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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO E ESTRATÉGIA

GESTÃO DA POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA DE RECURSOS

HÍDRICOS: UMA PROPOSTA RELACIONAL DE GESTÃO

INTEGRADA DO COMITÊ DE

HIDROGRÁFICA DO RIO PARAÍBA DO SUL

JULIO FRANCISCO ALVARENGA DA SILVA

Dra. Maria Gracinda Carvalho Teixeira

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO E ESTRATÉGIA

GESTÃO DA POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA DE RECURSOS

HÍDRICOS: UMA PROPOSTA RELACIONAL DE GESTÃO

INTEGRADA DO COMITÊ DE INTEGRAÇÃO DA BACIA

ROGRÁFICA DO RIO PARAÍBA DO SUL

JULIO FRANCISCO ALVARENGA DA SILVA

Sob a Orientação da Professora:

Dra. Maria Gracinda Carvalho Teixeira

Dissertação submetida como requisito

parcial para obtenção do grau de

Mestre em Gestão e

Curso de Mestrado Profissional em

Gestão e Estratégia da Universidade

Federal Rural do Rio de Janeiro

Seropédica, RJ

Abril de 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO E ESTRATÉGIA

GESTÃO DA POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA DE RECURSOS

HÍDRICOS: UMA PROPOSTA RELACIONAL DE GESTÃO

INTEGRAÇÃO DA BACIA

ROGRÁFICA DO RIO PARAÍBA DO SUL

JULIO FRANCISCO ALVARENGA DA SILVA

Dra. Maria Gracinda Carvalho Teixeira

Dissertação submetida como requisito

para obtenção do grau de

Mestre em Gestão e Estratégia, do

Curso de Mestrado Profissional em

Gestão e Estratégia da Universidade

Federal Rural do Rio de Janeiro.

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO E ESTRATÉGIA

JULIO FRANCISCO ALVARENGA DA SILVA

Dissertação submetida como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre

no Programa de Pós-Graduação em Gestão e Estratégia n a área de concentração

em Gestão e Estratégia.

Banca Examinadora

Profª Drª Maria Gracinda Carvalho Teixeira (Orientadora)

UFRRJ

Profª Dra. Heloisa Guimarães Peixoto Nogueira (Membro interno)

UFRRJ

Profª Dra. Marilene de Oliveira Ramos Múrias dos Santos (Membro externo)

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RESUMO

ALVARENGA DA SILVA, Julio Francisco. Gestão da Política Pública Brasileira de Recursos Hídricos: Uma Proposta Relacional de Gestão Integrada do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, 2014, p.152. Dissertação (Curso de Mestrado Profissional em Gestão e Estratégia). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2014.

O objetivo da pesquisa é analisar sob a abordagem relacional a experiência de integração na atuação do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul no contexto da gestão dos recursos hídricos brasileira, expondo o potencial de articulação desta política com outras políticas públicas, apresentando assim, novas abordagens para a efetivação da gestão integrada e participativa pelo Comitê. Privilegiou-se, como base empírica da pesquisa, o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), organização que integra a Política Nacional de Recursos Hídricos do país e faz parte de um complexo sistema que envolve governo, empresas públicas e privadas, além de entidades representantes da sociedade civil de três importantes estados brasileiros. Essa abordagem é de caráter teórico-metodológico, e imprime à pesquisa a sua originalidade, principalmente na área da Administração, onde não foi localizado esse enfoque particular que compreende as redes de políticas como um conceito aberto, ou seja, apesar de focalizar as relações estabelecidas entre Estado e atores não estatais, mais comumente utilizado no campo das Ciências Sociais, nesse conceito, não há uma definição prévia da configuração de tal relação e do tipo de atores, pois se pressupõe a entrada e saída de atores diversos, o que vai dando novos contornos na configuração da rede e trazendo novas formas de participação, o que será obtido por meio de material extraído de entrevistas e de observação. Na literatura recente identificam-se fatores críticos existentes na gestão integrada de recursos hídricos, nas assimetrias de poder dos atores e no efetivo papel dos comitês de integração das bacias hidrográficas, para avançar as teorias e a política pública de recursos hídricos brasileiros, o que se confirmou na pesquisa de campo. Ao compreender a dinâmica da relação entre os atores e sua articulação no CEIVAP foi possível mapear os avanços e limitações no compartilhamento da gestão a que se propõe o CEIVAP como elemento constitutivo da gestão integrada. Para tal o estudo apoiou-se em pesquisa bibliográfica, dados documentais e fontes orais extraídas de pesquisa de campo. A literatura internacional tem um significado relevante na pesquisa uma vez que esta vem mostrar as interconexões entre a política de recursos hídricos brasileiros e as de países que lhe serviram de modelo, assim como experiências de outros países que podem contribuir para aperfeiçoar a gestão brasileira ou que possam sinalizar adequabilidades à situação brasileira. Observa-se que tanto no Brasil quanto em outros países o processo de descentralização nas tomadas de decisão nas políticas públicas favorece a articulação entre atores nos domínios públicos ou privados. Entretanto é na prática e no campo da ação que se evidencia como essa articulação ocorre, os pontos de melhoria na atuação do Comitê e como desejam seus componentes que a gestão integrada potencialize a atuação efetiva do CEIVAP.

Palavras-chave: política pública de recursos hídricos, gestão integrada, dimensão relacional, CEIVAP.

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ABSTRACT

ALVARENGA DA SILVA, Julio Francisco. Brazilian Public Policy of Water Resources Management: A Relational Proposal of Integrated Management of the Paraíba do Sul Basin Integration Committee, 2014, 152p. Dissertation (Professional Master in Management and Strategy). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2014.

ABSTRACT

The goal of the research is to analyze, from a relational perspective, the integration experience of Paraíba do Sul River Basin Integration Committee performance in the context of the Brazilian water resources management, exposing the potential of this joint policy with other policies, presenting thus, new approaches for the realization of integrated and participatory management by the committee. Privileged as empirical basis research, Paraíba do Sul River Basin Integration Committee (CEIVAP, in short, in Portuguese), an organization that integrates the National Water Resources Policy and it is part of a complex system involving government, public enterprises and private entities as well as civil society representatives from three important states. The relational perspective proposed is of theoretical and methodological character, and it conveys to the research its originality, particularly in the Administration field when associates policy networks as an open concept. In this concept - most commonly used in the field of Social Sciences - although focusing on the established relationships between state and non-state actors, there is no previous definition configuration of such relationship and the type of actors, because it assumes there is an input and output of various actors, which will give new trends in network configuration and bring new forms of participation, which will be achieved through data extracted from interviews and observation. In recent literature, one identifies existing critical factors in integrated water resources management, the power asymmetries of the actors and the actual role of the river basins integration committees, to advance theories and Brazilian public policy water resources, which were confirmed in field research. By understanding the dynamics of the relationship between the actors and their articulation in CEIVAP it was possible to map the progress and the limitations in shared management that proposes CEIVAP as a constitutive element of integrated management. For such, the present study relied on bibliographical research, documentary data and oral sources extracted from fieldwork. International literature has significant relevance in the research since it shows the interconnections between the Brazilian water resources policy and that of countries that served as a model, as well as other countries background that can contribute to improving the Brazilian management or could show suitability to the Brazilian situation. It has been observed that not only in Brazil but also in other countries the process of decentralization of public policy decision-making favors the connections between actors in the public and private domains. However it is in practice and in the field of action that it is possible to get evidences of how this connection occurs, the points of improvement in the Committee intervention and how their members want that integrated management potentializes the effective intervention of CEIVAP.

Keywords: public policy for water resources, integrated management, relational dimension, CEIVAP (Paraíba do Sul River Basin Integration Committee).

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Principais Elementos da Lei das Águas de 1997 e Legislação Complementar 22 Quadro 2 – Resumo das Experiências Internacionais e Brasileira na Política de Recursos

Hídricos... 25

Quadro 3 – Questões Norteadoras das Entrevistas... 44

Quadro 4 – Composição do CEIVAP... 49

Quadro 5 – Relação dos Entrevistados... 56

Quadro 6 – Síntese da Entrevista com representante do INEA... 61

Quadro 7 – Síntese da Entrevista com representante d a Prefeitura Municipal de Volta Redonda... 63

Quadro 8 – Síntese da Entrevista com representante da Prefeitura Municipal de Petrópolis... 67

Quadro 9 – Síntese da Entrevista com representante do SAAETRI – Serviço autônomo de Águas e Esgotos de Três Rios... 68

Quadro 10 – Síntese da Entrevista com representante da CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos... 71

Quadro 11 – Síntese da Entrevista com representante do Instituto ALFA – Representante do Setor Industrial Fluminense... 75

Quadro 12 – Síntese da Entrevista com representante da ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental... 78

Quadro 13 – Síntese da Entrevista com representante do CEIVAP... 81

Quadro 14 – Síntese da Entrevista com representante da AGEVAP... 83

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos ... 23 Figura 2 – A Centralidade da Água para Outras Atividades e para a Manutenção da

Qualidade de Vida ... 34 Figura 3 – A Articulação Teórica da Pesquisa... 39 Figura 4 – O Círculo Hermenêutico Seguido nesta Pesquisa... 45 Figura 5 – O CEIVAP no Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos.... 50 Figura 6 – Localização da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul... 51 Figura 7 – Rede Relacional do CEIVAP... 53 Figura 8 – Distribuição dos Membros do CEIVAP por Setor ... 54 Figura 9 – Utilização de Águas por Setor e por Estado a Bacia do Rio Paraíba do Sul ... 55

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental ABRH – Associação Brasileira de Recursos Hídricos

AGEVAP – Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul ANA – Agência Nacional de Águas

ARP – Análise de Redes de Políticas CBH – Comitê de Bacia Hidrográfica

CBH-PS – Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul – São Paulo ou “Comitê Paulista”

CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos

CEIVAP – Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul CERHI/RJ – Conselho Estadual de Recursos Hídricos

CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos

CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

COPAPA – Companhia Paduana de Papéis S/A FUNDRHI – Fundo Estadual de Recursos Hídricos GPW – Global Water Partnership

IANAS – InterAmerican Network of Academies of Sciences IAP – InterAcademy Panel

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IGAM - Instituto Mineiro de Gestão das Águas

INEA – Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro IWMM – Integrated Watershed Management Model IOCS – Inspetoria de Obras Contra as Secas

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MMA – Ministério do Meio Ambiente

MME – Ministério das Minas e Energia

ODM – Objetivo de Desenvolvimento do Milênio ONG – Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PNSB – Política Nacional de Segurança de Barragens PNRH – Política Nacional de Recursos Hídricos PPA – Plano Plurianual

SAAETRI – Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Três Rios SEA – Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro

SINGREH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos SNGRH – Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos

WCED – World Commission on Environment and Development (Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento)

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iv SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ... 1 1.1 Contextualização ... 1 1.2 O Problema da Pesquisa ... 6 1.3 Objetivos ... 7 1.3.1 Objetivo Geral ... 7 1.3.2 Objetivos Específicos ... 8 1.4 Suposição ... 8 1.5 Delimitação do Estudo ... 9 1.6 Relevância da Pesquisa ... 9 1.7 Estrutura da Dissertação ... 9 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 11

2.1 A Política Pública dos Recursos Hídricos ... 11

2.1.1 Experiências Internacionais ... 11

2.1.2 A Política dos Recursos Hídricos no Brasil ... 20

2.2 Gestão da Política Pública de Recursos Hídricos ... 26

2.3 A Gestão Integrada ... 29

2.4 A Dimensão Relacional das Políticas Públicas e a Questão dos Atores Sociais. ... 35

3 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ... 40

3.1 Tipo de Pesquisa... 40

3.2 Sujeitos da Pesquisa ... 40

3.3 Coleta de Dados ... 41

3.3.1 Pesquisa Documental ... 41

3.3.2 Pesquisa Empírica com Fontes Orais ... 42

3.4 Tratamento e Análise dos Dados ... 45

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA... 48

4.1 Análise de Dados da Pesquisa Documental ... 48

4.1.1 Breve Histórico e Situação Atual do CEIVAP ... 48

4.2 Análise dos Dados Empíricos com Base nas Fontes Orais ... 56

5. RESULTADOS DA PESQUISA ... 87

6. CONCLUSÕES ... 91

REFERÊNCIAS ... 93

ANEXOS ... 101

ANEXO I – Quadro de Composição do CEIVAP ... 101

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1. INTRODUÇÃO

1.1Contextualização

Nas últimas décadas, Estado e sociedade vêm revendo e alterando seus papéis, constatando-se uma crescente discussão sobre a participação da sociedade civil na gestão dos bens coletivos (MARQUES, 2006; MOURA; SILVA, 2008). Nesse sentido, amplia-se o debate da democratização dos processos decisórios, facilitada quando os cidadãos têm acesso aos canais de participação, pois sua proximidade com os problemas vividos facilita a percepção e, consequentemente, a mais adequada contribuição para sua solução (SILVA, 2006).

A década de 1980 foi marcada por uma crise de governabilidade e credibilidade em diversos países latino-americanos em decorrência de oscilações no mercado internacional. Conforme destaca Diniz (2001), essa crise coincidiu com o fracasso de experimentos de estabilização econômica, o que veio a acentuar a incapacidade do Estado em garantir à sociedade, principalmente a de baixa renda, o acesso aos serviços básicos, tais como saúde, educação e saneamento básico. Paes de Paula (2005) identifica que a partir de então começaram a se articular movimentos que reivindicavam soluções para esses problemas junto ao poder público. Na mesma época, ocorreram as primeiras experiências para tentar descentralizar o poder público, tais como os mutirões de casas populares, hortas comunitárias e os centros populares, sendo queestes últimos viriam posteriormente receber a denominação de organizações não-governamentais (ONGs). Esse movimento, cujo tema central é a participação da sociedade na tomada de decisão, foi se fortalecendo e, em meados da década de 1980, na discussão pela constituinte, se delineou uma concepção predominante:

A implementação de um projeto político que procura ampliar a participação dos atores sociais na definição da agenda política, criando instrumentos para possibilitar um maior controle social sobre as ações estatais e desmonopolizando a formulação e a implementação das ações públicas (PAES DE PAULA, 2005, p. 39).

O cenário assim configurado foi obrigando o Estado a reverter sua posição de “isolamento e confinamento burocrático” (DINIZ, 2001, p. 21), propiciando o fortalecimento da relação entre Estado e sociedade civil, em que os controles de coordenação permanecem nas mãos do Estado, mas havendo incentivo à participação de diversos atores em várias arenas de discussão.

Desde então, observa-se a disseminação de fóruns, conselhos, comitês e parcerias atuando nas diversas esferas do Estado e em todos os níveis, o que trouxe a reflexão sobre o “papel desempenhado pela sociedade civil na consolidação e no aprofundamento da democracia” (MOURA; SILVA, 2008, p. 43).

A Constituição de 1988 apresenta como inovação a ideia de poder partilhado - pilar da democracia participativa – representando, na visão de Costa (2012), a retomada do processo democrático brasileiro sob o princípio da participação popular no exercício do poder, gerando expectativas de patamares mais elevados de socialização da política para além da retomada das instituições democráticas formais básicas (eleições regulares, livre organização partidária, liberdade de imprensa, entre outros aspectos). Essa configuração contribui para que o Estado possa se amparar numa sociedade civil “forte, organizada e ativa” (PECI, 2007, p. 175).

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A obrigatoriedade constitucional de implantação de conselhos gestores de políticas públicas se estabeleceu como uma das possibilidades dessa “partilha”. Como espaços públicos de composição plural e paritária, constituídos da parceria entre Estado e sociedade civil, os conselhos possuem, em geral, atribuições deliberativas e fiscalizatórias, ora contribuindo na formulação de políticas públicas, ora controlando a execução dessas mesmas políticas públicas. Tais conselhos gestores foram pensados, portanto, como espaços institucionais de exercício de participação social na gestão da coisa pública e de controle social decorrente do princípio constitucional participativo (CASTRO, K., 2008).

A década de 1990 vem acompanhada de uma tendência do cenário político mundial para a reforma do aparelho do Estado, iniciado com ideais surgidos nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas que rapidamente se espalharam pela Europa e América Latina, tendo como projeto político a ênfase na eficiência administrativa, baseado no ajuste estrutural, nas recomendações dos organismos multilaterais internacionais e no movimento gerencialista (PAES DE PAULA, 2005). Não obstante, o Brasil acompanha a tendência mundial, adotando a política, ora mencionada, na gestão pública.

O amadurecimento do Brasil quanto à participação social nas políticas públicas ocorre a partir da década de 1990, quando a sociedade civil ganha notoriedade e estudiosos percebem que o aumento da participação desse segmento da sociedade nos processos decisórios aumenta a possibilidade de que suas reivindicações sejam incorporadas aos projetos públicos. Essa participação foi compreendida como “solidária, orientada para o interesse geral, originada da associação espontânea” e que marcou a “redemocratização brasileira” (MOURA; SILVA, 2008, p. 46).

Nesse contexto, a gestão das águas é estabelecida no Artigo 21, inciso XIX da Constituição Federal de 1988, que determina ser competência da União “instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso” (BRASIL, 1988 p.15) e também estabelece, em seu Artigo 26, a dominialidade, ou seja, o poder de Estado sobre as águas em seu território. A regulamentação desses artigos ocorre através da lei 9.433 de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), conferindo ao Poder Executivo Federal a atribuição de tomar as providências necessárias à sua implementação (COSTA, 2012). A partir daí, define-se um “conjunto de instrumentos institucionais voltados para o gerenciamento dos recursos hídricos nacionais no sentido de garantir o ordenamento dos aspectos relativos à disponibilidade e ao uso da água” (CASTRO, K., 2008, p. 50).

A criação da Política das Águas e o SINGREH, baseados na experiência francesa1, surgem buscando a descentralização das decisões e a participação da sociedade, tendo a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gerenciamento da água (COSTA, 2012). Nesse contexto, os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs), também conhecidos como “parlamento das águas”, tornam-se instrumentos eficazes para a “transformação do cenário socioambiental” (CASTRO, C., 2012, p. 3), onde são discutidas as “diretrizes sobre a gestão

1 O modelo de Gestão de Recursos Hídricos francês, promulgado em 1964, incluiu princípios, tais como a bacia hidrográfica como unidade territorial para a administração das águas, a cobrança da água bruta e a

administração com participação dos usuários organizados em comitês de bacias e serviu de modelo para diversos países (CAMPOS, 2013).

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pública colegiada dos recursos hídricos” (CASTRO, C., 2012, p. 51), de forma descentralizada e participativa, com base na construção de consensos (COSTA, 2012).

Desde sua criação, esse modelo de gestão vem sendo implantado gradativamente nas bacias brasileiras, sendo 23 comitês de bacia instalados nos estados até janeiro de 1997, data em que foi promulgada a Lei 9.433/97, outros 59 comitês criados após essa data, e até dezembro de 2012, outros 83 instalados, totalizando, assim, 165 comitês (SCANTIMBURGO, 2012). Mesmo passados 16 anos de sua implantação, alguns autores identificam que o modelo brasileiro ainda se encontra em fase de amadurecimento (CASTRO, C., 2012; SANTOS; FORMIGA-JOHNSSON, 2012).

Os Conselhos de Recursos Hídricos e os Comitês de Bacia Hidrográfica são espaços onde se prevê a participação do poder público, de organizações usuárias públicas e privadas dos recursos hídricos e de organismos da sociedade civil, reunidos para definirem, em conjunto, quais as políticas a serem adotadas para preservação de determinado corpo hídrico.

Por meio do Decreto Federal nº 1842/96, é criado o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), o primeiro comitê de bacias hidrográficas em rio federal. Em 1997 é promulgada a Lei 9433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e, posteriormente, a Lei Federal 9984/00 cria a Agência Nacional de Águas (ANA). A partir de 2001, inicia-se o processo de cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia do Rio Paraíba do Sul, sendo que os primeiros recursos financeiros foram arrecadados em março de 2003. Com a finalidade de dar apoio técnico e operacional à gestão dos recursos hídricos na área de atuação do CEIVAP, foi criada a Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (AGEVAP), através da Deliberação CEIVAP nº 12 de 20 de junho de 2002, posteriormente reconhecida pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), em sua Resolução n° 38, de 26 de março de 2004, como entidade delegatária das funções de Agência de Água da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. No mesmo ano, os recursos da cobrança aos usuários pelo uso da água em rios federais passaram a retornar, sobre a forma de investimentos, em ações de despoluição e preservação para a bacia, devido à assinatura de um Contrato de Gestão entre a ANA e a AGEVAP. Assim se estabelece a estrutura do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos prevista na Constituição.

Desde então, o CEIVAP e a gestão integrada dos recursos hídricos, prevista na Lei 9.433/97, vêm sendo objeto de estudo no campo das Ciências Sociais. Destacam-se principalmente os pesquisadores Santos (2002), que analisa a capacidade do instrumento da cobrança como ferramenta econômica que posteriormente seria administrado pelo CEIVAP no âmbito da Bacia do Rio Paraíba do Sul. Gruben et al. (2003) que avaliam as mudanças na gestão hídrica brasileira; Pereira e Formiga-Johnsson (2003) que discutem a implementação dos instrumentos de gestão no âmbito do CEIVAP; Serrichio et al. (2005) que avaliam os esforços e resultados alcançados pelo CEIVAP no contexto da gestão integrada da bacia do rio Paraíba do Sul durante os anos 2003 e 2004; Novaes (2006) que discute a integração da gestão entre os comitês CBH-PS, responsável pelo trecho paulista do Rio Paraíba do Sul e o CEIVAP, atuante na totalidade do rio; Castro (2008) que analisa as disputas de poder no Comitê e Carneiro e Britto (2009) que apresentam fatores críticos na proposta da gestão integrada dos recursos hídricos. Ressalta-se que todos esses trabalhos foram localizados em bases de dados como BDTD, SciELO, SCOPUS e Portal de Periódicos Capes, sendo que no âmbito da Área de Administração somente se localizou uma tese e um artigo sobre o Comitê

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de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul da autora Silva (2011). Essa tese explora o significado da participação dos usuários dos recursos hídricos e da sociedade civil no CEIVAP (SILVA, 2011).

A atuação dos comitês de bacia é bastante discutida no meio acadêmico, a exemplo das pesquisas acima referidas. Por ser o primeiro comitê de bacia de domínio federal instalado no Brasil, o CEIVAP suscita curiosidade e atrai atenção para que se avalie o funcionamento do Sistema de Recursos Hídricos. Por esse motivo, privilegiou-se como base empírica da pesquisa o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), entidade que faz parte de um complexo sistema organizacional que envolve governo, empresas públicas e privadas, além de entidades representantes da sociedade civil de três importantes estados brasileiros, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Esses atores, portanto, sendo indivíduos, grupos ou organizações desempenham um papel na arena política, ou seja, no lugar onde acontece a disputa política (SECCHI, 2009) na gestão dos recursos hídricos.

Todos os atores envolvidos mantêm interesses, de formas distintas, no corpo hídrico do Rio Paraíba do Sul, que nasce no estado de São Paulo, faz a divisa entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, desembocando no Oceano Atlântico na região norte do estado do Rio de Janeiro. Entre esses interesses em comum destaca-se a preocupação com os problemas ambientais pelos quais o Rio Paraíba do Sul vem sofrendo, vindo essa preocupação a se constituir também uma demanda dos usuários deste rio e um fator de motivação para a criação do próprio CEIVAP. A relação entre seus membros é marcada por interesses políticos e aderentes aos objetivos das instituições e/ou estados a que eles representam. Normalmente são criadas coalizões para atender a objetivos pontuais, tais como definição de aplicação de recursos em determinada região, ou adiamento da revisão do valor da cobrança pela utilização da água.

Decisões tomadas em um Comitê de Bacia Hidrográfica são influenciadas por “motivações, valores e interesses humanos que definem escolhas e decisões.” (MAGALHÃES JUNIOR, 2007, p.45). Essa dinâmica é reconhecida no campo das Ciências Sociais como redes de políticas públicas, conceituadas como uma estrutura de interações, predominantemente informais, entre atores públicos e privados na formulação e implementação de políticas públicas (SECCHI, 2009). Desse modo, explica Secchi que, apesar de os atores terem interesses e motivações distintos na condução de uma política pública, esses interesses são interdependentes e os problemas demandam soluções coletivas e de uma maneira não hierárquica. Essas redes sugerem também uma interatividade entre políticas públicas na gestão de determinada política uma vez que muitas políticas não se viabilizam de forma isolada (GAETANI, 2008).

A ênfase na participação dos usuários de serviços públicos ocorre com a abertura dos mercados nacionais, que, na visão de Scantimburgo (2012), representa a imposição de diretrizes neoliberais que passam a nortear as políticas públicas no Brasil na década de 1990, semelhantes às aplicadas em outros setores da economia, além os serviços públicos. Essas mudanças foram caracterizadas por redução e descentralização do Estado, diminuição de investimentos públicos, desregulamentações, internacionalização do capital e empoderamento da iniciativa privada, seguindo as premissas políticas preponderantes na época. Scantimburgo chama atenção para o discurso de democratização e participação nos processos decisórios da gestão hídrica do Brasil, que, na visão do autor, “parece ter ficado apenas na retórica para

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legitimar como democráticas as mudanças em prol do mercado ocorridas no setor de águas” (SCANTIMBURGO, 2012, p. 69), opinião também defendida por Costa (2012), que analisa a participação do Plenário no Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e na Política Nacional de Recursos Hídricos brasileira. Existe uma corrente (ABERS, 2007; JACOBI, 2005; ABERS; KECK, 2008) que vem questionando se os comitês são espaços efetivamente democráticos e suas ações realmente decididas por todos ou se alguns atores mais organizados detêm os resultados, ou mesmo se as decisões já não foram tomadas pelo governo e apenas referendadas nos comitês.

Por outro lado, Costa (2012) acredita que as relações estabelecidas entre os atores promovidas pela discussão baseada nos interesses de cada representante propicia o surgimento de redes sociais, que “mobilizam recursos e favorecem a ampliação das perspectivas em torno da decisão pública” (COSTA, 2012, p. 42), que se caracterizam, de acordo com o mesmo autor, como um capital social em potencial que poderá ou não ser mobilizado segundo a estrutura da rede. Santos e Formiga-Johnsson (2012) afirmam que houve avanços na política de gerenciamento de recursos hídricos, especialmente em termos de participação, mesmo reconhecendo a existência de dificuldades na sua implantação.

Considerando o cenário identificado através das diversas contribuições dos autores na temática da gestão brasileira de Recursos Hídricos e do papel do CEIVAP, achou-se pertinente conhecer a articulação do CEIVAP com os outros atores públicos e privados que atuam na gestão dos recursos hídricos brasileira, uma vez que passados 16 anos da implantação do modelo de gestão integrada dos recursos hídricos no Brasil, esse assunto vem sendo cada vez mais polemizado (BRITTO; BESSA, 2009; CASTRO, C., 2012; COSTA, 2012; SCANTIMBURGO, 2012; SANTOS; FORMIGA-JOHNSSON, 2012), ainda que pouco se tenha avançado na identificação das lacunas para a efetivação da proposta de integração da gestão hídrica contida na ideia de criação dos Comitês.

Apesar de não haver um consenso sobre o sentido do termo gestão integrada, há várias interpretações desse termo na literatura concernente. Destacam-se a definição de Brito e Barraqué (2008), como integração multissetorial para a gestão dos recursos hídricos; Costa (2012), que considera a integração como democratização e participação na tomada de decisões; Tucci (2008) e Cerqueira e Pimentel da Silva (2013), que abordam a relação entre os efeitos da ocupação do solo urbano e os recursos naturais contidos no ambiente; Noronha et al. (2013) que entendem gestão integrada como gestão compartilhada entre diferentes esferas; Machado, (2003) que identifica várias dimensões que a gestão integrada de recursos hídricos assume, tais como: a influência da ação humana no ciclo natural da água, os usos múltiplos da água, a água como parte de um ecossistema, em termos de coparticipação entre gestores e usuários e população no planejamento e na gestão.

Contudo, há duas noções que mais contribuem para a presente pesquisa, que são a de Porto e Porto (2008) que reconhecem que a gestão de uma bacia hidrográfica interfere e sofre interferência de vários aspectos, tais como o meio físico, social, econômico e cultural e a de Tundisi (2008), que afirma que “uma bacia hidrográfica tem todos os elementos para integração de processos biogeofísicos, econômicos e sociais, é a unidade natural que permite integração institucional, integração e articulação da pesquisa com o gerenciamento” (TUNDISI, 2008, p. 9). Essas noções serão aprofundadas no tópico específico sobre gestão integrada. Com base na contribuição desses autores, delineou-se o problema de pesquisa a seguir.

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1.2O Problema da Pesquisa

O reconhecimento do CEIVAP como o primeiro Comitê de Bacia em âmbito federal em 1996, e posteriormente a criação da AGEVAP como sua Agência de Bacia, representaram, juntamente com a implantação da Agência Nacional de Águas (ANA), um importante momento na configuração do modelo de gestão brasileiro, pois a partir daí se iniciava a aplicação da lei 9433/97, que prevê cinco instrumentos de gestão: Plano de Recursos Hídricos, enquadramento dos corpos d’água em classes de uso, outorga de direitos de uso, cobrança pelo uso da água e o sistema de informações (BRASIL, 1997), possibilitando o início efetivo da gestão de uma bacia federal de modo a assegurar a aplicação dos recursos gerados pela cobrança na própria bacia (ABERS et al., 2009).

No entanto, a implantação do Comitê de Bacia trouxe também a inserção de uma nova cobrança, que induziu diferentes reações em grupos distintos, a exemplo do grupo industrial, composto por grandes usuários de recursos hídricos, que tende a reagir fortemente, enquanto que do grupo usuário doméstico individual não se espera reação, pois a cobrança pela água bruta é repassada indiretamente a esse usuário pelas empresas de saneamento que inserem essa cobrança à tarifa. Já os usuários agrícolas tendem, devido ao baixo valor agregado de seus produtos e alto consumo de água, a ser mais sensíveis à cobrança. Por isso, as experiências mundiais excluem ou incorporam por último a cobrança a esse setor (SANTOS, 2010). Tem sido defendido que um dos intuitos da cobrança é educativo, pois esta pretende reduzir o consumo ao estritamente necessário. No entanto, existe a dificuldade do usuário em “perceber a diferença entre o preço como mecanismo de incentivo e como mecanismo de arrecadação” (PORTO; PORTO, 2008, p. 53).

Os atores que se relacionam no Sistema de Recursos Hídricos brasileiro por vezes não compreendem seus papeis, ou ultrapassam seus limites de atuação e responsabilidades. As organizações e seus representantes são muitos e com interesses variados, tendendo a se criarem relações conflitantes. O sistema, devido à sua complexidade, ainda se apresenta imaturo e com lacunas, principalmente no tocante às relações e entre os seus membros à clareza na atuação de seus componentes (CASTRO, K., 2008). A legislação relativa aos recursos hídricos, mencionada anteriormente, por ser genérica, não tem como abordar características regionais ou prever interesses específicos que podem vir a influenciar nas tomadas de decisões (PEREIRA; FORMIGA-JOHNSSON, 2005). Outrossim, importantes setores da sociedade, envolvidos com políticas de planejamento urbano e regional, de ocupação e uso do solo, de gestão ambiental, entre outras, têm pouca ou nenhuma participação nas decisões ocorridas no Comitê, o que distancia a desejada integração da gestão dos recursos hídricos. Essa discussão implica no entendimento da noção de gestão integrada que o presente estudo pretende abordar em capítulos seguintes.

Outro ponto importante a ser observado é a necessidade de utilização dos recursos hídricos por cada grupo. Tende a haver variações nas configurações dos comitês quando se relacionam às variáveis: quantidade disponível de água e nível de industrialização (SILVA FILHO et al., 2009). A renda e a mobilização política local também influenciam a interação entre os entes. Considerando que o CEIVAP é um comitê de integração com os comitês dos estados de sua abrangência e tem como finalidades principais a promoção de debates com os atores, busca de solução de conflitos em primeira instância, aprovação e implementação do Plano de Recursos Hídricos e estabelecimento de mecanismos de cobrança (BRASIL, 1997), pode-se inferir o grau de complexidade na relação dos membros, o que exige uma articulação

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entre pessoas e instituições com interesses diversos e a presença de outras políticas públicas com vistas a encaminhar deliberações consensuais.

Os principais atores que compõem a rede do CEIVAP estão reunidos em quatro grupos: o poder público, as organizações da sociedade civil, organizações privadas usuárias de recursos hídricos e organizações públicas usuárias de recursos hídricos.

Considera-se que essa gama de distintos atores, ao se inserirem numa arena político- institucional onde haverá complexas decisões envolvendo a aplicação de recursos, pode levar à construção de articulações, rearticulações e coalizões que nem sempre se manifestam de forma clara ou proveitosa para os comitês.

Com base no que foi discutido até então, a situação problemática que mais chama atenção do pesquisador é que, apesar do CEIVAP ter como competência promover, por força de lei, a articulação entre as entidades participantes da gestão dos recursos hídricos, este papel não tem alcançado pleno êxito, pois a política de recursos hídricos permanece sendo tratada de forma segmentada e desarticulada de outras políticas, das quais depende para sua efetivação. Diante dessa problemática, formulou-se a seguinte questão de pesquisa: Como articular a gestão dos recursos hídricos com outras políticas públicas e atores sociais, de modo a promover a efetivação da gestão integrada e participativa que se propõe o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP)?

Esse problema teve origem em experiência passada do pesquisador junto ao CEIVAP, na observação do pesquisador sobre a configuração da Lei 9433/97 e sobre as possíveis relações criadas entre seus entes, as quais têm um potencial de coalizões e articulações, de fomentar ou desprezar importantes interfaces entre a política hídrica e outras políticas públicas que necessitam estar integradas.

1.3Objetivos

1.3.1 Objetivo Geral

Nas seções anteriores, enfatizou-se que a gestão dos rios e bacias pressupõe formas participativas e democráticas de modo a favorecer acordos entre atores de setores da economia que têm interesses distintos. Todavia, passados mais de uma década da implantação da Política Nacional dos Recursos Hídricos, observam-se resultados insuficientes, pois “faltam foco e capacidade executiva para ações efetivas” (SANTOS; FORMIGA-JOHNSSON, 2012, p.7) para gerar uma gestão participativa. Segundo os referidos autores, os investimentos atrasam devido à burocracia, ocorrem interferências de problemas a serem gerenciados no âmbito de outras políticas públicas como, por exemplo, a de ocupação do uso do solo, assim como outras situações que afetam a gestão hídrica.

A Lei 9433/97 prevê diretrizes, responsabilidades e competências visando à articulação entre diversos setores e esferas governamentais, com intuito de promover a integração entre a gestão dos recursos hídricos e a gestão ambiental nas três esferas do governo. Neste contexto, cabe aos municípios, conforme o Artigo 31 da referida lei, a “integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federais e estaduais de recursos hídricos” (BRASIL, 1997 p. 33), ou seja, a adequação de suas políticas às esferas superiores, onde lhe compete. Já

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as esferas estaduais e a federal têm como responsabilidade a promoção da integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental, o que respalda a ação municipal.

Com isso, o objetivo geral desta pesquisa é analisar sob a perspectiva relacional, a experiência de integração na atuação do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul no contexto da gestão dos recursos hídricos brasileira, expondo o potencial de articulação desta política com outras políticas públicas, apresentando assim, novas abordagens para a efetivação da gestão integrada e participativa pelo Comitê.

1.3.2 Objetivos Específicos

a. Identificar os atores integrantes do CEIVAP e suas competências; b. Compreender a noção de integração da gestão na visão dos atores;

c. Mapear as políticas públicas que afetam e são afetadas pela atuação do CEIVAP; d. Explicitar os avanços e os entraves da gestão integrada dos recursos hídricos na

visão dos atores;

e. Apontar as lacunas a serem superadas no âmbito da gestão de recursos hídricos de modo que se efetive a gestão integrada.

1.4Suposição

Entende-se a importância da participação da sociedade para que ocorra a gestão integrada dos recursos hídricos, pois a política de recursos hídricos pressupõe a integração com outras políticas e atores, como mostram Britto e Barraquè (2008), Abers et al. (2009) e Carneiro et al. (2010). Entretanto, a conciliação de interesses não é uma tarefa fácil, pois as necessidades das políticas dos atores são diversas e suas relações tendem a ser conflituosas. Compreende-se também que o CEIVAP, por força de lei, atua voltado para dentro de si mesmo, promovendo sua articulação interna e entre aqueles envolvidos diretamente com os recursos hídricos.

A literatura concernente aponta que na gestão de recursos hídricos grupos mais articulados ou detentores de poder influenciam nos processos decisórios mais que outros, estabelecendo-se assim, assimetria de poder entre os participantes (VICTORINO, 2003; ABERS et al., 2009; SAITO, 2011). Além disso, reconhece-se a existência de outros atores que atualmente não participam, ou participam de forma pouco atuante no sistema de recursos hídricos, mas influenciam diretamente na utilização das águas (CARNEIRO; BRITTO, 2009), o que levaria a se questionar o papel efetivo do CEIVAP na gestão integrada dos recursos hídricos.

Com base nos argumentos anteriormente apresentados e no problema de pesquisa, formulou-se a seguinte suposição: a atuação do CEIVAP na gestão integrada e participativa dos recursos hídricos é limitada, pois não estimula a inter-relação entre atores e entre a política de recursos hídricos com outras políticas públicas. Uma vez comprovada essa suposição, é possível expor as limitações da gestão integrada dos recursos hídricos brasileira e ao mesmo tempo sugerir novas abordagens que articulem a gestão entre essas políticas.

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1.5Delimitação do Estudo

A pesquisa abrange o período que se inicia em 1996, quando foi criado o CEIVAP, até 2014, com o resgate de marcos históricos e legais pregressos relevantes à pesquisa. O estudo ocorreu junto ao CEIVAP, com eventuais incursões aos locais onde se encontram os atores considerados relevantes para esclarecer pontos para a pesquisa.

A abordagem é analítica, voltada para a gestão de um setor específico, o de recursos hídricos, mas que requer uma visão integrada de gestão e relacional de políticas públicas. 1.6Relevância da Pesquisa

Por tratar-se de um tema reconhecidamente importante, com relevância mundial e que certamente impactará as próximas gerações, a análise das relações dos atores de um ente do sistema de recursos hídricos, especialmente considerando o pioneirismo do CEIVAP, poderá contribuir para aperfeiçoar a gestão do Sistema de Recursos Hídricos, ao expor as lacunas e fragilidades da gestão integrada e também sugerir novas abordagens para o estudo da Política Nacional dos Recursos Hídricos.

Um dos motivos da escolha do CEIVAP como objeto de estudo deve-se à sua abrangência, pois sua bacia abarca uma região densamente populosa, urbanizada e desenvolvida, sujeita a altos índices de poluição, consequentemente onde se necessitam maiores investimentos e há potencial quantidade de pessoas/instituições interessadas nos recursos hídricos desta bacia, o que pode promover debates relevantes para o estudo. Outro fator relevante é que este comitê tem, entre outras, a função de ser um comitê integrador com os comitês estaduais dos três estados de sua abrangência, o que tende a gerar maiores discussões e intensificar as redes relacionais. Além disso, a atuação integradora do CEIVAP levanta polêmicas em torno de sua abrangência, uma vez que essa não permite articular a política de gestão hídrica com outras políticas públicas a essa associadas.

No campo das Ciências Sociais, o estudo apresenta uma abordagem teórico-metodológica ainda pouco explorada, que é a análise de redes de políticas públicas, o que contribuirá para avançar na pesquisa sobre novas abordagens para a implementação de políticas efetivamente integradoras, das quais poderão se beneficiar as futuras pesquisas em gestão pública integrada.

O tema escolhido é de grande importância para o pesquisador, autor do projeto, uma vez que sempre teve sua atuação profissional voltada para a relação entre ambiente e sociedade e atuou na agência executiva do CEIVAP. O tema do gerenciamento integrado dos Recursos Hídricos tem riqueza de informações e grande potencial de pesquisa, geradores de possibilidades de contribuição para a política pública em questão.

1.7Estrutura da Dissertação

Esta dissertação foi organizada seguinte maneira: no primeiro capítulo apresenta-se a introdução do estudo, na qual se contextualiza o tema da dissertação, problematiza-se a questão principal da pesquisa, definem-se os objetivos geral e específicos e apresentam-se ainda a suposição do trabalho, a delimitação do estudo e a relevância da pesquisa.

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O segundo capítulo trata da fundamentação teórica onde procura-se apresentar um panorama sobre a política pública de recursos hídricos por meio das experiências internacionais relevantes para o estudo, bem como a evolução e a atual configuração da política brasileira de recursos hídricos. Nesse capítulo também se busca a compreensão sobre como ocorre a gestão dessa política e sua evolução até o momento em que estamos. Também se discutem as principais definições sobre gestão integrada e finalmente resgata-se a importância de discutir e elucidar a dimensão relacional das políticas públicas, uma vez o avanço das pesquisas sobre a gestão integrada remete a interligação entre as várias políticas.

O terceiro capítulo é dedicado à apresentação da metodologia, esclarecendo-se o tipo e identificando os sujeitos da pesquisa, além de apresentar a estratégia de coleta e a maneira de tratamento dos dados obtidos no trabalho.

No quarto capítulo se apresentam a análise dos dados documentais, localizando o leitor sobre o histórico e a atual situação do CEIVAP e a análise dos dados empíricos com base nas fontes orais, resultado das entrevistas realizadas com membros desse comitê.

No quinto capítulo são apresentados os resultados da pesquisa no qual se articulam teorias, empiria e fontes documentais e finalmente o sexto capítulo é reservado para as conclusões da pesquisa. Segue-se com a apresentação das referências utilizadas no estudo e os anexos que complementam o trabalho de dissertação.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, apresenta-se um panorama da política de recursos hídricos, as principais experiências internacionais e nacionais, assim como seus desdobramentos que resultaram na criação da atual Política Nacional de Recursos Hídricos. Discute-se também a política pública dos recursos hídricos no âmbito da gestão, aprofundando-se a noção de gestão integrada das políticas públicas e por fim registra-se um debate sobre a dimensão relacional das políticas públicas e a questão dos atores sociais.

2.1 A Política Pública dos Recursos Hídricos 2.1.1 Experiências Internacionais

Até meados do século passado, predominava a noção de que desenvolvimento era sinônimo de crescimento econômico, o que influenciou a visão e o comportamento das sociedades, tendo como consequência alterações no padrão de vida e novas necessidades de consumo, acarretando por um lado, avanços tecnológicos e por outro, “desigualdades sociais e problemas de cunho ambiental” (MIRANDA, 2011, p. 2). A partir da Revolução Industrial, observa-se a diversificação do uso dos recursos hídricos, entre eles a utilização das águas, pois além das necessidades humanas, cria-se a partir daí a necessidade em atender à indústria, à geração de energia e à movimentação de moinhos. Esta diversificação no uso, ainda que incipiente, agravou problemas de saúde pública com o aumento da poluição associado à contaminação dos recursos hídricos.

A política do uso das águas registra antigos acordos internacionais, assim como relatam Porto e Porto (2008), tais como o tratado de utilização do Rio Danúbio, em 1616, o tratado Brasil-Peru sobre a navegação do Rio Amazonas em 1851, o tratado entre o Brasil e a República das Províncias Unidas do Rio da Prata em 1928. Na América do Norte, os EUA aprovaram em 1922, o pacto do Rio Colorado, o qual decidia sobre a partição da utilização da água do rio entre os Estados que compartilhavam a sua bacia hidrográfica. Porto e Porto (2008) continuam explicando que em 1933, visando garantir navegação, controle de cheias, controle de erosão, reflorestamento, desenvolvimento agrícola e industrial e uso das áreas ribeirinhas, o então presidente Roosevelt determinou a formação do Tennessee Valley Authority, agência proposta para cuidar, no contexto de uma bacia hidrográfica que envolve sete Estados norte americanos. Entretanto, apenas na década de 1960, com o lançamento do livro “Primavera Silenciosa” (Silent Sping, 1962)2, começa-se a perceber a importância do gerenciamento dos recursos hídricos (EGLER, 2012).

Até o fim dos anos 1970, a gestão dos recursos hídricos desconsiderava os efeitos ambientais, econômicos e sociais. As tecnologias então disponíveis, tais como a construção de barragens, a irrigação ou mesmo o tratamento de efluentes, não consideravam seus impactos sobre o meio ambiente, e acreditava-se que a poluição era mera consequência do desenvolvimento. (EGLER, 2012).

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O livro Silent Spring (Primavera Silenciosa), escrito por Rachel Carson em 1962, buscou relacionar a utilização de pesticidas ao impacto do meio ambiente e é tido como o nascimento do movimento ambientalista. O trabalho procurou delatar os impactos dos pesticidas no meio ambiente, principalmente no efeito sobre a saúde das aves e acabou se tornando um marco num movimento homônimo. Como resultado, intensificou-se a discussão sobre a utilização excessiva dos pesticidas e poluição ambiental em todo o mundo (EGLER, 2012).

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Em 1972, o Clube de Roma, órgão não governamental composto por cientistas, empresariado industrial, educadores, economistas, funcionários públicos, humanistas e políticos de dez países envolvidos na discussão sobre as mudanças globais, lançou um relatório sobre os limites do crescimento, que apontava a necessidade de deter o crescimento populacional, bem como o capital industrial (MIRANDA, 2011). O relatório teve repercussão internacional e foi extensamente debatido durante a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente, realizada também em 1972 (BRITTO; BARRAQUÉ, 2008), e que iniciou um processo mais intenso de incorporação da consciência ecológica e princípios norteadores de proteção ambiental na agenda política das nações (MIRANDA, 2011).

A partir de então, a comunidade científica passa a lançar críticas ao modelo economicista de desenvolvimento, “que privilegiava o crescimento econômico em detrimento dos recursos naturais” (MIRANDA, 2011, p. 3), quando, na conferência anteriormente citada surge o conceito de ecodesenvolvimento, introduzido por Maurice Strong3 e difundido por Ignacy Sachs4.

A preocupação com a escassez de recursos naturais levou à criação pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1983, da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (World Commission on Environment and Development - WCED) com a missão de levantar os principais problemas ambientais mundiais e sugerir estratégias para a preservação do meio ambiente. Como resultado, foi publicado em 1987 o documento “Nosso Futuro Comum”, conhecido como Relatório Brundtland (PEREIRA; CÂNDIDO, 2012), que apontou para um desenvolvimento econômico que não se dê em detrimento da justiça social e da preservação da Terra. Essa, para o relatório, deveria ser uma forma sustentável de crescimento.

A Conferência de Dublin, realizada em 1992, apontou a existência de sérios problemas relacionados à disponibilidade hídrica e estabeleceu princípios para a gestão sustentável da água, “quando representantes de 100 países e 80 organismos internacionais, intergovernamentais e não governamentais reuniram-se e diagnosticaram que a situação futura dos recursos hídricos no mundo era crítica” (ANA, 2012, p. 98). Foi nesse ano, realizada a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), encontro de grande repercussão mundial ocorrido no Rio e Janeiro, também conhecido como Rio-92 ou Eco-92. Nesse evento, representantes de 170 nações referendaram os Princípios de Dublin e aprovaram, dentre muitos documentos, uma agenda mínima de preservação e recuperação do meio ambiente – a Agenda 21 – um “instrumento programático que apresenta um plano de ação para alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável, considerando as recomendações da Conferência de Dublin” (ANA, 2012, p 99). A Agenda 21 sinalizou a importância do acesso à água potável e do saneamento como elementos indispensáveis ao desenvolvimento sustentável (BRITTO; BARRAQUÉ, 2008; PEREIRA; CÂNDIDO, 2012), lançando-se a ideia de integrar as políticas.

3 Ambientalista canadense, personalidade mundial em assuntos ambientais e de sustentabilidade. Secretário-geral da Conferência de Estocolmo (1972) e da Eco-92, primeiro diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e professor da Universidade de Pequim (desde 2004). (CASTRO, 2008)

4 Economista polonês, naturalizado francês e autor de mais de 20 livros sobre desenvolvimento e meio ambiente, formulou o conceito de ecodesenvolvimento a partir de uma proposta do secretário da Conferência de Estocolmo (1972), Maurice Strong. Anos depois, o termo daria origem à expressão desenvolvimento sustentável. (CASTRO, 2008)

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Assim, ao longo da década de 1990 e do ano 2000, a “abordagem de gerenciamento integrado de bacias hidrográficas se consolida como tema importante no debate acadêmico e entre governos” (EGLER, 2012, p. 77).

Conforme dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apresentados no trabalho de seu pesquisador Castro (2012), no conjunto da população mundial, estimada em 7 bilhões de habitantes, aproximadamente 1 bilhão de pessoas já vive sem água suficiente para consumo doméstico, ou seja, 14% da humanidade sofrem com a falta de disponibilidade hídrica. Considerando a crescente degradação dos recursos hídricos aliado ao aumento da população, nos estudos de Castro (2012), estima-se que por volta de 2030 cerca de 5,5 bilhões de pessoas estarão habitando áreas com moderada ou séria deficiência hídrica.

Dados recentes da ONU (2012) apresentam avanços na gestão dos recursos hídricos, que alcançou em 2010 a meta de reduzir pela metade a proporção de pessoas sem acesso à água potável, proposta para 2015 no Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM)5, quando mais de 2 bilhões de pessoas obtiveram acesso a fontes de água potável, tais como abastecimento por tubulações e poços protegidos. Isto reflete as reformas implementadas desde 1992 por diversos países para melhorar o ambiente para a gestão dos recursos hídricos. Entretanto, dados da ONU (2012) apontam que apesar dos avanços, constata-se que ainda existem 783 milhões de pessoas sem acesso à água potável, identificando-se grandes discrepâncias quando se comparam as variações regionais, além de não haver estudos significativos sobre a qualidade da água disponibilizada.

O mesmo relatório apresenta dificuldades na consecução das metas para o saneamento básico, onde 2,5 milhões de pessoas ainda não têm saneamento adequado, tais como banheiros e latrinas, o que provoca a morte de 1,5 milhão de crianças anualmente. As zonas rurais são as que apresentam maior carência na área (ONU, 2012).

Ainda referido documento da ONU, esse quadro vem preocupando governos e organismos internacionais, que trazem este assunto para discussão e promovem soluções globais, propondo modelos para gerir esse recurso, com intuito de minimizar os impactos da utilização dos recursos hídricos.

Em seu trabalho, Nunes Junior (2007) pesquisou as experiências internacionais de gestão dos recursos hídricos e mapeou os modelos institucionais de países que adotaram a cobrança como instrumento para “reverter os danos causados a seus recursos hídricos” (NUNES JUNIOR, 2007, p 28), destacando o modelo francês, entre os cinco mais relevantes, também analisados por outros autores, que serviu como base para o modelo brasileiro, o da Inglaterra, o de País de Gales e o da Alemanha.

O modelo francês surgiu após a Segunda Guerra Mundial, quando foi criado um Comissariado Geral de Planejamento, que tinha a função de estabelecer um programa quinquenal de desenvolvimento para o país. O processo de desenvolvimento urbano já vinha causando degradação das águas, devido ao lançamento de dejetos humanos e principalmente industriais, preocupando políticos e cidadãos franceses. Em 1959, o relator da Comissão de Desenvolvimento Urbano apresentou essas preocupações ao grupo e decidiu informá-las ao

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Em 2000, a ONU, ao analisar os maiores problemas mundiais, estabeleceu 8 Objetivos do Milênio, que devem ser atingidos por todos os países até 2015 (ONU, 2013).

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Primeiro Ministro Francês, que determinou a criação de uma comissão de 60 membros, formada por deputados, prefeitos, industriais, agricultores, pescadores, funcionários públicos e um relator (CAMPOS, 2013).

No ano seguinte, iniciam-se as reformas institucionais em gestão de águas, quando o Comitê Assessor ao Governo Francês expressou “preocupações com o crescente declínio da qualidade das águas dos rios e lagos do país, decorrente de atividades poluidoras aceitas pelo modelo vigente de gestão de águas” (CAMPOS, 2013, p. 109). O Comitê entendeu que algumas atividades produtivas estavam gerando custos ambientais que prejudicariam toda a sociedade e as futuras gerações, levando ao entendimento de que era urgente e necessária uma mudança na prática vigente de gestão de águas. Foi então que o Governo Francês criou uma Comissão de Águas, formada por técnicos, usuários e funcionários públicos, com a função de avaliar o problema e propor soluções (CAMPOS, 2013).

O resultado das discussões, iniciadas na referida Comissão, avaliado durante um ano por funcionários públicos e, posteriormente, debatido por outros 18 meses no Parlamento francês, resultou, em 1964, na promulgação da Lei das Águas, que mudava os paradigmas da gestão hídrica, dividindo o país em seis grandes bacias hidrográficas, e criava um comitê e uma Agência Financeira de Bacia (posteriormente denominada Agência de Água) para cada uma das bacias, o que representava uma “inovação nos modelos de gestão pública, através da descentralização e participação direta dos usuários de água em colegiados decisórios” (NUNES JUNIOR, 2007, p 29).

Desde então, o sistema institucional francês é composto por entidades colegiadas que representam os usuários e as comunidades, além dos órgãos estatais. O sistema foi subdividido em seis bacias hidrográficas, constituído por Comitês de Bacia e Agências de Água, além do prefeito coordenador da bacia, assistido pela comissão delegada e pela Direção Regional de Meio Ambiente da Bacia (LEAL, 1997). Os principais atores inseridos na Política francesa foram os Comitês de Bacia e as Agências de Água.

Explica Leal (1997) que o Comitê de Bacia francês (‘Comité de Bassin’) é um órgão colegiado que reúne representantes das administrações, dos políticos eleitos, dos usuários da bacia e da coletividade, funcionando como um ‘Parlamento das Águas’. O mesmo autor explica que as atribuições essenciais do comitê são: aprovar o programa plurianual de intervenção na bacia, estabelecer para a agência o nível de recursos financeiros e as cobranças (‘redevances’) a serem pagas por cada categoria de usuários para executar o programa, resolver conflitos entre unidades territoriais e/ou estabelecimentos da bacia, manifestando-se também sobre outras questões relacionadas aos recursos hídricos da bacia.

Na França, a Agência de Água (‘Agence de l’Eau’) e seu Conselho de Administração definem a política de gerenciamento da bacia, conforme estudos de Leal (1997). Esclarece o referido autor que são estabelecimentos públicos e executivos de caráter administrativo e com autonomia financeira, que aplicam a política estabelecida pelo comitê através de um programa de intervenções na bacia, cobrando dos usuários e poluidores ‘contribuições’ proporcionais à captação, ao consumo, ao uso da água e à poluição lançada nos rios (princípios poluidor-pagador e usuário-poluidor-pagador), e utilizando os recursos arrecadados para as obras de recuperação do ambiente. A Agência submete um programa de ação ao Comitê da Bacia e aplica as decisões tomadas por esses comitês.

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Uma das principais metas da Agência de Água francesa é facilitar as ações de interesses comuns à bacia, assistindo e estimulando os usuários à utilização racional dos recursos, assim como evidencia Leal (1997). Outra de suas atribuições importantes é o financiamento, por meio de subvenções e empréstimos, às entidades públicas, ou privadas, para a realização de estudos e intervenções de controle da poluição e melhoria das condições ambientais, sempre de comum acordo com os objetivos da agência. Ressalta o mesmo autor que esta agência elabora estudos e projetos, dá suporte técnico aos usuários e divulga a informação permanente sobre as condições da Bacia, não exercendo um papel de regulamentação, execução ou operação das obras.

Portanto, a lei francesa implantou os princípios “Usuário Pagador” e “Poluidor Pagador”, que consideram dois tipos de cobrança pelo uso da água: “o valor pela retirada (redevance de prévèlement)”, referente às captações e o valor pelo “lançamento de efluentes (redevance de consommation)”, avaliado pela qualidade da água despejada no corpo hídrico (SANTOS, 2002). Isso serviu como modelo e motivação para diversos países, inclusive o Brasil.

Na França existem dois marcos legais que são importantes no campo hídrico: a Lei de 1964 e a Lei complementar de 1992. De acordo com Leal (1997), a Lei de 1964 tinha como objetivo principal, a luta contra a poluição das águas, a sua regeneração, seu regime e distribuição. Já a Lei de 1992 ampliou o alcance da antiga lei para garantir uma gestão equilibrada dos recursos hídricos. Com isso, as leis francesas buscaram assegurar a preservação dos ecossistemas aquáticos, a proteção contra a poluição, a restauração da qualidade das águas, o desenvolvimento e a proteção dos recursos hídricos, a valorização da água como um bem econômico e de sua otimização conciliatória na distribuição entre os diversos usos. Leal (1997) chama atenção para o fato de que somente após a adoção da nova lei, a noção de gerenciamento global foi possibilitada naquele país.

Nunes Junior (2007, p.33), avaliando o modelo francês de comitês para a gestão de bacias explica que esse modelo resultou em “significativa melhoria ou estabilização quanto ao processo de degradação dos recursos hídricos nas áreas onde houve investimentos das agências de bacia”, mas também alertou para o fato de que os investimentos são alocados de forma tendenciosa, uma vez que são direcionados conforme as necessidades dos usuários-pagadores, deixando sem ou com baixo investimento áreas que apresentam “os problemas mais graves e urgentes do país relacionados aos recursos hídricos” (NUNES JUNIOR, 2007. p.33), situação essa que provoca a necessidade de discussão que vise a melhoria de atuação dos comitês.

Diferente do que ocorre na França, o modelo existente na Inglaterra e no País de Gales é “centralizado, apesar das ações serem regionalizadas” (NUNES JUNIOR, 2007 p. 36) e conforme esclarece o autor, não tem intuito de reduzir o consumo da água através da ferramenta de cobrança, servindo apenas para custear as despesas da gestão.

Os estudos de Nunes Junior registram que a primeira legislação referente ao gerenciamento dos recursos hídricos nesses dois últimos países foi promulgada em 1973, entrando em vigor no ano seguinte, quando se criaram as Autoridades Regionais de Água, com amplas competências, dirigidas por um Conselho de Administração e composto por “representantes das coletividades locais, indicados pelas autoridades locais; representantes das indústrias, indicados pelas organizações profissionais; e membros do Governo Central, que nomeiam seus representantes, assim como, o presidente” (NUNES JUNIOR, 2007 p. 34),

Referências

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