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Letícia Oliveira Antonio. O Sistema Penitenciário Brasileiro e a Efetivação dos Direitos Humanos. Universidade do Minho Escola de Direito

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Letícia Oliveira Antonio

O Sis

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enitenciário Brasileiro e a Efe

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ação dos Direitos Humanos

Escola de Direito

Universidade do Minho

Letícia Oliveira Antonio

O Sistema Penitenciário Brasileiro e a

Efetivação dos Direitos Humanos

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Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direitos Humanos

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Alessandra

Aparecida Souza Da Silveira

Escola de Direito

Universidade do Minho

Letícia Oliveira Antonio

O Sistema Penitenciário Brasileiro e a

Efetivação dos Direitos Humanos

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus por me confiar o exercício da justiça e me permitir concluir mais esta importante etapa, especialmente em uma área tão relevante como os direitos humanos.

Agradeço à Professora Doutora Alessandra Silveira por ter assumido a orientação desta dissertação e ter sido sempre solícita durante o mestrado.

Agradeço aos meus familiares, por serem grandes referências em minha vida e me incentivarem a buscar meus objetivos com determinação, fé, coragem e honestidade.

Agradeço de modo especial ao meu marido, por me acompanhar nesta jornada e me apoiar em cada projeto.

Agradeço também aos meus professores e amigos do mestrado, por compartilharem vastos conhecimentos e experiências durante este período de aprendizado, e a todos que contribuíram de alguma forma em minha vida acadêmica e profissional.

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DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.

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O Sistema Prisional Brasileiro e a Efetivação dos Direitos Humanos

RESUMO

O crescimento da criminalidade é um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade brasileira, que precisa lidar diariamente com o cerceamento de direitos como a segurança, propriedade, dignidade e liberdade. Destarte, é necessário analisar a relação existente entre a ineficácia do sistema prisional brasileiro e os altos índices de criminalidade e reincidência, através da observação dos problemas enfrentados nas prisões, especialmente as violações de direitos humanos, verificando-se a extinção da função ressocializadora da pena e a legitimação da função retributiva como um fim em si mesmo, tornando-se o próprio cárcere um fator criminógeno.

Desta forma, são analisadas as causas, consequências e possíveis alternativas para melhorar a situação do sistema penitenciário e da segurança pública no Brasil, principalmente através da execução de políticas públicas eficazes. Nesse sentido, foi analisado o funcionamento de instituições capazes de efetivar os objetivos penais e garantir os direitos previstos na legislação aplicável, observando-se a obtenção de êxito na ressocialização de maioria dos apenados sob sua custódia, representando um modelo de prisão capaz de reduzir a criminalidade e a reincidência.

Esta dissertação pretende demonstrar a necessidade de modificar a realidade do sistema prisional brasileiro e importância da justa execução penal, para que o objetivo de ressocialização do recluso possa ser alcançado na maior medida possível, possibilitando maiores chances de progresso individual e proporcionando, através de um trabalho eficaz e inclusivo, a redução da criminalidade e a efetivação dos direitos humanos.

Palavras-chave: Criminalidade, Sistema Prisional, Ressocialização, Método APAC, Direitos Humanos.

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Brazilian Prison System and the Enforcement of Human Rights

ABSTRACT

The rise in criminality is one of the biggest problems faced by brazilian society, which has to deal daily with curtailing of rights as security, property, dignity and freedom. Therefore, it is necessary to analyze the relationship between the ineffectiveness of brazilian prison system and the high indicators of crime and recidivism, through the observation of problems encountered in prisons, especially the human rights violations, verifying the extinction of the penalty function of resocialization and the legitimation of retributive function as an end in itself, becoming prison a criminogenic factor.

Therefore, the causes, consequences and possible alternatives to improve the situation of penitentiary system and public security in Brazil are analyzed, mainly through the implementation of effective public policies. In this sense, institutions that are capable to achieve the penalty objectives and ensure the legal implementation was analyzed, observing that resocialization was successfully obtained of most of the sentenced prisoners in their custody, representing a prison model capable of reduce criminality and recidivism.

This dissertation intends to demonstrate the need to modify the reality of brazilian prison system and to demonstrate the importance of criminal fair execution, so the objective of resocialization of prisoner can be reached to the greatest extent possible, allowing greater chances of individual progress and providing through an effective and inclusive work the crime reduction and the realization of human rights.

This dissertation intends to demonstrate the importance of fair criminal execution to the objective of resocialization of prisoner could be reached to the greatest extent possible, enabling greater chances of individual progress and providing through an effective and inclusive work the reduction of criminality and the enforcement of human rights.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO I - A Função Penal ... 3

1. Delitos e Penas ... 3

2. Controle Social e Consequências Prisionais ... 5

3. Breve Histórico da Evolução Penal ... 10

CAPÍTULO II - Criminalidade e Prisão no Brasil ... 14

1. Criminalidade e Sistema Prisional... 14

2. Legislação Nacional ... 23

3. Procedimentos Judiciais ... 27

Capítulo III – Direitos Humanos e Ressocialização ... 34

1. Políticas Carcerárias e de Direitos Humanos no Brasil ... 34

2. A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados... 41

3. Efetivação da Ressocialização ... 50

CONCLUSÃO ... 55

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Introdução

A criminalidade é um dos maiores problemas verificados no Brasil, que entre 2011 e 2015 apresentou um número de mortes maior do que em países que estavam em guerra no mesmo período, como a Síria1. A alta criminalidade no país representa uma ameaça a diversos direitos humanos e

ocasiona prejuízos em diferentes âmbitos, como as constantes rebeliões e massacres ocorridos nas prisões, as quais necessitam de vagas em todos os estados do país2.

O Brasil possui o terceiro maior número de presos e apresenta o maior crescimento da população carcerária no mundo, demonstrando diversas deficiências no justo cumprimento da pena. Além da superlotação das prisões, o sistema prisional apresenta a ausência de condições mínimas de higiene, segurança, alimentação e infraestrutura, bem como a ineficácia das políticas referentes ao estudo e ao trabalho, verificando-se a ociosidade dos condenados e o alto índice de reincidência criminal3.

Observa-se a ineficiência do Estado no fornecimento do mínimo necessário quanto aos direitos inerentes à condição humana e às condições fundamentais para a recuperação do indivíduo, levando o sistema penitenciário à situação na qual se encontra, com constantes rebeliões, casos de violência, corrupção e denúncias de condições sub-humanas - uma realidade capaz de afetar toda a população, à medida em que os criminosos, após uma rotina de exclusão, injustiças, estigmas, violência e deterioração psicológica durante o cárcere, retornam para a sociedade ainda mais aptos e decididos pela criminalidade4.

Analisando os problemas da criminalidade e do sistema penitenciário no Brasil, bem como, a ineficácia na aplicação de grande parte das legislações e políticas públicas referentes aos direitos humanos, efetuando a análise de normas constitucionais, penais e executivas brasileiras, de instrumentos jurídicos internacionais e relatórios governamentais, são observados os problemas relacionados ao crime e à prisão atual, bem como seus efeitos nos detentos e na sociedade.

1Cf. Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Anuário Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2016, p. 20, disponível em:

http://www.forumseguranca.org.br/storage/10_anuario_site_18-11-2016-retificado.pdf [02.04.2019].

2Cf. Departamento Penitenciário Nacional, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, 2014, Disponível em:

http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf. [09/04/2019].

3Cf. Departamento Penitenciário Nacional, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, 2016, disponível em:

https://www.conjur.com.br/dl/infopen-levantamento.pdf. [09/04/2019].

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A dissertação analisa a necessidade de que seja oferecida a devida assistência para o resgate à identidade social do preso, analisando alternativas capazes de concretizar os objetivos penais, garantir os direitos previstos nos instrumentos jurídicos e alcançar a ressocialização dos apenados - como a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC).

Trata-se de instituições eficazes e econômicas, capazes de cumprir as legislações aplicáveis, fornecer a devida assistência e atingir a finalidade penal, mediante um custo inferior ao necessário para a manutenção do ineficaz sistema prisional tradicional, proporcionando o desenvolvimento individual e social, alcançando maior ressocialização e reduzindo a criminalidade no Brasil5.

O presente estudo encontra-se dividido em três capítulos e almeja analisar, no primeiro momento, a função penal, o controle social e as consequências prisionais; passando no segundo capítulo à análise de dados sobre a situação do sistema prisional no Brasil, explorando os problemas referentes à criminalidade, às violações de direitos fundamentais e analisando os instrumentos jurídicos aplicados. No terceiro capítulo, por sua vez, a dissertação analisa a aplicação dos direitos humanos no país e a importância da educação e da utilização do método APAC para a ressocialização.

5 Cf. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Programa Novos Rumos, disponível em:

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CAPÍTULO I - A Função Penal

1. Delitos e Penas

Alguns doutrinadores apresentam conceitos sobre o crime e a criminalidade, enfatizando diferentes fundamentos e aspectos do delito. Segundo Nucci, o conceito de crime pode ser material, formal ou analítico, explanando que o crime em âmbito material é uma ação gravemente nociva identificada pela sociedade, em aspecto formal é um ato de contrariedade à lei, e a sua fragmentação analítica origina o terceiro conceito, que através da teoria tripartida do delito, identifica o crime como um fato típico, antijurídico e culpável6.

Os doutrinadores definem as causas da criminalidade como fenômenos de condições endógenas e exógenas, sendo vários os fatores responsáveis pelo comportamento delitivo. Segundo Beato, duas teorias definem as causas da criminalidade: a primeira segundo a qual a violência e a criminalidade decorrem de fatores sociais, como a ausência de oportunidades, pobreza, desigualdade e marginalização; e a outra segundo a qual as práticas criminosas seriam produto de um sujeito imoral, partindo de pressupostos intrínsecos do indivíduo7.

Nesse sentido, a pena surge como um instrumento de controle social utilizado pelo Estado para retribuir essa desobediência à norma e manter a ordem, tendo como finalidade a retribuição e a prevenção do crime, sendo caracterizada como um meio educativo que deve ser útil, justo e individualizado, respeitando os direitos e garantias fundamentais8.

Segundo Shecaira, esse controle social exercido pela pena e outros instrumentos é o conjunto de mecanismos e sanções capazes de submeter o homem aos modelos e normas sociais9. Entretanto,

antigamente não existia a plena consciência de direitos e liberdades individuais, ficando ao arbítrio dos que detinham o poder a forma de punir o réu, que normalmente era cruel e desumana. Nesse sentido, Bitencourt explana:

Não importa a pessoa do réu, sua sorte, a forma em que ficam encarcerados. Loucos, delinquentes de toda ordem, mulheres, velhos e crianças esperam, espremidos entre si em horrendos encarceramentos subterrâneos, ou em calabouços de palácios e fortalezas, os suplícios e a morte10.

Com o tempo, a pena que muitas vezes era violenta e desumana, deixou de ser utilizada como sanção e passou a ter finalidade preventiva e corretiva, pois o Estado começou a dar mais atenção às

6 Cf. GUILHERME NUCCI, Manual de Direito Penal - Parte Geral - Parte Especial, 9ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

7 Cf. CLAUDIO BEATO, Determinantes da criminalidade em Minas Gerais, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 1998.

8 Cf. Código Penal Brasileiro, Decreto Lei n. 2.848 de 1940.

9 Cf. ALVINO AUGUSTO DE SÁ; SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA, Criminologia e os problemas da atualidade. São Paulo: Atlas, 2008.

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causas da personalidade criminosa do indivíduo e a buscar uma solução mais eficaz, tentando conhecer e reeducar o preso.

No sentido de organizar os instrumentos utilizados pelo Estado contra a criminalidade, surge a política criminal, descrita por Nilo Batista como o conjunto de princípios e recomendações para a transformação da legislação criminal e seus órgãos executivos, dividida em política de segurança pública, política judiciária e política penitenciária11.

Dentre os principais movimentos de política criminal destaca-se o garantismo penal, baseado em princípios como a legalidade, necessidade, culpabilidade, materialidade, contraditório e ampla defesa. Segundo Ferrajoli, o garantismo procura estabelecer conceitos, princípios e normas capazes de fundamentar a legitimação do poder punitivo do Estado, garantindo a tutela de valores e direitos fundamentais, como o combate à arbitrariedade das punições, a defesa dos indivíduos de forma igualitária, a proteção da dignidade e a liberdade12.

Beccaria, inspirado pelos ideais iluministas da segunda metade do século XVIII, analisou as formas punitivas na obra Dos Delitos e das Penas13, relacionando-as a uma espécie de vingança

coletiva, apresentando-se muitas vezes desproporcionais aos males ocasionados pelos crimes, especialmente a tortura e a pena de morte. O autor, ao analisar as formas punitivas, explana que a prevenção é mais eficaz pela certeza da pena do que pela severidade, pois uma pena, mesmo quando rígida, não exerce influência na prevenção do crime quando a sociedade percebe que há a grandes chances de impunidade.

Beccaria adotou uma concepção utilitarista da pena e contribuiu para a humanização da pena privativa de liberdade, defendendo a substituição das antigas penas capitais e corporais - pois muitas vezes, a severidade da pena e a situação desumana na qual os presidiários são colocados os afastam dos direitos e da sociedade, tornando-os insensíveis e vingativos. Isto ocorre devido ao fato de que, muitas vezes, a retribuição do Estado não está associada à justiça e correção, sendo utilizada como uma representação de arbitrariedade, injustiça e exclusão.

Foucault14 desenvolve uma análise acerca da evolução penal, observando a pena como

prevenção, punição e controle da criminalidade. Para o autor, as camadas populares da sociedade estavam intimamente ligadas à ilegalidade, e apesar de ter como objetivo a repressão, disciplina e combate, a pena muitas vezes acabava contribuindo para a manutenção da criminalidade, causando um ciclo vicioso de estímulo ao crime.

11 Cf. NILO BATISTA, Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Editora Revan, 1996, p. 34.

12 Cf. LUIGI FERRAJOLI, Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

13 Cf. CESARE BECCARIA, Dos Delitos e das Penas, São Paulo: Hunter Books, 2012.

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O autor aborda alguns aspectos importantes ao poder de punir, como a desvantagem da pena, que deve ser maior do que a vantagem obtida no crime; o efeito mínimo para o condenado e máximo para a sociedade; a certeza e proporcionalidade da sanção imposta ao delito; e a classificação específica das ilegalidades, evitando a impunidade causada pelo silêncio da lei.

Foucault menciona como exemplo a prisão Rasphuis de Amsterdam, a qual foi inaugurada em 1596 e representou uma evolução à época, destinada a mendigos e malfeitores. A duração da pena dependia do comportamento do detento, o trabalho era obrigatório, possuía uma grande fiscalização, leituras espirituais e vários instrumentos para afastar o criminoso do criminalidade. Havia acompanhamento individual e formação intelectual, observando primordialmente, não o delito, mas o perigo do indivíduo.

Howard e Bentham também inspiraram uma corrente penitenciarista que deu atenção à reforma carcerária humanitária, Howard influenciado por sua religiosidade, e Bentham, considerando o controle social através do panótico - um projeto de vigilância social cujo principal objetivo não era a vingança, mas a prevenção de novos delitos, representando um importante avanço para a racionalização penal15.

Com o objetivo de estudar o criminoso, as causas do delito, a pena e suas consequências, surgiu a Criminologia - que através da observação de instrumentos de controle social, bem como da observação de fatores intrínsecos e extrínsecos, analisa formas de prevenção da criminalidade e ressocialização do indivíduo.

2. Controle Social e Consequências Prisionais

A criminologia, segundo Shecaira16, é o estudo do delito, do delinquente, da vítima e do controle

social, através de um objeto empírico e interdisciplinar. Ao tentar explicar a origem e as causas da criminalidade, utiliza-se de métodos científicos naturais, através de teorias criminológicas. Estas dividem-se na Criminologia Tradicional, com a Escola Clássica, a Escola Positiva e a Sociologia Criminal; e na Criminologia Nova ou Crítica, que abrange o Labelling Approach, a Etnometodologia e a Criminologia Marxista.

A Escola Clássica, segundo o autor, buscou alternativas para as injustiças do sistema penal no século XVIII defendendo que a pena deveria ser utilizada para a manutenção da ordem após a quebra do contrato social, devendo ser útil, proporcional e minimizando o sofrimento. Segundo os

15 Cf. CEZAR ROBERTO BITENCOURT, Falência da pena de prisão: Causas e Alternativas, 2ª ed, São Paulo: Saraiva, 2001.

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doutrinadores da Escola Clássica, o delinquente age por escolha própria e busca a realização através do crime. A Escola Clássica foi importante à época por representar uma nova forma de compreender o homem e o sistema penal, baseada nos ideais iluministas.

A Escola Positiva, no século XIX, surge diante do fracasso das ideias defendidas pela Escola Clássica, alegando que o criminoso é identificável, pois o crime é uma patologia causada por fenômenos biológicos, psicológicos e sociais, sendo a pena muitas vezes inútil. As Teorias de Controle utilizadas para estudar o crime através do criminoso foram divididas em Bioantropológica, Psicosociológica e Psicodinâmica. A Escola Positiva apresentou grande importância para o estudo criminológico, pois utilizou matérias de diversas ciências emergentes na época, como a antropologia, sociologia, fisiologia e psiquiatria.

De acordo com a Teoria Bioantropológica, o crime dependeria da estrutura orgânica do criminoso, que segundo Cesare Lombroso17 possuía variáveis congênitas diferentes do indivíduo

comum. Lombroso deu origem à Antropologia Criminal, à Escola Positiva e foi autor da Teoria do Criminoso Nato, defendendo que o criminoso nascia geneticamente determinado para o mal. Segundo Schecaira a teoria foi muito criticada, tendo em vista a generalização inconsistente das alegações de Lombroso, subestimando a influência social18.

A Teoria Psicossociológica relacionou o crime à influência dos elementos sociais perante a personalidade do indivíduo, enquanto a Teoria Psicodinâmica defendeu que o criminoso é diferente do ser humano comum devido a falhas no aprendizado e na socialização, sendo o crime o produto do conflito entre o impulso natural e a resistência na aprendizagem do sistema normativo.

Com o desenvolvimento da criminologia a partir das concepções anteriores, no final do século XIX surgiu Sociologia Criminal, que classificou o crime como um resultado previsível do determinismo sociológico, sendo necessário reformular as estruturas sociais para o seu combate, estudando a sociedade criminógena através de teorias etiológicas, divididas entre a Teoria Ecológica, a Teoria da Subcultura Delinquente e a Teoria da Anomia.

A Teoria Ecológica, Escola de Chicago ou Teoria da Desorganização Social fundamenta o crime no desenvolvimento urbano, pois os instrumentos de controle informais tradicionais que estavam mais próximos dos indivíduos no meio rural, como a família e a educação, são substituídos pela diversidade e a dispersão do ambiente urbano, aumentando a disputa por espaço e recursos.

A Teoria da Subcultura Delinquente surge da análise do consenso às normas e busca explicar o crime como produto da cultura, aprendizagem e socialização em um lugar onde o código moral tem

17 Cf. CESARE LOMBROSO, O Homem Delinquente, São Paulo: Ícone, 2013.

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uma delinquência imperativa, fundamentando a criminalidade na reação de indivíduos desfavorecidos diante da necessidade de sobreviver em um sistema com classes dominantes.

A Teoria da Anomia ou da Estrutura da Oportunidade, por sua vez, explora o delito como um fenômeno funcional que é aceito por um sistema que o produz naturalmente, sendo resultado do determinismo sociológico diante da perda de referências coletivas e da ausência da ordem, da norma e dos valores sociais, o que introduziria no indivíduo o enfraquecimento da solidariedade.

A Criminologia Crítica ou Nova, do século XX, investiga a reação social diante do julgamento de um indivíduo como criminoso, em uma sociedade dividida em classes e cujas penas fundamentam-se no interesse da classe dominante. É composta pelas teorias do Labbeling Approach, da Etnometodologia e da Criminologia Marxista, que exerceram grande influência na sociologia do desvio o do controle social.

Segundo a Teoria do Labelling Approach - ou Teoria da Rotulação Social – os indivíduos possuem as mesmas capacidades para o crime, entretanto, alguns fatores podem contribuir para a criminalidade, a qual decorre de um estigma atribuído ao indivíduo por uma sociedade seletiva e desigual, que o torna delinquente por ser excluído e rotulado como tal.

A Etnometodologia baseia-se na no estudo da fenomenologia e das atividades cotidianas, buscando compreender como os criminosos apreendem e definem os fenômenos sociais. A teoria valoriza os métodos qualitativos de pesquisa e classifica o crime como produto da interação entre o delinquente e as agências de controle, sendo objeto de uma construção social.

Por fim, a Criminologia Marxista ou Radical, uma oposição ao Labelling Approach e à Etnometodologia, considera a atitude delitiva como resultado da própria sociedade capitalista, que deveria transformar-se para evitar o crime. Tem uma concepção materialista e não visa proteger a sociedade do crime, mas o indivíduo da sociedade, sendo esta um fator criminógeno.

Observa-se que as teorias contribuem para que a Criminologia analise os fatores capazes de gerar o ato delitivo e possa buscar alternativas para combatê-lo, tendo sido importantes para o desenvolvimento de estudos à época - apesar das críticas recebidas -, analisando a sociedade, o criminoso e sua ação, observando os instrumentos capazes de exercer o controle social.

Para Shecaira19, a pena tem como objetivo exercer esse controle social, dividido em controle

formal e informal, os quais são utilizados subsidiariamente, pois quando os instrumentos informais não prosperam, devem ser substituídos pelos mecanismos formais. Segundo a teoria da prevenção primária, os governos devem evitar o delito reduzindo fatores que estimulem as atitudes delitivas e

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promovendo o controle social informal, o qual abrange os aspectos sociais e valores desenvolvidos ao longo da vida, como a educação familiar, trabalho, educação escolar, religião, qualidade de vida e outros. Para o autor, o controle social informal costuma ser muito mais efetivo do que o formal, e compara a criminalidade entre grandes e pequenas cidades, a qual costuma ser menor nas pequenas cidades, pois há melhores condições para exercer o controle informal, devido ao espaço e população menores.

O controle social formal ou prevenção secundária, por sua vez, abrange a atuação direta das forças estatais em resposta à ineficácia do controle informal, sendo exercido através das penas, que devem ser utilizadas subsidiariamente, quando os instrumentos informais não apresentarem eficácia. Deve ser exercido por órgãos do Estado, como o Ministério Público, Poder Judiciário, polícia, agentes penitenciários e forças armadas, apresentando-se muitas vezes como um método de coerção e sanção discriminatório e estigmatizante.

Em conformidade com o princípio da intervenção mínima, que limita e orienta o poder incriminador do Estado, o direito penal deve atuar quando todos os outros meios de controle informal não forem suficientes, pois o sistema penitenciário é o método mais intenso de controle penal e que ocasiona mais prejuízos ao condenado.

Em 1971, foi realizada uma experiência psicológica no porão do Instituto de Psicologia da Universidade de Stanford, idealizada pelo professor Philip Zimbardo, cujo objetivo era a investigação do comportamento humano na prisão através de câmeras. No local, foi reproduzida uma prisão com celas e instrumentos penitenciários, entretanto, o experimento, inicialmente planejado para durar duas semanas, tornou-se tão prejudicial que foi encerrado no sexto dia20.

Os alunos, que foram divididos entre prisioneiros e agentes penitenciários, passaram a aderir à situação e agir conforme a função recebida. Os prisioneiros, que possuíam números e correntes nos pés, recebiam tratamentos humilhantes dos agentes, apresentando sérios distúrbios emocionais; houve discórdia entre os grupos, assemelhando-se às facções, e os que não agiam conforme a vontade dos agentes eram impedidos de realizar suas necessidades básicas, sendo obrigados a dormir no chão, sem roupas, havendo inclusive atos de humilhação sexual.

Foi relatado o fenômeno da desindividualização, uma perda da responsabilidade pessoal devido à redução na consciência da consequência das ações, causada também pela situação psicológica abalada pela humilhação, vergonha, culpa e medo. Cada aluno identificou-se com o grupo no qual foi inserido e foram identificados os efeitos sociais e psicológicos da prisão.

20 Cf. ANA CAETANO, Dinamismos psicossociais de identificação theologica, 2ª série, 49, 2014, disponível em:

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Segundo Bitencourt, a prisão perturba o funcionamento dos mecanismos compensadores da psique, responsáveis pelo equilíbrio psíquico e a saúde mental. Nesse sentido, o autor alega:

A ausência de verdadeiras relações humanas, a insuficiência ou mesmo a ausência de trabalho, o trato frio e impessoal dos funcionários penitenciários, todos esses fatores contribuem para que a prisão converta-se em meio de isolamento crônico e odioso. As prisões que atualmente adotam o regime fechado, dito de segurança máxima, com total desvinculação da sociedade, produzem graves perturbações psíquicas aos reclusos, que não se adaptam ao desumano isolamento. A prisão violenta o estado emocional, e, apesar das diferenças psicológicas entre as pessoas, pode-se afirmar que todos os que entram na prisão – em maior ou menor grau – encontram-se propensos a algum tipo de reação carcerária21.

Observa-se que a prisão, principalmente quando não oferece a devida infraestrutura e assistência ao preso, é capaz de ocasionar desequilíbrios psicológicos como reação do indivíduo ao cárcere, exercendo função inversa ao seu objetivo ressocializador. Goffman afirma que ocorre um processo de desculturamento, pois o preso assume uma nova identidade e, ao mesmo tempo em que se distancia da sociedade e de si, constrói uma desvalorização da lei ao ver sua ineficácia, especialmente quanto às mínimas condições de dignidade e direitos que deveria possuir22.

Zaffaroni, por sua vez, afirma que enviar alguém à prisão e esperar que aprenda a viver em sociedade é como ensinar a jogar futebol dentro de um elevador, pois o sistema penal é inútil diante da ausência de políticas, alternativas e assistências que deveriam ser oferecidas aos encarcerados23. O

preso é ensinado a viver em uma nova sociedade, com normas e hierarquia próprias, às quais deve respeitar por questão de sobrevivência, o que atinge tanto os presos quanto os agentes penitenciários. Segundo o autor, o Estado pode privar os presos de exercerem sua cidadania, mas nunca dos direitos inerentes à pessoa humana.

A ressocialização é um trabalho para o afastamento da reincidência criminal e a recuperação moral do apenado, executada através de ações pautadas principalmente na profissionalização, no tratamento psicológico, assistência religiosa e formação educacional para o exercício da cidadania e democracia, resgatando valores humanos como a dignidade, autoestima, ética e solidariedade, buscando cumprir a LEP e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Bitencourt elenca os fatores que tornam uma prisão criminógena, que podem ser materiais, psicológicos ou sociais. Os materiais referem-se à estrutura do cárcere, as condições precárias de higiene e a ausência de trabalho, lazer e exercício físico; os psicológicos são gerados pelos abusos disciplinares que fomentam a delinquência e vingança no preso; e os sociais são causados pela

21 Cf. CEZAR ROBERTO BITENCOURT, Falência da pena de prisão: Causas e Alternativas, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 199.

22 Cf. ERVING GOFFMAN, Manicômios, Prisões e Conventos, 7ª ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

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segregação gerada pelo isolamento e estigmatização do apenado, dificultando sua reinserção na sociedade24.

Observa-se que a mera reclusão penal não apresenta eficácia, pois é nociva, cara, inútil e mantém os criminosos ociosos, multiplicando seus vícios; pois é difícil controlar o cumprimento das penas e muitas vezes os detentos são expostos a outros criminosos experientes, ou mesmo à arbitrariedade dos agentes penitenciários. Para Foucault, os grandes problemas sociais ocorrem devido à sua realidade, pois de tão frequentes, perceptíveis e intimamente ligados à sociedade, a ela parecem invisíveis, e nesse sentido explana:

Deveríamos então supor que a prisão e de uma maneira geral, sem dúvida, os castigos, não se destinam a suprimir as infrações; mas antes a distingui-las, a distribui-las, a utilizá-las; que visam, não tanto tornar dóceis os que estão prontos a transgredir as leis, mas que tendem a organizar as transgressões das leis numa tática geral das sujeições. A penalidade seria então uma maneira de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, de dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito daqueles. Em resumo, a penalidade não ‘reprimiria’ pura e simplesmente as ilegalidades; ela as ‘diferenciaria’25.

Para o autor, não há solução ao simplesmente encarcerar pessoas em prisões sem quaisquer condições de higiene, mas ao contrário, devem ser restauradas suas virtudes e interesses, junto ao respeito pela propriedade, dignidade e personalidade, pois é o enfraquecimento destes valores que ocasiona o crime. A forma como a pena é utilizada, não somente como sanção, mas como um instrumento capaz de trabalhar valores morais, espirituais, físicos e psicológicos, pode influenciar no comportamento do indivíduo, tornando-o conhecedor de si mesmo e da sociedade, para que possa buscar o que o levou à criminalidade e ressignificar esta origem.

Observa-se que o respeito é imprescindível no processo de recuperação do detento, pois dificilmente refletirá valores que não lhe foram oferecidos nem em aspecto mínimo, sendo necessária a existência de uma política penitenciária fundamentada nas garantias constitucionais, para a verdadeira recuperação de valores ao serem devidamente garantidos os direitos humanos com o tratamento adequado dos apenados, oferecendo a devida assistência e respeitando sua dignidade.

3. Breve Histórico da Evolução Penal

Até o século XVIII as penas eram utilizadas como um instrumento de custódia, normalmente cruéis e desumanas, não sendo utilizadas como fim, mas como meio26. A partir do século XVIII, a prisão

24 Cf. CEZAR ROBERTO BITENCOURT, Falência da pena de prisão: Causas e Alternativas, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

25 Cf. MICHEL FOUCAULT, Vigiar e punir, Tradução de Raquel Ramalhete, Petrópolis: Vozes, 2000, p. 226-227.

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passou a ter sua finalidade de punição corporal substituída pela punição da alma. Segundo Foucault27,

esta seria uma forma de acabar com as punições ineficientes e imprevisíveis, humanizando as penas. No final do século XVIII, quando começaram a surgir as primeiras penitenciárias, John Howard buscou estudar a realidade das prisões da Inglaterra e publicou uma análise sobre as condições das prisões, propondo mudanças. A prisão, na qual o preso antes aguardava a punição, passou a ser a própria punição, surgindo na Filadélfia os primeiros presídios em sistema celular, nos quais o preso era isolado e podia trabalhar e fazer exercícios em sua cela.

Em 1820 surge o Sistema Auburn ou Sistema de Nova Iorque, semelhante ao da Filadélfia mas com o isolamento noturno e um rígido sistema de vigilância, onde os presos não podiam se comunicar nem trocar olhares. Na colônia inglesa de Nofolk, surgiu então um sistema prisional no qual os presos cumpriam as condições do sistema da Filadélfia, e posteriormente passavam a utilizar regras do sistema de Auburn, acumulando vales que os possibilitariam evoluir para uma espécie de liberdade condicional, verificando-se a progressão durante o cumprimento da pena. Esse sistema foi incorporado na Inglaterra, aperfeiçoado na Irlanda e outros sistemas foram sendo criados, buscando métodos de trabalhar o preso.

A primeira Constituição do Brasil, outorgada em 1824, possibilitou o início da reformulação do sistema prisional, abolindo as penas cruéis utilizadas anteriormente - exceto para os escravos - e estabelecendo a separação dos presos conforme o crime cometido. O primeiro Código Penal foi sancionado em 1830 e denominado Código Criminal do Império, estabelecendo as penas de prisão simples e prisão com trabalho em substituição às antigas penas da codificação portuguesa, as quais incluíam esquartejamento, amputação e açoites28.

Um novo modelo de prisão foi estabelecido, e em 1850 e 1852 foram inauguradas no Rio de Janeiro e em São Paulo as prisões-modelo do Império, denominadas Casas de Correição da Corte. A punição consistia na reabilitação do detento através do trabalho obrigatório nas oficinas, com o objetivo de que os reclusos adquirissem bons hábitos mediante a exigência de tempo e esforço29.

Somente com a criação do Código Penal de 1890 a pena de morte e a prisão perpétua foram extintas, originando finalmente o sistema correcional, com enfoque na ressocialização e na reeducação do preso. Algumas décadas depois, possibilitando a classificação e a individualização das penas, foram publicados um novo Código Penal em 1940, e a Lei de Execução Penal, n.º 7.210 de 1984, estabelecendo direitos e deveres aos presos.

27 Cf. MICHEL FOUCAULT, Vigiar e Punir. 39. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

28 Cf. Código Criminal do Império do Brasil, disponível em: http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/281-codigo-criminal. [07.05.2019].

29 Cf. BRUNO SANTIS; WERNER ENGBRUCH, A evolução histórica do sistema prisional, Revista Liberdades, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.º

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Os principais direitos e garantias conquistados ao longo do tempo foram introduzidos na atual Constituição da República Federativa do Brasil, outorgada em 1988, a qual instituiu o Estado Democrático de Direito, fundamentado na dignidade da pessoa humana e na justiça social, baseado na legalidade, isonomia, proporcionalidade, responsabilidade pessoal, culpabilidade, individualização e humanização da pena30.

A dignidade da pessoa humana, segundo Sarlet, é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que é detentor de direitos e deveres fundamentais, e desta forma, deve ser respeitado e ter garantidas as mínimas condições existenciais para uma vida saudável. O autor cita Kant ao alegar que “o homem é um fim em si mesmo e não meio para a realização de fins de outrem”, e nesse sentido explana31:

Ressalte-se o tratamento fraterno que deve ser dispensado uns com os outros, em um círculo de solidariedade, para a efetividade da ideia de igualdade e de pertencimento. Qualquer atitude que afronte o outro, que o desrespeite em sua integridade física e moral, colocando-o em condições de inferioridade, fere a dignidade da pessoa humana. O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.

Para o autor, todos os direitos humanos estão integrados na dignidade da pessoa humana, que é o seu principal fundamento e representa um valor supremo. Entretanto, muitos dos problemas existentes no sistema prisional atualmente já eram verificados nos sistemas prisionais dos séculos XIX e XX. Segundo Santis e Engbruch, em 1906 havia 160 vagas e 816 detentos em São Paulo, o que ocorria em todo o Brasil e ocasionava a deterioração dos estabelecimentos, comprometendo a saúde dos presos32.

Para Dullius e Hartmann, o modelo prisional brasileiro foi criado em um período diferente da sociedade atual, no qual o detento era servo dos senhores em épocas de império e ditadura, um sistema desatualizado e que não condiz com a atual democracia. Para os autores, o Estado brasileiro abandonou o sistema carcerário, pois muitas vezes descumpre as funções legalmente previstas33.

Em um Estado democrático de direito, devem ser garantidos os instrumentos suficientes para a ordem social, além da garantia dos direitos fundamentais assegurados pela própria lei. Entretanto,

30Cf. HONÓRIO SILVEIRA NETO, Fundamentos do estado democrático de direito, disponível em:

https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/1416/1345. [12.04.2019]

31 Cf. INGO WOLFGANG SARLET, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2. ed., Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2001, p. 59.

32 Cf. BRUNO SANTIS; WERNER ENGBRUCH, A evolução histórica do sistema prisional, Revista Liberdades, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.º

11, setembro/dezembro de 2012.

33 Cf. ALADIO DULLIUS; JACKSON HARTMANN, Análise do Sistema Prisional Brasileiro, Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, Ano

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antes mesmo do controle do Estado, é necessário que seja exercido um controle social através da educação familiar, escolar e religiosa, além de outros instrumentos preventivos à criminalidade.

Aliada à humanização do cárcere, observa-se necessária a reinserção de valores no indivíduo através de uma formação para a cidadania, democracia e direitos humanos, utilizando instrumentos estatais eficazes, que proporcionem a reeducação e a ressocialização, desenvolvendo o conhecimento e o senso crítico do indivíduo, possibilitando que o mesmo identifique e rejeite injustiças e ilicitudes.

É importante que os poderes públicos reconheçam a liberdade positiva dos indivíduos para exercerem seus direitos fundamentais, devendo ser assegurada a proteção sem distinção de qualquer natureza. Entretanto, o sistema carcerário brasileiro tem apresentado diversos problemas, afastando muitas vezes o cidadão da possibilidade de retornar à sociedade longe da criminalidade, pois com a violação de diversos direitos e a ausência de assistência e formação adequadas, dificilmente conseguem ser desenvolvidos valores capazes modificar a consciência e a conduta do indivíduo para alcançar o objetivo ressocializador.

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CAPÍTULO II - Criminalidade e Prisão no Brasil

1. Criminalidade e Sistema Prisional

A situação das prisões é reflexo da - e reflete na - violência no Brasil, que apresenta uma taxa de 30,5 homicídios para cada 100 mil pessoas, a segunda maior da América Latina, atrás apenas da Venezuela. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública34 apontou que, entre 2011 e 2015, o número de

mortes no Brasil superou o de países em guerra no mesmo período, como a Síria. Observa-se a grave situação da criminalidade no Brasil, que apresenta um dos piores índices de violência e homicídio no mundo, prejudicando a todos os cidadãos diante da violação de diversos direitos, como a vida, segurança, propriedade e liberdade, fazendo com que os brasileiros se sujeitem ao medo e causando prejuízos também para o Estado, o qual não tem sido eficaz na prevenção e na recuperação dos criminosos.

Segundo as os jovens entre 15 e 29 anos representam um quarto da população brasileira e são os mais afetados pela violência e a criminalidade no país35. O Brasil possui o maior número

absoluto de homicídios de adolescentes no mundo, tendo registrado 32 mortes por dia em 2017, cujas vítimas geralmente são jovens que abandonaram a escola ou estão em via de fazê-lo. Mais de 2,8 milhões de crianças e adolescentes estavam fora da escola no Brasil em 2015, em sua maioria negros e pertencentes a famílias com renda per capita de até meio salário mínimo, as quais possuíam direitos violados também em outras áreas, como saúde, proteção e assistência social36.

O Relatório “Direitos Humanos no Brasil em 2019”37, apresentado pela Comissão Direitos

Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, apresentou importantes dados sobre a violência e a desigualdade no país. O Relatório mencionou o resultado apresentado pelo “Atlas da Violência” sobre o número de homicídios com arma de fogo, que entre 2016 e 2017 aumentou 6,8%, registrando mais de 65 mil pessoas mortas, dentre as quais a maioria eram jovens entre 15 a 19 anos de idade.

Segundo relatório da Secretaria Nacional de Juventude, a violência letal entre jovens no Brasil custou 80 bilhões para o Estado em 2010, representando um enorme obstáculo para o

34Cf. Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2016, p. 20, disponível em:

http://www.forumseguranca.org.br/storage/10_anuario_site_18-11-2016-retificado.pdf [02.03.2019].

35Cf. Secretaria Nacional de Juventude; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, 2017, disponível em:

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/juventude/PUBLICACOES/SNJ%20-%20Indice%20de%20Vulnerabilidade%20Social%20Juventude%20-%202017.pdf. [18.05.2019].

36Cf. UNICEF. A Educação que Protege Contra a Violência, 2019,

https://www.unicef.org/brazil/media/4091/file/Educacao_que_protege_contra_a_violencia.pdf. [18.09.2019].

37Cf. Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Relatório Direitos Humanos no Brasil em 2019, disponível em:

https://jornalggn.com.br/sites/default/files/2019/09/comissao-denuncia-governo-bolsonaro-sobre-violacao-dos-direitos-humanos-em-reuniao-internacional-da-onu-report-relatorio-cdhm-onu-2019.pdf. [19.05.2019]

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desenvolvimento do país38. Além do grande número de vítimas, os jovens de até 29 anos também

representam a maioria da população carcerária39, contrariando a dinâmica populacional do país, cujos

jovens de até 29 anos representam menos de 20% da população nacional40.

Os dados demonstram a incapacidade do Estado em garantir a devida execução do controle social informal, especialmente no que tange ao direito à educação, fazendo com que muitos dos jovens que deveriam estar na escola estejam envolvidos na criminalidade. Verifica-se a grave situação da criminalidade no país, atingindo especialmente uma parte vulnerável e importante da população, em uma idade na qual o apoio do Estado - com o devido fornecimento de direitos e condições necessárias para iniciar a autonomia - é fundamental.

Foi objeto de análise no Relatório “Direitos Humanos no Brasil em 2019” a Emenda Constitucional n.º 95 de 2016, que congela os gastos públicos durante 20 anos para o pagamento de juros da dívida externa, o que reflete na redução de políticas públicas e no consequente aumento da desigualdade. O investimento público calculado para 2020 é o menor desde a criação da Secretaria do Tesouro Nacional, em 2007. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos também teve uma redução de 41% em seu orçamento, bem como os programas destinados aos menos favorecidos, como o Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e o financiamento estudantil.

Segundo o mesmo Relatório, a população rica, que abrange 1% da população brasileira, detém cerca de 28% da renda total do país, que possui a segunda maior concentração de renda do mundo. Nesse sentido, a previsão é de que a desigualdade no país seja ainda maior. O relatório informou que entre 2016 e 2017 a pobreza e o desemprego aumentaram, cerca de 22% dos domicílios não possuem renda de trabalho e cerca de 12% dos brasileiros economicamente ativos estão desempregados - representando 13,2 milhões de pessoas, demonstrando uma realidade de ociosidade, insuficiência econômica e maior propensão ao crime.

Os crimes comuns e mais frequentes no Brasil são qualificados como criminalidade clássica ou microcriminalidade, que seria resultado da violência ocasionada pela miséria socioeconômica, injustiças sociais e desigualdades, abrangendo crimes como furtos, assaltos de rua e delinquência juvenil, os quais produzem efeitos físicos, econômicos e emocionais, ocasionando a sensação de desproteção, ameaça e perigo à população41.

38Cf. Secretaria Nacional de Juventude; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, 2017, disponível em:

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/juventude/PUBLICACOES/SNJ%20-%20Indice%20de%20Vulnerabilidade%20Social%20Juventude%20-%202017.pdf. [18.05.2019].

39Cf. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, 2017, disponível em:

http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf. [09/04/2019].

40Cf. Idem, junho de 2016, disponível em: https://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil/relatorio_2016_junho.pdf. p. 30.

[09/04/2019].

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Nesse sentido, verifica-se um problema complexo relacionado à realidade econômica e social do Brasil, que possui uma grande parte da população em situação de pobreza e sem o devido acesso aos direitos fundamentais capazes de influenciar na mudança desta realidade, sendo necessária uma grande atuação em todas as esferas governamentais e em conjunto com a sociedade.

Para Engels, a miséria é uma das situações que ocasionam a criminalidade, pois o indivíduo encontra três soluções: morrer lentamente de fome, cometer suicídio ou roubar42. Não obstante, o

Governo diminuiu os programas referentes às parcelas mais vulneráveis da população, afastando de suas prioridades projetos capazes de auxiliar no alcance de uma sociedade mais igualitária.

Segundo o Institute for Crime and Justice Policy Research, o Brasil possui a terceira maior população prisional do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, com cerca de 746 mil presos em 201943. O grande número de reclusos tem ocasionado diversos problemas no sistema

prisional do país, que possui a maior taxa de presos ainda não condenados, e se forem contabilizados os mandados de prisão em aberto, a população prisional total é de mais de 1 milhão de pessoas44.

O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão que coordena a aplicação das diretrizes da política penitenciária brasileira e da Lei de Execução Penal, informou que de 1995 a 2015 a população carcerária teve um aumento de 575%, enquanto a população brasileira teve apenas 33% de aumento45. Todos os estados necessitam de vagas no sistema prisional46. Segundo o DEPEN47, o

Brasil apresenta um déficit de mais de 300 mil vagas, com uma taxa de ocupação de 171%, apresentando um aumento de 150% na taxa de aprisionamento por habitantes entre 2000 e 2017.

Constata-se que o país possui uma das maiores quantidades de presos no mundo, que tem crescido de forma desproporcional ao crescimento da população nacional, fazendo com que o país não consiga gerir a demanda e os indivíduos acabem sendo encarcerados em condições cada vez piores, pois não há estrutura suficiente nos presídios para tantos reclusos.

No que tange à situação educacional, o DEPEN informa que cerca de 51% dos presos não completaram nem o ensino fundamental e apenas 0,5% possuem o ensino superior, demonstrando o baixo nível educacional dos reclusos. As ações criminais mais praticadas no Brasil são crimes contra o

42Cf. FRIEDERICH ENGELS, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, São Paulo: Boitempo, 2010. p. 155.

43Cf. ICPR, World Prison Brief, disponível em: https://www.prisonstudies.org/country/brazil. [29.08.2019].

44Cf. Conselho Nacional de Justiça, Cidadania nos Presídios, disponível em: https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/cidadania-nos-presidios/.

[29.04.2019].

45Cf. Departamento Penitenciário Nacional, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, 2015, disponível em:

http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-web.pdf. [09/04/2019].

46Cf. Idem., Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, dezembro de 2014, disponível em:

http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/documentos/infopen_dez14.pdf. [09/04/2019].

47Cf. Idem, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, 2017, disponível em:

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patrimônio, crimes relacionados a drogas e crimes contra a vida, estando inseridos em regime fechado cerca de 45% dos presos.

Segundo o DEPEN, aproximadamente 10% dos presos no Brasil realizam atividades educacionais, apenas 1% dos detentos realizam atividades de educação complementar para remição de pena e apenas 17% dos presos encontram-se envolvidos em atividades laborais48. Segundo o Conselho

Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 60% das prisões brasileiras não possuem espaço para educação, 78% não possuem módulo de saúde e 83% não apresentam módulo para o trabalho49.

Observa-se que a maioria da população carcerária, apesar da baixa escolaridade, permanece ociosa durante o cumprimento de pena, não tendo acesso à estrutura necessária para que seja oferecida a assistência legalmente prevista, verificando-se que a maioria dos estabelecimentos prisionais não utilizam os recursos necessários para a preparação dos reclusos para o retorno à sociedade.

Os estabelecimentos prisionais no Brasil apresentam uma situação de recorrentes violações de direitos e total desprezo às garantias legais, restringindo não apenas o direito à liberdade, mas com ele, diversos direitos fundamentais que não constavam na sentença, ocasionando a deterioração da personalidade e o desrespeito à sua dignidade do preso, retirando do apenado as possibilidades que deveria ter na prisão para o retorno útil à sociedade, havendo casos de tratamentos cruéis e agressões físicas advindas de outros presos e dos próprios agentes da administração penitenciária50.

O Relatório “Direitos Humanos no Brasil em 2019” cita os dados apresentados pelo Banco de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça, que registram 812.564 presos, e dentre estes, cerca de 41,5% ainda não haviam sido julgados. A previsão é de que em 2025 o Brasil registre 1,5 milhão de presos. A superlotação prisional tem fundamentado diversas rebeliões e massacres nos últimos anos, tendo sido registradas entre 2017 e 2019 cinco grandes rebeliões, que ocasionaram cerca de 200 mortos51.

Muitas prisões no Brasil têm sido um mecanismo punitivo insalubre e que exerce função contrária ao seu objetivo ressocializador. Os estabelecimentos em situação precária e sem oferecer a devida assistência aos indivíduos, além de infringirem a norma jurídica, são capazes de produzir efeitos prejudiciais no condenado - isolado por muito tempo em condições de ociosidade, enquanto é exposto

48Cf. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, junho de 2017, disponível em:

http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf. [25.02.2019]

49Cf. Conselho Nacional de Justiça, Relatório de Gestão, disponível em:

https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/10/23902dd211995b2bcba8d4c3864c82e2.pdf. p. 29. [14.03.2019].

50Cf. RAFAEL DAMACENO DE ASSIS, A realidade atual do Sistema Penitenciário Brasileiro, Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n.39, 2007, p.75.

51Cf. Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Relatório Direitos Humanos no Brasil em 2019, disponível em:

https://jornalggn.com.br/sites/default/files/2019/09/comissao-denuncia-governo-bolsonaro-sobre-violacao-dos-direitos-humanos-em-reuniao-internacional-da-onu-report-relatorio-cdhm-onu-2019.pdf. [11.03.2019]

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a diversas situações de criminalidade dentro da prisão – e muitas vezes o indivíduo retorna à sociedade ainda mais perigoso do que antes de receber a pena. Essa ineficácia penal é explanada por Greco, a constar:

O fenômeno da prisionização ou aculturação do detento, a potencialidade criminalizante do meio carcerário que condiciona futuras carreiras criminais (fenômeno do contágio), os efeitos da estigmatização, a transferência da pena e outras características próprias de toda instituição inibem qualquer possibilidade de tratamento eficaz e as próprias cifras de reincidência são por si só eloquentes. Ademais, a carência de meios, instalações e pessoal capacitado agravam esse terrível panorama52.

Greco afirma ainda que, mesmo sendo denominadas prisões de segurança máxima, a corrupção dos funcionários permite que o crime organizado ocorra livremente, com líderes de facções criminosas comandando de dentro do presídio a criminalidade fora do mesmo, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho, citando a rebelião que foi liderada dentro de uma prisão paulista em 2006, ocorrida simultaneamente em 73 presídios, tendo sido atacados 82 ônibus e ocasionadas 152 mortes53.

Para Greco, a solução não é apenas melhorar as condições dos detentos, mas colocar em prática programas sociais de prevenção ao crime e de assistência à ressocialização, utilizando ao máximo as penas alternativas. Segundo o autor, a crise no sistema prisional se inicia nas omissões e violações dos administradores que descumprem os direitos humanos básicos. Santos, por sua vez, defende o minimalismo penal e a justiça restaurativa, com o pagamento de indenização à vítima ou aos seus descendentes54.

Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), as prisões no Brasil possuem péssimas instalações há anos, os presos sofrem maus-tratos, não são devidamente separados, a alimentação é inadequada, e a grande maioria dos presos não trabalham e nem estudam55. Foram

identificados como principais problemas do sistema penitenciário brasileiro a ociosidade forçada, a superlotação, o alto índice de reincidência, alto consumo de drogas, péssimas condições de higiene, violência física e sexual, e ausência de assistência médica e psicológica, causando diversos efeitos nos reclusos56.

No relatório internacional sobre prisões elaborado pelo Institute for Criminal Policy Research (ICPR)57, as prisões brasileiras são descritas como instituições degradadas, superlotadas e insalubres,

52Cf. ROGÉRIO GRECO, Sistema Prisional: colapso atual e soluções alternativas. Niterói: Impetus, 2015, pp. 335-336.

53Idem, ibidem, p.191.

54Cf. JUAREZ CIRINO DOS SANTOS, O Sistema penal precisa ser reduzido, O Estado do Paraná, 2010, disponível em:

http://www.historico.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=54455. [18.05.2019].

55CNMP, CPI do sistema carcerário, 2009, disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/2701. [30.03.2019].

56Cf. VÍTOR MACHADO, Análise sobre a crise do sistema penitenciário e os reflexos do fracasso da pena de prisão, 2013, disponível em:

http://www.derechoycambiosocial.com/revista033/a_crise_do_sistema_penitenci%C3%A1rio.pdf. [02.03.2019]

57Cf. JESSICA JACOBSON; CATHERINE HEARD; HELEN FAIR, ICPR, Prison, 2017, disponível em:

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nas quais os presos precisam aliar-se às facções para sobreviver, quase 40% dos presos estão em situação de prisão preventiva e apenas um terço dos presos participa da audiência de custódia antes do julgamento no Rio de Janeiro. A audiência de custódia, nos termos do art. 7º da Convenção Americana de Direitos Humanos, consiste no direito de que o preso seja conduzido sem demora a um juiz ou autoridade competente, que deve decidir sobre a legalidade da prisão e julgar o caso em prazo razoável - ou ordenar a liberdade, que pode ser condicionada58.

O relatório do ICPR informou que as maiores organizações criminosas originadas dentro das prisões brasileiras - o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital - controlam cerca de 90% das prisões no Brasil e de dentro delas organizam crimes como tráfico, extorsão e prostituição, alegando as organizações criminosas estabelecem uma forma de autogovernação no sistema penitenciário - que assim como o judiciário e diversos outros setores no Brasil, é marcado por corrupção, impunidade e ineficiência59.

No Brasil são constantes os casos de rebeliões, violência e massacres nas prisões, a exemplo dos recentes casos ocorridos em maio e julho de 2019 nos estados do Amazonas e do Pará, ocasionando a morte de diversos detentos. Grandes massacres ocorrem no país desde 1987, ano em que um massacre na Penitenciária do Estado de São Paulo ocasionou 31 mortes, além do ocorrido no Carandiru em São Paulo em 1992, resultando em 111 mortos; o que ocorreu em 2004 na Casa de Custódia de Bem Fica, no Rio de Janeiro, que resultou em 31 mortos; e os ocorridos em 2017 em Manaus, Boa Vista e Rio Grande do Sul, ocasionando126 mortes60.

Estima-se que as facções criminosas brasileiras tenham emergido nas décadas de 60 e 70 na prisão de Ilha Grande, na qual os criminosos comuns eram misturados aos presos políticos, os quais possuíam mais aptidão de persuasão e organização, criando o grupo Lei de Segurança Nacional – se que tornou o Comando Vermelho. O grupo começou a se desenvolver, e para tentar solucionar a questão, as autoridades decidiram transferir alguns líderes para outras prisões do Rio de Janeiro, momento em que as facções começaram a se expandir para todos os estados61.

O sistema prisional brasileiro muitas vezes produz a criminalidade ao invés de extingui-la. Oliveira explana que mesmo com o aumento das prisões, os crimes continuam a crescer, pois o Estado tem utilizado as prisões como depósito de pessoas e cerca de 70% dos egressos retornam ao cárcere,

58Cf. Pacto de San José da Costa Rica, Convenção Americana de Direitos Humanos, disponível em:

http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. [15.05.2019]

59Cf. JESSICA JACOBSON; CATHERINE HEARD; HELEN FAIR, ICPR, Prison, 2017, disponível em:

https://www.prisonstudies.org/sites/default/files/resources/downloads/global_imprisonment_web2c.pdf. p. 9. [05.03.2019].

60Cf. MAURO CESAR FERREIRA, Direitos humanos e o sistema penitenciário brasileiro, 2018, disponível em:

https://jus.com.br/artigos/67940/direitos-humanos-e-o-sistema-penitenciario-brasileiro. [08.08.2019]

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ocasionando a superlotação, gerando o aumento da violência, constantes rebeliões, tentativas de fuga e ataques aos funcionários do sistema penitenciário62.

Em 1986, o então presidente do Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária, ministro Evandro Lins e Silva, apresentou uma carta de renúncia ao cargo afirmando que a prisão não regenera nem ressocializa, mas ao contrário, perverte, corrompe, deforma, despreza e embrutece, sendo uma fábrica de reincidência63.

Diante da situação degradante do sistema penitenciário, especialmente quanto à garantia de direitos humanos e a superpopulação carcerária, que dificultam a organização e salubridade das instituições penitenciárias, a redução da menoridade é algo que se revela inconcebível sem o verdadeiro apoio de instrumentos eficazes para a ressocialização, pois além de não ressocializar, acabaria transformando os jovens em alunos da chamada “escola do crime”.

Em 2016, a então presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministra Cármen Lúcia, afirmou que um preso no Brasil custa R$ 2,4 mil reais por mês, enquanto um estudante do ensino médio custa R$ 2,2 mil reais por ano, demonstrando a má distribuição orçamentária ao priorizar uma política repressiva ao invés de investir em uma política preventiva e mais eficaz de controle social informal64.

A ministra mencionou que a frase dita por Darcy Ribeiro em 1982 tornou-se realidade, segundo a qual, se os governantes não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios. A ministra alegou que a cada nove minutos uma pessoa é morta violentamente no Brasil, afirmando que o país está em estado de guerra e defendendo um “estado de coisas inconstitucional”. Para a ministra, a violência no Brasil demonstra que o país necessita de mudanças estruturais, com o esforço conjunto dos governos e da União, para que o cidadãos possuam usufruir do direito de viver sem medo.

Observa-se que é muito mais vantajoso financeiramente para o Estado devolver à sociedade um cidadão recuperado do que ainda mais criminalizado, refletindo diretamente no bem-estar social. A ineficiência do Estado, aliada à negligência da sociedade quanto à situação das prisões no Brasil, ocasionou a precariedade dos estabelecimentos prisionais e o consequente aumento da criminalidade, provocando a grave situação da segurança pública no país.

62 Cf. OLIVEIRA, A. C. M., A queda da Bastilha do Sistema Penitenciário, Revista Jurídica Consulex, Brasília, n.410, fev. 2014. p. 28-29.

63 Cf. DAVID RECHULSKI, Fim da prisão especial é uma inversão de valores, Consultor Jurídico, disponível em:

https://www.conjur.com.br/2011-jan-03/fim-prisao-especial-cpp-lamentavel-inversao-valores. [15.03.2019].

64 Cf. Supremo Tribunal de Justiça, Ministra Cármen Lúcia diz que preso custa 13 vezes mais do que um estudante no Brasil, 2016, disponível em:

(30)

A Human Rights Watch (HRW) realizou um estudo65 nas prisões do estado de Pernambuco, em

2015, e após visitas, entrevistas, relatórios e registros fotográficos, verificou diversas violações e situações degradantes. Havia celas com presos dormindo no chão e outras com seis camas de cimento para 60 presos, na qual um preso dormia sentado e amarrado às grades para não cair sobre os outros. A HRW relatou que as autoridades penitenciárias controlam o exterior das prisões, mas abdicaram da responsabilidade de controlar o interior e entregaram as chaves dos espaços aos presidiários, que foram intitulados representantes ou chaveiros.

Os chaveiros normalmente são escolhidos pelos agentes penitenciários, entre os indivíduos que praticaram crimes mais graves, conforme a capacidade de impor respeito aos outros reclusos. Egressos informaram à HRW que os chaveiros abusam do poder para negociar, vendendo espaços para dormir por 600 a 2 mil reais, e algumas vezes eram apenas barracos feitos com lençóis. Algumas destas vendas são feitas a crédito e os familiares do preso são obrigados a pagar mediante ameaça.

A HRW informa ter testemunhado presos consumindo drogas sob uma torre de vigilância, embora não tenha conseguido adentrar em todos os espaços devido à ausência de segurança. Alguns entrevistados relataram casos de estupro coletivo, e que os próprios agentes - que não são revistados ao entrar nas prisões - inserem as drogas no presídio, além de serem consumidos entorpecentes e bebidas alcoólicas.

Segundo o relatório da HRW, os chaveiros também negociam privilégios com outros presos para cozinharem, lavarem suas roupas ou limparem suas celas, que são privadas e muitas vezes com televisores, frigoríficos e sanitários, um poder que é mantido através de milícias recrutadas, que espancam os presos que não cumprem as ordens dos chaveiros. Um funcionário da prisão e um egresso também informaram à HRW que as autoridades prisionais vendem os cargos de chaveiro por 70 mil reais, e alguns chaveiros, quando saem da prisão, escolhem seus sucessores. O esquema muitas vezes não é denunciado por medo de represálias.

O relatório menciona que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitou ao governo de Pernambuco a extinção da função de chaveiros e que as funções de segurança, disciplina e controle fossem devidamente executadas pelos agentes penitenciários. O estado de Pernambuco, em resposta, alterou o nome da função de chaveiro para representante e manteve a mesma situação.

A HRW informa que as autoridades brasileiras têm conhecimento das violações ocorridas em Pernambuco devido aos documentos elaborados desde 2010 por organizações como a Pastoral Carcerária, a Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard e outras

65 Cf. Human Rights Watch, “O Estado deixou o mal tomar conta”: A crise do sistema prisional do estado de Pernambuco, 2015, disponível em:

Referências

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