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Interação entre alunos do ensino fundamental numa atividade de reescrita

de textos

Célia Márcia Gonçalves Nunes Lôbo Universidade Federal de Goiás-FL Orientadora: Profa. Dra. Eliana Melo Machado Moraes

Resumo: Esta pesquisa de cunho qualitativo tem como objetivo analisar as estratégias de

mediação ocorridas na interação entre dois alunos durante uma atividade de reescrita de textos em língua portuguesa. Para tanto, a fundamentação teórica deste artigo está baseada na teoria sociocultural de Vygotsky; nas teorias sobre escrita e reescrita; e na teoria da aprendizagem colaborativa. No decorrer do processo de reescrita dialogada, percebeu-se que os alunos utilizaram de várias estratégias para mediar suas ações, dentre elas são destacados alguns exemplos de scaffoldings utilizados pelos alunos. Diante da análise realizada, percebe-se que o diálogo estabelecido entre os alunos no momento da interação, os proporciona atingir o estágio da autorregulação, pois é por meio desse diálogo que as trocas de conhecimentos ocorrem, contribuindo para o aprendizado de ambas as partes.

Palavras-chave: Aprendizagem colaborativa. Interação. Scaffolding.

Abstract: This qualitative research aims to analyze the strategies of mediation that occurred in the interaction between two students during an activity of rewriting texts in Portuguese. For thus, the theoretical foundation of this paper is based on Vygotsky's sociocultural theory; the theories about writing and rewriting; and the theory of collaborative learning. During the rewrite process through dialogue, it was noticed that students used various strategies to mediate their actions, among them are highlighted some examples of scaffoldings used by students. Before the analysis, it is clear that the dialogue between the students at the time of interaction, provides reach the stage of self-regulation, because it is through this dialogue that the exchange of information occurs, contributing to the learning of both parties.

Keywords: Colaborativa learning. Interaction. Scaffolding.

Considerações iniciais

Este estudo tem o objetivo de analisar as estratégias de mediação que ocorrem na interação entre dois alunos do quinto ano do Ensino Fundamental, numa atividade de reescrita de textos em língua portuguesa. Para tanto, a fundamentação teórica deste artigo está baseada na teoria sociocultural de Vygotsky, com ênfase nos conceitos de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) e de mediação; nas teorias sobre escrita e reescrita; e na teoria da aprendizagem colaborativa.

Para realizar este estudo, tomamos as seguintes perguntas de pesquisa: como ocorre a mediação por meio de orientações marcadas nos textos dos alunos? Quais as

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estratégias adotadas pelos alunos para efetivar a correção? Qual o significado da atividade de reescrita para os alunos? Como se caracteriza, no processo de interação, o par mais competente?

Esse artigo é constituído por três partes. A primeira delas consiste em expor a fundamentação teórica que subsidia a pesquisa; num segundo momento apresentamos os procedimentos metodológicos pelos quais a pesquisa perpassa; logo a seguir fazemos a análise e a discussão dos dados; e, por fim, as considerações finais.

Fundamentação teórica

Vygotsky (1991, p. 97) caracteriza como zona de desenvolvimento proximal “a distância entre o nível de desenvolvimento real [...] e o nível de desenvolvimento potencial”. Para atingir o nível de desenvolvimento potencial, o indivíduo necessita da intervenção do outro ou da intervenção de alguns instrumentos e estratégias. Sendo assim, imbricado no conceito de ZDP está a noção de mediação, entendida como uma ponte para a internalização de atividades e comportamentos externos (VYGOTSKY, 1991).

Dentre as estratégias mediadoras que se podem utilizar na realização de uma tarefa está o uso da fala comunicativa e da fala privada, que podem funcionar como scaffoldings na consecução de algumas atividades. A fala comunicativa é dirigida para regular os outros, por isso ela é expandida, completa e compreensível ao interlocutor. Em contrapartida, a fala privada é direcionada para regular o próprio funcionamento mental, sendo, portanto, abreviada e menos compreensível aos outros, é aquela que ocorre normalmente em momentos de estresse cognitivo (DONATO, 2000). Dessa forma, a linguagem é simultaneamente um meio de comunicação e uma ferramenta para o pensamento (SWAIN; LAPKIN, 1998).

A concepção de linguagem, adotada neste artigo, assume uma perspectiva interlocutiva, sendo, pois, “um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico” (TRAVAGLIA, 2005, p. 23).

A respeito desse caráter interativo da linguagem, respaldam-se os estudos acerca de escrita e reescrita de textos. Sautchuck (2003), apoiada na teoria sociointeracionista da linguagem, discute os conceitos de escritor ativo, leitor interno e leitor externo, mostrando

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que, no processo de escrita e reescrita de textos, estamos em constante interação, seja conosco mesmos (por meio de ativações de conhecimentos prévios), seja com o outro (e com o ethos que criamos desse outro), seja com o contexto em que nos encontramos (condições de produção). A autora afirma, ainda, que a linguagem verbal humana é um agir intencional do indivíduo e “este dela se serve para satisfazer sua necessidade de relação com os outros indivíduos e para exteriorizar o que acontece no seu íntimo, como conhecimento ou como forma de pensar” (SAUTCHUCK, 2003, p. 14).

Marcuschi (2008, p. 228) afirma que “nossa compreensão está ligada a esquemas cognitivos internalizados, mas não individuais e únicos. Assim, a percepção é, em boa medida, guiada e ativada pelo nosso sistema sociocultural internalizado ao longo da vida”. Porém, muitas vezes agregamos uma carga subjetiva tão grande ao nosso texto que tornamos a sua leitura difícil por parte do leitor externo. Por isso, precisamos ter a percepção de que nem sempre o que tencionamos dizer em um texto escrito está claro aos olhos do nosso interlocutor.

Diante disso, o processo de reescrita toma um papel essencial no campo da compreensão textual, pois é a partir da revisão do texto que o escritor tem a oportunidade de reler e melhorar o que foi escrito, verificando se realmente o texto está adequado às condições de produção inicialmente propostas. De acordo com Fernandes (2007, p. 77), “[e]sse trabalho de revisão tem valor constitutivo do sujeito-autor, pois permite observar o texto em perspectivas variadas. O refazer valoriza o caráter de processamento [...] dos julgamentos sobre o já-dito e as possibilidades abertas do por-dizer” (FERNANDES, 2007, p. 77).

Tendo em vista que a teoria sociocultural de Vygotsky defende o pressuposto de que a interação é essencial para o desenvolvimento cognitivo do homem, uma vez que as influências dos diversos grupos em que frequenta dão possibilidade a ele de se desenvolver. (LA TAILLE, 1992), consideramos relevante a realização deste trabalho, pois podemos associar interação e reescrita, e reafirmarmos o valor da aprendizagem colaborativa, “que se refere, grosso modo, a situações educacionais em que duas ou mais pessoas aprendem ou tentam aprender algo juntas, seja por meio de interações em sala de aula ou fora dela, seja por intermédio de interações mediadas pelo computador [...]” (FIGUEIREDO, 2006, p. 13).

Após essa breve fundamentação teórica, passarei para o segundo momento desse artigo que consiste na apresentação dos procedimentos metodológicos que permeiam esse

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estudo, em que descrevo o contexto da pesquisa, bem como os critérios adotados para realizar a análise dos dados coletados na interação.

Procedimentos metodológicos

Neste trabalho, optamos pela pesquisa qualitativa pelo fato de ela ser composta por um conjunto de atividades interpretativas, que possibilita ao pesquisador a liberdade de utilizar metodologias que se adéquam ao estudo (DENZIN; LINCOLN, 2006), o que nos proporciona melhores condições para atingir os objetivos ora delineados. Segundo Lüdke e André (1986, p. 17), “[q]uando queremos estudar algo singular, que tenha um valor em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso”, por isso a pesquisa que desenvolvemos nesse artigo caracteriza-se como tal, uma vez que fazemos um exame intensivo e em profundidade da interação entre os alunos no processo de reescrita, visualizando os diversos aspectos que norteiam esse mesmo fenômeno (SERRANO, 1998).

A pesquisa foi realizada com uma dupla de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental, do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, da Universidade Federal de Goiás (CEPAE - UFG). No momento de escolhermos os alunos que participariam da pesquisa, tivemos o cuidado de indagar à professora sobre a afinidade que havia entre os alunos escolhidos, se eles costumavam trabalhar juntos ou se existia algum tipo de inimizade entre eles, a fim de não causar desconfortos durante a interação. Esse cuidado foi tomado porque sabemos que os fatores afetivos exercem uma influência bastante considerável na realização de atividades coletivas e devem ser levados em conta.

O objeto da análise é a interação entre os dois alunos durante uma atividade de reescrita de seus textos. Para coletar os dados, fizemos gravações em áudio e em vídeo dessa interação; utilizamos as produções escritas de primeira e segunda versão dos textos produzidos por eles; fizemos uma breve entrevista individual com os alunos a fim de avaliar a eficácia das orientações dadas em seus textos e o significado que a atividade teve para eles; entrevistamos, também, a professora no intuito de nos orientarmos sobre a forma de correção que deveríamos seguir e nos contextualizar sobre a maneira com que a produção escrita que escolhemos havia sido trabalhada por ela com os alunos.

A seleção da dupla e a produção escrita que seria reescrita se deu por meio de um levantamento no caderno de todos os alunos da turma, ocasião em que escolhemos as menores

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produções escritas e aquelas em que houve maior participação dos alunos. Enviamos um pedido de autorização aos pais dos alunos e dentre aqueles alunos cujos pais autorizaram a participação na pesquisa, selecionamos dois.

Segundo informações da professora da turma, a produção escrita que escolhemos para reescrever foi realizada com base no texto de Jairo Bouer, “Remédio não é ‘tábua de salvação’ para jovens”, retirado da Folha de São Paulo, de 27 de setembro de 2010. A professora nos informou que os alunos estão trabalhando textos jornalísticos no decorrer do 5º ano, e justificou que, embora esse texto não se caracterize como uma reportagem, ela o escolheu por causa do tema que é tratado e devido aos casos de alunos que se automedicam.

Depois do texto pronto, a professora pediu para que os alunos trocassem seus textos com os colegas e que os colegas verificassem se eles estavam bons ou se precisavam ser aperfeiçoados em algum aspecto. Esse foi um dos fatores que nos despertou a atenção e de certa forma exerceu influência na escolha dessa produção escrita. Essa troca foi feita no mesmo dia em que os alunos produziram seus textos.

Ao observarmos as correções feitas pelos colegas, percebemos que se caracterizam, em sua maioria, por elogios quanto ao entendimento da proposta de produção – que inclusive não é determinada quanto a um gênero textual específico – ou apontamentos quanto à ortografia. Porém, essa troca de textos não teve o intuito de fazer com que os alunos, a partir dos comentários dos colegas, reescrevessem seus textos, e ao questionar aos alunos participantes da pesquisa sobre o que compreenderam dos bilhetes dos colegas, eles responderam que esses bilhetes não possuíam sentido algum para eles.

A gravação da interação foi feita em uma sala de aula separada dos demais colegas da turma. Durante toda a gravação, estavam na sala apenas os dois alunos e a pesquisadora. No momento da reescrita, os alunos tiveram acesso apenas aos seus textos corrigidos pela pesquisadora, e seus cadernos da disciplina de língua portuguesa. Nenhuma orientação quanto à maneira de efetuar a reescrita foi repassada a eles pela pesquisadora. As gravações foram posteriormente transcritas e minimizadas as hesitações de fala dos participantes. A fim de garantir a confidenciabilidade dos participantes da pesquisa, os nomes dos alunos que aparecem nesse artigo são fictícios. A gravação da reescrita do texto de César totalizou 35 minutos, a de Bernardo, 29 minutos.

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Para uma melhor leitura e compreensão dos exemplos citados da interação entre os alunos, a transcrição dos dados foi feita utilizando as seguintes simbologias, baseadas em Marcuschi (2001):

Negrito → indica termo ou expressão em discussão; ... ou /.../ → indica transcrição parcial ou eliminação. “texto” → indica que o aluno está lendo o texto; Itálico → indica hesitação e sinal de atenção. (( )) → indica comentários do analista;

[ → indica sobreposição de vozes;

MAIÚSCULA → indica ênfase ou acento forte;

::: → indica alongamento de vogal;

(incompreensível) → indica ruído na gravação; - - - → indica silabação;

(+) → indica pausa.

Análise da interação

A seguir expomos a análise da interação dos alunos e da entrevista realizada com eles, exemplificando e explicando os dados com base na teoria ilustrada na introdução desse artigo. Apresentamos e discutimos as negociações que ocorreram no momento da reescrita; as estratégias adotadas pelos alunos para efetivar a correção; e a relação de mediação entre os alunos e as orientações marcadas nos textos, entre outros fatores pertinentes.

A princípio, o objetivo dessa pesquisa era analisar as inferências que os alunos poderiam vir a gerar por meio das orientações marcadas em seus textos, por isso, realizamos uma correção microestrutural1 do texto, apontando apenas as inadequações sem, contudo, descrever explicitamente o que deveria ser corrigido (Figura 1).

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Podemos compreender por microestrutura do texto, de acordo com Dijk (1999), todas as unidades de palavras, no nível inferior ou superficial do texto, que se articulam para garantir a coesão da macroestrutura.

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Figura 1: Correção microestrutural.

O objetivo ao realizarmos uma correção dessa natureza no texto foi justamente deixar que os alunos discutissem e chegassem a um consenso do que deveria ser modificado. Porém, como nem toda tarefa implica na mesma atividade (COUGHLAN; DUFF, 1994), os alunos realizaram a tarefa de modo totalmente contrário ao que esperávamos. Sendo assim, o foco e a fundamentação teórica da pesquisa tiveram que sofrer algumas alterações.

Acreditamos que o motivo pelo qual os alunos desenvolveram a tarefa de modo diferente do que imaginávamos está na concepção que eles possuem do termo “edição”, pois antes de iniciar a gravação da interação, César questionou a pesquisadora se era para eles fazerem uma segunda edição do texto e ao indagá-lo na entrevista, após a atividade de reescrita, sobre o porquê fizeram a tarefa daquela forma, ele respondeu:

César: Porque como se fosse um segundo texto, escrito de outra maneira.

Diante disso, podemos compreender que o que eles consideram como segunda edição do texto seja um texto completamente diferente do primeiro, pois o aluno Bernardo também respondeu de forma semelhante ao questionamento da pesquisadora:

Bernardo: No começo do texto, eu e o César fez assim /.../. Aquela marca vermelha a gente puxava outro assunto, aí fazia assim, melhorava, aí põe o outro, aí na outra marca a gente fazia outra coisa, não que estava nas vermelhas.

Figueiredo (2005) explicita que existem dois tipos de correções: a direta e a indireta, e que ambas podem ser feitas de forma total ou parcial. Ainda dentro dessa classificação, o autor apresenta-nos algumas das maneiras de se fazer uma correção indireta: a autocorreção; a correção com toda a turma; as conferências; e a correção com os pares. [1]

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Tomando como base essas classificações, podemos determinar que a correção com os pares, definida como “um processo no qual os alunos lêem os textos escritos por seus pares (colegas) e dão sugestões para melhorar a escrita” (FIGUEIREDO, 2005, p. 71), é a que foi realizada nessa pesquisa. Porém, ao invés de utilizamos um formulário de orientação para auxiliar os alunos na atividade de reescrita e correção, preferimos usar o recurso de sublinhar e destacar os erros nos textos dos alunos.

Scaffoldings como estratégias mediadoras no processo de reescrita

Para efetuar a tarefa de reescrita, os alunos se utilizaram de algumas estratégias que mediaram suas ações e facilitaram a realização da atividade. Villamil e Guerrero (1996) as definem como estratégias mediadoras. No decorrer do processo de reescrita dialogada, percebemos que os alunos utilizaram várias estratégias mediadoras para corrigir o próprio texto e o texto do colega. Devido às limitações desse artigo e por questões didáticas, preferimos destacar nesta análise apenas alguns exemplos de scaffoldings utilizados pelos alunos na ocasião da interação. A seguir apontamos esses exemplos e como os compreendemos.

Scaffolding

O termo scaffolding, criado por Wood, Bruner e Ross (1976), é definido como um “processo que capacita a criança ou principiante a resolver um problema, executar uma tarefa ou alcançar um objetivo que estaria acima de sua capacidade” (WOOD; BRUNER; ROSS, 1976, p. 90). Esse processo ocorre quando o principiante recebe o auxílio de outra pessoa ou se apoia em algum tipo de mediação para efetuar uma tarefa. Entre os tipos de scaffoldings observados na interação dos alunos destacamos: a ativação de esquemas; a recorrência à primeira versão do texto; a utilização de perguntas; e o apoio no conhecimento metalinguístico.

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Segundo Smith (1989, p. 30), a noção de esquemas diz respeito a “representações extensivas de padrões ou regularidades mais gerais, que ocorrem em nossa experiência”. Em sua pesquisa, Sabota (2006) classifica os esquemas como individuais (provenientes de experiências pessoais), comuns (construídos em comunidades restritas) e culturais (relacionado a uma comunidade mais ampla). Em nosso estudo, também constatamos a ativação desses esquemas como meio de apoio para a construção do texto que estava sendo escrito. Como podemos ver no exemplo 3, em que César utiliza-se de uma experiência pessoal para acrescentar uma informação nova ao texto:

César: Agora eu já sei o que que eu ponho. (+) . É::: meu pai ele tem, é::: como é que fala, falta de hormônio, sabe aquele negócio? Bernardo: Ahã.

César: Ele... precisa de remédio pra::: Bernardo: Sobreviver.

César: É, pra::: sei lá como é que fala (+). Precisa de remédio, né? De hormônio. Se ele parar de tomar, ele morre, sabe aqueles remédio de hormônio?

Bernardo: Então, pra sobreviver.

César: É. Aí a gente pode pôr, remédios dependentes com tanto::: Bernardo: Remédios dependentes, só use o necessário.

Percebemos que a explicação dada por César a Bernardo sobre o caso de seu pai, teve como objetivo fazer com que o colega compreendesse o fato e o ajudasse a expressar isso no texto, uma vez que para ele essa informação poderia ser relevante tendo em vista o que eles estavam escrevendo.

Neste outro exemplo, César esclarece a Bernardo o porquê da escolha do termo “médico” ao invés de “farmacêutico,” apoiado em um conhecimento prévio que ele possuía e que provêm de um conhecimento compartilhado em uma comunidade mais ampla:

César: Primeiro. Consulte ao médico?

Bernardo: É, consulte sempre ao médico ou farmacêutico.

César: Mas ao farmacêutico não, sabe por quê? Porque agora tem uma lei que só pode pegar remédio se tiver atestado que o médico passou aquele remédio.

Bernardo: Tá, consulte sempre o médico.

Percebemos, nesse exemplo, um processo de regulação pelo outro, pois ao concordar com o esclarecimento de César, Bernardo demonstra confiança na informação que [3]

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o colega ofereceu e consequentemente adiciona mais uma informação a sua estrutura cognitiva, ou seja, ele aprende com o colega.

Recorrência à primeira versão do texto

Muitas vezes, os alunos retomaram a primeira versão do texto escrito por eles para buscarem subsídios de escrita. Isso normalmente acontecia quando os alunos esgotavam o assunto e precisavam pensar sobre o que iam escrever. Veja o exemplo 5:

Bernardo: Você começa aqui fazer outro parágrafo.

César: Vamos ver o quê que a gente vai fazer aqui nesse parágrafo agora.

Bernardo: Deixa eu ver. ((Pega o texto original para ler)). “Nutricionista para as pessoas muito magras e fracas”...

César: Vamos fazer um parágrafo pra elas ler a bula.

Ou quando, ao contrário, eles percebiam que estavam escrevendo demais e precisavam se localizar no texto a fim de selecionar/descartar assuntos, conforme pode ser visto no exemplo 6:

Bernardo: Aqui ó, a gente estava aqui, ó ((Pedro mostra no texto original)). Um bom sono...

César: É, também tem distração. Não, mas tá bom. Só assim não precisa aumentar isso...

Nesse processo de recorrência à primeira versão do texto, percebemos que as orientações em vermelho, apesar de terem sido avaliadas pelos alunos como pontos a serem melhorados (conforme entrevista feita com eles), elas exerceram pouco efeito de scaffolding. Isto quer dizer que as orientações não foram foco de discussão para os alunos, como havíamos imaginado que seria.

Utilização de perguntas [5]

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Uma das estratégias mais empregadas para mediar a interação foi a utilização de perguntas. Essa estratégia ocorreu em diversas ocasiões, como para dar ou pedir sugestões e para pedir esclarecimentos. A seguir, mostramos alguns exemplos ilustrando essas ocasiões.

As sugestões que normalmente aparecem durante a interação estão relacionadas à forma, ao conteúdo e à adequação lexical dentro do contexto textual. No exemplo 7, César pede a opinião do colega Bernardo sobre se começa ou não um novo parágrafo no texto, tendo em vista que eles irão começar um novo assunto. Percebemos, neste exemplo, uma negociação quanto à forma do texto:

César: Tem momentos difíceis (+) Te:::m (+). Escreve aí. Tem é::: agora põe ponto e continua na frente. Ou a gente faz separado? Bernardo: Você escolhe.

César: É outra coisa, porque não tem nada a ver mais com hiper, hiperatividade.

Bernardo: É a gente pôs um ponto, já acabou o assunto.

Já no exemplo 8, que também é sobre a forma textual, Bernardo faz uma pergunta a fim de dar uma sugestão ao colega César sobre começar o texto com o cabeçalho completo:

Bernardo: Você não acha melhor pôr o cabeçalho completo? César: É melhor pôr completo, né?

Bernardo: É. Põe só (incompreensível). CEPAE só /.../

No exemplo 9, temos a ocorrência de pergunta, por parte de César, que objetiva pedir a sugestão do colega Bernardo quanto ao conteúdo que ele pretende acrescentar ao texto. Bernardo demonstra concordar com a sugestão dada por César, mas negocia com o colega uma palavra ou outra forma de substituir a expressão “pessoas com falta de hormônios”. É interessante notar que, de fato, o texto é escrito em conjunto, pois um termina a frase do outro e assim vão construindo o texto:

César: O remédio não só ajuda como piora a sua vida. É::: pessoas com falta de hormônios, pode ser?

Bernardo: Não assim, pessoas (+) especiais (+) César: Que necessitam (+)

Bernardo: Pessoas que necessitam de remédios. César: Pra sobreviver.

Bernardo: É. [7]

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Os pedidos de esclarecimentos também foram bastante recorrentes durante a interação. No exemplo 10, podemos ver uma dessas ocasiões, quando César não compreende o que o colega quis dizer ao utilizar a expressão “se respeite”:

Bernardo: Você sabe qual é o terceiro? César: Terceiro, olhe a validade.

Bernardo: É, olhe a validade. Não pegue produtos (+) César: Olhe a validade, não pegue produtos vencidos.

Bernardo: É. (+)

Bernardo: E o último?

César: O último é::: olhe a condição do remédio (+). Bernardo: Se respeite.

César: Como assim se respeite?

Bernardo: Assim, se respeite é igual você tomar uma coisa que não precisa.

César: Ah é. /.../

Algumas perguntas tinham o intuito de simplesmente pedir confirmações do colega sobre o que estava sendo sugerido. Isso demonstra que os alunos tinham cuidado ao fazer sugestões a fim de manter uma relação de cordialidade um com o outro:

César: /.../ Toda vez que você toma, você acha que faz efeito. Ou não? Ficou bom?

Bernardo: Ficou bom. César: Você que sabe. Bernardo: Não, tá bom.

Através da utilização de perguntas, percebemos que os alunos constantemente recebem e dão feedback durante a escrita do texto, o que é visto como um fator positivo, pois dessa maneira, o trabalho toma um caráter colaborativo e a aprendizagem certamente acontece.

Apoio no conhecimento metalinguístico

Os alunos se apoiam em seus conhecimentos metalinguísticos para tomarem algumas decisões no momento da escrita. Em alguns casos, esse apoio se mostra satisfatório como pode ser visualizado no exemplo 12, em que César, ao observar o que Bernardo está [10]

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escrevendo, questiona-o sobre a ortografia da palavra “sadio”, uma vez que Bernardo estava escrevendo de forma errada. Nesta ocasião, César impõe ao colega que ele escreva a palavra da forma correta:

César: Sadio é com u ou é com o? ((César pergunta isso ao colega e

logo Pedro olha para mim, como se quisesse a resposta)).

Bernardo: Sadio? (+)

César: Acho que é co:::m (+).

Bernardo: Aqui tá co:::m (+). Você pôs aqui sadio? ((Aponta para a primeira versão do texto)).

César: Não.

César: É com o, acho que é com o. (+) Põe aí direito.

Em outros casos, essa confiança no conhecimento metalinguístico do colega ou de si próprio acaba fazendo com que cometam equívocos, como é mostrado no exemplo 13, quando César apresenta uma dúvida quanto a acentuação da palavra “energético”:

César: Tem acento energético. Aqui no e. Bernardo: E-ner-gé-ti-co.

César: E-ner-gé-ti-co, é no ge.

/.../

César: Espera aí. E-ner-gé-TI-co. Bernardo: Ener-GÉ-tico.

César: Ener-gé (+). É ge. Aí tem no ge, né? Ou é no ti? Energé-TI-cos. Energéticos e um bom sono /.../ ((César decide que o acento

é na sílaba ti, e Bernardo não se posiciona quanto a isso)).

Diante de todos esses exemplos de scaffoldings, percebemos fatores positivos e negativos do trabalho colaborativo. Um dos fatores positivos é que constantemente os alunos estão passando pelo processo de regulação pelo outro, favorecido pelo diálogo estabelecido entre eles no momento da interação, o que os proporciona atingir o estágio da autorregulação, pois é por meio desse diálogo que as trocas de conhecimentos ocorrem, contribuindo para o aprendizado de ambas as partes.

Notamos que, por meio da interação, os dois alunos puderam aprender algo novo, ou reforçar o que já sabiam, sendo assim, não houve na relação entre os dois alunos um par mais competente, uma vez que os papéis de escritor e questionador eram constantemente alternados e nenhum dos alunos exerceu sozinho o papel de tutor.

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Os fatores negativos observados nessa interação foram poucos. Notamos que, se por um lado o trabalho em par auxilia no desenvolvimento cognitivo, por outro lado pode levar à regressão (TUDGE, 1990), quando um aluno induz o outro ao erro. Outro aspecto negativo observado – mas que não foi exemplificado – é a falta de confiança nos comentários e sugestões feitas pelo colega.

Considerações finais

Pela entrevista realizada com os alunos e diante de toda a análise da atividade que eles desenvolveram, percebemos que o processo de reescrita é caracterizado por eles como uma adição de novos termos ou substituição de alguns já existentes no novo texto em relação ao primeiro. Mesmo que a reescrita não tenha partido da correção das marcas assinaladas pela pesquisadora na primeira versão, notamos uma melhora na segunda versão dos textos.

Essa melhora não é resultado apenas do que eles compreendem pela reescrita, mas conforme os próprios alunos afirmaram, o fato de a atividade ter sido desenvolvida em pares contribuiu para a reflexão acerca do que escreviam e, consequentemente, para a melhoria da qualidade de seus textos.

César: É:: sozinho eu daria conta só que eu não ia fazer (+) com essas palavras. Eu ia fazer menor, eu acho. E com ele, foi bom porque (+) um pegou a ideia do outro e formou palavras, frases, assim.

Bernardo: Eu acho que esse texto que a gente fez foi mais detalhado. O outro, o que eu ia fazer podia ser maior e mais rápido, só que não ia ficar igual a esse.

Essas afirmações confirmam ainda mais a importância do trabalho colaborativo e da utilização de scaffoldings durante a interação.

Entre as negociações estabelecidas durante a reescrita dos textos, destacamos o fato de os alunos decidirem por uma escrita colaborativa, isto quer dizer que ambos tomaram a posição de escritores do texto, uma vez que dividiram não só a tarefa de escrevê-lo como também a função de escritor: ora um, ora outro escrevia.

Outra observação relevante está na diferença de autonomia que os alunos possuíam no momento em que reescreviam seus próprios textos e no momento em que reescreviam o texto do colega. Muitas vezes, foi perceptível que os alunos não se sentiam [14

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totalmente à vontade para fazer acréscimos e modificações no texto do colega, como era demonstrado em seu próprio texto.

Ao fazer esse fechamento, fica-nos a impressão de que ainda há muito que dizer acerca de atividades que envolvem o trabalho colaborativo e os exercícios de revisão de textos. Resta-nos sugerir que mais trabalhos sejam pensados acerca desse tema, pois acreditamos que são de bastante relevância para os estudos acerca de ensino e aprendizagem de línguas.

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