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ARTERIOVENOUS MALFORMATIONS

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Academic year: 2021

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ARTERIOVENOUS MALFORMATIONS

Paulo Henrique Aguiar

As malformações arteriovenosas (MAVs) são anomalias do desenvolvimento dos vasos sangüíneos representadas pela persistência de um padrão embrionário dos mesmos, isto é, pela persistência de comunicações diretas primitivas entre os canais arteriais e venosos. São lesões relativamente incomuns, porém cada vez mais são reconhecidas como importante causa de morte ou de morbidez neurológica, em grande parte devido à hemorragia intracraniana e às crises epilépticas. Os avanços tecnológicos dos exames de imagem cerebral têm contribuído para o aumento da taxa de detecção das MAVs, sendo que um número cada vez maior é detectado antes da ruptura.

Nas últimas décadas, com a evolução das técnicas microcirúrgicas, assim como das técnicas endovasculares e radiocirúrgicas de tratamento das MAVs, houve um significante desenvolvimento da forma de abordagem destas lesões.

CLASSIFICAÇÃO PATOLÓGICA

A classificação patológica de McCormick’s, amplamente aceita, divide as malformações vasculares em: malformações arteriovenosas, malformações cavernosas, malformações venosas e telangiectasias.

Malformações Arteriovenosas

Estas lesões são compostas por um conjunto de artérias anormais, com paredes contendo elastina e músculo liso, e veias de diferentes tamanhos. Funcionalmente, representam uma derivação direta artéria-veia, sendo que inexistem capilares no trajeto desta comunicação (figuras 1,2,3,4).

Fig 1 Fig2 Fig3 Fig 4

Figura 1 – CASO1 – Paciente de 22 anos com crise tônico clônica generalizada e posterior estado de mal epiléptico. A Angiografia digital em perfil mostra volumosa MAV calosa com irrigação munida pela cerebral anterior e seus ramos

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Figura 2 – CASO 1- A angiografia digital em visão antero-posterior mostra a volumosa MAV com nutrição complementar ppor ramos da artéria cerebral média

Figura 3 –CASO 1- A ngiografia digital em perfil mostra completa oclusão da MAV após embolização. Figura 4- CAS) 1 –A RNM de encéfalo pré embolização mostra volumoso hematoma frontal com desvio das estruturas da linha mediana

Apesar de não existirem leitos capilares normais nas malformações arteriovenosas, freqüentemente se visualiza uma proliferação anormal de capilares adjacente à malformação.

Histologicamente, pode haver pequenas quantidades de tecido neural entremeando a malformação, o qual normalmente é gliótico e se acredita ser não-funcional. Quase sempre se encontram evidências de hemorragia antiga e trombose, incluindo macrófagos contendo hemossiderina, espessamento da aracnóide e paredes vasculares calcificadas e hialinizadas. Além disso, invariavelmente é visualizado algum grau de inflamação microscópica.

EPIDEMIOLOGIA

As malformações arteriovenosas intracranianas podem ocorrer ocasionalmente em idosos, mas são tipicamente diagnosticadas antes dos 40 anos, sendo incomum encontrar-se um antecedente de hipertensão arterial nesses pacientes.

Não se conhece ao certo a incidência e a prevalência das MAVs. De acordo com o conhecimento atual, as MAVs apresentam uma incidência anual de aproximadamente 1 para cada 100 000 habitantes e uma prevalência pontual em adultos de cerca de 18 para cada 100 000 habitantes (1 em aproximadamente 5500 adultos).

As MAVs contribuem para cerca de 1 a 2 porcento de todos os acidentes vasculares cerebrais (AVCs), mas talvez para aproximadamente 4 porcento dos AVCs em adultos jovens. As MAVs são identificadas em cerca de 9 porcento das pessoas que se apresentam com uma hemorragia subaracnóidea e são a causa de aproximadamente 4 porcento de todas as hemorragias intracerebrais primárias, sendo a causa de cerca de um terço das hemorragias intracerebrais primárias em adultos jovens.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A hemorragia espontânea é a forma mais comum de apresentação de uma malformação arteriovenosa, correspondendo a 41 a 75 porcento dos casos. A hemorragia é mais comumente intraparenquimatosa, mas ocasionalmente pode ser subdural ou subaracnóidea. Em 5 a 10 porcento dos casos pode ocorrer hemorragia intraventricular. A hemorragia presumivelmente ocorre devido à ruptura de um canal venoso anormalmente arterializado presente no interior da lesão principal da malformação. Os déficits neurológicos focais dependem da gravidade do sangramento e da localização do parênquima cerebral que está sendo afetado.

Existem algumas especulações de que as malformações arteriovenosas menores sangram mais freqüentemente ou têm uma maior propensão tanto para a hemorragia inicial quanto para a recorrente. Spetzler e colaboradores forneceram evidências de que há uma relação inversa entre o tamanho da malformação e outros dois aspectos: risco de hemorragia e tamanho do hematoma resultante. Eles acreditam que isto possa ser explicado pelo fato de a pressão nas artérias nutridoras tender a ser maior em lesões menores. Outros especulam que a obstrução venosa possa aumentar o risco de hemorragia ou que certos fatores angioarquiteturais tais como aneurismas pediculados ou presentes no interior da lesão principal possam aumentar a probabilidade de

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sangramento da malformação. Entretanto, hipertensão preexistente ou atividades que elevam a pressão arterial ou a pressão venosa (manobra de Valsalva, por exemplo) não se mostraram associadas a maiores taxas de hemorragia.

A hemorragia proveniente de uma malformação arteriovenosa é freqüentemente menos catastrófica que a proveniente de um aneurisma. Uma razão para isso é o fato de ser mais provável que o sangramento se origine da extremidade venosa do shunt arteriovenoso e, portanto, ocorrer sob uma pressão menor. Além disso, o vasoespasmo, que ocorre freqüentemente com o rompimento de um aneurisma, raramente ocorre com as malformações arteriovenosas, uma vez que um menor volume de sangue penetra o espaço subaracnóideo basal. Além do mais, notou-se que pelo fato de a hemorragia ter origem no interior da malformação, o qual se supõe incluir na maioria das vezes apenas tecido nervoso não-funcional, ela freqüentemente acarreta num menor dano à função cerebral que a hemorragia hipertensiva, a qual ocorre em regiões de tecido cerebral normalmente funcionantes e usualmente importantes. Oitenta a noventa porcento dos pacientes sobrevivem a uma hemorragia proveniente de uma malformação arteriovenosa, porém apenas 50 a 60 % sobrevivem ao impacto inicial de uma hemorragia aneurismática.

A segunda forma mais comum de apresentação de uma malformação arteriovenosa são crises epilépticas, as quais ocorrem em 11 a 33 % dos casos. Outros sintomas comuns de apresentação incluem cefaléia, déficit neurológico progressivo e insuficiência cardíaca. Foi relatada a ocorrência de todos os tipos de crises epilépticas relacionadas a essa lesão.

Ambos os tipos de enxaqueca, clássica e comum, foram relatadas em associação com as malformações arteriovenosas. A incidência nestes pacientes não parece ser maior que na população geral. Entretanto, acredita-se que quando pacientes com malformações arteriovenosas apresentam enxaqueca, a lesão se localiza mais freqüentemente no lobo occipital e, além disso, que a cefaléia e a sintomatologia visual sejam usualmente unilateral e consistentemente relacionadas com o lado da lesão. Outros tipos de cefaléia, não envolvidos com a hemorragia, podem estar associados às malformações. Acredita-se que a causa seja o estiramento da dura-máter e dos seios venosos e a dilatação dos vasos arteriais nutridores.

O déficit neurológico progressivo que pode ocorrer com o tempo pode ser relacionado ao recrutamento adicional dos vasos adjacentes e resultantes do chamado roubo cerebrovascular (cerebrovascular steal).

DIAGNÓSTICO

A maioria dos pacientes que procuram atendimento clínico devido a hemorragia, crises epilépticas ou déficit neurológico é submetida a exames de TC ou RM (figuras 10-14).

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Figura 10- CASO3 -Paciente de 33 anos, gestante, apresenta cefláia súbita seguida de crises convulsivas tônico clônico-generalizadas. Como histórico era seguida em ambulatório de neurocirurgia por MAV cerebral profunda conforme a angiografia mostra

Figura 11 a , Figura 11 b – CASO 3 – A TC de crânio mostra evidente sangramento da MAV com desvio da estruturas da linha mediana

Figura 12 – CASO 3- TC pós opratória mostra resseção parcial da MAV e drenagem do hematoma.

Além da hemorragia, a TC não contrastada freqüentemente mostra pontos de calcificação no interior e ao redor da malformação. Com adição do contraste, muitas vezes se visualizam grandes artérias nutridoras tortuosas ou veias dilatas. Estes mesmos padrões são vistos em imagens de RM, porém com maiores detalhes anatômicos.

Fig 13 Fig 14

Figura 13 – CASO4-A RNM mostra malformação occipital extensa de alto fluxo

Figura 14- CASO4-A angiorressonância mostra aferência de grande fluxo e drenagem venosa profunda

A angiografia permanece sendo o estudo definitivo tanto para o diagnóstico quanto para o planejamento cirúrgico e para a tomada de decisão. São necessárias angiografias dos vasos ipsilaterais e contralaterais e também é importante que o estudo seja feito num período próximo à realização da cirurgia (figura 15). Sabe-se que as malformações arteriovenosas mudam de tamanho e o padrão de drenagem com o tempo. Além disso, os vasos que não são visualizados numa angiografia inicial devido à compressão proveniente de uma hemorragia podem se tornar visíveis em estudos realizados durante o seguimento algumas semanas depois.

Figura 15

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Os equipamentos de subtração digital podem realizar uma rápida seqüência de imagens através de todos os estágios arteriais e venosos, permitindo assim que se consiga uma delineação precisa dos vasos nutridores e dos shunts arteriovenosos.

Alguns autores recomendam a realização de um exame de RM anteriormente à cirurgia para obter uma localização anatômica mais precisa da lesão. Em diversas ocasiões, a abordagem e o planejamento cirúrgicos foram modificados devido a sutis nuanças relacionadas à localização que não puderam ser definidas precisamente na angiografia. Os resultados da angiografia e da RM provêm informações complementares que ajudam o cirurgião a formular uma visão tridimensional da localização da malformação, dos seus nutridores e do seu sistema de drenagem.

O papel preciso das outras modalidades diagnósticas, tais como os exames de fluxo sangüíneo através de tomografia computadorizada com xenônio e de ressonância magnética funcional, no diagnóstico das malformações arteriovenosas ainda têm de ser definidos. A técnica de TC com xenônio pode ser útil no seguimento dos padrões de fluxo sangüíneo ao redor da lesão num período anterior e posterior à intervenção cirúrgica. Alguns defendem o seu uso na determinação da probabilidade de complicações perioperatórias relacionadas à perfusão. A RM funcional é capaz de detectar a proximidade de uma malformação a áreas eloqüentes do encéfalo tais como o córtex motor primário ou a área de Broca. Tais informações podem ser usadas para se guiar o planejamento cirúrgico, apesar de ser improvável que alguém não removesse completamente uma malformação arteriovenosa devido simplesmente a sua proximidade com uma região cortical eloqüente. Mais provavelmente estes estudos podem ajudar na determinação de se uma dada malformação é ou não operável.

TRATAMENTO

A decisão acerca da estratégia de tratamento deve levar em consideração alguns aspectos importantes, como a história natural da doença, a localização e o tipo de malformação, as condições do paciente e a experiência do cirurgião com o tipo de terapia em questão.

História natural

Depois de se manifestar através de hemorragia, crises epilépticas, déficit neurológico progressivo ou cefaléia, a história natural freqüentemente progride com outros episódios de sangramento e de deterioração. Isto parece verdadeiro não importando se a malformação já tenha sofrido ruptura ou não no passado. A partir da análise dos estudos acerca da história natural das MAVs, podem ser tiradas diversas conclusões.

As MAVs que não sofreram ruptura parecem ser muito menos benignas do que se imaginava e aparentam seguir um curso muito similar ao das MAVs que já apresentaram sangramento. O risco anual ocorrência do primeiro sangramento de uma MAV é de aproximadamente 2 porcento, e ele pode aumentar na coexistência de um ou mais aneurismas.

No ano de ocorrência da hemorragia, o risco de recorrência do sangramento é maior, chegando a 18 porcento. Entretanto, nos anos subseqüentes, a taxa anual de sangramento passa a girar em torno de 3 a 4 porcento ao ano.

O risco de morte associado a cada sangramento parece estar entre 10 e 15 porcento, com uma taxa anual de mortalidade secundária a hemorragia estando entre 1 e 1,5 porcento para ambos os tipos de MAVs (rompidas ou não rompidas). Já o risco de

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desenvolvimento de déficit neurológico permanente é de aproximadamente 2 a 3 porcento ou ano, ou de 20 a 30 porcento em cada episódio de sangramento.

As MAVs parecem carregar um risco anual de desenvolvimento de crises epilépticas de novo em torno de 1 porcento, com uma boa propensão de controle por meio da utilização de anticonvulsivantes.

Não foi estabelecido de maneira exata o risco de ruptura durante a gravidez, assim como o risco de ruptura em pacientes portadores de telangiectasia hemorrágica hereditária (os quais apresentam uma maior prevalência de MAVs).

Fatores relacionados ao paciente

Idade. Alguns acreditam que a idade do paciente seja o fator mais crítico para a

tomada da decisão de se operar uma dada malformação. Há evidências que sugerem que a probabilidade de uma hemorragia proveniente de uma malformação diminui em idades mais avançadas, apesar de alguns estudos indicarem o contrário. A idade do paciente determina o número de anos durante o qual o paciente estará sob o risco de hemorragia caso a lesão não seja tratada. Isto pode ser importante dado o aparente risco cumulativo anual de hemorragia de 4 porcento.

Assim, alguns preferem adotar uma conduta mais conservadora com pacientes idosos, mesmo quando uma malformação já tenha sangrado. Por outro lado, uma pessoa jovem com uma malformação apresenta um importante risco cumulativo de hemorragia e, junto a isso, de seqüelas sobrevindas desta durante o decorrer de sua vida. Um paciente mais jovem também é capaz de tolerar o extenso procedimento cirúrgico e o prolongado curso pós-operatório que freqüentemente é necessário. Além disso, um paciente mais jovem é mais propenso a se recuperar de uma potencial morbidez associada à cirurgia.

Condições clínicas gerais. A condição médica geral de um paciente com uma

malformação arteriovenosa deve ser levada em consideração ao se decidir sobre uma dada forma de terapia. Por exemplo, um paciente idoso portador de uma condição cardíaca que o proíba de ser submetido uma anestesia geral prolongada seria mais indicado a sofrer um tratamento radiocirúrgico ou mesmo nenhuma forma de terapia para a malformação.

Existe um consenso geral de que a cirurgia para a malformação arteriovenosa deva ser um procedimento eletivo, a menos que tenha ocorrido uma hemorragia que ameace a vida do paciente. A maioria dos cirurgiões prefere aguardar algumas semanas após a ocorrência de uma hemorragia clinicamente significativa no intuito de permitir que o paciente tenha uma melhora neurológica. Deve-se resistir à tentação de se operar o paciente logo após a ocorrência de uma hemorragia que tenha acarretado num déficit neurológico importante, visto que isto pode tornar um déficit possivelmente reversível num permanente.

Ocupação e estilo de vida. Estes são os fatores mais subjetivos; entretanto,

devem ser considerados durante a tomada de decisão acerca do tratamento. O paciente deve considerar os riscos e ser informado de como algum déficit poderá afetar nas atividades relacionadas a sua ocupação e seu estilo vida.

Fatores relacionados com a malformação arteriovenosa

Local e tipo de lesão. Foram feitas várias tentativas de se graduar as malformações ou de se identificar as características importantes da lesão que se correlacionam com o resultado. Dessas classificações, pode-se concluir que as malformações maiores apresentam um maior desafio técnico para o cirurgião, e sua remoção tem maior chance de deixar seqüelas. Lesões profundas, aquelas adjacentes ou que envolvem uma região

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de córtex eloqüente e aquelas na fossa posterior são geralmente associadas a uma maior dificuldade e morbidez decorrente do procedimento cirúrgico. Além do mais, a excisão de uma lesão presente em alguns locais (profundidade do tronco encefálico ou perna posterior da cápsula interna, por exemplo) que presumivelmente ocasionará um déficit inaceitável caso se realize o procedimento cirúrgico são consideradas “inoperáveis”.

Dos sistemas de classificação existentes, o de Spetzler e Martin, que enfatiza o tamanho, a eloqüência do local acometido e a existência ou não de drenagem venosa profunda (indicativa de localização profunda ou extensão para a profundidade), parece ser o mais simples, fácil de usar e de se reproduzir (tabela 1). Ele se baseia numa escala de pontuação que vai de 0 a 5, sendo dado 1 ponto para uma lesão menor que 3 cm, 2 pontos para uma lesão de 3 a 6 cm e 3 pontos para uma lesão maior que 6 cm. Caso se localize numa área eloqüente, dá-se um ponto a mais, assim como se houver drenagem venosa profunda. A pontuação total é obtida somando-se todos os pontos obtidos em cada uma das categorias.

Tamanho Pontuação 0 a 3 cm 1 3 a 6 cm 2 Maior que 6 cm 3 Localização Pontuação Não-eloqüente 0 Eloqüente 1

Drenagem Venosa Profunda Pontuação

Ausente 0 Presente 1

Tabela 1 – Escala de Pontuação de Spetzler-Martin

Esta escala foi aplicada em estudos prospectivos, nos quais se constatou uma baixa morbidez associada ao tratamento nas lesões de graus I, II e III. Entretanto, as lesões de grau IV apresentaram um índice de 31,2% de morbidez associada ao tratamento, e as de grau V tiveram um índice de 50% de nova morbidez associada ao tratamento. Além disso, a taxa de déficit permanente foi de 29,9% para o grau IV e de 16,7% para o grau V.

Isto levou alguns a recomendarem cirurgia para todas as lesões de graus I e II. Já as de grau III deveriam avaliadas caso a caso, entretanto, em geral os autores recomendam a cirurgia para ambos os tipos de pacientes, sintomáticos ou assintomáticos. As lesões de graus IV e V requerem uma abordagem multidisciplinar, devendo ser analisadas individualmente.

TÉCNICAS CIRÚRGICAS GERAIS Momento da cirurgia e preparação

A cirurgia para malformação arteriovenosa idealmente deve ser realizada de forma eletiva. Ocasionalmente, uma hemorragia intraparenquimatosa deve ser removida numa emergência por apresentar um efeito de massa que ameace a vida do paciente. Nesta situação, alguns preferem realizar uma cirurgia o mais conservadora possível, removendo grande parte do conteúdo hemorrágico, mas evitando ao máximo se

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aproximar das malformações venosas. Após regressão do edema, pode-se retornar à terapia definitiva. Na maioria dos casos, a hemorragia pode ser tratada de maneira conservadora por 3 a 4 semanas após a ocorrência de um sangramento moderado, antes de se abordar a malformação por meio de uma excisão cirúrgica definitiva. Isto permite a melhora das condições clínicas do paciente, que usualmente atinge um platô. Além disso, o hematoma começa a se liquefazer, o que pode facilitar a cirurgia. Durante este período de espera, é importante avaliar as formas de terapia que podem ser oferecidas, e deve-se repetir a arteriografia antes que qualquer terapia definitiva seja realizada. Quando o coágulo é reabsorvido, a configuração da malformação arteriovenosa freqüentemente é alterada. Além do mais, pode haver algumas mudanças novas na angiografia, tais como trombose das artérias nutridoras ou aparecimento de vasos que não foram visualizados inicialmente.

Alguns cirurgiões utilizam rotineiramente esteróides nos períodos pré-operatório e imediatamente perioperatório, pelo fato de a cirurgia requerer uma significante retração cerebral. Também administram antibióticos profiláticos no pré-operatório e, no caso de lesões supratentoriais, são prescritos anticonvulsivantes. Pode-se também realizar uma drenagem lombar ou utilizar-se manitol para se obter um relaxamento cerebral. Uma indução anestésica padrão para casos intracranianos é empregada, com o uso de fentanil e pentobarbital juntamente com um agente de bloqueio neuromuscular. Depois de completada a anestesia, a PCO2 é diminuída constantemente através de hiperventilação para aproximadamente 25 a 30 mmHg. A manutenção da anestesia é contínua, usualmente com 30 porcento de óxido nítrico e inalação de agente como isoflurano combinado com doses intermitentes de fentanil. Alguns preferem não utilizar agentes hipotensores para controle do sangramento, exceto em circunstâncias muito raras. Mais freqüentemente, os pacientes apresentam uma pressão sangüínea ligeiramente abaixo do normal durante a anestesia.

Posicionamento e Craniotomia

O posicionamento é um fator crítico para o planejamento de uma cirurgia para malformação arteriovenosa. O posicionamento é diferente para lesões em diferentes localizações, mas em geral a cabeça deve ser posicionada de maneira tal que não cause compressão das veias do pescoço, o que poderia impedir significantemente a drenagem venosa. O posicionamento deve ser tal que a retração cerebral durante a ressecção seja mínima e, sempre que possível, seja ajudada pela força gravitacional. Idealmente, deve ser transgredida a menor quantidade de tecido cerebral e a anatomia das cisternas e dos sulcos deve ser usada por completo. Na maioria dos casos, a cabeça é rigidamente fixada num equipamento de fixação; com uma representação cortical, a superfície da lesão é posicionada paralelamente ao solo, de maneira tal que as artérias nutridoras estejam o mais perpendicular possível. (figuras 16 e 17)

Fig 16 Fi 17

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Figura 17 – Posicionamento com rotação da cabeça 45 graus e deflexão no caso de craniotmia pterional

Fig 18 Fig 19

Figura 18 e 19– Os planos músculos cutâneos devem ser bem establecidos. Na figura 19 o músculo temporal apesenta-se afastado para expormos o temporal amplamente

Fig 20 Fig 21 Figura 20- A exposição dural deve ser ampla

Figura 21- Devemos reconhecer veias arterializadas na superfície cortical antes de coagularmo-las Deve-se realizar tanto uma craniotomia quanto uma abertura da dura-máter amplas, particularmente se a malformação for de tamanho moderado ou grande. (figuras 18- 20) Alguns costumam expor uma grande porção do tecido cerebral ao redor daquilo que acreditam ser a lesão principal da malformação, para que possam ter uma melhor orientação das posições das artérias nutridoras, das veias de drenagem e de outros pontos de referência cortical.(Figura 21) Freqüentemente, a malformação não é visível na superfície cortical e somente é localizada por meio do reconhecimento de uma ou mais artérias nutridoras mergulhando num sulco distal ou de uma grande veia distante da lesão principal. Além disso, uma craniotomia ampla permite que o cirurgião tenha uma maior liberdade para ajustar o ângulo do microscópio e possa lidar com uma hemorragia imprevista que esteja distante do local em que a cirurgia está sendo feita. Mesmo que seja feito o melhor planejamento cirúrgico, sempre existe a possibilidade de haver um achado intraoperatório que demande uma abordagem ligeiramente diferente e, portanto, uma craniotomia mais ampla.

Técnicas cirúrgicas

O processo de excisão da lesão pode ser dividido em cinco estágios: identificação da malformação e eliminação dos vasos nutridores superficiais, dissecção circunferencial, dissecção do ápice da lesão, divisão do pedículo vascular final com completa remoção e hemostasia absoluta. Cada um será discutido em ordem cronológica.

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1. Identificação e eliminação dos vasos nutridores

Caso a malformação não seja visível na superfície após se ter retirado um grande flap ósseo e feito uma ampla abertura dural, deve-se decidir o local de entrada. Qualquer vaso nutridor superficial deve ser identificado com auxílio do microscópio através da abertura da aracnóide que o recobre. Esse vaso deve ser dissecado, identificado e acompanhado até o local em que penetra a malformação, sendo que neste ponto ele pode ser separado, mas apenas após a confirmação de que o vaso não irriga qualquer área adjacente do cérebro. Isto ocorre com vasos que são encontrados particularmente em lesões perissilvianas e naquelas que se encontram no corpo caloso. Quando a lesão principal da malformação não é visível na superfície, o ultrassom pode ser útil na sua identificação. Freqüentemente, uma artéria cortical aumentada pode ser identificada e acompanhada no interior de um sulco até a lesão principal da malformação; por outro lado, uma veia arterializada de coloração avermelhada pode ser visualizada e acompanhada até a lesão.

Com relação à identificação dos vasos nutridores superficiais, é de extrema importância não os confundir com veias de drenagem de coloração avermelhada, as quais quase sempre devem ser preservadas até o final do procedimento cirúrgico. Uma exceção seria uma malformação que drena seu conteúdo através de uma ou mais veias profundas, com apenas uma pequena drenagem superficial. A obliteração prematura da drenagem venosa principal pode levar gerar terríveis inchaços e hemorragias intraoperatórios. Com a experiência, é freqüentemente fácil diferenciar essas veias das artérias por meio de uma grande magnificação, visto que aquelas possuem uma parede mais fina e são menos túrgidas que as artérias do mesmo calibre; também, as veias tendem a ter um diâmetro maior que o da maioria das artérias nutridoras. Se a identificação for duvidosa, a aplicação de um clipe temporário irá indicar claramente se o amortecimento das pulsações ocorre no sentido da malformação ou a partir dela. Além disso, as veias e artérias freqüentemente podem ser identificadas pela sensação tátil através de uma leve compressão do vaso entre as extremidades do fórceps bipolar. Geralmente é possível verificar a diferença entre a parede de uma veia, a qual costuma ser fina e facilmente compressível, da parede de uma artéria nutridora, mais firme. Finalmente, durante a coagulação destes vasos, a aplicação de uma corrente de pequena e curta intensidade a partir de um fórceps bipolar pode imediatamente diferenciar uma artéria de uma veia. A veia se contrai até sua oclusão mais rapidamente.

Durante a separação dos vasos nutridores, alguns utilizam, além da coagulação bipolar, microhemoclipes para vasos com mais de 1 mm de diâmetro.

2. Dissecção circunferencial

Após a utilização dos resultados da angiografia para se certificar de que todos os grandes vasos nutridores superficiais foram identificados e separados, pode-se iniciar a dissecção circunferencial ao redor da malformação. É imperativo que a dissecção seja realizada o mais perto possível da margem da lesão para se evitar qualquer dano ao tecido cerebral adjacente. O plano de dissecção pode ser ligeiramente mais periférico apenas quando as malformações estão situadas longe de áreas neurologicamente críticas. Contrariamente aos relatos da literatura antiga acerca da existência de um plano avascular ao redor de uma malformação, raramente se encontra tal plano circundando a lesão inteira; ao invés disso, se o plano se torna muito avascular, pode ser que o cirurgião tenha se enganado e esteja dissecando um local muito longe da malformação.

O gotejamento encontrado na margem deve ser controlado. Freqüentemente é infrutífero e potencialmente desastroso deixar acumular o sangramento proveniente das

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margens cerebrais, visto que isso poderá gerar uma hemorragia intraparenquimatosa ou intraventricular que não poderá ser reconhecida até a ocorrência de um inchaço catastrófico. Em lesões na convexidade cerebral, a cortisectomia circunferencial inicial deve prosseguir até uma profundidade de aproximadamente 2,5 cm, a qual é a profundidade máxima do sulco, antes do aprofundamento da dissecção. A razão disso é que o suprimento arterial superficial deve penetrar a malformação na profundidade de um sulco e não ser visível na superfície. Usualmente, após a eliminação dos vasos nutridores nessa profundidade, não se encontra nenhum grande vaso nutridor até que o ápice da malformação seja alcançado.

3. Dissecção do ápice

A dissecção circunferencial se continua num formato cônico até se alcançar este passo da ressecção, o qual é o mais difícil de todos. É neste estágio que os vasos nutridores finais são encontrados. Os mais difíceis de lidar são os vasos subependimais pequenos e friáveis que resistem a qualquer tentativa de coagulação. Este estágio da ressecção é também frustrante e freqüentemente demorado porque os vasos resistem à coagulação e são difíceis de identificar, persistindo a hemorragia. Alguns acham difícil usar hemoclipes e pequenos clipes de aneurisma nesta profundidade e, por vezes, os vasos continuam a sangrar através dos clipes.

Com persistência e paciência, o cirurgião pode eventualmente conseguir a hemostasia. Novamente, deve-se evitar o acúmulo de sangue na substância branca, o que simplesmente faz com que os vasos se retraiam e continuem a sangrar por mais tempo. Alguns cirurgiões acham que os hipotensores são válidos para o controle do sangramento neste estágio; entretanto, se os hipotensores forem usados, é aconselhável que se mantenha o paciente sedado e em hipotensão por 2 ou 3 dias após a cirurgia.

4. Pedículo vascular final e remoção

Após a dissecção circunferencial e o controle do ápice, a malformação deve literalmente ficar “pendurada” pelo seu pedículo. Freqüentemente, as veias ainda continuam um tanto arterializadas neste estágio, devido aos pequenos vasos nutridores que se dispõem diretamente abaixo ou adjacentemente a veias de drenagem. Deve-se prestar uma cuidadosa atenção para essa possibilidade, mesmo que as veias estejam clipadas e separadas.

5. Hemostasia absoluta

Neste ponto, a cavidade da ressecção deve ser cuidadosamente inspecionada, averiguando-se a presença de algum sangramento ou malformação residual. Deve-se remover cuidadosamente qualquer material que tenha sido colocado no local de dissecção, evitando-se causar algum sangramento adicional. Toda a parede da cavidade da ressecção é inspecionada sob a magnificação do microscópio. Uma atenção especial deve ser dada para esta parte do procedimento, uma vez que isso pode significar a diferença entre um curso pós-operatório tranqüilo e uma hemorragia catastrófica.

Caso se encontre uma malformação residual, usualmente se realiza uma cuidadosa remoção neste estágio. Após o cirurgião estar certo de que toda a malformação foi removida e que toda a hemorragia foi controlada, a cavidade inteira é forrada com uma camada de Surgicel. O anestesista é então solicitado a elevar suavemente a pressão sangüínea para 15 ou 20 mm acima da pressão de repouso para se checar a ocorrência de algum sangramento a partir das paredes da cavidade. Se for identificado qualquer local de sangramento, este deve ser tratado, forrado novamente com Surgicel e então inspecionado por mais uma vez com a pressão sangüínea elevada. É somente após 10 a

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15 minutos de inspeção da cavidade com o auxílio do microscópio que o cirurgião pode permitir que a pressão sangüínea retorne ao nível em que se encontrava durante a anestesia. O anestesista é então instruído a não permitir que a pressão sangüínea se eleve acima do nível testado anteriormente.

Cuidados pós-operatórios

A introdução do agente anestésico propofol permitiu um pronto despertar dos pacientes mesmo após um período prolongado de anestesia. A infusão do propofol tem início aproximadamente 1 ou 2 horas antes do final de um procedimento demorado. Isto permite um rápido despertar e, portanto, as condições neurológicas do paciente podem ser prontamente avaliadas. Entretanto deve-se prestar atenção ao tipo de recuperação anestésica. De todos os procedimentos neurocirúrgicos, a ressecção de uma malformação arteriovenosa demanda o despertar mais estável de todos, sem elevação da pressão arterial, manobra de Valsalva ou uma tosse ou esforço indesejáveis que possam causar um aumento da pressão intracraniana. Deve ser possível um controle instantâneo da pressão sangüínea. Esta é mantida abaixo do valor testado após a ressecção por 24 a 48 horas. Nenhum paciente é liberado sem antes realizar uma angiografia cerebral para demonstrar a obliteração completa da malformação arteriovenosa. Alguns também realizam uma angiografia intraoperatória antes do fechamento da ferida em casos de malformações complicadas ou se houver alguma incerteza sobre se a ressecção foi realizada por completo.

COMPLICAÇÕES

Os tipos de complicações que ocorrem no tratamento cirúrgico das malformações envolvem todos os aspectos da avaliação pré-operatória do paciente, o período intraoperatório e o curso pós-operatório.

Pré-operatório

Segundo a estimativa de alguns autores, um julgamento errôneo acerca do procedimento cirúrgico é a causa mais freqüente das complicações cirúrgicas. O erro mais comum nessa categoria é o erro de avaliação da topografia exata de uma lesão que invade as áreas da fala, motoras-sensitivas primárias ou capsulares ou o tronco encefálico. Erros de concepção espacial são ocorrências menos freqüentes hoje em dia, visto que os exames de RM de alta resolução podem delinear a extensão exata de uma dada lesão e sua proximidade com a faixa motora, a cápsula interna ou o tronco encefálico. A experiência de alguns cirurgiões demonstrou que há diversas ocasiões em que a cirurgia seria recomendada baseando-se apenas na angiografia, mas após a realização da RM é detectado o envolvimento da área motora ou do tronco encefálico.

Caso a lesão encontrada pelos exames de imagem envolva uma área crítica, deve-se esperar algum déficit. Alguns pacientes estão dispostos a aceitar este tipo de morbidez, dependo da sua idade, ocupação e disposição de viver com a ameaça incerta de uma futura hemorragia. Provou-se que o mapeamento cortical pode ajudar em alguns casos. Entretanto, isto não altera a técnica de ressecção da malformação, a qual preconiza a ressecção exatamente na margem entre a lesão e o tecido cerebral adjacente. Para alguns, o mapeamento intraoperatório é útil apenas quando o cirurgião deseja abandonar a tentativa de ressecção da malformação antes mesmo que o procedimento de retirada se inicie, caso o mapeamento mostre que a lesão de fato envolve uma área crítica do cérebro. Mais recentemente, tem-se preferido utilizar o mapeamento feito pela RM funcional no pré-operatório para este fim.

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Outro erro que pode ocorrer no julgamento acerca da cirurgia envolve os pacientes com significantes complicações clínicas e, portanto, de alto risco cirúrgico. O paciente deve ser capaz de suportar um prolongado período sob anestesia, com significantes alterações hemodinâmicas e, freqüentemente, grande perda sangüínea. Assim, deve-se realizar uma completa avaliação dos sistemas pulmonar e cardiovascular em todo paciente.

Por vezes, um cirurgião pode subestimar a capacidade do paciente de se recuperar de uma hemorragia inicial. Num paciente com um déficit significante, pode-se considerar uma cirurgia precoce, imaginando-se que o déficit não poderá ser agravado pela cirurgia. Apesar disto poder ser verdade, um déficit potencialmente reversível pode ser tornar permanente ao se proceder com a cirurgia numa fase aguda, na presença das dificuldades criadas em se operar através da hemorragia e de uma pressão intracraniana aumentada. Esperar algumas semanas freqüentemente permite que o paciente se recupere significativamente, e essa espera oferece mínimos riscos adicionais, visto que a chance de um ressangramento precoce é baixa nas malformações arteriovenosas. Além do mais, ao se esperar e repetir os estudos angiográficos várias semanas depois freqüentemente serão encontradas mudanças na malformação arteriovenosa ou mesmo uma completa trombose.

Intraoperatório

Dano ao parênquima - A segunda causa mais comum de complicações é o dano

ao parênquima, apesar de às vezes poder ser difícil separar este resultado dos erros causados pela má concepção espacial e da ressecção de lesões muito próximas às áreas eloqüentes.

O dano ao parênquima pode ser causado por se tomar uma margem muito abrangente de ressecção ao redor da malformação no intuito de se procurar um plano de dissecção que sangre menos. O plano de ressecção deve ser sempre mantido exatamente nas curvaturas da malformação, não importando o quão ensangüentado se torne o campo. Além disso, trabalhar num campo “seco” freqüentemente significa que se está muito afastado das margens da malformação e que se está penetrando na substância branca adjacente. Conforme foi mencionado, um plano gliótico relativamente avascular circundando as malformações arteriovenosas é freqüentemente incompleto e mesmo inexistente na maioria das malformações que não se romperam. A única ocasião em que um plano mais distante pode ser desenvolvido é com lesões polares situadas nos pólos frontal ou temporal, e mesmo assim o plano de ressecção não precisa estar longe da lesão principal.

Isquemia e infarto do tecido normal, causado por se abordar os vasos nutridores a certa distância da malformação, é outra causa de dano ao parênquima. Isto pode ser um problema com malformações arteriovenosas supridas por vasos que no final continuam e vão irrigar tecido cerebral normal ou por vasos “transicionais”, ou seja, aqueles que suprem tanto a malformação quanto o tecido cerebral adjacente. Todos os vasos nutridores, antes de serem sacrificados, devem ser cuidadosamente acompanhados até chegarem à lesão principal. No caso dos vasos nutridores superficiais, a aracnóide deve ser aberta e o vaso deve ser acompanhado por todo o trajeto na profundidade do sulco antes de finalmente ser identificado como sendo um nutridor da malformação. Malformações arteriovenosas silvianas e calosas anteriores, em particular, são freqüentemente supridas pelas artérias cerebral média e cerebral anterior, as quais devem ser cuidadosamente esqueletizadas durante sua passagem através da lesão no sentido de não se obstruir os troncos principais, que no final suprem o tecido cerebral normal.

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Muitos acreditam que os danos ao tecido ao redor da malformação arteriovenosa devidos à retração e ao conseqüente edema é a causa da maioria dos déficits transitórios pós-operatórios. Certamente, grandes retrações dos lobos frontal, temporal ou occipital podem resultar em significante edema e em infarto venoso pela oclusão das grandes veias de drenagem. Por isso, alguns cirurgiões preferem certas abordagens que envolvem alguma ressecção de áreas não-eloqüentes, no sentido de se prevenir retrações vigorosas. Por exemplo, a retração do lobo temporal e danos potenciais à veia de Labbé devido a uma abordagem subtemporal em direção médio-temporal e lesões do lobo temporal medial posterior podem ser evitados por meio de uma cirurgia através do giro temporal inferior. Retração frontal excessiva (com dano potencial às grandes veias de drenagem) para uma abordagem transcalosa interhemisférica de uma lesão na cabeça do núcleo caudado pode ser evitada por meio de uma cirurgia transcortical na presença de ventriculomegalia. Danos ao lobo occipital devido a retração numa abordagem interhemisférica a uma lesão na área paratrigonal medial pode ser minimizada por meio de uma abordagem parietal posterior transcortical.

Devido ao seu longo curso através dos lobos temporal e occipital, deve-se dar uma atenção especial às fibras da radiação óptica durante a ressecção de uma malformação arteriovenosa. Elas estão intimamente relacionadas com a localização de muitas malformações temporais, paratrigonais e occipitais profundas e, portanto, são freqüentemente lesadas. Sendo assim, uma cuidadosa consideração na abordagem dessas lesões pode minimizar os danos às fibras genículo-calcarinas. Por exemplo, existem evidências de que uma abordagem do lobo temporal ântero-medial através da fissura siliviana não geram déficits ao campo visual.

Hemorragia - A hemorragia intraoperatória pode resultar duma oclusão venosa

prematura que gera hiperemia e ingurgitamento do cérebro e da malformação remanescente. Como foi enfatizado, pode-se ligar e separar uma veia, no intuito de se ajudar a mobilizar a lesão principal, somente se mais de uma veia substancial drenar a malformação. Portanto, é bom deixar intacta qualquer veia arterializada até que a lesão tenha sido dissecada circunferencialmente. Após a excisão da lesão principal, o sangramento das paredes da cavidade mais provavelmente representa uma malformação retida.

Conforme discutido, a hemorragia proveniente dos ramos perfurantes profundos pode ser problemática. Além disso, pode ocorrer um dano substancial ao parênquima durante as tentativas de parar o sangramento desses frágeis vasos da substância branca, dano esse provocado ou pela sucção para identificação dos vasos ou pelo armazenamento de sangue no parênquima. Como foi dito, o armazenamento do sangue proveniente desses vasos deve ser evitado a todo custo, visto que pode levar a um sangramento parenquimatoso ou intraventricular não reconhecido.

Pós-operatório

Hemorragia - A causa mais comum de hemorragia no período pós-operatório é a

retenção da malformação arteriovenosa. Freqüentemente existem pequenos restos deste tecido deixado nas paredes da cavidade de ressecção como uma conseqüência natural da condução do plano de ressecção o mais próximo possível da malformação. Por esta razão, é absolutamente necessária uma cuidadosa inspeção da parede da ressecção. Alguns aconselham elevar a pressão sangüínea e inspecionar o leito da ressecção por no mínimo 15 minutos, com o intuito de provocar sangramento de um fragmento residual da malformação arteriovenosa não reconhecido. A angiografia intraoperatória pode ser de extrema ajuda na revelação de remanescentes da malformação.

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Sangramento por ruptura sob pressão de perfusão normal é uma ocorrência rara, mas pode ser uma causa de hemorragia pós-operatória. A maioria dos pacientes nos quais ocorre esta complicação são portadores de malformações grandes e de alto fluxo. O tratamento inclui a drenagem do hematoma, um controle cuidadoso da pressão sangüínea, instituição de coma barbitúrico e terapia anti-edema.

Trombose vascular - Após a excisão de lesões de alto fluxo com a interrupção

súbita das longas veias de drenagem, existe um risco teórico de trombose venosa retrógrada com possibilidade de ser acompanhada de infarto venoso e hemorragia.

Também existe teoricamente a possibilidade de ocorrer uma trombose arterial retrógrada após a ressecção, particularmente se artérias nutridoras longas e tortuosas forem interrompidas na entrada da lesão principal da malformação.

Apesar de se poder visualizar vasoespasmo em angiografias pós-operatórias, é muito raro, após a cirurgia de excisão de malformações arteriovenosas, ocorrerem déficits isquêmicos do tipo visto em decorrência de vasoespasmo cerebral após uma hemorragia subaracnóidea.

Epilepsia - Há início de crises epilépticas em 6 a 22 porcento dos pacientes que

não as apresentavam antes da cirurgia, dependendo do local da lesão e do tempo de acompanhamento após a realização da cirurgia. Em um estudo, 15 porcento dos pacientes tiveram o início das crises, mas metade deles apenas apresentou uma ou duas crises epilépticas no pós-operatório imediato. Caso um paciente com malformação arteriovenosa se apresente com crises epilépticas refratárias ao tratamento clínico, a eletrocorticografia intraoperatória pode ajudar a guiar a ressecção do tecido epileptogênico ao redor da lesão.

RESULTADOS DA CIRURGIA

Os estudos de acompanhamento longitudinal de longo prazo demonstram uma melhora significativa do estado neurológico dos pacientes após a alta hospitalar. Alguns mostram uma taxa de mortalidade de 1,9 porcento.

Com as modernas técnica microcirúrgicas, as malformações arteriovenosas, exceto as mais complexas (Spetzler-Marin graus IV e V), podem ser ressecadas com uma mínima taxa de mortalidade e morbidade, usualmente menores que 5 porcento. Entretanto, as lesões mais difíceis são acompanhadas de séria morbidez, mesmo sendo dados os melhores cuidados.

OUTRAS FORMAS DE TRATAMENTO

Além do tratamento cirúrgico, também são utilizadas outras forma de tratamento, sendo elas a terapia endovascular e a radiocirurgia.

Terapia endovascular

A terapia endovascular foi desenvolvida no sentido de aumentar a margem de segurança do neurocirurgião no tratamento dos distúrbios neurovasculares, passando a ser um componente essencial do tratamento multimodal desses distúrbios. Ela é empregada em combinação com os tratamentos microcirúrgicos e radiocirúrgicos, ou, raramente, como a única forma de tratamento. Os objetivos da embolização são aumentar a segurança da ressecção cirúrgica, reduzir o tamanho da lesão principal para que esta possa ser tratada através da radiocirurgia ou, em poucos casos, reduzir os sintomas de roubo cerebral nas lesões inoperáveis. O objetivo final é a eliminação da

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lesão; entretanto, muitas vezes não é possível obter uma obliteração permanente utilizando apenas a técnica de embolização.

Utilizada como auxiliar a ressecção cirúrgica, a embolização tem o potencial de reduzir a mortalidade e a morbidade e tornar a cirurgia mais fácil. Aneurismas decorrentes do fluxo sangüíneo e ectasias venosas podem ser obliterados por meio da embolização pré-operatória. Além disso, mostrou-se que a embolização reduz a perda sangüínea intraoperatória e a necessidade de transfusão sangüínea durante a ressecção. A incidência de novos déficits importantes e de morte após a ressecção cirúrgica e a taxa de crises epilépticas pós-operatórias também foram reduzidas por meio da embolização pré-operatória. Imagina-se que isso seja resultado da redução do tamanho e do fluxo no interior da lesão principal, o que reduziria o número de vasos nutridores profundos e inacessíveis e eliminaria os aneurismas situados dentro da lesão principal.

A embolização também pode ser utilizada como terapia auxiliar à obliteração radiocirúrgica. A estratégia endovascular é obliterar o máximo possível da lesão e mudar o seu formato para torná-la mais amena à radiocirurgia.

Além do mais, a embolização endovascular pode ser usada como terapia paliativa caso a lesão seja inoperável ou caso o paciente recuse se submeter à terapia tradicional. Interrompendo o processo de recrutamento dural, a embolização pode produzir um dramático alívio da cefaléia ou tornar os ataques de enxaqueca mais amenos às medicações tradicionais. Além disso, também pode diminuir ou interromper o fenômeno de roubo através da alteração da hemodinâmica da malformação. Entretanto, um papel de proteção contra o ressangramento não foi documentado.

Menos de 15 porcento das malformações arteriovenosas podem ser obliteradas através de uma abordagem endovascular. Como terapia definitiva, a embolização deve eliminar completamente a lesão principal e demonstrar sua completa e inequívoca obliteração num seguimento de longo prazo. Usualmente, as malformações que são passíveis de se obliterar através deste método são lesões pequenas e de baixo grau supridas por um único pedículo vascular e apresentam pequena morbidade cirúrgica.

A embolização pré-operatória claramente ajuda na redução da morbidade perioperatória, particularmente no tratamento de lesões do grau III ao V de Spetzler-Martin. Nas lesões inoperáveis, a embolização reduz os sintomas de crise epiléptica ou de roubo cerebral.

Radiocirurgia

A radiocirurgia parece produzir trombose da malformação através da indução de um processo patológico na lesão principal, levando a um espessamento gradual dos vasos até a ocorrência da trombose. Pode ser utilizada isoladamente no tratamento de malformações menores que 3,5 cm de diâmetro. Ocasionalmente, lesões maiores são tratadas por meio da combinação de terapia endovascular, cirurgia e radiocirurgia.

Cada vez mais se tem lançado mão da embolização em conjunto com a radiocirurgia. Entretanto, muitas questões acerca desta combinação ainda têm de ser respondidas, tais como o melhor tipo de material que se deve empregar na embolização. Além disso, parece claro que a combinação dessas duas terapias expõe o paciente aos riscos de ambos os procedimentos. Sendo assim, visto ser raro a embolização isoladamente levar à cura, ela deve ser utilizada somente se a malformação for grande demais para ser tratada apenas com a radiocirurgia.

Diversos estudos, baseados na utilização tanto do sistema gamma knife quanto do sistema acelerador linear, relatam que aproximadamente 80 por cento das malformações arteriovenosas são obliteradas dentro de 2 ano após o tratamento radiocirúrgico, sendo esta obliteração visível em exames angiográficos.

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A maior desvantagem do tratamento radiocirúrgico é o fato de os pacientes ficarem susceptíveis a sangramento durante 2 anos após a radiocirurgia. Além disso, a sua eficácia não foi comprovada no tratamento de malformações cavernosas.

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