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Academic year: 2021

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Oceanografia e soberania

Director-geral do Instituto Hidrográfico da Marinha

José Augusto Brito

O reforço da soberania nacional, a aquisição do conhecimento, a garantia de um desenvolvimento sustentável e a protecção do meio marinho constituem, de um modo articulado, os pilares de uma moderna visão sobre os oceanos. É nesta perspectiva que se pode afirmar que a oceanografia, como fonte de conhecimento dos oceanos, pode e deve ser um instrumento de afirmação e de reforço da soberania nacional, auxiliando fortemente as políticas públicas para o mar.

A operacionalização de projectos de natureza estruturante no domínio da oceanografia, tendo sempre como objectivo a promoção e a defesa activa dos interesses nacionais, permitirá reforçar a soberania nacional sobre a maior ZEE de um país integrado na União Europeia.

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The strengthening of national sovereignty, the acquisition of knowledge, the guarantee of sustainable development and the protection of marine resources, together in an articulated manner constitute the pillars of a modern vision of the oceans. It is within this perspective that one may state that oceanography, as a source of knowledge of the oceans, can and should be an instrument of affirmation and strengthening of national sovereignty, providing a strong basis for support of public policies for the sea.

The operationalisation of projects of a structural nature in the area of oceanography, always with the objective of the promotion and active defence of National Interests, will allow national sovereignty to be strengthened over the largest EEZ of a country integrated within the European Union.

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1. Enquadramento

A soberania das nações tem sido imposta, ao longo da história, através da força das armas. Portugal não foge à regra. A Reconquista de território nos primórdios da Nação teve como força motriz a acção armada, só depois se im-plementando a matriz de povoamento como acção estruturalmente solidificadora dessa so-berania. Na epopeia dos Descobrimentos o processo foi semelhante, mais vincado nas re-giões possuidoras de Estado organizado, como na Ásia, onde foi necessário preceder o estabe-lecimento de feitorias com o troar dos canhões, mais ténue em África e na América do Sul, onde o diferencial militar era de tal modo desequili-brado que bastava a demonstração de força para permitir o povoamento e o estabelecimento de estruturas administrativas de soberania.

O século XX, mormente após a Segunda Guerra Mundial, trouxe às nações do mundo um novo enquadramento nas relações interna-cionais, reguladas por organizações que privi-legiam o multilateralismo na sua carta consti-tuinte1. As nações europeias assistiram a um

refluxo da sua soberania, que se espalhara pelo mundo durante o século XIX, regressando à sua forma quase original, após a imparável onda de independências na Ásia e em África, restan-do presentemente apenas alguns resquícios da sua expansão.

A soberania no mar através da história re-mete para o “Mare Nostrum” dos Romanos com o “seu” mar Mediterrâneo e a prevalência deste conceito até Hugo Grotius no século XVII e o conceito de “Mare Liberum” (1609). O século XIX consolidou a figura de Mar Terri-torial, que impôs o conceito de soberania do mar a partir de terra2.

É apenas nos anos 70 do século XX que algo de significativo acontece neste campo, com as primeiras reivindicações da Zona Económica Exclusiva (ZEE)3, a qual só veio a ser

reconhe-cida internacionalmente anos mais tarde na Con-venção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) (1982). A ZEE, estendendo a soberania às 200 milhas, mesmo que apenas dos recursos vivos, criou a necessidade do conheci-mento científico de uma vasta área, conhecimen-to esse até então baseado quase no saber

empíri-co dos navegantes, principalmente pescadores, e de algumas actividades no campo científico ocor-ridas nos últimos 100 anos4. Na sequência da

CNUDM e da possibilidade dos Estados ribei-rinhos poderem reivindicar a soberania sobre as suas plataformas continentais (fundo do mar), até um máximo de 350 milhas a partir das linhas de base ou 100 milhas a partir da isobatimétrica dos 2500 metros, novas necessidades de conhe-cimento se abriram, desta vez focadas no fundo do mar, superfície ainda hoje menos conhecida que a face visível da Lua.

A oceanografia, vista numa perspectiva inter-disciplinar, com as suas componentes de física, química, biologia e geologia, dever-se-á consti-tuir como o veículo por excelência desse conheci-mento dos mares, sem descurar, contudo, outras disciplinas complementares como a hidrografia ou a geofísica interna aplicada ao fundo.

2. Oceanografia e soberania

em Portugal

Portugal, desde meados da década de 90 do século XX, tem demonstrado uma inequívoca vontade de se voltar para o mar. A promoção da Expo 98, enquadrada no Ano Internacio-nal dos Oceanos, o trabalho da Comissão Es-tratégica dos Oceanos que apresentou con-clusões em 2004 e a recentemente aprovada Estratégia Nacional para o Mar5, após trabalho

efectuado no âmbito da Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar, têm sido ilustrati-vos dessa vontade. Tudo isto tem permitido não só uma consciencialização da importância do mar por parte dos decisores aos vários ní-veis, como também e principalmente o des-pertar da discussão desta problemática a nível da sociedade civil.

A necessidade de criar condições para apre-sentar na ONU uma proposta de extensão da plataforma continental levou à criação de uma estrutura dedicada em 2005, a EMEPC (Estru-tura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental), com a tarefa de apresentar uma proposta consolidada até Março de 2009. Esta constitui a área mais importante em que pre-sentemente Portugal pode encarar a soberania numa perspectiva expansiva. Na realidade, se

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não o fizer, pode comprometer a possibilidade de, pela primeira vez em muitos séculos, ex-pandir o território nacional, mesmo que o faça apenas no fundo do mar. O “apenas” aqui es-conde o valor estratégico que esta eventual ex-pansão trará, dado o impacto económico que potencia para as gerações vindouras, que não perdoariam qualquer menor empenho neste processo. É sabido que as tecnologias se desen-volveram historicamente baseadas nas necessi-dades. A questão energética bem como o esgo-tamento de certas matérias-primas exploradas até à exaustão nos continentes6, poderão levar

à focalização dos esforços das nações nos ocea-nos, sendo vital para Portugal que, com uma imensa área de oceano sob a sua jurisdição, possa, em posição vantajosa, posicionar-se na linha da frente desde o início.

Apesar da entusiasmante perspectiva da ex-pansão da plataforma continental, e consequen-temente da soberania nacional, há que reflectir sobre o modo como Portugal tem exercido a sua soberania efectiva sobre a imensidão de oceano que actualmente constitui a ZEE nacio-nal7, e a necessidade do seu reforço. De facto, o

reforço da soberania nacional, a aquisição do conhecimento, a garantia de um desenvolvimen-to sustentável e a protecção do meio marinho, constituem, de um modo articulado, os pilares de uma moderna visão sobre os oceanos. É nes-ta perspectiva que se pode afirmar que a ocea-nografia, como fonte de conhecimento dos oceanos, pode e deve ser um instrumento de afirmação e de reforço da soberania nacional.

3. A inserção de Portugal

na preparação da futura

política marítima europeia

A abordagem holística dos oceanos e dos mares caracteriza a visão europeia, traduzida no Livro Verde para uma futura Política Marítima da União Europeia, apresentado pela Comis-são em Junho de 2005 e presentemente em fase de discussão pública alargada. Essa abordagem baseia-se numa vertente económica, consubs-tanciada na Estratégia de Lisboa e numa ver-tente de conservação dos ecossistemas, assente

no conhecimento científico. A investigação ocea-nográfica associada dever-se-á prender não só com o alcançar um bom estado ecológico do meio marinho da União Europeia8 como

tam-bém com o potenciar de aproveitamentos eco-nómicos como sejam as fontes de energia re-nováveis, a aquicultura ou a biotecnologia marinha.

Portugal, como nação marítima, poderá uti-lizar o enquadramento europeu para catalisar a sua actividade associada ao mar, seja ela de or-dem económisocial, seja de aquisição do co-nhecimento e preservação do ambiente. O 7.º Programa-Quadro Europeu para as activida-des de Investigação e Desenvolvimento (I&D), concebido para responder aos desafios da Estratégia de Lisboa construindo uma Euro-pa do Conhecimento, poderá, nessa óptica, ser preponderante para as ciências do mar em geral e para a oceanografia em particular, desenvolvi-das em Portugal. Dever-se-á contudo contex-tualizar o papel de Portugal no âmbito da es-tratégia europeia, deixando aqui a soberania de ter índole puramente nacional e assumindo cla-ramente o carácter europeu na perspectiva polí-tica da União Europeia.

4.O papel do instituto

hidrográfico nas políticas

públicas do Estado

Tal como foi referido anteriormente Portu-gal deverá tentar beneficiar do enquadramento europeu que possui, mas sem nunca abdicar do desenvolvimento da sua estratégia. Essa estratégia nacional, no campo da oceanografia, passará sempre pela forte dinamização dos La-boratórios do Estado (LDE) como instrumen-tos de prossecução das políticas públicas do sector. As recentes Resoluções do Conselho de Ministros (RCM) sobre os LDE9 criam o

con-sórcio de I&D Oceano, associando o Instituto Hidrográfico (IH), o Instituto de Meteoro-logia e o novo Instituto Nacional de Recursos Biológicos (INRP/IPIMAR), bem como ou-tras entidades interessadas, sendo destinado a promover, na área da oceanografia, a coopera-ção científica internacional, a participacoopera-ção em

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projectos de I&D europeus e a utilização de navios e equipamentos oceanográficos.

Ao IH, instituição com provas dadas nos campos da hidrografia, segurança da navegação e oceanografia, é também indicada explicitamen-te a sua participação no consórcio Riscos10 e

implicitamente potenciada a sua participação no consórcio Segurança, no âmbito da participa-ção portuguesa nas políticas de I&D da União Europeia para a Segurança.

O IH, integrado na Marinha Portuguesa e consequentemente associado a funções de so-berania, poderá desempenhar um papel central na área do consórcio Oceano, dispondo de con-dições para se tornar uma instituição-âncora, congregando os vários actores da I&D marinha em Portugal numa perspectiva multidisciplinar e integrada. Para isso deverá aproveitar as siner-gias entre uma estrutura militar, dotada de capa-cidades e de meios operacionais de investigação únicos no País, e as capacidades técnico-científi-cas existentes, promovendo projectos de natu-reza estruturante no domínio da oceanografia11.

O sucesso desses projectos, pelo conhecimen-to adicional que trarão para o País, será, em úl-tima análise, garante do reforço da sua sobera-nia nacional, pois auxiliará os vários níveis de tomada de decisão do Estado sobre os assun-tos do mar.

5. Conclusões

A Estratégia Nacional para o Mar, recente-mente aprovada, propõe Portugal como um centro de excelência de investigação das Ciên-cias do Mar da Europa, estando o

desenvolvi-mento da oceanografia subjacente a esta ideia. Foi já referido que a oceanografia, como fonte do conhecimento, poderá auxiliar fortemente as políticas públicas para o mar. Nesta conso-nância e tendo em conta os vectores de orienta-ção sugeridas no Livro Verde da Política Maríti-ma Europeia, urge posicionar os organismos do Estado já identificados12 para a

operaciona-lização destas estratégias, tendo sempre como objectivo a promoção e a defesa activa dos inte-resses nacionais, permitindo assim reforçar a soberania nacional sobre a maior ZEE de um País integrado na União Europeia.

Bibliografia

Comissão Europeia (2006), “Livro Verde para uma Futura Política Marítima da União: uma Visão Europeia para os Oceanos e os Mares”, 7 de Junho.

Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar (2006), “Proposta da Estratégia Nacional para o Mar”, aprovada em Resolução do Con-selho de Ministros n.º 163/2006, Diário da

Re-pública, 1.ª série, n.º 237 de 12 de Dezembro.

Instituto Hidrográfico, 2005: “Towards a Marine Research & Development Policy in Eu-rope: A Euroatlantic Point of View”, “Posi-tion Paper” apresentado pelo Instituto Hidro-gráfico à Comissão Europeia, Dezembro.

Soares, C. Ventura e Artilheiro, F. Freitas, 2006: “The Portuguese Hydrographic Institute: a Portuguese Reference in Science and Techno-logy at Sea”, On Course – PIANC Magazine n.º 123, 15 de Abril.

1 As Nações Unidas (ONU) e a Organização do

Tra-tado do Atlântico Norte (OTAN) são disso exemplo.

2 A distância de alcance dos canhões definia essa

soberania, inicialmente de três milhas náuticas.

3 A “Guerra do Bacalhau” entre o Reino Unido e

a Islândia em 1972 levou este país a declarar uma ZEE de 200 milhas náuticas.

4 Assumindo a navegação do Challenger, em

1872--1876, como a primeira expedição oceanográfica re-conhecida como tal.

5 Resolução do Conselho de Ministros n.º 163/

/2006, publicada em Diário da República, 1.ª série, n.º 237 de 12 de Dezembro.

6 Os metais, por exemplo.

7 Cerca de 18 vezes o território português e a 11.ª

do mundo. 8 Até 2021.

9 N.º 89/2006 de 29 de Junho e n.º 124/2006 de 7

de Setembro, respectivamente publicadas no Diário

da República 1.ª série, n.º 139 de 20 de Julho e n.º 191

de 3 de Outubro.

10 Consórcio destinado à investigação, prevenção,

combate e mitigação de riscos naturais e ambientais.

11 Especialmente a oceanografia operacional, a

monitorização ambiental e a tecnologia marinha.

Referências

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