______________________________________________________________________ PN 937.02; Ap.: TC. SM Feira; Ap.e1: Ap.o2: ______________________________________________________________________
Acórdão no Tribunal da Relação do Porto
1. Limiar:
A Ap.e insurge-se frente à improcedência do pedido que opôs à Ap.a: ser a R.
condenada a pagar à A.a quantia de Pte 2 487 594$00, acrescida de juros vincendos à taxa legal sobre o montante de Pte 2 299 520$00, até integral pagamento, e correspondente à dívida do saldo da série das transacções de madeiras
e similares, ocorrida entre ambas.
2. Decisão recorrida: ...
[a] Ficou demonstrado que, por acordo celebrado entre o sócio-gerente da Ap.a... e
o sócio-gerente da Ap.e, uma e outra ajustaram que o pagamento da quantia de Pte 9 800 640$00 seria efectuado em prestaçõ es mensais, e que do mesmo montante seriam excluídos os juros de mora;
[b] A redução do crédito acordada pelas partes insere-se no âmbito da liberdade
contratual, que caracteriza a formação e a fixação do conteúdo de qualquer negócio jurídico, dentro dos ditames da lei, art. 405/1 CC;
[c] Aliás, a modificação dos contratos por mútuo consentimento, além de resultar
das regras gerais, enco ntra-se expressamente consagrada no art. 406/1 CC, sendo as partes obviamente livres de o fazer;
1 Adv. Dr.
[d] Como tal, há que concluir que a Ap.a procedeu ao pagamento em favor da Ap.e
da totalidade da dívida em causa, Pte 7 501 120$00, pois a quantia
peticionada nestes autos corresponde integralmente ao montante respeitante
aos juros de mora, que as partes livremente e por mútuo consenso decidiram
excluir da importância global que esteve em débito.
...
3. Conclusões:
(a) O tribunal a quo não r elevou, e no entender da recorrente bem, os
depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento3;
(b) Contudo, dos autos constam todos os elementos de prova que serviriam de base às respostas aos quesitos;
(c) E o que importa determinar é apenas se os juros de Pte 2 299 520$00 estão em dívida, enquanto a Ap.a d efende que lhe foram perdoados pela recorrente;
(d) Como se torna claro, uma vez fixado (como foi) esse montante, era antes à Ap.a que incumbia o ónus da prova daquilo que alegou, ou seja, da existência desse perdão;
(e) Mas a Ap.a não cumpriu esse ónus e, portanto, deveria ter sido condenada a pagá-los;
(f) Com esta orientação, os quesitos respeitantes aos factos dados como provados sob os nºs 6 e 7 da sentença recorrida, deveriam ter merecido resposta
negativa, i.é, não provado4;
3 Motivação de facto:
...
...total ausência de prova produzida em julgamento, designadamente no tocante ao depoimento das testemunhas... as quais não demonstraram conhecimento directo dos factos em discussão nestes autos.
4 Não foi elaborado Questionário, atendendo a que a selecção da matéria de facto controvertida [se revestia] de
extrema simplicidade... art. 787/1, 2ª parte CPC.
Nas respostas à matéria de facto articuladas pelas partes, e com relevo para a discussão da causa, foram dados como provados os arts. 7, 8 e 11 da Contest ação:
...
7- Em finais de 1992, o sócio-gerente da R.,
comunicou à A., na pessoa do seu então sócio-gerente que a R. pretendia liquidar me prestações mensais o seu débito para com a A.
8- Mas apenas, e tão só, o débito relativo ao montante de fornecimentos efectuados
e titulados pelas respectivas facturas, com exclusão do montante relativo a juros de mora debitados pela A. ...
11- O que foi aceite pela A., continuando assim a serem mantidas as relações comerciais com a R., e começando esta a fazer amortizações mensais do seu débito para com aquela.
(g) Circunscreve-se portanto o presente recurso a uma questão: [saber se foi
aceite, pela A.] em finais de 1992, [a proposta apresentada pelo] sócio-gerente da R., , [que] comunicou à A., na pessoa do seu então sócio-gerente , [pretender] liquidar em
prestações mensais o... débito para com ela de Pte 9 800 640$00, mas com exclusão do montante relativo aos juros de mora debitados;
(h) [E trata-se de matéria dada como provada na sentença];
(i) Mas, à data do alegado perdão, finais de 1992, o referido estava morto, facto aliás já antes da audiência
suficientemente documentado nos autos5;
(j) Assim, e por ser este um facto que não carece de mais prova, deve o tribunal de recurso anular as respostas aos quesitos correspondentes;
(k) Em consequência, e por não se mostrar cumprido, como se disse já, o ónus da prova, que incumbia à Ap.a, deve ser julgado procedente o pedid o com
a lógica condenação da R.;
(l) Ainda assim, se aquilo que acima fica alegado sobre um facto impossível
e notório, não procedesse, sempre as r espostas aos quesitos em crise deveriam ser alteradas;
(m) Na verdade, o tribunal a quo fundamentou os factos provados
exclusivamente com base num dos depoimentos de parte6;
No que diz respeito ao art. 7 da petição inicial: devido a dificuldades económicas e financeiras da R., esta propôs à A., que aceitou, a liquidação da dívida em prestações mensais e sucessivas de Pte 150 000$00 – provado apenas que, devido a dificuldades económicas e financeiras da R., esta propôs à A., que aceitou, a liquidaçã o do montante de [Pte 9 800 640$00] em prestações mensais, deduzido das importâncias respeitantes a juros vencidos.
5 Assento de óbito nº 726 do ano de 1988, da 2ª Conservatória, incorporado no Arquivo Central do Porto, donde
consta o falecimento no dia 99.05.29 de de , fls. 363 verso.
6 Motivação de facto:
...
A convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados baseou-se no seguinte:
• No acordo das partes quanto aos factos dos arts. 1 e 2 p.i., e ainda quanto ao que consta da conta corrente da A., pois a R. aceita na Contestação que o teor da mesma é o que vem alegado (apenas questionando, se o que consta após o registo do saldo Pte 9 800 640$00, corresponde à verdade;
• No teor dos documentos de fls. 4 a 6, que constituem cópia da aludida conta corrente, quanto aos valores inscritos;
• Na confissão efectuada em audiência de julgamento pelo sócio-gerente da A. de , o qual confirmou expressamente ter celebrado com a [Ap.a], e em nome da [Ap.e] um acordo de pagamento da dívida com dedução dos juros vencidos, ...perdoados (já que, à data, era quem assumia a chefia dos destin os da empresa).
...
(n) Reduzido a escrito7, não pode contudo ser valorizado, nem entendido
como confissão, por dois motivos fundamentais:
(1) é por claro contrário aos restantes depoimentos de parte, como r esulta da prova gravada;
(2) por outro lado, a Ap.e apenas se obriga pela assinatura conjunta de dois sócios;
(o) Logo, a confissão, para ser tida como con fissão, dependia de dois depoimentos de parte concordes, ou pelo menos do depoimento de sócio que tivesse sido nomeado como legal representante da sociedade, para o efeito de confissão judicial: não foi o caso;
(p) Em todo o caso, e sem prescindir: a matéria de facto dada como provada é contraditória, obscura e deficiente, pelas razões já aludidas;
(q) Impõe-se p ortanto anular a sentença recorrida, pelo menos no que diz respeito à decisão sobre a matéria de facto, e ordenar a repetição integral do julgamento, art. 668/1b, art. 712/4, CPC;
(r) Ao julgar como julgou, o tribunal fez pois uma incorrecta interpretação da prova produzida, respondeu erradamente aos quesitos, e por conseguinte efectuou uma deficiente aplicação do direito, desrespeitando os arts. 514, 655, 668/1c.d, e os arts. 341 ss, 352 ss, 362 ss, 393 CC;
(s) Deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue provada e procedente a acção, condenando a Ap.a a apagar à Ap.e a quantia de Pte 2 229 520$00, acrescida dos respectivos juros de mora desde a citação.
4. Contra-alegações:
(a) A sentença reco rrida não violou qualquer um dos preceitos legais referidos pela Ap.e;
7 V.d. Acta de audiência de julgamento: depoimentos de parte [sob requerimento da Ap.a - ...na pessoa do sócio
gerente da [Ap.e] à data dos factos, concretamente de , bem como dos actuais legais representantes desta...(;...esclarece que... de faleceu, sendo actuais sócios gerentes ... de , de , José de , Elpido de e Am érico
de ...); deferida: admite-se o depoimento de parte dos sócios gerentes da [Ap.e]... uma vez que de faleceu, claro está que o mesmo não irá ser ouvido como parte]... de :...
(b) E devem manter-se as respostas dadas aos qu esitos que levaram ao provado sob os nºs 6 e 7 da sentença, bem como nos demais;
(c) Na verdade, foi sim o nome de de indicado por mero lapso como sendo sócio-gerente da Ap.e com quem o sócio-gerente da Ap.a, , fez em 1992 o acordo de pagamento da dívida desta, indicação esta;
(d) Chama-se ele: de ;
(e) E certo é que o referido acordo de pagamento foi efectivamente
celebrado com este último sócio da Ap.e, tal como ele próprio confessou na audiência de julgamento, e tal como é referido no despacho relativ o à
motivação da matéria de facto8;
(f) Por outro lado, a problemática da assinatura conjunta de dois sócios gerentes para obrigar a sociedade não elide o depoimento de parte do sócio-
gerente da Ap.e9, de : este confirmou afinal
expressamente ter celebrado com a Ap.a o acordo proposto por esta, e tê-lo celebrado em nome da Ap.e, já que à data assumia ele a chefia dos destinos da empresa, e representava a sociedade em tais assuntos;
(g) Ora, justamente esta representação ficou corroborada no depoimento de parte do outro sócio-gerente da Ap.e, de , que declarou a propósito...na altura quem tratava desses assuntos era um irmão meu... era
de ... era ele qu em tratava desses assuntos; ...o meu irmão, na altura disse-me que [ ] tinha feito um acordo de pagamento com ele para pagar a dívida que tinha connosco... esses plano de pagamento, antes de 1994, foi com o meu irmão mais velho [
de ];
(h) Não sofr erá censur a, a sentença recorrida.
5. Matéria assente:
[Ap.a] relativamente à [Ap.e] (exclusivamente no tocante ao capital), em prestações, tendo sido perdoados à [Ap.a], os juros; deste acordo foi dado conhecimento aos restantes sócios gerentes da [Ap.e], que o aceitaram.
8 Vd. nota antecedente: A convicção do tribunal, quanto aos factos provados e não provados baseou-se... na
confissão efectuada na audiência de julgamento pelo sócio-gerente da [Ap.e] de , o qual confirmou expressamente ter celebrado com a [Ap.a], e em nome da [Ap.e] um acordo de pagamento da dívida com dedução dos juros vencidos, ...perdoados (já que, à data, era quem assumia a chefia dos destinos da empresa).
(1) A Ap.e exerce a actividade de serração e comércio de madeiras e similares, tendo mantido transacções comerciais com a Ap.a durante vários anos, e fornecendo-lhe produtos do seu fabrico e comércio;
(2) A Ap.e tem os seus livros de contabilidade arrumados nos termos do POC: centraliza todas as operações no sistema con tabilístico de conta corr ente;
(3) Sempre escriturou o saldo decorrente das transacções comercias com a Ap.a no referido sistema, prática que vem desde 1992, e que sempre foi aceite pela Ap.a;
(4) À data de 92.12.31, a referida conta corrente apresentava um saldo
favorável à Ap.e de Pte 6 814 675$00, enquanto que no encerramento do ano de 1994 o saldo credor da Ap.e sobre a Ap.a ascendia ao montante de Pte 9 800
640$00;
(5) Estes dois saldos incluem a título de débito não só o quantum das facturas relativas aos fornecimentos efectuados, mas também de diversas notas
de contabilidade relativas a juros de mora, contados sobre o montante dessas mesmas facturas;
(6) Devido a dificuldades económicas e financeiras da Ap.a, em finais de
1992, o sócio-gerent e desta, de , comunicou à Ap.e que pretendia liquidar em prestações mensais o seu débito para com esta,
de Pte 9 800 640$00, relativo ao quantum dos fornecimentos efectuados e titulados pelas respectivas facturas, mas com exclusão dos montantes
relativos aos juros de mora debitados também10;
(7) Tal foi aceite pela Ap.e, que continuou a manter as relações
comerciais com a Ap.a, e começando esta a fazer amortizações mensais do
seu débito para com aquela11;
(8) Entre 94.12.31 e 99.07.07, a Ap.a entregou à Ap .e, através de 47 prestações mensais, o total de Pte 7 501 120$00;
(9) A diferença (i.é Pte 2 299 520$00) entre o total destas amortizações e o saldo credor de Pte 9 800 640$00, que a Ap.e inscreveu a seu favor, em 94.12.31, é relativa a juros de mora debitados entre 91.12.31 e 99.07.07.
9 Vd. Ac. RP, 91.02.28, BMJ 404/518: a circunstância de o gerente assinar sozinho em nome da sociedade, não
obstante o pacto social exigir a assinatura de mais algum gerente, tem como consequência a responsabilidade daquele para com a sociedade, mas não a ineficácia da obrigação desta para com terceiros.
6. Recurso: está pronto para julgamento, art. 705 CPC.
7. Final
(1) As críticas que a recorrente apresenta, tendentes a fazer crer que a matéria de facto foi assente contra a prova, não resistem, em todo caso, a uma análise cuidada: mesmo que se tratasse de um ponto de vista válido, nem convence o argumento do défice do depoimento de parte, porque a sociedade só se obriga mediante a assinatura de dois sócios e um deles, apenas, confirmou a tese da Ap.a; na verdade, a audição de X foi admitida sem protesto, pelo que o depoimento vale se convenceu, como qualquer
depoimento, e no plano da livre convicção. Poderá não ser tido como confissão, mas não deixa de ser um testemunho sobre acontecimentos do maior relevo, a dever, sem dúvida, ser tido em conta. Por outro lado, é manifesto que a dificuldade da troca de nomes fácil é superá-la mediante a evidên cia do erro de escrita anotado e demonstrado nas contra-alegações.
Assim, temos perante nós o sócio gerente, especialmente encarregado do assunto, como todos os outros sócios referem, a afirmar em juízo que cond uziu e con cluiu negociações com a devedora no sentido do reescalonamento das responsabilidades desta, mas também com supressão da conta dos juros de mora. Paralelamente diz-nos a experiência comum que este modelo de acordo é
muitas vezes praticado, não ficando contudo dos depoimentos em certa medida contrários uma razão suficiente d e descrédito da testemunha qualificada, digamo-la deste modo, para mais fácil discorrer.
Caindo esta trave do raciocínio recursivo, nada mais resta senão confirmar a sentença recorrida, avocando-se aqui os argumentos que da mesma já foram transcritos: falece, pois, o intuito reformador da decisão.
(2) Por conseguinte, vistos os art.os 712 CPC e 405/1, 406/1 CC, vai a sentença confirmada inteiramente.
1 1 Idem.