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AS MULHERES MARISQUEIRAS EM ILHÉUS-BA: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NOS MODOS DE VIDA E TRABALHO,

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Academic year: 2021

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AS MULHERES MARISQUEIRAS EM ILHÉUS-BA: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NOS MODOS DE VIDA E TRABALHO, 1980-2004

Fabiana de Santana ANDRADE1 DFCH/UESC fabyandrade_7@hotmail.com Orientador: Luiz Henrique dos Santos BLUME DFCH/UESC luizblume@yahoo.com.br A história Social tem discutido a necessidade dos historiadores estarem desenvolvendo uma abordagem dinâmica da história, levando em consideração o cotidiano e as tradições dos vários agentes sociais. Esse trabalho discute que no âmbito do vivido e da experiência não existem estruturas sociais definidas. A categoria das mulheres pescadoras, por exemplo, não consiste numa designação evidenciada pelo discurso científico.

Segundo Joan Scott1 “experiência é sempre algo já interpretado e algo que precisa de interpretação”, portanto, devemos considerar as denominações não como conhecimento de uma realidade vivida, mas como uma interpretação desse conhecimento. O ser pescador é uma categoria masculinizada predeterminada por um sistema de dominação cultural que estabelece normas e condicionamentos para a sociedade. A experiência das mulheres enquanto pescadoras não é evidenciada pelos discursos historiográficos. A ciência fortalece a opinião de senso comum que tende a enxergar apenas o pescador, do sexo masculino, como a única forma de experiência de trabalho na pesca. A designação “mulher pescadora” surge como um termo incomum no discurso acadêmico. Segundo Maldonado2, a atividade de sair para coletar peixe usando linhas e redes ou de ir ao mar de fora capturando peixes mediante a jogada da linha ou rede denomina-se pesca, entretanto, o conceito não inclui como pescaria à atividade de extração de mariscos em terra.

Essa pesquisa permite pensar na possibilidade de discutir as diferenças e de explorar as diversidades das experiências femininas na atividade pesqueira. Através das histórias contadas pelas mulheres na realização das entrevistas pude escrever esse texto, tendo a convicção de que o trabalho consiste apenas em uma análise sobre as experiências de vida das mulheres

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pescadoras. As entrevistas foram realizadas com três mulheres marisqueiras que residem no bairro do Teotônio Vilela. São elas: Dona Julia de sessenta anos, sua filha Helena de trinta e dois anos, e Dona Tertulina de cinqüenta e nove anos. O bairro do Teotônio Vilela, local onde as mulheres marisqueiras residem, é resultado de um processo de urbanização desordenada que surgiu de aterros feitos, inicialmente, por invasores, e depois consolidados pela Prefeitura3. A pesca desenvolvida no litoral de Ilhéus ao longo do tempo tem representado para as mulheres marisqueiras um importante meio de vida que lhes tem permitido a sobrevivência, e a criação dos filhos na maior parte das vezes sozinhas. Nos seus depoimentos D.Julia e Helena relatam as mudanças que aconteceram na pescaria e apresentam como enxergam a realidade da pesca hoje. Em uma de suas falas Helena chega a comparar o local da mariscagem com uma “feira”. Vejamos o seu depoimento:

Acho que tá tendo muito muita gente, o número de pescador está sendo maior. Na época que era mais nova era bem pouco o número de pescador. A gente trabalhava aqui mesmo na coroa era pouca gente...agora não..a coroa fica igual a uma feira de gente...é senhora...é menino...é menina...é tudo...é gente velhinha. 4

Durante muito tempo o trabalho da mulher na pesca foi considerado apenas como uma extensão do trabalho do lar. Isso contribuiu muito para o retardamento da legalização do trabalho da mulher pescadora. Só na década de 1970 é que a mariscagem passou a ser reconhecida como um modo de vida. Esta foi resultado da luta de um grupo de mulheres da região metropolitana de Salvador que reivindicaram ao poder público o reconhecimento do seu trabalho5. Segundo consta nas fichas das marisqueiras associadas à colônia Z-34 o seu trabalho acompanha diversos instrumentos como: o anzol, a rede, o manzoá, o gereré, a ciripoia, a canoa e a tarrafa, instrumento considerado de difícil manejo pela força que deve ser empreendida ao ser jogado no mar. Muitas mulheres na cidade de Ilhéus pescam tanto o peixe como o marisco. A falta de conhecimento sobre a difícil tarefa de mariscar traduz o descaso pelo trabalho da mulher na pesca. Isto é reforçado no depoimento de Dona Tertulina ao apresentar como é a pescaria:

Oi, se você entra no mangue tem uma ostra que esperneia você, tem que tirar ele com jeito, que você bate o facão se você, sua mão pular corta. Se você vai pegar ela você tem que tar com uma luva na mão pra pegar porque se você pegar com a própria mão, corta sua mão, sua mão fica parecendo...um ralo.

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Quando você vai colocar numa canoa é difície também, porque se você não tiver cuidado pode até rancar um pedaço do seu dedo, se uma ostra pega no seu dedo...então é tudo muito difície né. Se eu tivesse condições eu não seria pescadora. 6 (D. Tertulina)

Através dos relatos das marisqueiras; Dona Julia, Helena e D. Tertulina podemos identificar diferentes significações para a designação de marisqueira. Elas representam a categoria de mulheres que realizam a cata do marisco, que pescam os principais produtos provenientes do mangue, como o aratu, a ostra, o muapem e o sururu. etc. Nesse grupo de pescadoras temos a realidade de vida de D. Julia, mãe de Helena, proveniente de famílias de pescadoras que sempre utilizaram a atividade da pesca para extrair da natureza os produtos necessários a sobrevivência da sua família. Por outro lado temos a experiência de vida de D. Tertulina que representa muitas outras mulheres da cidade de Ilhéus que ingressaram na atividade da pesca apenas como uma alternativa de vida e trabalho. Na cidade a mariscagem sempre representou um importante meio de vida para as famílias que tinham na pesca a base da sua subsistência, mas atualmente tem significado para a população pobre da região uma atividade que lhes garante a sobrevivência.

Para grande parte da população de baixa renda do bairro do Teotônio Vilela a mariscagem significa uma alternativa de vida, mas para mulheres como D.Julia e Helena a pesca sempre representou a principal base econômica da família. Para D.Julia ser pescadora “é viver de tudo que tem na maré” 7 porque a sua família sempre sobreviveu dos recursos que podia extrair da natureza. Dessa forma, essas mulheres se fazem pescadora pelo profundo conhecimento do meio ambiente marinho adquirido na experiência da vida diária e pelo fato de sua família salvaguardar o conhecimento tradicional dos pescadores artesanais. A mariscagem envolve um conjunto de conhecimentos que são passados de mãe para filho e que adquire diversos significados ao longo do tempo.

As mulheres marisqueiras apresentam um modo de vida que se diferencia do modelo racionalista moderno que acompanha a sincronização do relógio. Ao contrário dos trabalhadores industriais que estão presos ao “tempo do relógio”8, na sua prática cotidiana as mulheres marisqueiras tecem o seu próprio tempo a partir do conhecimento acumulado que possuem do ambiente

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natural. A vida das marisqueiras é regulada pelo ritmo das marés. Elas seguem a lógica dos ventos e da representação da lua, que segundo afirmam serve como sinal para indicar as condições favoráveis ou não das pescarias. As marisqueiras saem para pescar a partir da lógica das marés, que se diferenciam em maré morta e maré cheia. Através da análise dos depoimentos das mulheres marisqueiras, compreende-se que elas apresentam um amplo domínio sobre os ritmos das marés que lhes permite perceber e escolher a hora exata para realizar a cata do marisco. Acompanhar a dinâmica da reprodução dos mangues, o tempo certo para pescar determinada espécie exige da marisqueira um profundo conhecimento do meio natural. Nos depoimentos das mulheres marisqueiras estão relatados os perigos e ameaças que enfrentam na sua profissão. Entretanto, a violência urbana representa mais um grau de dificuldade na vida dessas mulheres. As marisqueiras relatam que atualmente ser pescadora é correr risco de vida.

a pescaria antes era bem melhor, porque hoje faz até medo você entrar no mangue, você encontra aí vagabundo com dois ou três revólveres na mão estendendo...Faz medo mesmo...9 ( TERTULINA)

Os depoimentos das mulheres marisqueiras revelam a existência de uma pesca feminina, em que as mulheres pescam tanto no “mar de dentro” como no “mar de fora”, pois se deslocam até os recifes para realizar a cata do marisco. Embora a mariscagem dependa de um amplo conhecimento tradicional que não está relacionado apenas a prática cotidiana, mas a um conhecimento acumulado por gerações, o quadro de crise econômica na cidade empurra muitas pessoas, inclusive do sexo masculino, para trabalhar nessa atividade e isso contribui para alterar os padrões culturais apreendidos na pesca. Entretanto, as mulheres marisqueiras podem ser diferenciadas pelo “fazer-se pescadora”, pela própria complexidade da pescaria do dia a dia onde enfrentam os riscos da oferecidos pela natureza e pela violência urbana. A experiência de vida das mulheres marisqueiras enriquece o discurso historiográfico com apresentação dos seus feitos, com a amostra que os perigos da maré são muitos, mas não subestimam a força e coragem dessas mulheres que precisam trabalhar para sustentar a sua família. A pesquisa mostra que o trabalho feminino na pesca apresenta uma grande variedade de atividades, portanto, o fato das mulheres não participarem da pesca do mar alto

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não exclui a ação da mulher pescadora.

NOTAS

1- SCOTT, Joan. A invisibilidade da experiência. In: Revista projeto história. Cultura e trabalho.n 16, p.297-326. São Paulo: Educ, fev.1998

2- MALDONADO, Simone Carneiro. Pescadores do Mar. Série princípios. São Paulo. Ática, 1986.

3- ANDRADE, Maria Palma. Ilhéus: passado e presente. Ilhéus, Ba: Editus, 2003.

4- Entrevista realizada na casa de Helena no dia 17/04/2006

5- OLIVEIRA, Maria Neuza de. Rainhas das águas, dona do mangue: um estudo do trabalho feminino no meio ambiente marinho. Revista brasileira de Estudos da População de Campinas, 1993. Disponível em www.abep.org.br. Acesso em 21/07/2006.

6- Entrevista coletiva realizada na casa de D.Júlia e Sr.Gileno em 12/11/2005, onde são entrevistadas D.Júlia, Helena e D. Tertulina.

7- Idem

8- THOMPSON, E.P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. Tempo, disciplina de trabalho e Capitalismo Industrial. São Paulo: Companhia das Letras, 1998

9- Entrevista coletiva realizada na casa de D.Júlia e Sr.Gileno em 12/11/2005, onde são entrevistadas D.Júlia, Helena e D. Tertulina.

Referências

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