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Justiça restaurativa: uma política pública na justiça catarinense

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ELIANA CECÍLIA FONTANA

JUSTIÇA RESTAURATIVA:

UMA POLÍTICA PÚBLICA NA JUSTIÇA CATARINENSE

Florianópolis (SC) 2020

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ELIANA CECÍLIA FONTANA

JUSTIÇA RESTAURATIVA:

UMA POLÍTICA PÚBLICA NA JUSTIÇA CATARINENSE

Monografia apresentada ao Curso de Graduação de Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientação: Professora Patrícia Santos e Costa, MSc.

Florianópolis, SC 2020

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ELIANA CECÍLIA FONTANA

JUSTIÇA RESTAURATIVA:

UMA POLÍTICA PÚBLICA NA JUSTIÇA CATARINENSE

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direitoe aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, 20 de novembro de 2020.

______________________________________________________ Professor e orientador Patrícia Santos e Costa, MSc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

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Aos que defendem um a sociedade mais justa, solidária e sustentável.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, presença viva constante, que impulsionou cada dia de aula durante os cinco anos de formação, não permitindo que obstáculos de nenhuma ordem me dispersassem deste propósito. Agradeço aos meus pais por todo apoio que supriu minha ausência para frequentar as aulas, e me dedicar aos estudos. Agradeço à minha filha Laura, que foi companheira fundamental na conclusão desta graduação. E aos familiares e amigos que incentivaram e acolheram minha iniciativa de aperfeiçoar-me enquanto pessoa e profissional.

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“A menos que modifiquemos a nossa maneira de pensar, não seremos capazes de resolver os problemas causados pela forma como nos acostumamos a ver o mundo” (Albert Einstein)

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RESUMO

O Trabalho de Conclusão de Curso pretende mostrar como se deu a implantação da Justiça Restaurativa no Poder Judiciário catarinense. A pesquisa foi guiada pelo método dedutivo, com uso do método bibliográfico, a partir de pesquisa na legislação, de artigos, dissertações, e doutrinas que dentre outros documentos foram relevantes ao tema. Depreendeu-se que a Justiça Restaurativa é proposta alternativa de resolução de conflitos, e recentemente incorporada pelo Poder Judiciário catarinense como política pública, por meio da Resolução TJ nº 19 de 6 de novembro de 2019. Seus princípios restaurativos pressupõe atenção às necessidades da vítima, reparação do dano, participação comunitária. Enquanto experiência piloto, verificou-se a implementação de um Núcleo de Justiça Restaurativa na Vara da Infância e Juventude da Capital catarinense, desde 2011. A manifestação concreta por parte de comarcas interessada na metodologia restaurativa pode ser um sinal de boa acolhida por parte dos gestores da instituição, reconhecendo a importância da política ora implantada.

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 8 2 A JUSTIÇA RESTAURATIVA ... 10 2.1 CONCEITO ... 12 2.1.1 Concepção do encontro ... 14 2.1.2 Concepção reparadora... 15 2.1.3 Concepção transformadora ... 15 2.1.3.1Mediação vítima-ofensor ... 16 2.1.3.2Círculos Restaurativos ... 16

2.1.3.3Conferência de grupos familiares ... 17

2.2 ORIGENS ... 17

2.3 PRINCÍPIOS ... 21

2.4 POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES ... 25

3 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NO PODER JUDICIÁRIO CATARINENSE ... 28

3.1 ENTENDER A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO POLÍTICA PÚBLICA ... 28

4 AS DIRETRIZES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO PODER JUDICIÁRIO.. 35

4.1 A IMPLANTAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA ... 35

4.2 ALGUNS PROJETOS REALIZADOS OU IDEALIZADOS ... 38

4.2.1 Metodologia do projeto do Núcleo da Justiça Restaurativa (NJR) ... 42

5 CONCLUSÃO ... 46

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1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho será abordado o tema Justiça Restaurativa e a sua implementação como política pública no Poder Judiciário catarinense. A importância do assunto se assenta na sua aplicação como modalidade de justiça criminal alternativa na solução de conflito, e a sua evolução na justiça catarinense.

Na aproximação com o contexto judiciário na qualidade de servidora do Tribunal de Justiça, tendo por atribuição o recebimento de réus para cumprimento de serviço comunitário, esta pesquisadora observou expectativas positivas por parte destes e dos (das) representantes das entidades que acolhem os sujeitos encaminhados pela vara de execução penal para cumprimento de Prestação de Serviço Comunitários (PSC), denominados reeducandos. Isso sugere contexto sensível à Justiça Restaurativa, novo método aplicado ao sistema criminal, pelo modo transformador de olhar outro, e que, portanto, merece entendimento.

Além disso, é sabido que a instituição é atuante no desenvolvimento de programas e políticas em diferentes ramos do Direito, destacando-se nos modelos alternativos de solução de conflitos como conciliação, mediação e a experiência piloto do Núcleo de Justiça Restaurativa da comarca da Capital. Esse trabalho é voltado exclusivamente para o atendimento de adolescente autor de ato infracional, e se originou como um projeto piloto, e hoje é uma experiência consolidada. Mas como se deu a implementação da Justiça Restaurativa enquanto política pública no âmbito do Poder Judiciário Catarinense?

Para responder ao problema da pesquisa analisada neste trabalho apresenta-se o primeiro capítulo como objetivo geral demonstrar como se deu a implantação da Justiça Restaurativa no contexto do Poder Judiciário catarinense, e os objetivos específicos foram desenvolvidos em cada um dos capítulos a seguir.

O segundo capítulo aborda a sistematização teórica deste modelo de Justiça, descrevendo a concepção do conceito por seus principais autores. Em seguida aborda-se a origem e os princípios da Justiça Restaurativa, elencando a construção de seus pilares, discorrendo-se sobre os valores que fundamentam as variadas abordagens restaurativas, e as possibilidades e potencialidades que referido modelo proporciona, enquanto transformador do paradigma punitivo vigente em nossa sociedade como política pública.

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O terceiro capítulo visa entender a Justiça Restaurativa como Política Pública para resolver a problemática decorrente do excesso de processos em tramitação nos tribunais; incentivar a autocomposição, no enfrentamento à litigiosidade, que gera morosidade e prejuízos na qualidade da prestação jurisdicional, ferindo a função social do poder judiciário, e a garantia do acesso à justiça.

O quarto e último capítulo tem o propósito de exibir a implementação da Justiça Restaurativa como uma de suas políticas públicas, estabelecido na Resolução nº 19/2019, e conhecer os principais projetos na área, realizados e na atualidade. Destaca-se a evolução da implantação e o alinhamento dos projetos às diretrizes do Conselho Nacional de Justiça, que foram fundados nos organismos internacionais.

Na elaboração da pesquisa foi possível conhecer implantação da Justiça Restaurativa e suas as diretrizes instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e adotadas no âmbito do Poder Judiciário Catarinense. Guiada pelo método dedutivo, a pesquisa fez uso de técnicas documental e bibliográfica, baseou-se em leis, doutrinas, artigos científicos, de fontes já examinadas por outros autores, advindas de pesquisa de núcleos de estudos universitários, como teses e dissertações sobre o tema. Foram feitas buscas em sítio da internet de informações colhidas por meio de manuais e cartilhas produzidas por órgãos oficiais, focadas e analisadas no modo que a Justiça Restaurativa se construiu enquanto política pública.

Por fim, constatou-se a necessidade não somente de maior divulgação desta política pública, mas uma discussão mais abrangente no âmbito do próprio poder judiciário, o qual tem a função precípua de organizar em torno de si o sistema de justiça mais humanizado e solidário.

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2 A JUSTIÇA RESTAURATIVA

Nos últimos anos o número de processos na Justiça não parou de aumentar nos tribunais brasileiros. Em 2016 havia perto de 80 milhões ações judiciais em tramitação, com crescimento de demanda em média de 4,7 % por cento ao ano, de acordo com o Relatório anual do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ciente dessa demanda que sobrecarrega o Poder Judiciário, por meio da Resolução n. 125 de 29/11/2010, e incentivado pelos tribunais, o CNJ implantou a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, que além de consolidar os métodos alternativos de solução de conflitos, no início ou no decorrer do processo, obrigou a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) pelos Tribunais de Justiça. Com isso, o Poder Judiciário brasileiro reconheceu a importância das soluções alternativas para resolução de conflitos como vias efetivas para desafogar as demandas exacerbadas dos Tribunais, visto a forma tradicional de justiça é insuficiente para resolver a grande quantidade de conflitos que chegam até as varas judiciais. Extrai-se do Manual de Mediação do Conselho Nacional de Justiça, escrito por Azevedo (2016, p. 17) que:

Nota-se, portanto, que o sistema público de resolução de conflitos – que envolve o Poder Judiciário e outros órgãos de prevenção ou resolução de disputas [...] é composto, atualmente, por vários métodos ou processos distintos. Essa gama ou espectro de processos (e.g. processo judicial, arbitragem, conciliação, mediação, entre outros) forma um sistema pluriprocessual. Com esse sistema, busca-se um ordenamento jurídico processual no qual as características intrínsecas de cada processo são observadas para proporcionar a melhor solução possível para uma disputa – de acordo com as particularidades – analisada como um caso concreto. Aos poucos a aceitação de métodos alternativos ficou cada vez mais frequente, ao passo que estudiosos passaram refletir sobre a implementação dos novos métodos consensuais, bem como as reflexões teóricas correspondentes às implicações destas práticas, no que diz respeito às implicações do Poder Judiciário.

Deste modo, ao propor a adoção de meios alternativos de solução de conflitos, com o objetivo de demonstrar a problemática da crise que o judiciário tem enfrentado, fica evidente a necessidade da instituição de tal política pública que visa, entre outras coisas, solucionar a crise da justiça, bem como a ineficácia jurisdicional. Estabelecendo os pontos em comum entre a autocomposição civil e penal, assim como os aspectos que não podem ser interpretados de igual forma. (CALMON, 2008, p.12 apud JACOMINI; FERRI; FRANÇA, 2017, p. 23).

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Em revisão ao ordenamento legal, vê-se a importância que a implantação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais trouxeram com a criação da Lei nº 9099/95, demonstrando a possibilidade de um novo fazer processual penal, fundados nas diretrizes da informalidade, oralidade, economia processual, e efetividade, em que a ideia central é estimular que as partes entendam o seu papel dentro do conflito. Assim com o apoio do judiciário é possível as partes construírem uma decisão melhor para ambos, e não simplesmente por fim ao processo.

Com a evolução histórica, em 1996 foi implantada a Lei nº 9307/96, que dispôs sobre a arbitragem que trouxe simplificação e celeridade na resolução dos conflitos que têm como objeto contratos comerciais. Esses poderiam então, serem dirimidos em câmaras privadas com a participação de um árbitro, desde que as partes abrissem mão da jurisdição estatal.

Nesta esteira, em sintonia com a solução de conflitos por meio de consenso, a Lei nº 12.594/2012, no artigo 35, incisos II e III, no âmbito do atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, preconiza dentre seus princípios, autocomposição de conflitos, dando prioridade as práticas restaurativas na intervenção judicial e na imposição de medidas, sempre que possível, e o atendimento às vítimas. Isto representou um grande avanço no direito do adolescente.

Ademais, com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil brasileiro, os meios alternativos de solução de conflitos ganharam maior respaldo jurídico. Inicialmente no Art. 3º, §1º, §2º e §3º esses dispositivos estabelecem modelos diferenciados, e ampliam a possibilidade de resolução de conflitos para outras formas de resolução, que não somente o jurisdicional, o que a doutrina chama de modelo multiportas: a arbitragem, a conciliação, a mediação. E concita os envolvidos, sempre que possível, a buscarem a solução de consenso, incluindo a participação do Estado: “A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” (BRASIL, 2015, on-line).

E, mais adiante, insculpido na Parte Especial do código, título I e capítulo V, a nova lei prescreve no artigo 319, VII o evento prévio de uma de conciliação, sendo que não acontecerá somente na hipótese em que as partes manifestarem o desejo de não desejarem o procedimento, conforme art. 334, §4°, I do CPC 2015.

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Nesta toada embora não haja regulamentação própria no Código Processo Civil brasileiro quanto ao procedimento para o uso da Justiça Restaurativa no Brasil, é possível considerar que ela vem sendo usada de modo gradativo e crescente, nos âmbitos judicial e extrajudicial, vez que foi instituída no âmbito do Poder Judiciário por Resolução nº 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça, como Política Pública Nacional de Justiça Restaurativa, quando se concretiza como via alternativa ao sistema tradicional, reunindo um conjunto ordenado de práticas distintas para administração de conflitos de forma pacífica.

2.1 CONCEITO

Preliminarmente, é importante destacar no levantamento desta pesquisa documental não encontramos um conceito definido de Justiça Restaurativa, pois provavelmente a sistematização dos postulados restaurativos é algo relativamente recente, com início há aproximadamente 30 (trinta) anos, razão pela qual a definição de seu conceito, seus objetivos e processos é algo ainda indefinido, em constante processo de construção e de aperfeiçoamento. O novo paradigma tem noção aberta, não se deixa prender por conceitos, revelando-se potencialmente bom, mas por outro lado, preocupante, pois pode caber tudo, “afastando-se dos princípios de origem” (ZEHR, 2020, p. 14).

A este propósito Pinto (2005, p. 20) escreve: “como é um paradigma novo, o conceito de Justiça Restaurativa ainda é algo inconcluso, que só pode ser captado em seu movimento ainda emergente.” Mais adiante, o autor afirma que:

Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenário judiciário, intervindo um ou mais mediadores ou facilitadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator (PINTO, 2005, p. 20).

Em revisão aos principais autores do assunto observamos que o conceito de justiça restaurativa apresentado por Tony Marshall (1996) é o mais conhecido entre esses, pois teria chegado mais próximo a uma definição. Marshall definiu “justiça restaurativa é um processo através do qual todas as partes envolvidas em uma ofensa particular se reúnem para resolver coletivamente como lidar com a consequência da ofensa e as suas implicações

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para o futuro.” (MARSHALL, 1996, p. 37 apud ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014, p. 238).

Nesse sentido, Howard Zehr (2008) pioneiro, e um dos mais importantes no tema apresenta uma definição mais completa de Justiça Restaurativa, para esse autor:

Um processo para envolver, tanto quanto possível, todos aqueles que têm interesse em determinada ofensa, num processo que coletivamente identifica e trata os danos, necessidades e obrigações decorrentes da ofensa, a fim de promover o restabelecimento das pessoas e endireitar as coisas, na medida do possível (ZEHR, 2020, p. 54).

A Justiça Restaurativa é proposta como uma alternativa ao modelo penal tradicional, pautada em um paradigma que se contrapõe ao modelo de justiça consolidado, qual seja, o sistema punitivo/retributivo. O modelo retributivo visa provar o delito, estabelecendo uma culpa e aplicando o castigo correspondente; já o modelo restaurativo, objetiva a resolução do conflito a partir da responsabilidade assumida e da reparação do dano causado.

De modo geral, pode-se afirmar que a Justiça Restaurativa propõe, a participação da vítima e do ofensor, são agentes ativos na reparação do dano e na responsabilização daquele que o cometeu. Para Renato Sócrates Gomes Pinto (2005, p. 20), a Justiça Restaurativa:

Baseia-se num procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime (PINTO 2005, p. 20).

Nesta revisão conceitual de Justiça Restaurativa, Carla Zamith Boin Aguiar (2009) participa também da construção do conceito, escreveu:

Podemos entender a Justiça Restaurativa como uma reformulação de nossa concepção de Justiça, tendo como objetivo trabalhar a compreensão das pessoas sobre a situação conflituosa para que haja a humanização dos envolvidos, possibilitando a identificação das necessidades geradas pelo conflito/crime e a consequente responsabilização de todos os afetados, direta ou indiretamente, para que de uma forma ou de outra, se comprometam e contribuam para sua resolução (AGUIAR, 2009, p. 109).

A autora realça que o contexto restaurativo privilegia a importância de compreender-se a complexidade das relações humana, o aspecto relacional da vítima e do

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ofensor, e destaca o papel dos demais afetados, vez que o dano afeta as relações humanas, Aguiar (2009, p. 110) cita: “uma justiça participativa, uma vez que as partes atuam de forma significativa no processo decisório, na busca compartilhada de cura e transformação.” Complementa a autora:

A Justiça Restaurativa parte do seguinte pressuposto: o crime ou o ato de violência causa dano às pessoas e aos relacionamentos. Portanto, entende-se que não só a vítima e o transgressor são afetados, como toda a comunidade. O enfoque dado às necessidades que surgem a partir do ato. Substitui-se a pergunta “quem cometeu o ato criminoso? por quais as necessidades que surgiram a partir deste ato? (AGUIAR, 2009, p. 110).

Outro aspecto relevante, levando em conta complexidade e o alcance de definições, foram levantados por Johnstone e Van Ness (2007 apud ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014, p. 439) que levantaram três concepções para o termo justiça restaurativas, a saber: “concepção do encontro, concepção reparadora e concepção transformadora.” A concepção do encontro valoriza a liberdade de manifestação dos envolvidos para a solução dos conflitos; a concepção reparadora se refere à reparação do dano propriamente; e a concepção transformadora que concebe a possibilidade de transformação de pensamentos, sentimentos e atitudes, a partir dos dispositivos restauradores.

2.1.1 Concepção do encontro

A concepção do encontro possibilita que a vítima expresse o seu sentimento sobre o dano sofrido de modo de que os demais envolvidos reconheçam o ocorrido para pedidos de desculpas ou para fins de restauração material. Toda a participação deve ser “inteiramente” voluntária (ZEHR, 2020, p. 63).

Essa concepção denomina a própria ideia do movimento restaurativo, e postula que os envolvidos com o delito devem “ter a oportunidade de encontrar-se em um local não tão dominado por especialista (advogados e juízes) como os fóruns e tribunais”, (PALLAMOLLA, 2009, p. 55). Os defensores desta concepção compreendem que os envolvidos com o delito sejam assistidos um facilitador para o atingimento de um melhor resultado.

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2.1.2 Concepção reparadora

Esta ideia compreende que o dano causado a vítima deve ser reparado cabendo ao ofensor a atitude de promover esta reparação seja do ponto de vista concreto ou simbólico. Encontramos em Pallamolla a seguinte reflexão:

Adeptos desta tendência afirmam que a reparação é o suficiente para que exista justiça, portanto não é necessário infringir dor ou sofrimento ao ofensor. Ademais o acordo restaurador, além de reparar a vítima oportuniza há (re)integração do ofensor e restauração da comunidade abalada pelo delito. (LARRAURI, 2007, p. 445 apud PALLAMOLLA, 2009, p. 57-58).

Neste mesmo sentido a autora apoiada na análise de Howard Zehr informa que:

o primeiro objetivo da justiça deveria ser reparar e curar as vítimas , e o segundo devia ser reconciliar a vítima e opressor (curar esse relacionamento) ou, simplesmente, dar oportunidade para que reconciliação aconteça. Também sugere que não deve esquecer que ofensor tem necessidades, ainda que isso não o exima de responsabilização, pois a própria responsabilização pode representar mudança e cura. (ZEHR 2008 apud PALLAMOLLA 2009, p. 57-58).

Na visão da autora, as ações de reparação, restituição e retribuição são essenciais tanto para a vítima quanto para o ofensor, pois significa a recuperação das perdas e também um reconhecimento do erro cometido do infrator e aceitação de sua responsabilidade. Nas palavras de Zehr: “reconhece o valor ético da vítima, percebendo ainda o papel do ofensor e as possibilidades de arrependimento assim reconhecendo o valor do opressor.” (ZEHR 2008 apud PALLAMOLLA 2009, p. 58).

2.1.3 Concepção transformadora

A concepção transformadora percebe mecanismos restaurativos com forma de elaborar coletivamente as experiências pessoais dos envolvidos na resolução dos conflitos e proporcionar uma transformação na forma como cada um enfrenta suas dificuldades. Conforme Pallamolla (2009, p. 58-60), aqueles que defendem os mandamentos transformadores que o objetivo principal da Justiça Restaurativa é transformar a maneira pela qual as pessoas compreendem por si próprias e como se relacionam com os outros no dia a dia. É a concepção considerada mais difícil de ser aplicada, pois implica uma nova visão da realidade analisada.

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Tangenciando o conceito de Justiça Restaurativa, é importante considerar nesta etapa do trabalho algumas práticas restaurativas levantadas nesta pesquisa.

Respaldados nos estudos de Walgrave (2008 apud ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014, p. 443) relacionam que as práticas mais conhecidas de justiça restaurativa são: mediação vítima/ofensor; conferência restaurativa; círculos de sentença e cura (healing and

sentencing circles); comitês de paz (peace committes), conselhos de cidadania (citizen boards), comissões de verdade, práticas na prisão e apoio à vítima (victim'support). E

dentre estas a mediação vítima/ofensor e a conferência restaurativa, além de serem as mais originais, são as mais modalidades mais usadas nos programas restaurativos.

2.1.3.1 Mediação vítima-ofensor

A mediação vítima-ofensor é a abordagem mais conhecida. Segundo Azevedo (2005), há diversas práticas restaurativas na modalidade vítima-ofensor. Na visão do autor:

Enquanto que algumas outras formas autocompositivas são claramente direcionadas ao acordo a MVO direciona-se preponderantemente a estabelecer um diálogo efetivo entre vítima e ofensor com ênfase em restauração da vítima, responsabilização do ofensor e recuperação das perdas morais, patrimoniais e afetivas (AZEVEDO, 2005, p. 142).

Howard Zehr complementa a compreensão dessa modalidade ao defender que na mediação vítima-ofensor, “membros da família da vítima e do ofensor poderão participar, mas normalmente essa pessoas têm papeis de apoio secundários. Pessoas que representam a comunidade poderão ser envolvidas como facilitadoras ou supervisoras do acordo selado, mas via de regra não participam do encontro” (ZEHR, 2020, p. 66).

2.1.3.2 Círculos Restaurativos

Surgidos no Canadá, os círculos restaurativos tiveram sua aplicação inicialmente feita pelos juízes no começo dos anos 90, e rapidamente se expandiram para os EUA. Conforme informa Zehr (2020, p. 71) essa prática restaurativa tem como característica principal a ampliação do rol de participantes, vez que além da vítima, ofensor e seus respectivos familiares, os círculos contam ainda com a participação de membros da comunidade. O referido autor afirma que:

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Em virtude do envolvimento da comunidade, os diálogos dentro dos círculos são, em geral, mais abrangentes do que em outros modelos de Justiça Restaurativa. Os participantes podem abordar circunstâncias comunitárias que talvez estejam propiciando violações, podem falar do apoio a necessidades tanto daqueles que sofreram quanto dos que causaram o dano, das responsabilidades que a comunidade possa ter, das normas comunitárias, ou outros assuntos relevantes da comunidade (ZEHR, 2020, p. 71).

Os círculos restaurativos se caracterizarem pela participação de diferentes agentes implicados no processo restaurativo, o que favorece ao atingimento das necessidades desses mesmos agentes:

[os] objetivos do processo incluem promover a cura para todas as partes afetadas; oferecer ao ofensor a possibilidade de arrepender-se; empoderar as vítimas e membros da comunidade para expressar-se francamente e desenvolver capacidade para os próprios integrantes resolveremos seus conflitos. (RAYE; ROBERTS, 2007, p. 215 apud PALLAMOLLA, 2009, p. 120).

Esta modalidade de abordagem possibilita a presença de pessoas consideradas relevantes e consideradas tanto pela vítima quanto pelo ofensor podendo ser familiares, amigos ou sujeitos que tenham uma importante participação da vida dos envolvidos, no ato danoso.

2.1.3.3 Conferência de grupos familiares

As Conferências de Grupos Familiares originaram-se na Nova Zelândia, no fim dos anos 80, nos casos de jovens infratores. De acordo com os ensinamentos de Pallamolla (2009) a prática das conferências de grupos familiares concentra-se no apoio ao ofensor, para que ele assuma sua responsabilidade e mude seu comportamento.

Nesse modelo, participam das conferências a vítima, o infrator os familiares de ambos, e as pessoas que fazem parte de seus relacionamentos e os apoiam, como exemplo professores, presença da comunidade. A conferência pode acontecer mesmo sem presença da vítima, caso da justiça juvenil, contando com participação de autoridades, ou profissionais especializados (policiais e assistentes sociais). A participação da vítima não é essencial, porém é apontado com um fator de diminuição de reincidência (PALLAMOLLA, 2009, p. 118).

2.2 ORIGENS

A Justiça Restaurativa surgiu no ocidente a partir de um programa de reconciliação entre vítima e ofensor, precisamente na cidade de Kitchener (Ontário), no Canadá em 1974,

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conforme localizado nos trabalhos de pesquisa de seus defensores (BRAITHWAITE, 2002

apud ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014, p. 436).

Entretanto, a citada filosofia desenvolveu-se nos Estados Unidos a partir de 1970, como proposta alternativa ao modelo de justiça penal retributiva, que passou a ser repensada internacionalmente como modelo usado para coibir o crime, ou promover a ressocialização de infratores. Conforme Pallamolla (2009, p. 34):

Na década de 60 e 70, nos Estados Unidos, vivenciou-se a crise do ideal socializador e da ideia de tratamento através da pena privativa de liberdade, a qual desencadeou, na década seguinte, o desenvolvimento de ideias de restituição penal e de reconciliação com a vítima e com a sociedade. (PALLAMOLLA, 2009, p. 34):

O modelo punitivo vigente vinha sofrendo críticas desde muito tempo, e havia iniciativas que tentavam dar respostas mais proporcionais entre o ato e a punição aplicada. De acordo com a autora:

É interessante observar que as críticas a prisão apareceram muito cedo, já anunciando como grande fracasso da justiça penal. Pouco tempo depois da implantação das prisões, já havia movimentos para reformulação para o sistema prisional, em razão aos males causados pelo encarceramento. O posterior reconhecimento (parcial) das inadequação e mau uso das prisões levaram a busca por alternativas (PALLAMOLLA, 2009, p. 30).

Além do descontentamento com o modelo tradicional penal, o movimento de crítica ao modelo punitivo, tinha como base a reconciliação com a vítima e com a sociedade, mas também outra modificação no direito penal anunciava-se: o enfoque na vítima. Entretanto, de acordo com Pallamolla (2009, p. 36) a Justiça Restaurativa refletiu um conjunto de variados procedimentos e influências:

Tal justiça portanto, é fruto de uma conjuntura complexa, pois recebeu influência de diversos movimentos, o que contestou as instituições repressivas e mostrou seus efeitos deletérios (como o abolicionismo); o que (re)redescobriu a vítima (vitimologia): e o que exaltou a comunidade exaltando suas virtudes (PALLAMOLA, 2009, p. 36).

Como reflexo da insatisfação, surgiram simultaneamente em diferentes países novas abordagens por parte de profissionais interessados no assunto por novas respostas no trato da questão criminal. E, em engajados nessa proposta, a partir das décadas de 1970 e 1980 surgiram práticas de Justiça Restaurativa que foram aos poucos implantadas, em vários países na América do Norte (Canadá, EUA), Europa, Oceania (Nova Zelândia, Austrália) e África do Sul.

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Há estudos que demonstram experiências restaurativas nas sociedades mais antigas, onde indícios da prática foram identificados na tradição cultural de povos, como os indígenas e aborígenes. Zehr (2020, p. 25) aponta que:

Muitas tradições indígenas tiveram e ainda têm elementos restaurativos importantes. Beneficiou-se enormemente do legado dos povos nativos da América do Norte e da Nova Zelândia, e outras tradições continuam oferecendo inspiração. Portanto suas raízes e precedentes são bem mais amplas que a iniciativa dos anos de 1970. Na verdade, essas raízes, são tão antigas quanto a história da humanidade (ZEHR, 2020, p. 25).

Mais adiante o autor afirma:

A Justiça Restaurativa pode oferecer uma estrutura conceitual capaz de afirmar e legitimar o que havia de bom naquelas tradições e, em alguns casos, desenvolver modelos adaptados que operam dentro da legalidade do sistema jurídico moderno. De fato, duas das mais importantes formas de Justiça Restaurativa - as conferências familiares e o círculos de construções de paz - são adaptações (sem serem réplicas) de processos tradicionais (ZEHR, 2020, p. 60).

O aprofundamento dos estudos e a variação das propostas restaurativas, levou o professor Howard Zehr no início da década de 90, a publicar a importante obra “Trocando as lentes: Um Novo Foco sobre Crime e Justiça”, que além de contribuir no assunto, impulsionou fortemente os projetos e os programas de Justiça Restaurativas já em efervescência, espalhados em diferentes países. Na obra, o autor defende que o agente infrator, estigmatizado, deixa de sê-lo, e busca reparar o dano causado, se responsabiliza pelo erro, e reconstrói sua história.

Importante que se destaque que o ponto alto do movimento restaurativo, aconteceu nos anos 90, nos Estados Unidos, quando foi observado o início da sistematização dos postulados restaurativos no modelo anglo-saxônico, desenvolvidos por Braithwaite, e que se expandiu para o continente europeu (PALLAMOLLA, 2009, p. 34). O modelo restaurador mostrou-se exitoso como possibilidade para fazer frente ao fracasso do sistema penal, aos elevados custos da justiça tradicional, e também principalmente os contemplou as necessidades das vítimas e responsabilização dos infratores.

Referente ainda ao surgimento da Justiça Restaurativa, defensor no assunto (WALGRAVE, 2008 apud ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014, p. 437) apontou as três mais importantes raízes que contribuíram para o aparecimento do movimento restaurativo. Para o autor, o primeiro enfoque está associado ao movimento de defesa das vítimas e direitos feministas, que pretendiam ligar-se ao sistema penal para visibilizar as suas demandas.

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O segundo enfoque, o comunitário ou comunitarismo, visto como um espaço propício para fomentar a Justiça Restaurativa e reconstruir a vida comunitária.

Nesse aspecto, Jaccoud (2005, p. 165) alude que “O princípio da comunidade é valorizado como o lugar que recorda as sociedades tradicionais nas quais os conflitos são menos numerosos, melhor administrados e onde reina a regra da negociação”.

A terceira tendência demonstrada é o abolicionismo penal, que assinala a abolição do sistema penal e das penas, e propõe a substituição desses por um novo modelo. É uma tendência idealizada pela criminologia crítica, e diferente do modelo restaurativo, não convive no mesmo sistema penal tradicional (WALGRAVE, 2008 apud ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014, p. 437).

Constata-se que a Justiça Restaurativa sofreu um impulso a partir do apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) com a Resolução de 1999/26, de 28 de julho de 1999 que dispõe sobre o desenvolvimento e a implementação de medidas de mediação e de Justiça Restaurativa na justiça criminal, representando a sua institucionalização. Em 1999,a ONU ratificou a importância da Justiça Restaurativa com a resolução 2000/ 14 de 27 de julho de 2000. E, em 24 de julho de 2012, o Conselho Social e Econômico firmou os princípios dos programas e projetos restaurativos em um documento base que teve a finalidade de ser referência e orientação internacional para os Estados membros no assunto.

Percorrendo a evolução teórica da Justiça Restaurativa Mylène Jaccoud (2005) demarcou três fases: a experimental, dos anos 70; a institucional, dos anos 80; a de expansão dos anos 90, em que se vê inserida em todas as etapas do processo penal, e de produção de conhecimento. Destaca a autora, que o conceito original de Justiça Restaurativa surge nos final dos anos 50 da “caneta” do psicólogo americano Albert Eglash (VAN NESS; STRONG, 1997 apud JACCOUD, 2005, p. 165-166), ao desenvolver uma técnica com características de reabilitação junto ao grupo de ofensores, todavia, ainda longe de se parecer com Justiça Restaurativa. Esta aproximação estava distante dos princípios fundados da justiça restaurativa, pois não contemplava as demandas das vítimas, e limitava a reintegração aos aspectos materiais das consequências do dano.

Transcorrido o lapso temporal de mais de três décadas desde o início das primeiras experiências anglo-saxônicas de justiça restaurativa, examina-se que esta prática expandiu-se em diversos paíexpandiu-ses.

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2.3 PRINCÍPIOS

Neste capítulo serão apresentados os princípios da Justiça Restaurativa, encontrados em seus principais expoentes, e organismos internacionais. Vimos que em que pese a ausência de uniformidade conceitual, nas últimas décadas foram possíveis construir um arcabouço teórico e metodológico, que permitiu dar uma direção ética- filosófica, e estruturante graças a um conjunto de valores baseados em reflexões que iluminaram as práticas restaurativas desenvolvidas nos diferentes países.

Iniciamos abordando os princípios fundamentais da Justiça Restaurativa publicados Howard Zehr e Harry Mika em 1998 (ZEHR, 2020, p. 91) na sua forma original.

1- O crime e fundamente uma violação de pessoas e de relacionamentos interpessoais. 1.1 As vítimas e a comunidade foram lesadas e precisam ser recompostas. 2- A violação cria obrigação e ônus. 2.1 A obrigação dos ofensores é corrigir as coisas tanto quanto possível. 3- A Justiça Restaurativa busca restabelecer pessoas e corrigir males. 3.1 As necessidades da vítimas de informação, validação, vindicação, restituição de bens, testemunho, segurança, e apoio são pontos de partida da justiça. 3.2 O processo de fazer justiça amplia a oportunidade para troca de informações, participação, diálogo, e consentimento mútuo entre vítima e ofensor. 3.3 As necessidades e aptidões dos ofensores são levadas em conta. 3.4 O processo de fazer justiça pertence à comunidade. 3.5 A justiça está consciente dos resultados intencionais e não intencionais de suas respostas ao crime e à vitimização (ZEHR, 2020, p. 91-95).

De acordo com os princípios atribuídos à Justiça retributiva por Zehr e Mika em 1998, Zehr (2020, p. 91) ressalvada a época em que foram elaborados, os pressupostos permanecem atuais, sendo que os autores apontam que o crime para a Justiça Restaurativa, é diferente de um ato ilícito previsto no Código Penal; ele tem uma natureza diversa, vez que o ofensor não o atinge o Estado ao cometer um dano, mas ferem as relações sociais, os seres na sociedade, gerando conflitos de ordem interpessoais, e que dependem agora de ação dos envolvidos para solução futura. São questões que o sistema de justiça tradicional (retributiva) tomava para si a resolução, deixando vítima e ofensor alijados do processo de solução.

Para Zehr e Mika (2020) os conflitos sob a ótica do novo paradigma agora estão colocados na categoria de conflitos sociais ou interpessoais administrados ou administráveis sem o aparato do sistema de justiça, e com a participação efetiva da

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comunidade, condição que já foi experimentada na história da humanidade. Para Zehr (2008, p. 95) “Até a Idade Moderna o crime era visto primeiramente num contexto interpessoal. A maior parte dos crimes era retratada essencialmente como um mal cometido por outra pessoa ou por um conflito interpessoal.” Vemos assim que a sociedade levava em conta o mal causado a pessoa, e entre as pessoas, e o Estado não fazia parte ativa dessa relação.

Baseados nos princípios expostos Zehr (2020, p. 38) destaca três pilares centrais da Justiça Restaurativas:

O primeiro pilar tem foco no dano cometido. Assim,

A Justiça Restaurativa vê o crime primordialmente como um dano causado a pessoas e comunidades. (..) Portanto, para Justiça Restaurativa o “fazer justiça” começa na preocupação com a vítima e suas necessidades. Ela procura, tanto quanto o possível, reparar o dano - concreta e simbolicamente. Essa abordagem centrada na vítima requer que o processo judicial esteja preocupado em atender as necessidades da vítima, mesmo quando o ofensor não foi identificado ou detido (ZEHR, 2020, p. 38).

O segundo pilar, indica que para a Justiça Restaurativa os males ou danos resultam em obrigações por parte dos ofensores, desse modo:

Aqueles que causaram o dano devem começar a entender as consequências do seu comportamento. Além disso, devem assumir a responsabilidades de corrigir a situação na medida do possível, tanto concreta como simbolicamente, ou seja, eles têm a responsabilidades de “fazer a coisa certa” em face das pessoas que foram prejudicadas. Isto não é apenas a coisa correta a fazer, mas, melhor que punição, evita futuras ofensas (ZEHR, 2020, p. 39). E por fim, o terceiro pilar apresentado por Zehr, postula que a Justiça Restaurativa promove engajamento ou participação:

O princípio do engajamento sugere que as partes afetadas pelo crime - aqueles que foram vitimados, aqueles que ofenderam, e membros da comunidade - desempenhem papéis significativos no processo judicial. (...) Em alguns casos, isto pode significar diálogo direto entre as partes, como ocorre nos encontros entre vítimas e ofensor. Eles partilham seus relatos e chegam a um consenso sobre o que pode ser feito. Em outros casos, o processo envolve trocas indiretas, por intermédios de representantes, ou ainda outras formas de envolvimento (ZERH, 2020, p. 40).

Percebemos que os três pilares enfocados pelo escritor Zehr (2020, p. 38) têm como conteúdo essencial o dano e as necessidades das vítimas, mas também os demais envolvidos: a comunidade e o ofensor; as obrigações do ofensor e da comunidade; e o engajamento de todos os envolvidos na melhor solução do caso.

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Localizamos ainda nos estudos continuados do autor que a lente ou a filosofia restaurativa traz cinco princípios ou ações-chave.

1. Focar os danos e consequentes necessidades da vítima, e também da comunidade e do ofensor. 2. Tratar das obrigações que resultam daqueles danos (às obrigações dos ofensores, bem como da comunidade e da sociedade). 3. Utilizar processos inclusivos, cooperativos.4. Envolver a todos que tenham legítimo interesse na situação, incluindo vítimas, ofensores, membros da comunidade e da sociedade. 5. Corrigir os males (ZEHR, 2020, p. 52).

Importante ressaltar que esses princípios estão firmados em valores fundamentais, e expressam o “espírito e o propósito” da Justiça Restaurativa e nem sempre são bem conhecido pelas pessoas que propagam e defendem as práticas restaurativas (ZEHR, 2020, p. 52). O autor aduz que o desconhecimento dos valores fundantes dos princípios restaurativos podem levar os sujeitos a decisões equivocadas, como a não restaurativas.

O autor postula que a Justiça Restaurativa está enfeixada por um cinturão de valores, pontuando o centro e o raio (ZEHR, 2020, p. 52), relacionando-os ao modo como os sujeitos estão conectados entre si no mundo, formando uma teia de relações interpessoais. Para o autor, quando o ofensor comete um dano, a ofensa atinge a vítima, e rompe o vínculo da teia de relações. A ofensa promove um desequilíbrio de relações.

Neste sentido, Howard Zehr (2020, p. 52) defende que “A justiça deve reconhecer tanto a nossa condição de interconexão quanto a nossa individualidade. O valor da particularidade nos adverte e o contexto, a cultura e personalidade são fatores importantes que devem ser respeitados.” Mais adiante o autor reafirma a importância do valor do respeito e giza:

Se me fosse pedido para resumir a Justiça Restaurativa em uma palavra, escolheria ‘respeito’ - respeito por todos, mesmo aqueles que são diferentes de nós, mesmo por aqueles que parecem ser nossos inimigos. O respeito nos remete a nossa interconexão, mas também a nossas diferentes (ZEHR, 2020, p. 53).

O autor em tela relaciona ainda como primordial, a humildade como valor “chave” (ZEHR, 2008). Ele refere-se ao papel do facilitador, e a sua relação com os envolvidos em geral no processo restaurativo. Para o autor:

Um dos princípios no cerne da Justiça Restaurativa é de que ela deve ser contextual, ou seja, moldada sempre a partir do zero, em cima de um dado

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contexto. A humildade nos ajuda a não fazer generalizações, aplicando o que presumimos saber a situações de outras pessoas. A humildade, também nos força a ter profunda consciência de como nossa biografia pessoal molda conhecimentos e preconceitos (ZEHR, 2008, p. 266).

O terceiro valor apontado como mais importante por Howard Zehr (2008) no desenvolvimento do processo restaurativo é o “maravilhamento”, que no dizer do escritor recomenda que olhemos para a realidade com menos certezas das coisas, sejamos mais desconfiados diante das certezas que surgirem. “O maravilhamento, o assombro, significa apreciação do mistério, da ambiguidade, do paradoxo e até das contradições. A habilidade de viver com aquilo que desconhecemos, com surpresas e com o aparentemente ilógico, é essencial para a prática da Justiça Restaurativa” (ZEHR, 2008, p. 167).

No aspecto normativo, em 13 de agosto de 2002, o Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução 2002/2012, anunciou os Princípios Básicos da Justiça Restaurativa, em matéria criminal, a serem aplicados nos Programas de Justiça Restaurativa dos Estados cooperados. Conforme descreve Pinto (2005, p. 23), a Justiça Restaurativa se constitui pelos seguintes conceitos:

1. Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos. 2. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles). 3. Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do ofensor. 4. Partes significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos em um processo restaurativo (PINTO, 2005, p. 23).

Esses apontamentos enfatizam a importância de sobrelevar o papel das vítimas e membros da comunidade, ao mesmo tempo em que os ofensores (réus, acusados, indiciados ou autores do fato) são efetivamente responsabilizados perante as pessoas que foram vitimizadas, restaurando as perdas materiais e morais das vítimas e providenciando um gama de oportunidade para diálogo, negociação e resolução das questões. Isso, quando possível, proporciona uma maior percepção de segurança na comunidade, efetiva resolução de conflitos e saciedade moral por parte dos envolvidos.

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2.4 POSSIBILIDADES E POTENCIALIDADES

A Constituição Federal de 1988 trouxe um legado importante ao possibilitar o acesso mais ampliado a justiça, que passou considerar outros aspectos da vida das pessoas, que não apenas aqueles direitos de ordem mais individual, contemplando direitos coletivos visando a promoção da cidadania por meio da efetivação dos direitos fundamentais. Em conjunto, esses geraram enormes demandas coletivas ao Poder Judiciário1.

Neste cenário, fundada na alta demanda da sociedade, que pressionou a porta Judiciário, pode-se considerar que a criação do Conselho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pela Emenda Constitucional nº 45/2004, repercutiu como um importante fator na construção de políticas públicas desenvolvidas pelos tribunais brasileiros. O CNJ preocupado em responder a demanda expressiva de conflitos nos tribunais legitimou novas formas de fazer justiça, levando em conta, todavia o princípio da eficiência, e a responsabilidade jurisdicional.

Assim, em meio ao incentivo dos métodos autocompositivos, e, em conjunto à conciliação e a medição, a Justiça Restaurativa, emergiu como resposta a necessidade de repensar e transformar o Poder Judiciário para fazer frente às demandas. E, é da própria Resolução nº 225 de 31/05/2016, que extraímos o conceito legal que está a sua força propulsora de mudança e fortalecimento da cidadania e da sociedade.

Anota-se que a Resolução nº 225 de 2016, definiu que Justiça Restaurativa por um conjunto de técnicas sistêmicas e ordenadas, exclusivas, que a distingue a Justiça Restaurativa das demais formas alternativas. A própria resolução é a referência normativa, delineia a definição e seus princípios, para não deixar dúvida. E, na exclusividade de seus princípios e valores, reside também à diferença em relação aos demais modelos autocompositivos.

Mas, a Justiça Restaurativa vai além de uma alternativa de solucionar um conflito, pois as suas práticas visam alcançar um equilíbrio de poder entre vítima e ofensor, com a recomposição das relações rompidas pelo conflito, o que gera respostas mais duradouras, e restabelecimento da paz. Portanto, ressalta-se aí a sua potencialidade enquanto, importante

1

No passado, tanto a academia como o judiciário, como organizações, não estavam preparadas para esta possibilidade de justiça, pois estavam organizados de maneira a servir a uma justiça formal, legalista e punitiva, com muito pouco espaço para outras possibilidades. Contemporaneamente, a partir de algumas mudanças conjecturais3, pode-se dizer que existe uma preocupação em transformar os espaços decisórios em cenários menos burocráticos – na construção de espaços de diálogo mais democráticos (SALM; LEAL, 2012).

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modelo capaz de alterar, e transformar a convivência social. Depreende-se da ainda da citada Resolução.

[...] diante da complexidade dos fenômenos conflito e violência, devem ser considerados, não só os aspectos relacionais individuais, mas também, os comunitários, institucionais e sociais que contribuem para seu surgimento, estabelecendo-se fluxos e procedimentos que cuidem dessas dimensões e promovam mudanças de paradigmas, bem como, provendo-se espaços apropriados e adequados (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016b,

on-line).

A Justiça Restaurativa eleva o envolvimento das partes, o exercício da autonomia do diálogo e da liberdade de expressão dos sentimentos. Neste aspecto, importante leitura sobre o assunto destacou do texto de Salm e Leal (2012, p. 210):

Isto significa que o ser humano deixa de ser um ser unidimensional (o ofensor, a vítima, a ladra, a assassina, o bêbado, o viciado, o traficante, o estuprador) e passa a ter várias faces (vítima, ofensor, pai, mãe, filho, filha, católico, protestante, judeu, preto, branco, heterossexual, homossexual, mulher, homem, trabalhador, desempregado, líder comunitário, deputado, professor, médico, carpinteiro, músico, artista, pessoa feliz, rancorosa, odiosa, triste, ansiosa, tranquila, teimosa, bondosa, caridosa, etc...). E, reconhecendo esta multidimensionalidade humana é que o ser humano, na Justiça Restaurativa, por meio das fortes relações interpessoais e da ética coletiva, pode contemplar a sua plenitude, sem ser rotulado de uma coisa ou outra (SALM; LEAL, 2012, p. 210). Os autores nos fazem refletir a importância de deslocar os sujeitos do processo da denominação simplista de autor e réu e passá-los a compreendê-los além dos papéis sociais, e conhecê-los na multidimensionalidade humana que são.

As práticas restaurativas se mostram eficazes, porque permitem que os conflitos sejam analisados pelos próprios envolvidos de modo mais aprofundado, tocando na complexidade da questão. Portanto, favorece chegar a uma resolução mais permanente, e uma resposta mais qualitativa e satisfativas do conflito. Neste sentido, no caso da seara criminal, a Justiça Restaurativa, busca compreender o conflito na origem da causa, e nos possibilita enxergar a causa subjacente ao crime o que contribui para prevenção e nova prática delitivas. Para Morris (2005, p. 442):

A diferença é que o infrator, a vítima e suas comunidades de suporte participaram da construção da sentença, conseguiram alcançar um grau mais alto de compreensão de suas circunstâncias e efeitos e, talvez, uma satisfação maior em seus contatos com os sistemas de justiça criminal. Outrossim, a discussão sobre as consequências do crime é um poderoso meio de comunicar ao infrator a gravidade de sua conduta – mais efetivo do que o seu simples aprisionamento (MORRIS, 2005, p. 442).

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E, em que pese privilegiar a relação vítima e agressor, a Justiça Restaurativa contempla no seu quadro de princípios e valores, a coesão comunitária, compreendida a conexão com aqueles que assistem as partes, como advogados, promotores, defensores públicos, que são chamados ao processo, e demais, e precisam ser capacitados adequadamente, sob pena de inviabilizar o procedimento restaurativo. Ou seja, a potencialidade da Justiça Restaurativa não depende exclusivamente de sua implantação no âmbito dos tribunais, mas dos elementos que acompanham sua inserção, com a disposição concreta das estruturas institucional para a execução do que fora planejado.

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3 A JUSTIÇA RESTAURATIVA NO PODER JUDICIÁRIO CATARINENSE

3.1 ENTENDER A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO POLÍTICA PÚBLICA

O principal enfoque neste capítulo é compreender a adoção da Justiça Restaurativa como uma Política Pública, capaz de responder a demanda do Poder Judiciário, como um modelo de resolução de conflitos.

Para isso, é importante recordar que os direitos sociais são fruto de conquista da sociedade brasileira por meio de lutas e resistências desde os séculos passados que paulatinamente foram incorporadas na legislação. Ao longo dos anos, as Constituições Federais absorveram as grandes transformações mundiais, expressadas nas diferentes gerações de direitos com reflexos na sociedade brasileira, e incorporadas e consagradas na Constituição de 1988, conhecida também por constituição Cidadã, por seu teor de proteção no tocante aos direitos humanos.

A Carta Magna de 1988 trouxe subsídios que impulsionaram a criação de novas leis, e o desenvolvimento de políticas públicas nos mais variados âmbitos da sociedade, mudanças fundamentais para uma nova sociedade, dentre eles afirmou a igualdade entre mulheres e homens, com efeitos na esfera cível e familiar; o direito dos brasileiros a uma gama vasta de serviços a serem prestados pelo Estado, na esfera coletiva; e assegurou o acesso à justiça a todo cidadão que por algum motivo tiver o seu direito atingindo, ou não concretizado por falha ou ausência do Poder Executivo em dar respostas à sociedade por meio de políticas públicas, de direitos garantidos no texto legal. Insta salientar que a Constituição consignou também a participação do Ministério Público, como instituição para afiançar tais direitos.

Esse conjunto de novidades repercutiu substantivamente nos Tribunais de Justiça, que por consequência acabaram sendo buscados pela sociedade civil, sobretudo no que diz respeito às demandas coletivas referentes à saúde, educação e meio ambiente, quanto à demanda individual da vida privada. Como foi dito no capítulo anterior, o Poder Judiciário sofreu um grande incremento no volume da prestação jurisdicional, notadamente chamado a “dar” soluções para vida das pessoas, no mundo das relações sociais, conhecidos como - judicialização das relações sociais, e judicialização da cidadania. Segundo Alencastro (2006 pg. 20) não é de agora que se constatam falhas no cumprimento das funções que são de responsabilidade do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, ou seja, na elaboração ou na execução das políticas públicas.

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Sempre que houver o desrespeito aos direitos positivados, o Poder Judiciário tem, não somente a atribuição legal, mas a obrigação ética de interpelar a instituição que for, para que a lei seja cumprida. Entendemos, entretanto, que este ente estatal teria uma ação infinitamente mais impactante e transformadora nas relações sociais se agisse na prevenção dos conflitos sociais, detendo- se mais ao interesse coletivo do que ao despacho de ações ingressadas, via de regra de forma individual e por um reduzido segmento da população que conhece os seus direitos e possui condições de acessar o Sistema de Justiça (AGUINSKY; ALENCASTRO, 2006, p. 22).

É sabido que dentre as inúmeras demandas que mereceram a atenção do Estado, o acesso à justiça, se apresenta como fundamental na garantia dos direitos individuais e coletivos, como preconizado no Art 5º, inciso XXXV da Constituição Federal “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988,

on-line), todavia em razão dos diversos problemas apresentados: grande volume de processos,

morosidade, número imenso de ações nas varas criminais, e o inchaço do sistema prisional, o Poder Judiciário não consegue atender efetivamente os jurisdicionados, que por conseguinte, reagem com descrédito institucional.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015, consolidou o uso dos meio alternativos de resolução de conflito, expresso no Art. 3º, parágrafos 2º e seguinte:

Art. 3º [...] § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (BRASIL, 2015,

on-line).

Paralelamente, neste contexto, o Conselho Nacional de Justiça, na presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, editou a Portaria nº 91, de 17 de agosto de 2016, que instituiu o Comitê Gestor da Justiça Restaurativa, com a finalidade de construir uma Política Nacional de Justiça Restaurativa, como resposta adequada ao modelo tradicional de justiça criminal, a partir do reconhecimento do êxito das três experiências-piloto de práticas restaurativas, já citadas no capítulo anterior, Brasília, Porto Alegre, São Caetano do Sul, que foram apoiadas pelo Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Mais tarde a Portaria nº 137, de 31 de outubro de 2018, alterou a composição do comitê fazendo modificações estruturais na Portaria nº 91.

E todo esse movimento, ora observado e acima relatado, teve início durante o biênio 2015/2016, na gestão do então Presidente do CNJ, Ministro Ricardo Lewandowski, sensibilizado que estava com a filosofia da Justiça Restaurativa e

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muito atento ao seu avanço nas várias regiões do país, que tiveram como embrião, em 2005, os três projetos-piloto nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, e no Distrito Federal (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016a,

on-line).

Paralelo aos bons resultados das experiências-piloto, Presidentes de Tribunais de todo o país decidiram que a Justiça Restaurativa seria implantada nos os Tribunais. E assim definiu em documento, a denominada Meta 8, que definiu:

Implementar práticas de Justiça Restaurativa – Justiça Estadual: Implementar projeto com equipe capacitada para oferecer práticas de Justiça Restaurativa, implantando ou qualificando pelo menos uma unidade para esse fim, até 31.12.2016. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016a, on-line).

A Meta nº 08 apresentou resultados positivos, pois motivou ações concretas de implantação da Justiça Restaurativa nos Tribunais, e, assim, despertou o interesse, no âmbito de todos os Tribunais do país, quanto ao entendimento da Justiça Restaurativa e de seus princípios e valores.

Cabe ressaltar que a criação do Grupo de Trabalho do Comitê Gestor contou com a efetiva participação de juízes de vários Tribunais dos estados, envolvidos em projetos de Justiça Restaurativa, vez que experimentaram o modelo restaurativo nas suas comarcas.

Ademais, ainda que voltada ao âmbito do Poder Judiciário, como não poderia deixar de ser, dados os limites das atribuições e da competência normativa do CNJ, a minuta de Resolução procurou ressaltar que a Justiça Restaurativa é o resgate do valor justiça no âmbito de toda a sociedade e, portanto, de responsabilidade das pessoas, das comunidades, da sociedade civil organizada, do Poder Judiciário e dos demais integrantes do Poder Público, em simbiose, e todos em sintonia com o Estado Democrático de Direito (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016a, on-line).

No mesmo ano, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução nº 225 de 31

de maio 2016, que dispôs sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do

Poder Judiciário, vindo a sedimentar o caminho da Justiça Restaurativa nos Tribunais de Justiça, a qual manteve na essencialidade os princípios restaurativos, com interface às

várias políticas sociais. Consolidou-se, assim, o primeiro movimento normativo do

Conselho Nacional de Justiça para a Justiça Restaurativa, enquanto política pública a ser implementada e desenvolvida no Poder Judiciário Nacional. Consta no Relatório Final do referido Comitê Gestor da Justiça Restaurativa,

Nos termos do artigo 3º, da Resolução CNJ nº 225/2016, compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à Justiça Restaurativa, para fins de instituir, incentivar e disseminar um modelo de política de Justiça Restaurativa no Brasil, a partir das diretrizes

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delineadas em tal normativa, que implicam observância escorreita dos princípios e dos valores restaurativos como orientadores, respeito à autonomia dos Tribunais e aos contextos próprios de cada localidade, bem como, articulação com os mais diversos setores da sociedade para que o programa ou o projeto de Justiça Restaurativa seja resultado de uma construção coletiva comunitária. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016b, on-line).

Observa-se que a Resolução CNJ nº 225/2016 define além de conceitos, a competência dos tribunais, e a forma de aplicação das práticas restaurativas que os Tribunais deverão adotar, quanto ao atendimento restaurativo em âmbito judicial, afirmando que:

Art. 7º. Para fins de atendimento restaurativo judicial das situações de que trata o caput do art. 1º desta Resolução, poderão ser encaminhados procedimentos e processos judiciais, em qualquer fase de sua tramitação, pelo juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública, das partes, dos seus Advogados e dos Setores Técnicos de Psicologia e Serviço Social. Parágrafo único. A autoridade policial poderá sugerir, no Termo Circunstanciado ou no relatório do Inquérito Policial, o encaminhamento do conflito ao procedimento restaurativo. Art. 8º. Os procedimentos restaurativos consistem em sessões coordenadas, realizadas com a participação dos envolvidos de forma voluntária, das famílias, juntamente com a Rede de Garantia de Direito local e com a participação da comunidade para que, a partir da solução obtida, possa ser evitada a recidiva do fato danoso, vedada qualquer forma de coação ou a emissão de intimação judicial para as sessões. § 1º. O facilitador restaurativo coordenará os trabalhos de escuta e diálogo entre os envolvidos, por meio da utilização de métodos consensuais na forma autocompositiva de resolução de conflitos, próprias da Justiça Restaurativa, devendo ressaltar durante os procedimentos restaurativos: I – o sigilo, a confidencialidade e a voluntariedade da sessão; II – o entendimento das causas que contribuíram para o conflito; III – as consequências que o conflito gerou e ainda poderá gerar; IV – o valor social da norma violada pelo conflito.§ 2º. O facilitador restaurativo é responsável por criar ambiente propício para que os envolvidos promovam a pactuação da reparação do dano e das medidas necessárias para que não haja recidiva do conflito, mediante atendimento das necessidades dos participantes das sessões restaurativas. § 3º. Ao final da sessão restaurativa, caso não seja necessário designar outra sessão, poderá ser assinado acordo que, após ouvido o Ministério Público, será homologado pelo magistrado responsável, preenchidos os requisitos legais. § 4º. Deverá ser juntada aos autos do processo breve memória da sessão, que consistirá na anotação dos nomes das pessoas que estiveram presentes e do plano de ação com os acordos estabelecidos, preservados os princípios do sigilo e da confidencialidade, exceção feita apenas a alguma ressalva expressamente acordada entre as partes, exigida por lei, ou a situações que possam colocar em risco a segurança dos participantes. §5º. Não obtido êxito na composição, fica vedada a utilização de tal insucesso como causa para a majoração de eventual sanção penal ou, ainda, de qualquer informação obtida no âmbito da Justiça Restaurativa como prova. §6º. Independentemente do êxito na autocomposição, poderá ser proposto plano de ação com orientações, sugestões e encaminhamentos que visem à não recidiva do fato danoso, observados o sigilo, a confidencialidade e a voluntariedade da adesão dos envolvidos no referido plano. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016b, on-line).

Nota-se também que a Resolução CNJ nº 225/2016 considerou a participação ativa do “facilitador restaurativo”, como agente fundamental no desempenho das ações restaurativas, para tanto o texto normativo prevê que:

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Art. 13. Somente serão admitidos, para o desenvolvimento dos trabalhos restaurativos ocorridos no âmbito do Poder Judiciário, facilitadores previamente capacitados, ou em formação, nos termos do Capítulo VI, desta Resolução. Parágrafo único. Os facilitadores deverão submeter-se a curso de aperfeiçoamento permanente [...] (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016b, on-line).

Constata-se que na referida norma a definição de que os facilitadores sejam pessoas adequadamente capacitadas em curso de formação específico promovidos pelos Tribunais, ou em parcerias desses, recrutadas por servidores dos quadros do Poder Judiciário, ou voluntários de instituições públicas e privadas, e da sociedade civil que vinculados aos variados segmentos da política social, estejam alinhados aos princípios éticos e filosóficos restaurativos.

A Justiça restaurativa depende fortemente do provimento, acesso e desempenho da rede de serviços públicos. Por sua natureza, as práticas de justiça restaurativa dependem de sua integração às outras políticas públicas colaterais como educação, serviço social, segurança pública, em geral e na polícia em particular, e saúde, entre outros, que se tornam essenciais para apoiar o restabelecimento da inserção social das partes envolvidas e a superação de conflitos (CARVALHO, 2005, p. 216).

Neste aspecto, vale destacar que a Política Nacional de Justiça Restaurativa situa o Poder Judiciário, enquanto principal função é garantir os direitos, representado nas ações dos magistrados, como sujeitos protagonistas na construção e na viabilização do modelo restaurativo, afirmando a importância de o judiciário fomentar parceria com demais setores da sociedade, chamando atenção para a participação da comunidade, para além do espaço judiciário.

Um passo adiante na implementação Política Nacional de Justiça Restaurativa foi dado novamente pelo Conselho Nacional de Justiça, quando editou a Resolução 300, em 31 de dezembro de 2019. A nova resolução, que alterou a resolução anterior, e deu prazos para que os Tribunais organizem a implantação da Justiça Restaurativa. Além disso, criou o Fórum Nacional de Justiça Restaurativa, composto pelos membros do Comitê Gestor do CNJ, que deve se reunir no mínimo anualmente para debater os rumos da Justiça Restaurativa.

A Resolução CNJ nº 300 acrescentou os artigos 28-A e 28-B à Resolução CNJ nº 225, de 31 de maio de 2016, que dispôs sobre a qual dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, conforme a redação a seguir:

Referências

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