HABEAS CORPUS Nº 1947 - PE
IMPTTE: ADEMAR RIGUEIRA NETO E OUTROS
IMPTDO: JUIZO FEDERAL DA 4A VARA - RECIFE/PE (PRIVATIVA CRIMINAL)
PACTE: ALCIDÉSIO SABINO MACIEL PACTE: ALCEMÍLTON SABINO MACIEL PACTE: ALESSANDRO DA ROCHA NOVAES
PACTE: AGADIR JOSÉ BASTOS DE FARIA NETO
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA
RELATOR PLANTONISTA DA TURMA DE FÉRIAS:
DESEMBARGADOR FEDERAL RIDALVO COSTA
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. DENÚNCIA PELO ART. 16 DA LEI 7.429/86: AGIR COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NÃO AUTORIZADA. EMPRESTIMOS REALIZADOS POR
EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL
(FACTORING). INEXISTENCIA DO CRIME.
O crime do artigo 16, da Lei
7.429/86, protetora do sistema
financeiro nacional, consuma-se mediante “coleta, intermediação ou aplicação de dinheiro como mercadoria” (Paulo José da Costa Jr. e outros, in “Crimes do Colarinho Branco”), isto é, o crime só se perfaz quando houver captação de recursos de terceiros ( Agapito Machado, in “Crimes do Colarinho Branco (...).
Inicial penal e representação para fins penais feita pela Receita Federal sem qualquer referencia à captação de recursos de terceiros.
Concessão do Hábeas Corpus para trancamento da ação Penal.
A C Ó R D Ã O Vistos, etc.
DECIDE a Turma de Férias do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, conceder a ordem, determinando a remessa da cópia ao Ministério Público Estadual, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento.
Recife, 28 de julho de 2004. (data do julgamento)
Des. Federal Ridalvo Costa Relator
HABEAS CORPUS 1947 - PE
R E L A T Ó R I O
DESEMBARGADOR FEDERAL RIDALVO COSTA: Trata-se de hábeas corpus impetrado por Ademar Rigueira Neto e outros, advogados inscritos na OAB, Seção de Pernambuco, para trancamento de ação penal promovida pelo Ministério Publico Federal, perante a Justiça Federal, no Recife, contra Alcidésio Sabino Maciel, Alcemilton Sabino Maciel, Alessandro Rocha Novaes e Agadir José Bastos de Faria Neto, os três primeiros sócios e o quarto auxiliar administrativo da empresa ACCESS FACTORING LTDA, denunciados pela prática do delito tipificado no art. 16 da Lei 7.492/96 (crime contra o sistema financeiro nacional) pela acusação de haverem operado no mercado como instituição financeira sem autorização legal, pelo simples fato de serem sócios e auxiliar administrativo da empresa, sem descrição da conduta de cada um dos denunciados.
Sustenta a impetração que o
constrangimento ilegal decorreria do recebimento da denúncia pelo MM Juiz Federal da 4a. Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, fundamentada em procedimento administrativo fiscal eivado de provas ilícitas decorrente de quebra de sigilo bancário sem a chancela jurisdicional e sem haver justa causa por manifesta atipicidade da conduta dos pacientes, a qual teria consistido em empréstimos mediante troca de cheques, fato praticado por Alcivonio Maciel, por intermédio de seus procuradores, os pacientes, e apurado pela Receita Federal, e não pela empresa de fomento
mercantil, já mencionada, tanto que não resultara lançamento tributário contra ela ou outra empresa pertencente aos pacientes. Destaca que em nenhum momento faz-se referencia a que teria havido captação de recursos de terceiros, como exigido pelo art. 16 da Lei 7.492, pelo que não se concretizou crime contra o SFN, admitindo-se, apenas por hipótese, que o empréstimo de dinheiro, mediante taxa de juros acima do permitido por lei, configura crime contra a economia popular, e, no caso, não se alega que teria havido aplicação de taxa de juros extorsivos.
Com pedido de liminar de suspensão do curso da ação e de trancamento da ação penal por manifesta atipicidade de conduta – fls. 2/25.
O processo foi distribuído para a 2a. Turma, tendo como Relator o Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, vindo-me concluso e como plantonista, integrante da Turma de Férias, em 8.7.2004, quando, então deferi o pedido de suspensão dos interrogatórios –fls. 904/905.
Opinou o Ministério Público Federal, em parecer do Dr. Sady D’Assumpção Torres Filho, pela denegação da ordem, sintetizado na seguinte ementa – fls. 909/915:
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. TRANCAMENTO DE AÇÃO
PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA
FINANCEIRO NACIONAL. ILICITO SOCIETÁRIO.
DENUNCIA GENERICA. POSSIBILIDADE.
FACTORING. EXAME DE SUAS ATIVIDADES. DILAÇÃO PROBATORIA. SIGILO BANCARIO. PRESCINDIBILIADE DE AUTORIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.
"Não é admissível o trancamento da ação penal, por meio de hábeas
corpus, quando o impetrante não
demonstra, de plano, a inexistência dos crimes imputados ao paciente.
Nos crimes societários, a
descrição genérica dos fatos não
acarreta inépcia da denuncia, pois
somente no decorrer da instrução
criminal é que se poderá definir quem concorreu, quem participou ou ficou alheio ao fato pelo qual foi denunciado.
Não há como na estreita via do writ examinar os limites da atuação da factorig para definir se as atividades configuram, ou não, operações realizadas por instituições financeiras, sob pena
de incorrer em vedada dilação
probatória.
Prescindível a autorização
judicial para obtenção de informações relativas à movimentação financeira, pois a requisição de tais informações diretamente pelo fisco só ocorre em
determinados casos quando houver
indícios de pratica de crime. Não se trata de quebra de sigilo bancário, mas sim de transferência de informações que continuarão sob sigilo.
Denegação da ordem.” É o relatório.
HABEAS CORPUS 1947 - PE
V O T O
DESEMBARGADOR FEDERAL RIDALVO COSTA: A denúncia atribui aos pacientes a pratica do crime previsto no art. 16 da Lei 7.429/86:
“Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante
declaração falsa, instituição
financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:
Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos) e multa."
Baseara-se em procedimento fiscal instaurado pela Delegacia da Receita Federal contra Alcivônio Sabino Maciel por irregularidades pertinentes a imposto de renda, resultando na apuração da responsabilidade dos ora pacientes, inclusive penal, (art. 299 do CP), conforme consta da representação para fins penais anexada, por cópia, às fls. 37/55.
É doutrina aceita a de que o citado artigo 16 ao referir-se à conduta “fazer operar”, tem o sentido de funcionar, agir, tanto pelo mandante como pelo que opera diretamente instituição financeira não autorizado ou com autorização irregular, em proteção ao sistema financeiro nacional, consumando-se o crime mediante “coleta, intermediação ou aplicação de dinheiro como mercadoria” ou habitual “mercancia do numerário”. (Paulo José da Costa Jr. e outros,
in “Crimes do Colarinho Branco, Ed.
A definição de instituição financeira, dada pela Lei 4.595/64, é considerada muito ampla:
“Art.17 Consideram-se instituições
financeira, para os efeitos da
legislação em vigor, as pessoas públicas ou privadas, que tenham como atividade
principal ou acessória a coleta,
intermediação ou aplicação de recursos próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
Parágrafo único: Para os efeitos desta lei e legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas
físicas que exerçam qualquer das
atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.”
Conclui-se, no entanto, que são
características fundamentais das instituições financeiras a intermediação de recursos de terceiros e a pratica de operação ativa de crédito, embora para alguns a aplicação de recurso
próprio possa caracterizar atividade de
instituição financeira. Essa posição está superada pela Lei 7.492 (Lei dos Crimes do Colarinho Branco), ao dizer claramente:
“Art. 1o. Considera-se instituição financeira, para efeito desta Lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação,intermediação ou
(vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à
instituição financeira: I (...)
II – a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.” E o que diz a denúncia oferecida contra os pacientes?
"(...)
Numerosos extratos bancários (fls. 84-179, vol. 1, e fls. 313-400, vol. 2) revelam vultosas movimentações realizadas nas contas correntes em nome de Alcivonio Maciel. As operações compreendiam basicamente a troca de cheques e a concessão de empréstimos e
são características de atividade
financeira, não pertinentes nem
permitidas a empresas de fomento
mercantil (factoring). Por outro lado, a empresa não apresentou os contratos de fomento mercantil que demonstrariam a licitude das operações. Durante a investigação, apresentou a alegação totalmente evasiva de fls. 627 (vol. 4), isto é, de que as operações investigadas eram “presumidamente de atividade de factorig, mas não identificou, em seus registros contábeis, elementos que
identificassem sua natureza “com
precisão”. A evasiva foi complementada, por assim dizer, na fl. 642 (vol. 4).
12. A SRF procedeu a rastreamentos e a consultas nos sistemas do Cadastro da Pessoa Física (CPF) e do CNPJ) e obteve
informações acerca da relação de
diversos contribuintes supostamente com Alcivonio Maciel, as quais consistiam sempre em empréstimos e troca de
cheques. A grande maioria dos
contribuintes pesquisados informou haver efetuado as negociações via telefone com pessoa que identificava como Alcivonio Maciel e que pessoalmente não chegaram a conhecê-lo. É o caso dos contribuintes ADALBERTO ARRUDA DA HORA, ARMANDO WANDERLEY DA FONTE NETO, JUVANE ALVES FERREIRA, ROBERTO DA MOTA SILVEIRA, VITAL ALVES DE CARVALHO E MARIA DE FATIMA DE MELO RODRIGUES (...)entre outros, cujas transações, com datas e
valores (...)relacionam-se a
seguir:(...) Alem disso, mais de um dos tomadores de empréstimos da empresa afirmou haver contatado com algum dos
denunciados. (...) A atuação dos
denunciadas consistiu basicamente na abertura de contas correntes em nome de terceiro (Alcivonio Maciel) para que servissem de sustentáculo às transações financeiras praticadas pela Access Factoring. Ademais, pessoas ligadas à empresa, em contatos telefônicos com os
clientes dela, identificavam-se
falsamente, de modo a sugestioná-los no sentido de que estavam em contato com Alcivonio Maciel. Com base em todos os
elementos acima narrados e na
documentação coligida na ação fiscal, ficou constatado que os denunciados, com
vontade livre e consciente e unidade de desígnios, atuavam usando o nome de terceira pessoa (Alcivonio Maciel) com o intuito de burlar a legislação e desvirtuar a atividade de fomento mercantil (factoring), que não pode compreender a captação de recursos de
terceiros nem a concessão de
empréstimos. O fomento mercantil
pressupõe a prestação de serviços de
assistência técnica, contábil e
financeira a pequenas e médias empresas mediante contrato, bem como a compra de créditos (direitos) de empresas. É atividade mercantil que só pode ser estabelecida dentre pessoas jurídicas. Contudo, o que os denunciados praticaram nada mais foi do que o exercício irregular de atividade financeira. Justamente por se tratar de atividade ilícita, os negócios dos denunciados
fugiram ao objeto da sociedade
comercial, conforme o circunscreveu a cláusula segunda do contrato social (vol. 2, fls. 304-307).
Ao agir desse modo, os
denunciados incorreram nas penas do artigo 16 da Lei no. 7.492, de 16 de junho de 1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional).” (fls. 32-34).
Concluo afirmando que a peça inicial da ação penal e também a representação para fins penais feita pela Receita Federal não fazem qualquer referência à captação de recursos de terceiros, donde se conclui que os empréstimos realizados em grande número (a Receita Federal
selecionara 142 como amostragem) teriam sido realizados com recursos próprios. Este fato é induvidoso e independe de qualquer outra prova. As empresas de fomento mercantil não podem captar dinheiro do público nem se sujeitam a autorização de funcionamento pelo Banco Central. Como sociedades comerciais típicas tem os seus atos constitutivos arquivados na Junta Comercial, ficando no entanto sujeitas à apuração da responsabilidade penal e administrativa pela prática de operações privativas de instituição financeira, nos termos da Resolução 2.144 do Banco Central do Brasil.
Agapito Machado, ilustre Juiz Federal e Professor de Direito Penal, examina em sua Obra “Crimes do Colarinho Branco e Contrabando e Descaminho”, edição Malheiros, 1998, pág. 46 e seguintes, a situação da agiotagem. Cita ele Manoel Pedro Pimentel em comentários ao art. 16 da Lei nº 7.492:
“O texto final aprovado deixou de fora, seguramente, os agiotas, que emprestam dinheiro a juros extorsivos, e que se comportam como verdadeiras instituições financeiras, sem entretanto pretender ser reconhecido como tal. Bem analisado o texto legal, conclui-se que, ao contrário do que se pretendeu fazer, desde a edição da Lei 4.595/64, a agiotagem foi excluída como crime autônomo, continuando a ser regido pelo art. 4o. e suas alíneas, da Lei 1.521/51 (Lei de Economia Popular) e cabendo sua tipificação somente nos casos ali expressamente indicados”.
Transcreve carta do Professor Paulo Jose da Costa Jr., na qual afirma:
“Indaga-me acerca da
tipificação da conduta do agiota, se estaria inserida no art. 16 da Lei 7. 492, no art. 4o. da Lei 1.521/51 ou ainda no art. 44, § 7o. da Lei 4.595/64. Entendemos, com a devida vênia, que o enquadramento jurídico mais adequado para a agiotagem está descrito na norma do art. 4o. da Lei 1521/51, que dispõe sobre os crimes contra a economia popular.
É bem verdade que a agiotagem
implica atuação como instituição
financeira não autorizada, o que levaria ao enquadramento nos demais textos legais citados. Entretanto, essa atua;ao irregular como instituição financeira diz respeito à concessão de empréstimos e não à captação de recursos para investimento, por exemplo.
Quer nos parecer que atuação
do agiota, enquanto instituição
financeira não autorizada, não é
prejudicial sob o ponto de vista penal. Prejudicial seria se captasse recursos para investimento, tomando dinheiro da poupança pública.
Entendemos que a tônica da repressão penal na agiotagem não reside
na concessão do empréstimo, não
autorizado. Mas sim na cobrança de juros extorsivos, muito acima do permitido em lei. Ou seja, é o locupletamento ilícito diante daquele que esta em dificuldades financeiras”.
E, ao final conclui o douto Juiz Federal Agapito:
“Logo, a pessoa física só será
enquadrada no art. 16 da Lei 7.492/86 quando ilegalmente captar seus recursos de terceiros.” (ob. cit. pág. 51).
A jurisprudência deste Tribunal
prestigiada mediante publicação na obra coordenada por Alberto Silva Franco e Rui Stoco, destaca, a titulo de exemplo os seguintes arestos:
“Penal. Revisão criminal. Crime contra o
Sistema Financeiro Nacional.
Descaracterização. Subsistência de crime contra a economia popular.
Não resta configurado delito contra o Sistema Financeiro Nacional nos termos da Lei 7.492/86, quando o sujeito ativo da infração não é juridicamente responsável por instituição financeira, tampouco é pessoa física ou jurídica a ela equiparada. Somente caracterizaria tal ilícito a captação e a movimentação de recursos de terceiros. A utilização de recursos próprios, para concessão de
empréstimo a juros excessivos é
circunstancia fática que implica a existência, ao menos em tese, de crime
contra a economia popular, cujo
processamento deve ser efetivado perante a justiça comum Estadual, conforme o teor da Súmula 498 do STF. Revisão criminal procedente. TRF 5a. Reg. Ver. 26, Proc. 99.05.63807.5- Rel. Araken Mariz – DJU de 5.5.2000, p. 1293, (Leis
Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, vol. 1, pág. 823).
Na mesma página há outra ementa da relatoria de Castro Meira, da qual extraio o seguinte enunciado:
“Penal – Crime contra o Sistema
Financeiro Nacional. Lei 7.429/86. Inocorrência de captação, administração ou aplicação de recursos financeiros de
terceiros. Atipicidade normativa.
(...)”.
Muito antes, em 1971, o eg. TFR, no Habeas Corpus 2.555, Espírito Santo, relator o Min. Godoy Ilha, já acolhera o mesmo entendimento, como está transcrito na obra de Luiz Lemos Leite, “Factoring no Brasil, ed. Atlas, 2004, pág. 81”.
Embora entenda que a denúncia descreve, o suficiente, os fatos atribuídos aos denunciados e não ter havido a produção de provas ilícitas, em decorrência da quebra do sigilo bancário, devidamente justificado em procedimento fiscal, como realçado no parecer da douta Procuradoria Regional da República, concedo a ordem para trancar a ação penal promovida contra os pacientes por não estar tipificado o crime do art. 16 da Lei n. 7492.
Comunique-se à digna autoridade
impetrada.
É o meu voto,
Des. Federal Ridalvo Costa. Relator na Turma de Férias.