa narrativa também satisfaz o maniqueísmo típico das HQs dos anos 1930 e 1940, uma vez que o protagonista luta pela liberdade, justiça e democracia, enfrentando o antagonista mau que por uma razão ou outra luta pela tirania. Várias vezes personagens e mesmo narradores gritam bordões como For America and Democracy! (Pela América e pela Democracia!) e seus anúncios chamam os fãs a “alimentarem as chamas da liberdade”. (ALL, c1993, p141).

Em Green Lantern 1, em 1941, temos um diálogo no qual um personagem explica que a população de Landavo está contente com sua democracia, mas agentes esternos plantaram as sementes da ditadura na mente dos cidadãos e isso levou a uma guerra civil. Green Lantern chega a dizer, ao socar um capanga: Eu gostaria de fazer isso com todas as pessoas que não apreciam uma democracia!5 (GOLDEN, c1999, p.217). Em Defender (na segunda edição de USA Comics, em 1941), o narrador explica: Dedicado à preservação dos princípios Americanos de justiça e liberdade, Defender esmaga uma conspiração nazista para destruir o governo de nossos vizinhos ao sul da fronteira6. (USA 2009, p. 37). Os vilões com frequência se referem aos heróis e/ou nativos como tolos democráticos. Os cidadãos desses países são mostrados de forma heroica, como o brasileiro que afirma que alegremente daria sua vida para manter seu país livre (ALL¸ c1993, p. 181).

4 Tradução livre de: Nazis and fascists have long tried to damage our friendly relations with south

America by trickery and underhanded methods.

5 Tradução livre de: I’d like to do this to all people who don’t appreciate a democracy!

6 Tradução livre de: Dedicated to the preservation of the American principles of justice and liberty, the

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O melhor exemplo até agora é a HQ publicada originalmente na All Star Comics 9 em 1942. A HQ abre com uma reunião da Justice Society of America, contando com a presença de Hawkman, Atom, Dr. Fate, Spectre, Sandman, Johnny Thunder, Dr. Midnite e Starman. O tema da reunião é a hemisphere defense (defesa do hemisfério). Um dos heróis explica que, apesar de combaterem espiões nazistas em solo americano, eles ainda estão sob a vigilância do FBI. Hawkman avisa que o diretor do FBI (cujos nome e rosto não aparecem durante a HQ) virá à reunião. Ele é elogiado pelos personagens. Quando o diretor aparece, ele explica que gostaria de convocar os heróis para ajudar seus vizinhos ao sul de forma não oficial, uma vez que uma ação mais direta poderia ser vista como um ato de ditadores estrangeiros. Antes da reunião acabar, eles declaram o chefe um novo membro da JSA. (ALL, c1993).

A partir daí os heróis seguem em aventuras individuais – cada um vai para um país determinado e abre seus planos secretos entregues pelo FBI. Chegando no México, Venezuela, Brasil, Bolívia, Chile, Argentina e Cuba, os personagens entram em contato com cidadãos nativos, autoridades locais e/ou serviços de inteligência como a polícia secreta mexicana, o serviço secreto argentino, o Departamento de Investigaciones venezuelano, espiões cubanos e figuras semelhantes, frequentemente identificados por nome e prestando auxilio e orientação importante aos heróis. Nas histórias, são os protagonistas que se colocam a disposição desses agentes locais, não o contrário. (ALL, c1993).

No México, Hawkman descobre e impede um plano para controlar uma ferrovia e os recursos e suprimentos que passam por ela. Spectre destrói aeronaves nazistas que matam pilotos na Argentina ao carregar seus aviões para altitudes extremas. Atom localiza no Chile um local secreto de produção de propaganda nazista. Na Venezuela, Sandman impede a destruição de campos de petróleo que foram emprestados para os EUA e a Inglaterra. Em Cuba, Johnny Thunder enfrenta espiões nazistas. No Brasil, Dr. Fate enfrenta nazistas interessados em conquistar e controlar as industrias brasileiras. Na Bolívia, Starman luta contra um tanque-escavadeira nazista que estava atacando minas subterrâneas. Finalmente, na Colombia, Dr. Midnight descobre e derruba um médico a serviço dos nazistas que utilizava remédios e ondas de rádio para virar a população contra a democracia. (ALL, C1993).

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Em quase todas as HQs os heróis são auxiliados por agentes locais. Esses personagens recebem nomes e participam ativamente da derrota dos vilões. Em todas as histórias, os países visitados e suas populações são descritos como democráticos, amantes da liberdade e opositores da tirania nazista. No painel de abertura de cada HQ, são mostrados mapas dos países visitados e imagens de recursos importantes locais, como a indústria borracheira brasileira ou a extração de petróleo na Venezuela. Vários países têm sua cultura, história e/ou belezas naturais elogiadas. O quadrinho parece querer cumprir um papel informativo sobre o caráter de vizinho democrático dos países representados e alertar sobre o que estaria em jogo se eles fossem invadidos pelos inimigos da democracia – inclusive recursos estratégicos úteis para os EUA. (ALL, C1993).

Outras HQs semelhantes foram publicadas no período. Em 1945, Wonder Woman é convocada para garantir que um tratado assinado pelo presidente do México chegue aos EUA. Esse tratado garantiria aos EUA o direito de uso de nitrodium um novo químico está sendo minerado no México e que será utilizado na fabricação de combustível de foguete. Ela é atacada por bandidos que querem controlar as minas e, como o leitor descobre durante a história, trabalham secretamente para os japoneses. (WONDER, c2010). Na primeira edição de Green Lantern em 1941, o herói homônimo visita o país fictício Landavo, que ele descreve com uma república com um governo tão democrático quanto o dos EUA, e se depara com uma guerra civil. Os rebeldes que querem derrubar o estado estão sendo financiados por nazistas que pretendem usar Landavo para estabelecer bases na América do Sul com a finalidade de atacar os EUA. (GOLDEN, c1999). Uma história semelhante é contada na Superman 15, em 1942: Napkan (um país fictício que representa o Japão) forma um partido no país fictício Equaru para derrubar o governo local. Se seu plano der certo, explicam os personagens, golpes semelhantes serão perpetrados no resto da América do Sul para torna-la anti-americana. Depois disso, atacar os Estados Unidos será um problema simples7 (THE SUPERMAN, c2010, p. 119). Sendo detidos por Superman, os napkaneses ainda tentam explodir o Canal do Panamá.

Ainda temos HQs que o enfrentamento com forças nazistas na América Latina sem mostrar a cooperação entre países. É o caso de duas HQs da USA Comics 2 publicada em 1941. Major Liberty chega em uma ilha secreta quando seu navio é afundado no Mar do Caribe. Na ilha, ele descobre um castelo usado por um submarino nazista. Na outra

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HQ, Defender investiga carregamentos de armas sendo contrabandeados para o México e descobre um plano para derrubar o governo mexicano. Estranhamente, é um fabricante de armas americano que não cooperava com o governo dos EUA que estava enviando as armas para o México – talvez seja a forma da revista de criticar americanos que não contribuíam com o esforço de guerra. Mesmo nesses casos, a luta pela democracia e pela liberdade é um tema presente. (USA, 2009).

É necessário entender que as HQs sobre o envolvimento da América Latina na Segunda Guerra fazem parte de um padrão maior. O conflito mundial foi tema recorrente, até hegemônico nos comic books do período estudado. A presença de nazistas e japoneses como vilões era tão grande que, até hoje, vilões criados na época são identificados como nazistas. Mesmo os filmes recentes da Marvel Studios ocasionalmente utilizam esses personagens. Existem diversos trabalhos sobre os comic books e seu envolvimento na Segunda Guerra como propaganda militar (SCOTT, 2011), ferramenta de diplomacia (HIRSCH, 2013) ou mesmo parte do discurso político (FLOR, 2014), por exemplo. As revistas vinham carregadas de propaganda militar e patriótica explícita, anunciando a venda de selos de guerra e convidando a população a apoiar o arsenal da democracia. Heróis de uniforme estrelado e das cores vermelho, branco e azul eram lugar comum, além do combate direto contra as forças do Eixo. E, em um contexto, maior, discursos presidências e programas de rádio também faziam circular a mesma narrativa: a Segunda Guerra como a luta mundial entre a democracia e a tirania; a presença de espiões e sabotadores nos EUA; e sua intenção de utilizar a América Latina como base para atacar o território estadunidense (FLOR, 2014).

O FBI e especificamente a figura de J. Edgar Hoover também eram aparições recorrentes nos comic books. O caso mais conhecido é da HQ que contou a origem do capitão América. Siegel e Shuster trabalharam na série Federal Men, sobre agentes do FBI, publicada a partir de janeiro de 1936 na New Comics. The Shield era originalmente um agente do FIB antes de adquirir seus poderes e J. Edgar Hoover ajuda o personagem a solucionar o assassinato de seu pai e o auxilia na sua luta contra o crime, tornando-se diretor do FBI no processo. A origem do Capitão América também conta com o diretor do FBI, identificado como J. Arthur Grover (uma referência clara a Hoover). Outras figuras reais apareciam nos comics dessa forma (FLOR, 2014).

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O uso de espiões para realizar golpes e revoluções na América do Sul também se encaixa em uma narrativa anterior. Mesmo comic books que não mostram a presença do Eixo, com frequência apontam para a América Latina como um local cheio de instabilidades políticas e guerras civis. No caso de Clip Carson, na More Fun 73 (2012), o vilão da história pretende dar um golpe de estado em Honduras. A missão de Clip Carson era encontrar-se com o Presidente Campos a combater as guerrilhas que ameaçam derrubar seu governo, de forma a impedir que alguém interfira com os bens enviados de lá para os EUA. Em nenhum ponto da HQ é revelado que o vilão trabalha para a Alemanha ou para o Japão, embora ele venha a mencionar que seus recursos irão para “um país estrangeiro” não especificado.

Na primeira HQ de Sumperman, em 1938, já encontramos uma história cujo tema principal é a guerra civil em San Monte (país fictício na América Latina) – explicada como resultado irracional do mercado de armas (THE SUPERMAN, c2008). Em uma HQ publicada em 1940, Superman impede o roubo de doação que foram enviadas a San Caluna (país fictício na América do Sul); o plano do vilão é sequestrar os suprimentos para tomar o poder no país. (THE SUPERMAN, c2010). Uma HQ publicada em 1944 sai um pouco do padrão das outras, mas vale ser mencionada. Em uma aventura de Starman da JSA (ALL, c1999, p. 119-123) publicada em 1944, abre com uma explicação do narrador estabelecendo o local, o ano e o seguinte contexto: o mundo está à beira da Primeira Guerra Mundial e, no México, duas facções em guerra (Villa e Huerta) estavam causando problemas com os EUA. Bandidos atacam a fronteira e rapidamente assumem um caráter internacional.

Como mostramos em trabalhos anteriores (FLOR, 2014), temas identificados como políticos (guerras, golpes, revoluções, relações internacionais, a legitimidade da democracia, a agressividade do Eixo) eram assunto recorrente nas HQs. Uma das HQs de Superman, publicada em 1942 na Superman 15, fala do avanço de um país agressivo contra um vizinho democrático na Europa, satirizando as ações de Adolf Hitler. O vilão da história é uma caricatura do líder nazista e é assassinado por um de seus homens enquanto tenta fugir do país depois de derrotado. O soldado diz: você levou seus compatriotas para o caminho da guerra... e agora busca escapar das consequências...

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mas você não vai!8 (THE SUPERMAN, c2010, p. 139). Mesmo antes da realização de estudos mais aprofundados, é fácil entender que a prática de “falar de política” não era direcionada apenas a América do Sul, América Latina e Brasil, mas se encaixa em um contexto mais amplo.

A nossa pesquisa fez outros avanços além dos aqui relatados, mas estes estão entre os primeiros e principais. Comic books mostrando a América do Sul, a América Latina e o Brasil são parte da sociedade estadunidense da Segunda Guerra Mundial e participam da construção de sentidos dentro da mesma. Estudá-los inclui entender essas dimensões socioculturais, mas exige, antes, que sejamos capazes de acessar esse material e inseri-lo no contexto maior de comic books produzidos no contexto.

Bibliografia:

FLOR, Ricardo Bruno. Superman e a guerra: dos magnatas das munições ao arsenal da democracia. 2014. 141f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.

FLOR, Ricardo Bruno. O político e o social nas primeiras histórias em quadrinhos do Superman (junho de 1938 a julho de 1939) [Monografia em História, FFHC, PUCRS].

Revista da Graduação, v. 5, n. 1, 2012. Disponível em:

<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/graduacao/article/view/11414>. Acesso em: 27 nov. 2012.

HIRSCH, Paul S. Pulp empire: comic books, culture, and U.S. foreign policy, 1941-1955. 266 f. Dissertation (Doutorado em Philosophy in History) – University of California, Santa Barbara, 2013.

KRAKHECKE, Carlos André. Representações da guerra fria nas histórias em quadrinhos Batman: o cavaleiro das trevas e watchman: (1979-1987). 2009. 145 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. Disponível em: <http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2278> Acesso em: 26 jun. 2012.

SCOTT, Cord A. Comics and conflict: war and patriotically themed comics in american cultural history from World War II through the Iraq war. 317 f. Dissertation (Doutorado no Philosophy Program in History) – Loyola University, Chicago, 2011.

Fontes:

8 Tradução livre de: You led your countryman on the path of war... and now you seek to escape the

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ALL Star Comics Archives: volume 2. DC Comics: New York, c1993. ALL Star Comics Archives: volume 5. DC Comics: New York, c1999.

GOLDEN Age Green Lantern Archives: volume 1. DC Comics: New York, c1999.

MARVEL Comics (1939) #1. 2007 Disponível em:

<http://marvel.com/comics/issue/10008/marvel_comics_1939_1>. Acesso em: 15 jul. 2016.

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<https://www.comixology.com/More-Fun-Comics-1936-1947-73/digital-comic/25611?ref=c2VhcmNoL2luZGV4L2Rlc2t0b3Avc2xpZGVyTGlzdC9pdGVtU2x pZGVy> . Acesso em: 15 jul. 2016.

THE SUPERMAN Cronicles: volume 1. Warner Bros: Dubuque, c2006. THE SUPERMAN Cronicles: volume four. Warner Bros: Dubuque, c2008. THE SUPERMAN Cronicles: volume eight. Warner Bros: Dubuque, c2010.

USA Comics (1941) #2. 2009. Disponível em:

<http://marvel.com/comics/issue/16698/usa_comics_1941_2>. Acesso em: 15 jul. 2016. WONDER Woman Archives: volume 6. DC Comics: New York, c2010.

Recursos on-line:

http://dc.wikia.com/wiki/DC_Comics_Database. Acesso em: 15 jul. 2016. http://marvel.wikia.com/wiki/Marvel_Database. Acesso em: 15 jul. 2016. http://comicvine.gamespot.com/. Acesso em: 15 jul. 2016.

Referências

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