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Número de Classe e o Teorema de Dirichlet 1

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Número de Classe e o Teorema de Dirichlet

1

João Guerreiro 2

LMAC

Instituto Superior Técnico 2010

1Este trabalho foi desenvolvido sob orientação do Professor João Pedro Boavida no âmbito das disciplinas

de Projecto em Matemática e Seminário e Monograa.

(2)

Conteúdo

1 Introdução 3

2 Conceitos fundamentais 3

3 Teorema de Minkowski e suas consequências 7 3.1 Teorema de Minkowski . . . 7 3.2 Teorema dos quatro quadrados . . . 8 3.3 Espaço Lst. . . . 9

4 Factorização única e nitude do número de classe 11 4.1 Factorização única . . . 11 4.2 Ideais fracionários . . . 12 4.3 Grupo e número de classe . . . 15 5 Aplicações do número de classe 18

6 Teorema de Dirichlet 21

6.1 Euclides e Dirichlet . . . 21 6.2 Ferramentas . . . 23 6.3 Teorema de Dirichlet . . . 26

(3)

1 Introdução

O presente texto descreve alguns dos principais resultados de Teoria de Números com ênfase numa perspectiva algébrica.

As primeiras secções seguem uma abordagem algébrica culminando na compreensão do número de classe e suas aplicações. Na secção 2, introduzem-se os conceitos básicos de teoria algébrica de números, tais como, corpo de números, inteiro algébrico, norma e discri-minante. Apresentam-se ainda várias proposições e lemas que serão utilizados nas secções posteriores. Nas secções 3 e 4, começa-se a construir o caminho em direcção ao número de classe. Demonstra-se o teorema de Minkowski e faz-se uma aplicação curiosa ao teorema dos quatro quadrados de Lagrange. O problema da factorização única é apresentado na secção 4, onde também se dene ideal fracionário e número de classe, duas ferramentas que permitem estudar o problema anterior. A secção 5 contém dois exemplos de aplicação dos resultados sobre o número de classe a equação diofantinas não lineares. Quanto à secção 6, ao con-trário das restantes secções, tem um carácter mais analítico e é dedicada exclusivamente à demonstração do teorema de Dirichlet. Na secção nal, fazem-se alguns comentários a este texto com destaque para a bibliograa utilizada.

2 Conceitos fundamentais

Denição 2.1. Um corpo de números K é uma extensão algébrica nita (em C, por exem-plo) do corpo Q.

Denição 2.2. Seja K um corpo de números. Um elemento x ∈ K diz-se inteiro algébrico se é raíz de um polinómio mónico de coecientes inteiros.

Proposição 2.3. Seja V um Z-módulo nitamente gerado contido em C. Seja ω ∈ C; se ωV ⊂ V então ω é um inteiro algébrico.

Demonstração. Suponha-se que V = Zx1+ · · · + Zxs. Sejam aij ∈ Z tais que

ωxi = s X j=1 aijxj ⇔ s X j=1 (aij− δijω)xj = 0.

(4)

Portanto, det(aij − δijω) = 0 e ω satisfaz um polinómio mónico de coecientes inteiros.

Conclui-se que ω é inteiro algébrico.

Usando a proposição anterior conseguimos estabelecer o seguinte resultado: Teorema 2.4. O conjunto dos inteiros algébricos forma um anel.

Demonstração. Sejam α e β inteiros algébricos. É imediato vericar que −α e −β são também inteiros algébricos. Resta provar que α + β e αβ são inteiros algébricos. Sabemos que αn+ a

n−1αn−1+ · · · + a0 = 0 e βm+ bm−1βm−1+ · · · + b0 para alguns ai e bj inteiros.

Seja W o Z módulo gerado por Z combinações lineares de αiβj com 0 ≤ i < n, 0 ≤ j < m.

Observe-se que αW ⊂ W e βW ⊂ W . Portanto, (α + β)W ⊂ W e (αβ)W ⊂ W . Usando a proposição anterior conclui-se que α + β e αβ são inteiros algébricos.

Corolário 2.5. O conjunto dos inteiros algébricos de um corpo de números K forma um anel. Esse anel designa-se por anel dos inteiros OK de K. Um elemento invertível de OK

diz-se uma unidade.

Facto 2.6. Seja K um corpo de números de dimensão n sobre Q. Existe θ ∈ K tal que K = Q(θ). Existem exactamente n homomorsmos injectivos de K em C e cada um deles envia θ numa raíz do polinómio mínimo de θ.

A demonstração deste facto não é trivial.

Denição 2.7 (Norma). Seja K um corpo de números e α ∈ K. Sejam σi : K → C os

homomorsmos injectivos de K em C. Dene-se a norma de α, N (α) =

n

Y

i=1

σi(α).

Facto 2.8. A norma é multiplicativa, N(αβ) = N(α)N(β) para todo o α e β em K. Se α ∈ OK então N(α) ∈ Z. Se α ∈ OK então N(α) = 1 se e só se α é unidade.

Exemplo 2.9. Existem 2 homomorsmos injectivos de Q(√3)em C, σ1 e σ2.

σ1(a + b

3) = a + b√3 e σ1(a + b

3) = a − b√3. Logo, N(a + b√3) = (a + b√3)(a − b√3) = a2− 3b2.

(5)

Exemplos 2.10. Q(√−2)é uma extensão quadrática de Q portanto é um corpo de números. O seu anel dos inteiros é Z[√−2].

Q( √

5)é um corpo de número com anel de inteiros igual a Z[1+

√ 5 2 ].

Q(ζn) é um corpo de números, onde ζndesigna uma raíz da unidade de ordem n. O seu

anel de inteiros é Z[ζn].

A caracterização destes anéis de inteiros não é trivial. No entanto, esses anéis podem ser caracterizados facilmente no caso de uma extensão quadrática. Precisamos somente de duas proposições auxiliares. Como vimos no exemplo, o anel dos inteiros de uma extensão quadrática Q(√D) não é necessariamente Z[√D].

Proposição 2.11. Um polinómio p(x) ∈ Z[x] diz-se primitivo se o máximo divisor comum dos seus elementos é 1. O produto de dois polinómios primitivos é também primitivo. Demonstração. Sejam f(x) = a0xn+· · ·+ane g(x) = b0xm+· · ·+bmpolinómios primitivos.

Seja p um números primo e sejam aie bj os coecientes de menor índice tais que p não divide

ai, bj. O coeciente de xi+j em f(x)g(x) é: i+j X k=0 akbi+j−k= i−1 X k=0 akbi+j−k+ i+j X k=i+1 akbi+j−k+ aibj.

A primeira soma do lado direito é um múltiplo de p porque p divide ak para 0 ≤ k < i.

A segunda soma do lado direito é um múltiplo de p porque p divide bkpara 0 ≤ k < j. Mas

pnão divide aibj portanto também não divide a soma do lado esquerdo.

Conclui-se que f(x)g(x) é primitivo.

Proposição 2.12. Seja ω um inteiro algébrico e p(x) ∈ Q[x] mónico de grau mínimo tal que p(ω) = 0. Então, p(x) ∈ Z[x].

Demonstração. Como ω é inteiro algébrico existe f(x) ∈ Z[x] mónico tal que f(ω) = 0. Como p(x) tem grau mínimo, então existe g(x) ∈ Q[x] mónico tal que f(x) = p(x)g(x). Existem m, n ∈ Z tais que mp(x) ∈ Z[x], ng(x) ∈ Z[x] e são ambos primitivos. Pela proposição anterior, (mp(x))(ng(x)) = (mn)f(x) é primitivo. Conclui-se que mn = 1 e p(x) ∈ Z[x].

(6)

Teorema 2.13. Seja D um inteiro livre de quadrados, K = Q(√D). Se D ≡ 2, 3 mod 4 então OK = Z[ √ D]. Se D ≡ 1 mod 4 então OK = Z[ √ D−1 2 ]

Demonstração. Sejam y, r, s ∈ Q, então N(y−(r+s√D)) = (y−(r+s√D))(y−(r−s√D)) = y2− 2ry + (r2− Ds2). Denimos o polinómio seguinte f(x) = x2− 2rx + (r2− Ds2).

f (r + s √ D) = (r + s √ D − 2r)(r + s √ D) + (r2− Ds2) = (Ds2− r2) + (r2− Ds2) = 0. Pela proposição anterior, r + s√Dé inteiro algébrico se e só se 2r e r2− Ds2 são inteiros.

Podemos escrever r = a 2 com a ∈ Z e s = b c com b, c ∈ Z coprimos. r2− Ds2= a2 4 − Db2 c2 = a2c2− 4Db2 4c2 ∈ Z

c2|a2c2− 4Db2 ⇒ c2|4D ⇒ c|2 porque D é livre de quadrados. Portanto, r = a1

2 e s = a2

2 onde a1, a2 ∈ Z. Sabemos ainda que

a21−Da22

4 ∈ Z.

Note-se que os quadrados módulo 4 são 0 e 1. Se D ≡ 2, 3 mod 4 então a21 ≡ a22 ≡ 0 mod 4 ⇒ r, s ∈ Z. Se D ≡ 1 mod 4 então a21 ≡ a22≡ 0, 1 mod 4. Neste caso, k = a1+a2 2 ∈ Z portanto r + s √ D = k + a2 √ D−1 2 .

Para terminar a demonstração basta vericar que os elementos de Z[√D] e Z[

√ D−1

2 ],

respectivamente, são inteiros algébricos.

Denição 2.14. Seja K = Q(θ) e {α1, · · · , αn} uma Z-base de K sobre Q. Dene-se o

discriminante da base {α1, · · · , αn} como

∆[α1, · · · , αn] = |σi(αj)|2.

Pode-se mostrar que o discriminante não depende da base escolhida, portanto denotamos esse discriminante simplesmente por ∆.

(7)

3 Teorema de Minkowski e suas consequências

3.1 Teorema de Minkowski

O teorema de Minkowski tem um enunciado bastante simples, mas consequências importan-tes. Informalmente, o teorema diz que dado um reticulado em Rn e um conjunto

sucien-temente grande e regular então esse conjunto contém um ponto não nulo do reticulado. Começamos por introduzir algumas denições e proposições.

Denição 3.1. Um reticulado R de dimensão m em Rn é um subgrupo aditivo de (Rn, +)

gerado por m vectores linearmente independentes.

A proposição seguinte conrma que a denição corresponde à nossa intuição geométrica de reticulado.

Facto 3.2. Um subgrupo aditivo de Rn é um reticulado se e só se é discreto.

Denição 3.3. A região fundamental F de um reticulado R gerado por {e1, · · · , en} é o

conjunto dos pontos da forma

n

X

i=1

aiei, 0 ≤ ai < 1

Geometricamente, a região fundamental é um dos quadradinhos do reticulado. Facto 3.4. Se R é um reticulado de dimensão n então Rn/R é isomorfo ao toro-n, Tn.

Podemos denir a projecção no toro-n, π : Rn→ Tn. Esta projecção dá-nos uma bijecção

entre a região fundamental e o toro-n.

Denição 3.5. O volume v(X) de um subconjunto X de Rné R

Xdx. O volume v(Y ) de um

subconjunto Y de Tné igual a v(π−1(Y )∩F ), ou seja, ao seu volume na região fundamental.

Facto 3.6. Seja X um subconjunto limitado de Rntal que v(X) existe. Se v(π(X)) 6= v(X)

então π|X não é injectiva.

O facto anterior é muito intuitivo apesar dos pormenores da demonstração pouco ajuda-rem à sua compreensão. O facto vai ter um papel fulcral na demonstração do teoajuda-rema que se segue.

(8)

Teorema 3.7 (Minkowski). Seja R um reticulado de dimensão n em Rn com região

fun-damental F . Seja X um subconjunto limitado, convexo e simétrico em relação à origem de Rn. Se

v(X) > 2nv(F ) então X contém um ponto não nulo de R.

Demonstração. Seja R0 = 2R um novo reticulado. A sua região fundamental é F0 = 2F

com volume v(F0) = 2nv(F ). Seja π0 a projecção associada ao novo reticulado.

Note-se que v(X) > 2nv(F ) = v(F0) ≥ v(π(X)). Pela proposição anterior, sabemos que

π0|X não é injectivo, ou seja, existem x, y ∈ X distintos tais que π0(x) = π0(y).

Isto implica que x − y ∈ R0 = 2Rlogo x−y 2 ∈ R.

Por outro lado, pela simetria de X sabemos que −y ∈ X e pela convexidade que x−y 2 ∈ X.

Conclui-se que x−y

2 é um ponto não nulo de X que pertence ao reticulado R, como

desejado.

3.2 Teorema dos quatro quadrados

Uma consequência curiosa do teorema de Minkowski é o teorema dos quatro quadrados de Lagrange.

Teorema 3.8 (Lagrange). Todo o número natural pode ser escrito como uma soma de quatro quadrados perfeitos.

Demonstração. Usando a identidade seguinte vericamos que basta provar o teorema para números primos,

(x21+ x22+ x23+ x24)(y12+ y22+ y23+ y24)

= (−x1y1+ x2y2+ x3y3+ x4y4)2+ (x1y2+ x2y1+ x3y4− x4y3)2

+(x1y3− x2y4+ x3y1+ x4y2)2+ (x1y4+ x2y3− x3y2+ x4y1)2

Provemos o teorema para um dado número primo p. Se p é par, 2 = 12+ 12+ 02+ 02.

(9)

Se p é ímpar, sabemos que a equação x2+ y2+ 1 ≡ 0 mod ptem solução. Basta observar

que x2 e −1 − y2 podem tomar p+1

2 valores distintos. Se a equação não tivesse soluções

então obteríamos p + 1 classes de congruência distintas mod p. Considere-se o reticulado R ⊂ Z4 tal que (a, b, c, d) ∈ R se e só se

c ≡ ax + by mod p, d ≡ bx − ay mod p.

R é um subgrupo de Z4 com índice p2 portanto a sua região fundamental tem área p2. Sabemos ainda que a esfera-4 de raio r tem volume π2r4

2 .

Escolhemos r2 = 1.9p. Então, π2r4

2 ≈ 17.81p2 > 16p2= 24p2.

Pelo teorema de Minkowski, existe um ponto não-nulo (a, b, c, d) ∈ R tal que a2+ b2+

c2+ d2 ≤ r2 ≤ 1.9p < 2p.

Como (a, b, c, d) 6= 0 temos 0 < a2+ b2+ c2+ d2 < 2pe

a2+b2+c2+d2≡ a2+b2+(ax+by)2+(bx−ay)2 ≡ a2(1+x2+y2)+b2(1+y2+x2) ≡ 0 mod p. Logo, a2+ b2+ c2+ d2= p, como desejado.

3.3 Espaço Lst

Voltando a ter em vista a caracterização do grupo de classe fazemos uma interpretação geométrica dos subgrupos de um corpo de números.

Seja K = Q(θ). Dizemos que σi : K → C é um monomorsmo real (resp. complexo)

se σi(θ) é real (resp. não real). Se σi é complexo então σi(α) = σi(α) é também um

monomorsmo de K em C. Como σi= σi, podemos dividir os monomorsmos de K em C

em monomorsmos reais e em pares conjugados de monomorsmos complexos.

Seja s o número de monomorsmos reais de K em C e t o número de pares conjuga-dos de monomorsmos complexos de K em C. Note-se que n = s + 2t. Enumeramos os monomorsmos do seguinte modo: σ1, · · · , σs, σs+1, σs+1, · · · , σs+t, σs+t.

Denição 3.9. O espaço Lst dene-se como Rs× Ct, com a seguinte norma:

(10)

Este espaço permite-nos trabalhar com todos os monomorsmos de K em C simultane-amente. Para tal denimos σ : K → Lst como

σ(α) = (σ1(α), · · · , σs(α), σs+1(α), · · · , σs+t(α)).

Como os σi são homomorsmos de Q-álgebras é fácil vericar que σ também o é. Temos

ainda

N (σ(α)) = σ1(α) · · · σs(α)|σs+1(α)|2· · · |σs+t(α)|2

= σ1(α) · · · σs(α)σs+1(α)σs+1(α) · · · σs+t(α)σs+t(α) = N (α).

Esta última norma é a norma usual de K.

Proposição 3.10. Se α1, · · · , αn é base de K sobre Q então σ(α1), · · · , σ(αn) são

linear-mente independentes sobre R.

Demonstração. Escrevemos σj(αl) = x(l)j para 1 ≤ j ≤ s e σs+j(αl) = yj(l)+ iz (l) j para

1 ≤ j ≤ tonde x(l)j , y(l)k , z(l)k são reais. Queremos vericar que o determinante

D = x(1)1 · · · x(1)s y(1)1 z (1) 1 · · · y (1) t z (1) t · · · · x(n)1 · · · x(n)s y1(n) z(n)1 · · · yt(n) zt(n) é não nulo. Note-se que

D0 = x(1)1 · · · x(1)s y(1)1 + iz(1)1 y(1)1 − iz(1)1 · · · y(1)t + iz(1)t yt(1)− izt(1) · · · · x(n)1 · · · x(n)s y1(n)+ iz(n)1 y(n)1 − iz(n)1 · · · yt(n)+ iz(n)t y(n)t − izt(n) = σ1(α1) · · · σs(α1) σs+1(α1) σs+1(α1) · · · σs+t(α1) σs+t(α1) · · · · σ1(αn) · · · σs(αn) σs+1(αn) σs+1(αn) · · · σs+t(αn) σs+t(αn) Logo, D02 = ∆[α

1, · · · , αn] 6= 0. É um exercício de álgebra linear vericar que D0 =

(11)

Mais importante do que o teorema anterior vai ser o seguinte corolário.

Corolário 3.11. Se G é um subgrupo nitamente gerado de (K, +) com Z-base {α1, · · · , αm}

então σ(G) é um reticulado de Lst.

4 Factorização única e nitude do número de classe

4.1 Factorização única

Quando fazemos contas com números inteiros estamos habituados a que estes números te-nham uma única factorização em número primos (a menos de factores 1 e −1). Em geral, esta propriedade não se verica em anéis de inteiros de um certo corpo de números.

Denição 4.1. Um inteiro algébrico x ∈ OK diz-se irredutível se x = yz com y, z ∈

OK implica que y ou z é unidade. Todo o inteiro algébrico em OK tem factorização em irredutíveis.

Para um certo corpo de números os elementos irredutíveis fazem o papel dos números primos em Z. Estamos interessados em estudar as factorizações em elementos irredutíveis. Denição 4.2. Um anel A diz-se um domínio de factorização única se qualquer elemento de A tem uma única factorização em irredutíveis, a menos de unidades.

O seguinte é um teorema elementar de álgebra.

Teorema 4.3. Todo o domínio de ideais principais é um domínio de factorização única. Exemplos 4.4. Z[i] é um domínio de factorização única.

Z[

√ −3−1

2 ] é um domínio de factorização única. Apesar de 2 · 2 e (1 +

−3)(1 −√−3) parecerem factorizações distintas de 4 elas são equivalentes porque 1+√−3

2 e 1−√−3 2 são uni-dades. Z[ √

−5] não é domínio de factorização única. Temos 6 = 2 · 3 = (1 +√−5)(1 −√−5). Estas factorizações são, de facto, distintas. Podemos vericar que N(2) = 4, N(3) = 9, N (1 +√−5) = N (1 −√−5) = 6.

(12)

4.2 Ideais fracionários

Vamos agora tentar perceber se um dado anel de inteiros é um domínio de factorização única e, em caso de resposta negativa, quão longe está de ter factorização única.

Denição 4.5. Um ideal fraccionário de O é um O-submódulo a de O tal que existe um elemento não nulo c ∈ O tal que ca ⊂ O.

Se a é um ideal fraccionário então ca = b é um ideal de O. Podemos escrever a = c−1b.

Se a1 = c−11 b1 e a2= c−12 b2 então a1a2= (c1c2)−1b1b2.

Denição 4.6. O inverso de um ideal a dene-se como a−1 = {x ∈ K : xa ⊂ O} .

O inverso de a é um ideal fraccionário. Note-se que aa−1 ⊂ Oe a ⊂ b ⇒ a−1⊃ b−1

Teorema 4.7. Os ideais fraccionários não nulos de O formam um grupo abeliano para a multiplicação. Além disso, todo o ideal de O pode ser escrito como um produto de ideais primos, único a menos de permutação.

Ideia da demonstração: A demonstração é um pouco extensa portanto está separada em pequenos lemas, alguns dos quais não serão demonstrados.

• Seja a 6= 0 ideal de O. Existem ideais primos p1, · · · , pr tais que p1· · · pr⊂ a:

Suponha-se que tal não é verdadeiro. Como O é Noetheriano (porque os seus ideais são nitamente gerados) então existe um ideal a maximal entre os que não vericam a armação. Como a não é primo, existem b e c ideais de O tais que bc ⊂ a, b 6⊂ a, c 6⊂ a. Sejam a1 = a + b e a2 = a + c. Então, a1a2 ⊂ a, a ( a1, a ( a2. Pela escolha de a

sabemos que existem p1, · · · , pj, pj+1, · · · , pr tais que

p1· · · pj ⊂ a1

pj+1· · · pr⊂ a2.

Portanto,

p1· · · pr ⊂ a1a2 ⊂ a. Obtemos uma contradição.

(13)

• Se a é um ideal próprio então a−1 ) O e se a é ideal não nulo então aa−1= O : Prove-se primeiro para a maximal.

• Todo o ideal fraccionário a tem inverso a−1 tal que aa−1 = O:

Escreva-se a = c−1b onde b é ideal. Então, a0 = cb−1 é inverso de a porque aa0 =

(c−1c)(bb−1) = O.

• Todo o ideal não nulo a é um produto de ideais primos:

Suponha-se que existe a que contradiz a armação. Como O é Noetheriano podemos supor a maximal entre os que não vericam a armação. Como a não é primo então está contido num ideal maximal (e primo) p. Se a = ap−1 então p−1⊂ Opelo terceiro

passo, contradizendo o segundo passo.

Portanto, a ( ap−1. Pela escolha de a, existem ideais primos p

1, · · · , pr tais que

ap−1 = p1· · · pr

⇒ a = pp1· · · pr

• A factorização em ideais primos é única.

Note-se que se a = c−1b é um ideal fraccionário e hci = p

1· · · pr, b = q1· · · qs então

a= p−11 · · · p−1r q1· · · qs.

Denição 4.8. A norma de um ideal não nulo a dene-se como |O/a|. Proposição 4.9. A norma de um ideal é nita.

Demonstração. Seja a um ideal não nulo. Basta considerar O e a como grupos abelianos. Como grupo abeliano, O ∼= Zn. Seja x ∈ a não nulo, então m = N(x) ∈ a é um inteiro não nulo. Como hmi ⊂ a então |O/a| ≤ |O/ hmi| = mn< ∞.

(14)

Proposição 4.10. Seja a ideal de O com Z-base {α1, . . . , αn}. Então, N (a) = ∆[α1, . . . , αn] ∆ 1/2 onde ∆ é o discriminante de K.

Demonstração. Como |O/a| < ∞ então a ∼= Zn como grupo abeliano portanto tem uma Z-base {α1, · · · , αn}.

Seja {e1, · · · , en}uma Z-base de O. Suponha-se que αj =Pni=1cijei.

N (a) = |O/a| = |det(cij)| .

Por outro lado,

∆[α1, · · · , αn] = (det(cij))2∆[e1, · · · , en] = N (a)2∆.

Como N(a) > 0 obtemos o pretendido.

Corolário 4.11. Se a = hai é ideal principal então N(a) = N(a). Demonstração. Uma Z-base de a é {ae1, · · · , aen}.

N (a) = ∆[α1, · · · , αn] ∆ 1/2 = n Y i=1 σi(a) !2 1/2 = |N (a)|.

Vamos tirar partido desta nova norma para estabelecer um resultado importante. Teorema 4.12. A factorização em irredutíveis em O é única se e só se todo o ideal de O é principal.

Demonstração. Já sabemos que se os ideais de um anel são principais então temos facto-rização única. O contrário não é verdade em geral mas podemos prová-lo para anéis de inteiros.

Como qualquer ideal de O é um produto de ideais primos basta provar que todo o ideal primo é principal.

(15)

Seja p um ideal primo não nulo. Sabemos que m = N(p) ∈ p e m = π1· · · πk

factoriza--se em irredutíveis. Como a factorização em irredutíveis é única então os πi são primos e,

consequentemente, os hπii são ideais primos. Então,

p⊃ hmi = hπ1i · · · hπki .

Como p é ideal primo, então existe um hπii tal que hπii ⊂ p. Como os ideais primos são

maximais, p = hπii.

4.3 Grupo e número de classe

Podemos agora denir o grupo de classe, que vai permitir compreender quando é que o anel de inteiros tem factorização única.

Denição 4.13. Seja O um anel de inteiros. Seja F o grupo dos ideais fraccionários com multiplicação e P o subgrupos dos ideais fraccionários principais. O grupo de classe de O é o grupo quociente

H = F /P. O número de classe de O é h(O) = |(H)|.

Podemos reescrever o teorema anterior da seguinte forma: Teorema 4.14. A factorização em O é única se e só se h(O) = 1.

As proposições que se seguem têm como objectivo nal demonstrar que o grupo de classe de um anel de inteiros é um grupo nito. Começamos com um resultado geométrico, consequência do teorema de Minkowski.

Proposição 4.15. Seja R um reticulado em Lst de dimensão n = s + 2t cujo região

funda-mental tem volume V . Seja c real positivo tal que cn> 8

π t

n! V. Então, existe x = (x1, · · · , xs+t) ∈ R não nulo tal que

(16)

Demonstração. Seja Xc⊂ Lst o conjunto dos pontos que vericam |x1| + · · · |xs| + 2|xs+1| + · · · + 2|xs+t| = |x1| + · · · |xs| + 2 q y21+ z12+ · · · + 2 q yt2+ z2t < c. Observe-se que Xc é limitado, convexo e simétrico em relação à origem. É um exercício de

cálculo integral (usando coordenadas polares e indução em s + t) vericar que v(Xc) = 2s

π 2

tcn n!. O teorema de Minkowski dá-nos o resultado desejado se

v(Xc) > 2s+2tV ⇔ 2s π 2 tcn n! > 2 s+2tV ⇔ cn> 8 π t n! V.

Para demonstrar o teorema que se segue enunciamos o seguinte lema, sem demonstração. Lema 4.16. Seja R um reticulado de dimensão n em Rn com base {e

1, · · · , en}. Se

ei = (a1i, · · · , ani)

então o volume da região fundamental de R é | det aij|.

Teorema 4.17. Seja K um corpo de números de grau n = s + 2t com anel de inteiros O e seja a um ideal não nulo de O. O volume da região fundamental de σ(a) em Lst é igual a

2−tN (a)p|∆| onde ∆ é o discriminante de K.

Demonstração. Seja {α1, · · · , αn}uma Z-base de a. Usando a notação de 3.10, uma Z-base

para σ(a) é gerada pelos elementos

(x(i)1 , · · · , x(i)s , y1(i), z(i)1 , · · · , yt(1), zt(i)).

Usando a notação de 3.10, pelo lema anterior o volume da região fundamental é |D| = |(−2i)−tD0| = 2−tp∆[α1, · · · , αn]. Como N (a) = ∆[α1, · · · , αn] ∆ 1/2 obtemos o desejado.

(17)

Teorema 4.18. Se a 6= 0 é um ideal de O então a contém um inteiro algébrico α tal que |N (α)| ≤ 4 π t n! nnN (a)p|∆|.

Demonstração. Seja  > 0 e c real positivo tal que cn= 4

π t

n! N (a)p|∆| + .

Com V = 2−tN (a)p|∆|aplica-se a proposição 4.15 para concluir que existe α tal que

σ1(α) + · · · + σs(α) + 2σs+1(α) + · · · + 2σs+t(α) < cn

⇔ |σ1(α)| + · · · + |σs(α)| + |σs+1(α)| + |σs+1(α)| + · · · + |σs+t(α)| + |σs+t(α)| < c.

Pela desigualdade aritmética-geométrica,

|N (a)| = |σ1(α) · · · σs(α)σs+1(α)σs+1(α) · · · σs+t(α)σs+t(α)| <c n n = 4 π t n! nnN (a)p|∆| +  nn.

Como o reticulado é discreto, o conjunto A dos α para os quais a desigualdade se verica

é nito e não vazio. Portanto, A = TA é também não vazio. Escolhendo α ∈ A obtemos

o resultado.

Corolário 4.19. Todo o ideal não nulo a de O é equivalente a um ideal com norma menor ou igual a 4

π

t n!

nnp|∆|.

Demonstração. Observe-se que a−1 = bc implica que a−1 é equivalente a c. Portanto, ac é

equivalente a O.

Pelo teorema anterior, existe um inteiro algébrico α ∈ c tal que |N (α)| ≤ 4

π t

n!

nnN (c)p|∆|.

Como α ∈ c temos hαi = bc para algum ideal inteiro b. Observe-se que b é equivalente a c−1 e, consequentemente, equivalente a a. Por outro lado,

N (b) = N (hαi) N (c) ≤  4 π t n! nnp|∆|.

(18)

Teorema 4.20 (Finitude do número de classe). O grupo de classe de um corpo de numeros é um grupo nito.

Demonstração. Seja a um ideal com norma igual a k. Então, a é factor de hki. Pela factorização única de ideais, há um número nito de possibilidades para a.

Pelo corolário anterior, toda a classe de equivalência do grupo de classe tem um repre-sentante com norma menor ou igual a 4

π

t n!

nnN (a)p|∆|. Conclui-se que há um número

nito de classes de equivalência, isto é, o grupo de classe é nito.

5 Aplicações do número de classe

Nesta secção iremos utilizar a nitude do número de classe para resolver equações dio-fantinas. Serão exemplicadas situações em que o número de classe é 1 (quando temos factorização única de elementos) e em que o número de classe é superior a 1.

Comecemos por enunciar dois lemas que nos serão úteis nos cálculos posteriores. Lema 5.1. Seja a um ideal de O e n ∈ a ∩ Z. Então, hni ⊂ a, ou seja, a é um divisor de hni.

Demonstração. A primeira observação é imediata, a segunda segue da factorização única em ideais primos.

Lema 5.2. Seja K um corpo de números de grau n, com O = Z[θ]. Dado um primo racional p, seja f ∈ Z[t] o polinómio mínimo de θ sobre Q e f a projecção de f em (Z/pZ) [t]. Suponha-se que f tem a seguinte factorização em irredutíveis em (Z/pZ) [t]:

f = f1 e1

· · · ftet

onde fi é a projecção em (Z/pZ) [t] de um polinómio fi∈ Z[t].

Então, o ideal gerado por p tem a seguinte factorização em ideais primos em O: hpi = p1e1· · · ptet

(19)

A demonstração deste último lema pode ser lida em [1]. Considere-se a seguinte equação nos números inteiros:

x2+ 2 = y3.

Podemos factorizar o lado esquerdo da equação em (x−√−2)(x+√−2), em O = Z[√−2]. Recorde-se que este anel é o anel dos inteiros de Q(√−2).

Usando a estimativa dada por 4.19, sabemos que todo o ideal de O é equivalente a um ideal com norma inferior a 4

π 2 4

8 ≈ 1.80. O único ideal com norma igual a 1 é o O. Como todos os ideais são equivalentes a O então o número de classe de Z[√−2] é 1, logo é um domínio de factorização única.

Suponha-se que mdc(x+√−2, x−√−2) 6= 1. Seja z um factor primo comum de x+√−2 e x −√−2 (e de y). Então,

z|(x +√−2) − (x −√−2) = 2√−2 ⇒ z|8.

Analisando a equação mod 4 observamos que x ≡ 1 mod 4 e y ≡ −1 mod 4. Como y é impar e z divide y e 8 então z é invertível. Conclui-se que x +√−2 e x −√−2 não têm factores em comum.

Como x +√−2e x −√−2não têm factores em comum, então existem a e b inteiros tais que

x +√−2 = (a + b√−2)3

⇒ x = a3− 6ab2, 1 = 3a2b − 2b3= b(3a2− 2b2).

Da segunda equação retiramos a = ±1 e b = 1, logo x = ±5. Substituindo na equação original obtemos as soluções (x, y) = (5, 3), (−5, 3).

Vamos agora estudar outra equação que não permite (pelo menos de forma óbvia) utilizar factorização única de elementos. Teremos de nos contentar com factorização única de ideais.

Eis a equação:

x2+ 21 = y3.

Factorizamos novamente o lado esquerdo da equação, desta feita em (x +√−21)(x − √

(20)

Usando a estimativa dada por 4.19, sabemos que todo o ideal de O é equivalente a um ideal com norma inferior a 4

π 2 4

84 ≈ 5.83. Esses representantes de cada classe são divisores de um dos seguintes ideais h2i, h3i, h4i e h5i.

Usando o lema 5.2 obtemos as seguintes factorizações em ideais primos, h2i =2, 1 +√−21 2

= a2 h3i =3,√−21 2

= b2

h5i =5, 2 +√−21 5, 3 +√−21 = cd

Portanto, todo o ideal de O é equivalente a um dos seguintes ideais, O, a, b, c e d. Isto implica que h(O) ≤ 5.

Denotemos por [a] a classe de equivalência de a no grupo de classe. Fazemos agora algumas observações acerca das normas destes ideais.

N (a)2 = N (h2i) = 4 ⇒ N (a) = 2 N (b)2 = N (h3i) = 9 ⇒ N (a) = 3

Se a ou b são ideais principais então a sua norma é igual à norma de um elemento α ∈ O, ou seja, da forma a2 + 21b2 para a e b inteiros. Mas 2 e 3 não podem ser escritos dessa

forma, logo [a], [b] 6= [O].

Veriquemos que [a] 6= [b]. Suponha-se que [a] = [b], então [ab] = [a2] = [O]. Como

N (ab) = N (a)N (b) = 6 e 6 também não é da forma a2 + 21b2 então [ab] = [a2] 6= [O]. Concluímos que h(O) ≥ 3 porque os ideais O, a e b estão todos em classes distintas.

Como o grupo de classe tem elementos de ordem 2 ([a], por exemplo) então h(O) é par. Concluímos que h(O) = 4.

Voltemos a olhar para a equação, desta vez como uma equação de ideais de O: x +√−21 x −√−21 = hyi3

Comecemos por provar que x +√−21

e x −√−21

não têm factores em comum. Seja p um ideal primo que divide x +√−21

e x −√−21

(21)

A partir da equação inicial é imediato vericar que mdc(x, y) = 1, mdc(x, 21) = 1 e mdc(y, 21) = 1. Analisando-a mod 4 conclui-se que y é ímpar. Observe-se que

(x +√−21) − (x −√−21) = 2√−21 ∈ p ⇒ 84 ∈ p

y ∈ p

Como mdc(y, 84) = 1 então 1 ∈ p. Conclui-se que x +√−21

e x −√−21

não têm factores em comum.

Da factorização única de ideais reparamos que existe ideal a1 tal que x +

−21 = a3 1.

Como h(O) = 4 então

[a1] = [a13]−1= [x + √ −21 ]−1 = [O]−1= [O]. Seja a1=a + b √ −21

onde a e b são inteiros. Obtemos as seguintes equações (note-se que 1 e −1 são as únicas unidades em Z[√−21]):

x +√−21 = (a + b√−21)3

⇒ 1 = 3a2b − 21b3

Como a equação acima não tem soluções inteiras concluímos que a equação x2 + 21 = y3

também não tem soluções inteiras.

6 Teorema de Dirichlet

Esta secção afasta-se um pouco do caminho seguido até agora. Trata-se de uma versão resumida do seminário Teorema de Dirichlet apresentado no Seminário Diagonal do IST.

6.1 Euclides e Dirichlet

Começamos com a demonstração de Euclides da innitude dos primos. Suponha-se que existe um número nito de primos,

(22)

Tomamos

x = p1p2· · · pn+ 1

e vericamos que pi não divide x. Conclui-se que x tem um divisor primo diferente dos pi

portanto a lista de primos apresentada não é exaustiva.

Podemos repetir este mesmo argumento para os primos da forma 4n − 1. Suponha-se que existe somente um número nito de primos dessa forma,

{p1, p2, · · · , pn} .

Escolhemos

x = 4p1p2· · · pn− 1 ≡ −1 mod 4

e vericamos que pi não divide x. Conclui-se que x tem um divisor primo congruente com

−1 mod 4diferente dos pi, portanto a lista de primos apresentada não é exaustiva.

Para primos de outras formas não conseguimos replicar este argumento. Podemos tentar fazê-lo para primos da forma 5n + 2. Suponha-se que existe um número nito de primos dessa forma,

{p1, p2, · · · , pn} .

Denimos

x = 5p1p2· · · pn− 3 ≡ 2 mod 5

e vericamos que pi não divide x. No entanto, neste caso x pode não ter factores congruentes

com 2 mod 5. Tome-se o seguinte exemplo:

5 × 2 × 7 × 37 − 3 = 2587 = 13 × 199.

Apesar desta diculdade, iremos conseguir demonstrar nesta secção alguns casos parti-culares do teorema seguinte:

Teorema 6.1 (Dirichlet). Dados naturais coprimos a e b, existem innitos primos da forma an + b.

(23)

6.2 Ferramentas

Começamos por desenvolver algumas ferramentas para poder atacar este teorema. Denição 6.2 (Função Zeta). Seja s tal que <(s) > 1,

ζ(s) =

X

n=1

n−s.

Proposição 6.3. Seja s tal que <(s) > 1. Então, ζ(s) =Y p  1 1 − p−s  .

Demonstração. Fazemos esta demonstração ignorando as questões de convergência. Vericar a convergência não tem qualquer diculdade adicional.

Y p  1 1 − p−s  =Y p ∞ X k=0 p−sk = ∞ X n=1 n−s.

A última igualdade segue da factorização única dos inteiros em números primos.

Usando a proposição anterior podemos demonstrar novamente que os números primos são um conjunto innito. Suponha-se que só existe um número nito de primos:

lim s→1ζ(s) = lims→1 Y p  1 1 − p−s  =Y p  1 1 − p−1  < ∞. Por outro lado,

lim s→1ζ(s) = ∞ X n=1 1 n = ∞.

Vamos tentar repetir este género de argumento utilizando um conjunto de funções inti-mamente relacionadas com a função Zeta.

Denição 6.4 (Funções-L de Dirichlet). Para s > 1, L(s, χ) = ∞ X n=1 χ(n) ns

(24)

Podemos também escrever estas funções como produtos sobre os números primos. Proposição 6.5. L(s, χ) =Y p 1 1 −χ(p)ps

Demonstração. Análoga à da proposição 6.3.

Denimos agora as funções que surgem nas funções L-Dirichlet.

Denição 6.6. Seja G um grupo abeliano nito. Um caracter χ é um homomorsmo de Gpara C×. O caracter χ1 tal que χ1(g) = 1 para todo o g ∈ G é o caracter principal.

Seja n a ordem do grupo G. Observe-se que

χ(g)n= χ(gn) = χ(e) = 1, ou seja, a imagem de χ está contida nas raízes n da unidade.

Usando a observação anterior e as propriedades do grupo (Z/5Z)× conseguimos calcular

a tabela de caracteres desse grupo:

1 2 3 4 χ1 1 1 1 1

χ2 1 −1 −1 1

χ3 1 i −i −1

χ4 1 −i i −1

Uma das propriedades mais importantes dos caracteres é a que enunciamos de seguida. Proposição 6.7 (Ortogonalidade). Sejam χ e ψ caracteres de G e g, h ∈ G.

X χ χ(g)χ(h) = ( |G| se g = h 0 se g 6= h X g χ(g)ψ(g) = ( |G| se χ = ψ 0 se χ 6= ψ

(25)

Demonstração da segunda relação de ortogonalidade: Se χ = ψ então χ(g)ψ(g) = 1 para todo o g ∈ G. Nesse caso,

X

g

χ(g)ψ(g) =X

g

1 = |G|.

Se χ 6= ψ então existe h ∈ G tal que χ(h)ψ(h) 6= 1. Seja S = Pgχ(g)ψ(g).

S = χ(h)ψ(h)X

g

χ(gh−1)ψ(gh−1) = χ(h)ψ(h)S

Conclui-se que S = 0.

Denimos uma extensão dos caracteres χ : (Z/aZ)×

→ C a Z. Denição 6.8 (Caracter de Dirichlet).

χ(n) = (

f (n mod a) se (n, a) = 1 0 se (n, a) > 1

As relações de ortogonalidade anteriores podem-se adaptar facilmente aos caracteres de Dirichlet. Proposição 6.9 (Ortogonalidade). X χ χ(n)χ(m) = ( φ(n) se n ≡ m mod a, (n, a) = 1 0 caso contrário X n mod a χ(n)ψ(n) = ( φ(a) se χ = ψ 0 se χ 6= ψ

A primeira destas duas equações vai ser útil mais à frente, para ltrar os primos com uma dada congruência mod a.

Precisamos ainda de mais alguns resultados de carácter analítico antes de iniciarmos a demonstração do teorema de Dirichlet.

(26)

Esboço da demonstração: Exibimos somente os cálculos sem nos preocuparmos com as ques-tões de convergência. ζ(s) = ∞ X n=1 n 1 ns − 1 (n + 1)s  = s ∞ X n=1 n Z n+1 n 1 xs+1dx = s Z ∞ 1 [x] xs+1dx = s s − 1− s Z ∞ 1 (x) xs+1dx O termo s

s−1 corresponde a uma função meromorfa em C com um pólo simples no ponto 1. O

termo com o integral corresponde a uma função analítica em {s : <(s) > 0} (esta armação não é trivial mas a sua vericação é um exercício de análise).

Proposição 6.11. Seja χ 6= χ1. Então, L(s, χ) tem continuação analítica na região

{s : <(s) > 0}. Esboço da demonstração: L(s, χ) = ∞ X n=1 S(n) 1 ns − 1 (n + 1)s  = s ∞ X n=1 S(n) Z n+1 n 1 xs+1dx = s Z ∞ 1 S(x) xs+1dx

Este integral corresponde a uma função analítica em {s : <(s) > 0}.

6.3 Teorema de Dirichlet

Usando 6.5 e a fórmula de Taylor,

log L(s, χ) =X p ∞ X n=1 1 n χ(pn) pns . 1 φ(a) X χ χ(b) log L(s, χ) =X p X pn≡b mod a 1 n 1 pns = X p≡b mod a 1 ps + O(1) (1)

(27)

A primeira igualdade segue da primeira relação de ortogonalidade e a segunda igualdade obtém-se com cálculos de séries geométricas e majorações simples.

O que acontece quando s → 1? Se provarmos que o lado esquerdo da equação tende para innito quando s → 1 então o lado direito também diverge e podemos concluir o teorema de Dirichlet. Para o caso do caracter trivial,

L(s, χ1) = Y p 1 1 −p1s = ζ(s)Y p|a  1 − 1 ps 

L(s, χ1) tem um pólo de ordem 1 no ponto 1.

Quando s → 1:

L(s, χ1) → ∞

log L(s, χ1) → ∞

Se provarmos que log L(s, χ) tem limite nito quando s → 1 para χ 6= χ1 então o lado

esquerdo da equação 1 diverge, como desejado. Para vericar que esse limite é nito basta demonstrar que L(1, χ) 6= 0.

Temos dois casos distintos a tratar, χ caracter real e χ caracter não real. Comecemos pelo segundo caso. Para s > 1, segue da equação 1 com b = 1:

Y χ L(s, χ) ≥ 1. Se L(1, χ) = 0 então L(1, χ) = 0. Quando s → 1, Y χ L(s, χ) → 0

porque o produto contém uma função meromorfa com pólo simples em 1, sendo as restan-tes funções analíticas numa vizinhança de 1 e duas dessas funções anulam-se no ponto 1. Contradição!

(28)

Para o caso em que χ é um caracter real fazemos a demonstração no caso em que a = 5. Nesse caso, χ(n) = n 5  . L(s, χ) =  1 − 1 2s − 1 3s  + 1 4s + 1 6s − 1 7s − 1 8s  + · · · >  1 − 1 2s − 1 3s  > 1 6

Esta demonstração serve somente para casos particulares em que a é primo. No caso geral pode haver vários caracteres reais. A demonstração não é complexa mas envolve alguns cálculos trabalhosos que preferimos omitir.

7 Comentários nais

Os resultados apresentados neste texto não são originais e alguns deles podem ser encontra-dos na bibliograa. Algumas demonstrações encontra-dos resultaencontra-dos também seguem demonstrações feitas na bibliograa, possivelmente com uma notação um pouco diferentes e com um nível de detalhe diferente (com mais ou menos detalhe conforme a escolha do autor).

A secção 2 apresenta denições e resultados fundamentais de teoria algébrica de números que podem ser também lidos no capítulo 2 de [1] ou no capítulo 6 de [2]. Em particular, as proposições 2.11 e 2.12 e o teorema 2.13 são exercícios de [2] resolvidos pelo autor.

A secção 3, na qual se demonstra o teorema de Minkowski segue as linhas dos capítulos 6 e 7 de [2]. As demonstrações que são omitidas no presente texto podem ser encontradas nesses capítulos.

O problema da factorização única e a introdução dos ideais fraccionários para o estudo desse problema podem ser encontrados nos capítulos 4 e 5 de [1]. A demonstração da nitude do número de classe feita no presente texto baseia-se na que está feita no capítulo 9 de [1]. A principal diferença é a estimativa feita no teorema 4.18 que só é apresentada em [1] no capítulo 10.

(29)

Em [5], pode-se encontrar também a demonstração da nitude do número de classe, bem como a sua relação com a função zeta de Dirichlet do corpo respectivo.

Na secção 5, os dois exemplos descritos são originais tendo sido motivados pela discussão da secção 6.3 de [7].

Na secção 6, a demonstração do teorema de Dirichlet segue os passos apresentados no capítulo 16 de [2]. Em [4], também se pode ler uma demonstração semelhante à de [2], um pouco mais resumida. E em [3], encontra-se uma demonstração do teorema de Dirichlet que utiliza vários resultados assimptóticos sobre funções que ocorrem em Teoria de Números.

Referências

[1] Stewart I., Tall D. (2001) Algebraic Number Theory and Fermat's Last Theorem. [2] Ireland K., Rosen M. (1990) A Classical Introduction to Modern Number Theory. [3] Apostol T. (1976) Introduction to Analytic Number Theory.

[4] Davenport H. (1980) Multiplicative Number Theory. [5] Borevich Z., Shafarevich I. (1966) Number Theory. [6] Stillwell J. (2003) Elements of Number Theory.

Referências

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