1
A Bioquímica e
a Química Orgânica
Departamento de Bioquímica da Faculdade de Medicina do Porto
ruifonte@med.up.pt
2 Os compostos orgânicos mais simples são os hidrocarbonetos: os hidrocarbonetos são constituídos apenas por átomos de carbono e hidrogénio.
O carbono tem 4 eletrões de valência.
No metano um átomo de carbono liga-se a 4 hidrogénios…
Os átomos de carbono podem ligar-se por ligações simples uns aos outros formando os alcanos.
CH3CH2CH3 propano CH3CH2CH2CH3 n-butano Fórmula molecular = C4H10 3 Os
alcenos
são hidrocarbonetos que contêm, pelo menos, uma ligação dupla (são insaturados).Eteno CH2=CH2
2-cis-penteno 2-trans-penteno
… são isómeros entre si porque têm a mesma formula molecular; neste caso são isómeros cis-trans
H H H H H H H H H H C C C C C H H H H H H H H H H
O benzeno é um hidrocarboneto aromático: é um anel com 6 carbonos e 3 duplas ligações conjugadas.
Os
hidrocarbonetos costumam classificar-se em
Aromáticos: com um ou mais anéis benzénicos Alifáticos: cadeias carbonadas lineares ou ramificadas
(ou cíclicas mas sem duplas ligações conjugadas)
O metanole o etanolcontêm um grupo hidroxilo: são álcoois.
O glicerol é um poliálcool e contém 2 hidroxilos primários e 1 secundário.
Se substituirmos o átomo de O por um átomo de S num grupo hidroxilo (-OH) obtemos um grupo tiol(-SH).
Glutatião (forma reduzida); GSH
Dissulfureto do glutatião (forma oxidada); GSSG Grupo (ou ligação) dissulfureto
5
A oxidação de hidroxilos primários dá origem a aldeídos.
A oxidação do etanol dá origem ao etanal(ou acetaldeído).A oxidação de hidroxilos secundários dá origem a cetonas.
A oxidação do 2-propanol dá origem à propanona(ou acetona).grupos
aldeído e cetónico = grupo carbonilo (nome coletivo)
Com a perda de hidrogénios fiquei mais oxidado que o etanol Com a perda de hidrogénios fiquei mais oxidado que o 2-propanol
Os aldeídos têm grupos C=O;
o aldeído mais simples é o metanal,
cujo nome vulgar é “formol”.
CH
2
O
6
Os glicídeos (= hidratos de carbono) são derivados aldeídicos
(aldoses) ou cetónicos (cetoses) de poliálcoois.
O gliceraldeído (aldotriose) e a dihidroxiacetona (cetotriose) são os monossacarídeos mais simples
A glicose (uma aldohexose) e a frutose (uma cetohexose) também são monossacarídeos C H2 OH C H C O H O H C H2 OH C H2 C OH O C H C C C C C H2 OH O H OH O H H H OH H OH C C C C H2 OH O H H H OH H OH C O C H2 OH
C
3H
6O
3C
6H
12O
6…e são isómeros entre si; isómeros “de posição” pois diferem na posição do grupo carbonilo.
…e também são isómeros entre si; isómeros de posição.
gliceraldeído dihidroxiacetona
glicose frutose
7
Os monossacarídeos (ou oses) com número de carbonos superior a 4
tendem a formar estruturas cíclicas; as moléculas na forma cíclica são
muito mais abundantes que as que estão na forma linear.
grupo (ou ligação) semiacetal
O rearranjo molecular que resulta da reação entre um grupo carbonilo e um grupo hidroxilo chama-se:
8 Ligação acetal
Os acetais podem ser compreendidos como resultando da
reação entre um semiacetal e um álcool com perda de água.
A
hidrólise
(a reação inversa da reação representada) da ligação acetal (ou glicosídica tipo O) da maltose leva à libertação de duas moléculas de glicose: a maltose é formada por dois resíduos de glicose.Maltose
(342 g / mol)
Glicose
(180 g /
mol)
um resíduo deglicose → ←outro resíduo
de glicose
Glicose
9
A oxidação de grupos aldeído origina grupos carboxilo. Os
compostos que têm grupos carboxilo são ácidos carboxílicos.
Reação de oxidação
Reação de dissociação protónica (ou protólise).
Os grupos carboxílicos que sofreram dissociação protónica chamam-se grupos carboxilato. ácido acético acetaldeído acetato Ao ganhar um oxigénio fiquei oxidado
Ao perder um protão fiquei desprotonado; neste caso tb fiquei
com carga elétrica: fiquei ionizado
Em Bioquímica, se não estivermos a falar de reações ácido-base (como as de dissociação protónica), podemos dizer ácido acético (ou acetato) para nos referirmos coletivamente ao conjunto ácido acético + acetato.
10 Resumindo. Quando um álcool se oxida gera-se um aldeído (ou uma cetona). Quando um aldeído se oxida gera-se um ácido carboxílico. Quando um ácido carboxílico sofre protólise gera-se o sal (ou base) correspondente.
etanol acetaldeído ácido acético acetato
A ligação de um grupo semiacetal a um álcool com perda de água gera uma ligação acetal.
Semiacetal + hidroxilo H2O
A ligação de um grupo carbonilo a um grupo hidroxilo com rearranjo molecular gera uma ligação semiacetal
11 Os ésterespodem ser entendidos como resultando da reação entre um álcool e um ácido com perda de água: a hidrólisede um ésterliberta os resíduos constituintes do éster, ácido + álcool.
Um triacilglicerol glicerol + 3 ácidos gordos
Ao contrário dos grupos ésteres que são
apró
ticos
(não ligam nem libertam protões) um dos produtos da sua hidrólise é um ácido.H
2O
hidrólise
protólise
Quando, num éster, o ácido é o ácido fosfórico (ou o seu sal, o
fosfato) a ligação diz-se
fosfoéster
.
A hidrólisedaligação
fosfoéster
que existe na glicose-6-fosfato leva à libertação de glicose + fosfato (ou Pi). Ácido fosfórico; Piglicose
Glicose-6-fosfato
As ligações que podem ser entendidas como resultando da
reação entre dois ácidos (ou sais) com perda de água
designam-se de ligações
anidrido
.
Se os 2 ácidos forem o ácido fosfórico a ligação diz-se fosfoanidrido. A hidróliseda ligação fosfoanidridoque liga os fosfatos beta (ββββ) e gama (γγγγ) do ATP gera ADP + fosfato inorgânico (Pi) .12 ATP + H2O →→→→ADP + Pi.
αααα
ββββ
γγγγ
13 O amoníaco (NH3) é uma base que, quando aceita um protão, se converte no
ião amónio (NH4+).
As aminasresultam da substituição de um ou mais hidrogénios do amoníaco (ou do ião amónio) por cadeias carbonadas.
O H H H H O H OH H N OH OH H H
Glicosamina com o grupo amina protonado
Os aminoácidos são compostos orgânicos que contém, pelo menos, um
grupo carboxílico e um grupo amina. glicina, o aminoácido mais
simples 14
C
O
R
N
H
H
Os grupos
amida
podem ser compreendidos como sendo o resultado da reação entre um ácido e o amoníaco (ou de um ácido e um grupo amina) com perda de água.amida
amoníaco ácido carboxílico H+ NH4+ A hidrólisede uma amidagera um ácido e amoníaco...
…que aceitando um protão se converte em amónio.
A glutamina é um aminoácido com um grupo amidano carbono 5; a hidrólisedo grupo amidagera amónio e glutamato...
glutamina
ácido glutâmico amoníaco
(ao contrário do amoníaco e das aminas, os grupos
amidanão aceitam nem cedem protões: são apróticos) amónio
15 Uma molécula diz-se
quiral
quando a sua imagem num espelho plano não é sobreponível consigo própria mesmo se a rodarmos e fizermos rodar as ligações simples.O gliceraldeído-L e o gliceraldeído-D são moléculas quirais; entre si são enantiómeros (um tipo de isómeros óticos).
“As nossas mãos são enantiómeros. “
Todas as moléculas quirais têm, pelo menos, um
carbono assimétrico: um carbono ligada a quatro átomos (ou grupos de átomos) todos diferentes. O único carbono assimétrico do(s) gliceraldeído(s) é o carbono 2.
16 Ao contrário dos gliceraldeídos L e D, a glicina não é uma molécula quiral (não têm nenhum carbono assimétrico).
N N
O O
O
O
A identidade dos dois modelos fica evidente se fizermos rodar a ligação (simples) assinalada.
Estes dois modelos representam a mesma molécula: a glicina, o único aminoácido “relevante” que não tem carbonos assimétricos.
17 De acordo com a convenção
de Fischer, quando se
representam no plano do papel estruturas com carbonos assimétricos, os carbonos alinham-se por ordem numérica na vertical e os carbonos a ele ligados estão, na estrutura tridimensional,
atrás do plano do papel. Sempre o mesmo gliceraldeído-D
gliceraldeído-L gliceraldeído-D
Os gliceraldeídos L e D têm configurações invertidas no último (neste caso, o único) carbono assimétrico. Orientados de acordo com a convenção de Fischer, o hidroxilo deste carbono fica à esquerda no gliceraldeído-Le à direita no gliceraldeído-D.
18 As enzimas distinguem os isómeros D e L porque (em geral) apenas uma delas tem uma estrutura que é complementar e “encaixa” no centro cativo da enzima.
Isto permite compreender que na esmagadora maioria dos casos só exista na natureza um dos enantiómeros de uma determinada substância.
Por isso, num contexto bioquímico, é desnecessário dizer gliceraldeído-D, glicose-D, lactato-L ou alanina-L
todo o gliceraldeído é gliceraldeído-D toda a glicose é glicose-D
todo o lactato é lactato-L toda a alanina é alanina-L
…nos seres vivos
Gliceraldeído-D Gliceraldeído-L
Enzima que liga o gliceraldeído-D
19 A glicose-L e a glicose-D são enantiómeros e distinguem-se por terem uma configuração invertida em todos os carbonos assimétricos (os carbonos 2, 3, 4 e 5).
As moléculas das glicoses L e D são a imagem em espelho uma da outra. A glicose-L sintetiza-se no laboratório As plantas e os animais sintetizam glicose-D. Último carbono assimétrico com OH virado para a esquerda. Último carbono assimétrico com OH virado para a direita. 20
A galactose, a glicose e a manose são monossacarídeos distintos e
todos têm 4 carbonos assimétricos. São todos de tipo D porque no
último carbono assimétrico (o carbono 5) o OH está virado para a
direita.
A galactose e a glicose são epímeros entre si A glicose e a manose são epímeros entre si A galactose e a manose são diasteroisómeros.21 Quando as oses (monossacarídeos) assumem a forma cíclica (formação do semiacetal) passa a haver mais um carbono assimétrico (o que na forma linear era o do grupo carbonilo) que passa a designar-se de
carbono anomérico
.Glicose
β
Glicoseα
A glicose αe a glicose βsão um tipo particular de isómeros óticos:
são anómeros.
A glicose αe a glicose βestão em equilíbrio químico (não enzímico)
interconvertendo-se uma na outra via forma linear. 22
α(1→4) β(1→4)
Na maltose o resíduo de glicose que contribuí para a ligação acetal (glicosídica tipo O) com o grupo semi-acetal é o anómero αe a ligação diz-se α(1→4).
Na celobiose o resíduo de glicose que contribuí para a ligação acetal (glicosídica tipo O) com o grupo semi-acetal é o anómero βe a ligação diz-se β(1→4).
23 Bibliografia
1. Chang, R. (1994) Química, 5ª edn, McGraw-Hill, Lisboa. 2. Meisenberg, G. & Simmons, W. H. (1998) Principles of Medical
Biochemistry, Mosby, St. Louis.
3. Murray, R. K., Granner, D. K. & Rodwell, V. W. (2006) Harper's Illustrated
Biochemistry, 27th edn, Lange, Boston.
4. Vargas, J. J. & Macarulla, J. (1979) Fisiquimica fisiologica, 5ª edn, Interamerica, Madrid.
5. Morrison, R. & Boyd, R. (1992) Química Orgânica, 13ª edn, Fundação Caloust Gulbenkian, Lisboa.