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CRIMES DE PERIGO ABSTRATO SOB A PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA

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CRIMES DE PERIGO ABSTRATO SOB A PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA

GOMES, Amanda Reis (Direito UNITRI, amandareisgomes@gmail.com) PAULITSCH, Carina (Direito UNITRI, carinapaulitsch@hotmail.com)

Resumo: Os delitos de perigo abstrato têm se propagado no ordenamento jurídico como um todo, muito embora seja uma matéria que gere dúvidas quanto a sua constitucionalidade. O Brasil é, por disposição constitucional, um Estado Democrático de Direito onde a dignidade da pessoa humana se apresenta como um dos fundamentos de sua formação. Nesta senda observa-se que há alguns bens jurídicos tutelados que são protegidos na legislação. Todavia, a relevância do desenvolvimento desse artigo é demonstrar que não é necessário que os crimes sejam consumados para prevenirmos. Bem jurídico penal deve ser amplo e protegido. Portanto, contamos com um texto introdutório que nos permite visualizar o início da grande repercussão que o assunto gera e posteriormente observamos um forte embate entre doutrinadores. O ponto chave é o êxito da discussão onde é possível concluir que, de fato, a prevenção e a antecipação de tutela agem fortemente para interromper os prejuízos que os bens jurídicos podem vir a sofrer.

Palavras-chave: Bem Jurídico-Penal; Delitos de perigo abstrato; Sensação de Risco.

SUMÁRIO

SUMÁRIO...1

INTRODUÇÃO...2

_Toc368441506 DIVERGÊNCIAS SOBRE A CONSIDERAÇÃO DO CRIME DE PERIGO ABSTRATO...4

DIREITO PENAL COMUM X DIREITO PENAL DO INIMIGO...6

EXEMPLOS QUE ILUSTRAM O CRIME DE PERIGO ABSTRATO...6

CONCLUSÃO...9

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INTRODUÇÃO

O enorme e veloz turbilhão de transformações que atravessa o nosso dia-a-dia coloca em xeque o modo de compreendermos não apenas o Direito Penal, mas o mundo. Os conceitos e palavras de ontem já não são suficientes para diagnosticar o hoje, muito menos para prognosticar o amanhã. O objetivo do presente estudo é traçar um breve panorama de algumas “leituras” dos crimes de perigo abstrato com a sociedade contemporânea para a compreensão das raízes do fenômeno de expansão que tem assolado o Direito penal.

O que caracteriza a sociedade contemporânea não é o maior "risco" existente, mas, a ampliação da "sensação de risco". Há uma tendência da formação de um Direito Penal hipertrofiado, prevencionista e expansivo, uma vez que, o aumento da sensação de risco gera um clamor pela expansão dos mecanismos de gestão e controle de perigos, e o direito penal é um desses instrumentos. Por outro lado, é importante notar que essa expansão penal não é linear nem democrática como às vezes se apresenta. Ainda que o direito penal tenha se expandido a fim de buscar novas áreas, é fácil notar que nessas esferas a aparente ampliação veio acompanhada de instrumentos que dificultam a aplicação da norma, como a possibilidade de extinguir o processo com o pagamento do tributo, ou o reconhecimento do princípio da insignificância de forma muito mais abrangente do que ocorre em relação a outros crimes.

Em síntese, há uma inegável expansão do direito penal, mas não é uma ampliação linear ou "democrática", mas simbólica e seletiva. A hipertrofia vale para alguns delitos, enquanto que para outros há a criação de mecanismos que afastam a punibilidade.

Os perigos que afligem a sociedade atual não são maiores do que aqueles que afetavam o cotidiano de nossos ascendentes ou de gerações anteriores. Mas a "vivência" destes riscos é mais presente. Seja pelas incertezas científicas sobre as técnicas e produtos que nos são ofertados diariamente ou talvez seja pela intensa cobertura feita pela mídia sobre acidentes e catástrofes. Dessa forma, há uma sensação de insegurança maior, e, portanto, há um sentimento de proximidade do risco. Essa insegurança geral cria um discurso pela antecipação da tutela penal.

Mediante as ocorrências de inúmeras tipificações de crimes a sociedade não admite mais aguardar a ocorrência de um resultado lesivo para aplicar uma pena. Há uma política de proibir comportamentos perigosos, mesmo que não causem resultado algum, como consequência desse clamor por maior segurança, maior tranquilidade, frente à nova sensação de riscos.

Os crimes de perigo abstrato têm sido largamente utilizados pelo legislador nos últimos tempos, não apenas nos crimes de trânsito, mas também na área ambiental, biossegurança, crimes financeiros, dentre outros. Justamente por esta ampliação legislativa dos crimes de perigo abstrato que a doutrina tem dedicado mais tempo ao estudo desta técnica de tipificação. Os

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crimes de perigo abstrato são aqueles que não exigem a lesão de um bem jurídico ou a colocação deste bem em risco real e concreto, ou seja, é tipos penais que descrevem apenas um comportamento, uma conduta, sem apontar um resultado específico como elemento expresso do injusto. São, além de tudo, constituídos por residirem periculosidade na conduta, na caracterização do ato, onde a probabilidade de resultado é feita a partir da observação de casos particulares em que se conclui uma alta probabilidade de resultado danoso. Com isso, é nítido que não é necessário, partindo da pré-existência de artigo configurando crime de perigo abstrato, que o ato constitua uma provável consequência ou resultado danoso. A prática de obra determinada como crime de perigo abstrato é suficiente para a tipificação de crime, visto que o perigo se encontra na motivação, na simples exposição e não na geração de um perigo concreto.

Todavia, um dos maiores autores que dissertam sobre tal temática é Pierpaolo Cruz Bottini. Segundo ele, o tipo de perigo abstrato é:

A técnica utilizada pelo legislador para atribuir a qualidade de crime a determinadas condutas, independentemente da produção de um resultado externo. Trata-se de prescrição normativa cuja completude se restringe à ação, ao comportamento descrito no tipo, sem nenhuma referência aos efeitos exteriores do ato, ao contrário do que ocorre com os delitos de lesão ou de perigo concreto. (BOTTINI, 2008. p 176)

Contudo, o entendimento de crime de perigo abstrato remete-se a desnecessidade de lesionar um bem jurídico. Mas qual a compreensão de bem jurídico? A variação da compreensão de bem jurídico traz inúmeras consequências práticas. Guilherme de Souza Nucci acredita que bem sempre indica algo positivo, e por consequência, algo que pode ser útil ao ser humano e dessa forma satisfazendo suas necessidades. Em suma, nas suas colocações, o bem jurídico refere-se aos mais preciosos interesses humanos, mesmo pertencendo no prisma corpóreo ou incorpóreo.

Nucci (2013) faz a seguinte discursão:

Há bens tutelados pelo Direito, eleitos pelo ordenamento jurídico como indispensáveis à vida em sociedade, merecendo proteção e cuidado. A partir dessa escolha, o bem se transforma em bem jurídico. Dos mais simples aos mais complexos; dos inerentes à natureza humana às criações alternativas da vida moderna; dos ligados à dignidade humana aos vínculos a puros interesses materialistas; todos os bens jurídicos gozam do amparo do Direito. Os mais preciosos atingem a tutela do Direito Penal, sob a ótica da intervenção mínima.

Outro autor da literatura jurídica, Luiz Regis Prado, também apresenta sua definição, de forma que, considera o bem jurídico como um ente que independe de um valor social podendo ser material ou imaterial desde que esteja localizado no contexto social. Além desse aspecto, ele titula o bem jurídico como individual ou metaindividual reputando assim a essencialidade para o desenvolvimento humano, por isso, devendo ser um bem jurídico – penalmente protegido.

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DIVERGÊNCIAS SOBRE A CONSIDERAÇÃO DO CRIME

DE PERIGO ABSTRATO

Na perspectiva de Pierpaolo Cruz Bottini qualquer tipo penal deve estar fundamentado na dignidade humana, dessa maneira, sendo ilegítimos até os crimes de maus-tratos a animais silvestres, domésticos ou domesticados. Entretanto, Luís Greco coloca que nesta legislação mencionada é um exemplo de crime sem bem jurídico. O autor argumenta que a crescente preocupação ambiental não permite o Direito penal ficar alheio a esse tema, pois o reconhecimento excepcional da existência de crime sem bem jurídico não enfraquece o seu conceito, mas sim, o fortalece no sentido de recusar diluí-lo, impondo um forte ônus de fundamentação aquele que incriminar interesses que não são referíveis ao homem e ao sistema social.

A variação do conceito de bem jurídico produz algumas distinções na forma de classificação do crime perigo abstrato ou crime de perigo concreto. Como exemplo, temos o art. 33, da Lei n. 11.343/20061. Trata-se de um dispositivo que trata da Lei das Drogas. Nucci entende que se trata de um crime de perigo abstrato porque demonstra a probabilidade de ocorrência de dano, estando presumido no Direito Penal, independente de prova. No referido artigo não há necessidade de provar ou investigar o crime, pois, basta estar portando ilegalmente a substância para que se considere crime. Os termos que o artigo traz consigo são claros e objetivos, permitindo com que não seja necessário existir a afetação a um bem jurídico para ser considerado crime, necessita-se apenas da intenção.

Ainda na mesma perspectiva, Jesus (1995) coloca que os “Crimes de perigo são os que se consumam tão-só com a possibilidade do dano” O perigo presumido (abstrato) como traz o autor deve ser considerado pela lei em face de determinado comportamento positivo ou negativo. Dessa forma, ele leciona, “é a lei que o presume juris et de jure2. Não precisa ser provado. Resulta da própria ação ou omissão.” Damásio ao colocar dessa forma, consegue abranger um aspecto que também não traz pacificidade, pois admite o artigo 135, do código penal que trata de omissão de socorro como um crime de perigo abstrato, pois deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, constitui crime, porque é um perigo presumido e “decorre da simples inércia do sujeito”.

1

Artigo 33, Lei N. 11.343, de 23 de Agosto de 2006. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou irregular.

2

Juris et de jure De direito e por direito. Presunção que não admite prova em contrário. Presunção absoluta. Juris et de jure. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/topicos/296573/juris-et-de-jure>. Acesso em: 02/10/2013.

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Diego Romero argumenta que os crimes de perigo abstrato operam uma inversão no ônus da prova no processo penal, pois ao órgão acusador não é necessário provar qualquer situação concreta, mas somente, a violação da norma jurídica. Com isso, o acusado tem poucas possibilidades de defesa. Entretanto, mesmo com essas observações o Princípio do Contraditório previsto no artigo 5º, inciso LV, disposto na Constituição Federal de 1988 não permite com que a dialética e a bilateralidade assim como a ampla defesa e seus recursos desapareçam, uma vez que, a sua ausência acarreta pena de anulação do processo jurídico. Para tanto, o Professor Gil Ferreira de Mesquita leciona da seguinte forma;

O que é imprescindível para o atendimento ao contraditório, é que ninguém pode ser condenado sem ter prévia oportunidade de ser ouvido em juízo, embora a atuação da jurisdição deva existir mesmo na ausência do exercício efetivo do direito de defesa. Desrespeitado o contraditório, estaremos diante do conhecido cerceamento de defesa, justamente porque a nenhum litigante pode ser negado o direito de defender seus interesses no processo. (MESQUITA, 2004, p. 76)

Todavia, Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira ainda defende que adoção dos crimes de perigo abstrato representa uma tendência expansionista do Direito penal, que contraria o princípio da intervenção mínima ou ultima ratio. Então, observa-se, este último princípio. A intervenção mínima no Direito Penal também tem a função de impedir danos sociais, Roxin, (2008) afirma que “os bens jurídicos são pressupostos de um convívio pacífico entre os homens, fundado na liberdade e na igualdade; e subsidiariamente significa a preferência a medidas sócio-políticas menos gravosas”, assim torna-se fácil a compreensão de que os bens jurídicos devem ser protegidos para impedir danos à sociedade. Devendo ainda, ressaltar que os bens jurídicos exercem dupla atividade no ordenamento jurídico. Eles devem limitar a ação punitiva estatal na devida quantidade e qualidade da lesão ao bem jurídico, bem como, deve demonstrar o limite de ação dos indivíduos de modo a impedir que lesionem o bem.

Alexandre Wunderlich ensina que há "violação ao princípio da culpabilidade, uma vez que nos delitos de perigo abstrato, como se sabe, basta à realização da conduta pelo agente, não sendo necessária a demonstração do dano efetivo”. Visto dessa forma, Nucci (2013) ao dissertar sobre o princípio da culpabilidade diz que “o próprio Código Penal estabelece que somente haja crime quando estiver presente o dolo ou culpa”. Portanto, analisar crimes de perigo abstrato junto a tal princípio não traz assuntos que se distinguem, porque classificar o crime dessa maneira não o tira da lei ordinária, nem tão pouco perde sua finalidade.

Dessa forma, os principais argumentos contrários aos crimes de perigo abstrato são que eles vão de encontro aos princípios da ofensividade, intervenção mínima, presunção de inocência e culpabilidade. No entanto, ao compreender os crimes de perigo abstrato como delitos de lesão, não há falar em desobediência ao princípio da ofensividade, e, tampouco, aos demais. Isso equivale a dizer, que a simples adoção da técnica de perigo abstrato não acarreta, automaticamente, na violação de vários princípios do Direito penal.

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DIREITO PENAL COMUM X DIREITO PENAL DO

INIMIGO

Alguns juristas afirmam que o crime de perigo abstrato sofre influência do Direito Penal do Inimigo. Mas inicialmente se deve analisar a abrangência desse último. O Direito Penal do Inimigo tem por objetivo eliminar todo e qualquer indivíduo que ofereça risco à sociedade, uma vez que, se pune o delinquente pelo que ele é e não pelo que ele fez. Todavia, o Direito Penal Comum busca uma perspectiva diversificada, pois têm como pretensão apenas a conservação e manutenção da ordem.

Os crimes de perigo abstrato ou de perigo presumido não precisam ser provados, já que a lei, por presunção absoluta, os reputa como ofensivos. Pela dogmática atual, estes crimes são desprovidos de ofensividade, exceto se o intérprete da norma conseguir demonstrar a ocorrência de perigo concreto. Assim, transformar-se-ia os crimes de perigo abstrato em perigo concreto, a fim de se comprovar a ofensividade da conduta. Portanto, essa definição se aproxima do Direito Penal Comum, e não de uma visão radicalista como o Direito Penal do Inimigo.

A Constituição consagra o modelo Democrático de Direito que prevê expressamente a punição de um ato de perigo abstrato: o tráfico de drogas. E nem por isso nossa Carta adota o direito penal do inimigo. Por outro lado, o reconhecimento dos crimes de perigo abstrato sem a preocupação em demonstrar a periculosidade do comportamento, pode levar a condenações por comportamentos inócuos, sem capacidade de afetação de bens jurídicos. Essa criminalização de comportamentos sem a verificação de seu potencial para afetar bens jurídicos pode levar a um direito penal autoritário, que se preocupe apenas em proteger a validade das normas sem observância de seu referencial último, que é a preservação da dignidade humana. O crime de perigo abstrato é punido porque o ato gera risco para bens jurídicos concretos, e não apenas porque o comportamento é contrário à norma. Assim, os crimes de perigo abstrato não representam, por si, uma ruptura no modelo democrático de direito, mas sua interpretação extensiva, sem preocupação com a periculosidade do comportamento, implica na assunção de um conteúdo autoritário e inadmissível para o direito penal. (BOTTINI, 2008)

EXEMPLOS QUE ILUSTRAM O CRIME DE PERIGO

ABSTRATO

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Como demonstrado, os crimes de perigo abstrato suscitam inúmeras discussões e posicionamentos, acarretando em soluções jurídicas diferentes e, até mesmo, opostas, para casos concretos idênticos. Para exemplificar, analisaremos o crime de porte ilegal de arma de fogo, previsto no art. 14 da Lei 10.826/20033.

Da leitura do tipo legal, infere-se que a conduta de portar arma de fogo, mesmo desmuniciada, é formalmente típica. A dúvida surge se ela deve, também, ser considerada materialmente típica; se sim, estamos diante de um crime; se não, o fato é atípico. Sobre o tema temos os seguintes votos;

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE USO PERMITIDO. ART. 14 DA LEI N.º 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO). ARMA DESMUNICIADA. ATIPICIDADE. INEXISTÊNCIA. PERIGO ABSTRATO CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Documento: 1091294 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 11/04/2012 Página 1 5 de 22Superior Tribunal de Justiça 1. Malgrado os relevantes fundamentos esposados nas razões do recurso, este Tribunal já firmou o entendimento segundo o qual o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada e o de munições, mesmo configurando hipótese de perigo abstrato ao objeto jurídico protegido pela norma, constitui conduta típica. 2. 'O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é de mera conduta e de perigo abstrato, ou seja, consuma-se independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo para a sociedade, e a probabilidade de vir a ocorrer algum dano é presumida pelo tipo penal. Além disso, o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, mas a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante o fato de estar a arma de fogo municiada ou não. Precedentes.' (STF, HC 104.206/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 26/08/2010). 3. Agravo regimental desprovido." (STJ - AgRg no REsp 1206461/AC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2011, DJe 07/06/2011)

"HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO À PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ART. 14 DA LEI 10.826/03. MEDIDA SÓCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE. ARMA DESMUNICIADA. IRRELEVÂNCIA PARA CONFIGURAÇÃO DO DELITO. CONDUTA TÍPICA. RISCO À PAZ SOCIAL. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. Na linha de precedentes desta Corte, o porte ilegal de arma de fogo traz risco à paz social, de modo que, para caracterização da tipicidade da conduta elencada no art. 14 da Lei 10.826/03, basta, tão somente, o porte de arma sem a devida autorização da autoridade competente. A circunstância desta se encontrar desmuniciada não exclui, por si só, a tipicidade do delito, eis que ela oferece potencial poder de lesão. 2. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial." (STJ - HC 193048/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 12/05/2011)

3

Artigo 14, Lei N. 10.826, de 22 de Dezembro de 2003. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitindo, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.

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"EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. ARTIGO 14 DA LEI 10.823/03. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. O crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido é de mera conduta e de perigo abstrato, consumando-se independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo para a sociedade, sendo que a probabilidade de vir a ocorrer algum dano é presumida pelo tipo penal. Precedente. 2. O objeto jurídico tutelado pelo delito previsto no art. 14 da Lei 10.826/03 não é a incolumidade física, porque o tipo tem uma matiz supraindividual, voltado à proteção da segurança pública e da paz social. Precedente. 3. É irrelevante para a tipificação do art. 14 da Lei 10.826/03 o fato de estar a arma de fogo municiada, bastando a comprovação de que esteja em condições de funcionamento. Precedente. 4. Ordem denegada." (STF - Documento: 1091294 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 11/04/2012 Página 1 6 de 22Superior Tribunal de Justiça HC 107447, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 03-06-2011 PUBLIC 06-06-2011)

"EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 da Lei 10.826/2003. TIPICIDADE RECONHECIDA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. ORDEM DENEGADA. I. A objetividade jurídica da norma penal transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da liberdade individual e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia. II. Mostra-se irrelevante, no caso, cogitar-se da eficácia da arma para a configuração do tipo penal em comento, isto é, se ela está ou não municiada ou se a munição está ou não ao alcance das mãos, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para cuja caracterização não importa o resultado concreto da ação. III - Habeas corpus denegado." (STF - HC 96072, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 16/03/2010, DJe-062 DIVULG 08-04-2010 PUBLIC 09-04-2010 EMENT VOL-02396-01 PP-00157)

Podemos citar ainda, como exemplo, o crime de dirigir embriagado na Lei 9.503/97 "Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". O tipo penal não exige a lesão ou a morte de alguém, e também não prevê que seja demonstrado que alguém foi exposto a um risco concreto pelo veículo dirigido pelo condutor embriagado. Descreve apenas um comportamento e determina a aplicação da pena, independente do resultado.

Dessa forma, Damásio E. de Jesus analisa “a embriaguez é como uma intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool, cujos efeitos podem progredir de uma ligeira excitação inicial até o estado de paralisia e coma”, e que, portanto, deve ser caracterizado como crime por força do artigo 28, inciso II, do Código Penal Brasileiro.

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“HABEAS CORPUS Nº 231.566 - RJ (2012/0013418-9) RELATOR: MINISTRO OG FERNANDES IMPETRANTE: VÂNIA RENAULT B GOMES - DEFENSORA PÚBLICA IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PACIENTE: GLÁUCIA QUINTANILHA VERÍSSIMO EMENTA PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REMÉDIO CONSTITUCIONAL SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. DELITO DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE POTENCIALIDADE LESIVA NA CONDUTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.

À luz do disposto no art. 105, I, II e III, da Constituição Federal, esta Corte de Justiça e o Supremo Tribunal Federal não vêm mais admitindo a utilização do habeas corpus como substituto de recurso ordinário, tampouco de recurso especial, nem como sucedâneo da revisão criminal, sob pena de se frustrar a celeridade e desvirtuar a essência desse instrumento constitucional. 2. Entretanto, esse entendimento deve ser mitigado, em situações excepcionais, nas hipóteses em que se detectar flagrante ilegalidade, nulidade absoluta ou teratologia a ser eliminada, situação inocorrente na espécie. 3. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, o crime do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro é de perito abstrato e dispensa a demonstração de potencialidade lesiva na conduta, configurando-se pela simples condução de veiculo automotor em estado de embriaguez. 4. No caso, a paciente foi submetida a teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) e ficou constatado que dirigia veículo automotor com concentração alcoólica igual a 0,37 mg/l de ar expelido pelos pulmões, valor este que supera o limite legal. Assim, o fato é típico e não há que se falar em trancamento da ação penal. 5. Habeas corpus não conhecido.”

É possível enquadrar ainda nessa perspectiva o artigo 218, do Código Penal Brasileiro (Redação dada pela Lei nº 11.334, de 2006). Este dispositivo possui o seguinte texto de lei: “Transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, medida por instrumento ou equipamento hábil, em rodovias, via de trânsito rápido, vias arteriais e demais vias”. Portanto, ao analisar essa possibilidade, verifica-se que é um ato considerado crime pelo Código Penal e que implica uma pena, mesmo sendo uma circunstância que não teve um resultado específico.

O perigo, contudo, não se adequa perfeitamente ao modelo dogmático criado para crimes de resultados de dano. É sensível a falta de consenso quanto aos conceitos que norteiam a discussão, sendo, portanto, necessário fazer uma abordagem técnica para conseguir compreender cada caso concreto. Sem a análise de pressupostos não seria possível qualquer conclusão racional, já que a própria dogmática jurídica – penal encontra – se em um momento de reconstrução, diante de novos desafios impostos pela sociedade de risco.

(10)

No crime de perigo abstrato, ou também chamado de puro, o risco advindo da conduta é absolutamente presumido por lei, bastando à violação da norma para a tipificação no artigo. Não demanda um produto final de lesão ou exposição concreta de risco ao bem protegido, de forma avessa ao crime de perigo concreto, configurado por demandar comprovação de risco ou lesão ao bem jurídico, assim, a acusação tem dever de demonstrar que da conduta houve perigo real para vítima certa e determinada.

Observa-se ainda que o entendimento do tema vem sido estudado, explorado por renomados juristas e discutido no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal com a finalidade de esclarecer, transcender um conceito que por muitas vezes não é concebido pacificamente.

A constituição traz um caráter limitador das leis penais, no momento em que regula os direitos e liberdades fundamentais, contemplando, implicitamente, ou mesmo de forma explícita, os limites do poder punitivo, e os princípios informadores do direito repressivo: as proibições penais não podem estabelecer para fora dos limites que permite a Constituição. A adoção de um conceito de bem jurídico penal à luz da Constituição Federal traz a segurança de que no Brasil o Direito Penal apresenta como valor maior a Dignidade da Pessoa Humana.

Portanto, o objetivo do presente artigo foi desenvolver uma busca pelas leituras que são feitas do crime de perigo abstrato bem como sua influência na sociedade. A prevenção do crime deve ser apoiada e ser suscetível de melhora, uma vez que, a maior beneficiada é a sociedade em geral e, não apenas, particulares. O estudo de Direito sob a perspectiva moderna busca a valoração e a proteção do bem jurídico penal, e por consequência, o crime de perigo abstrato ou presumido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da

precaução na sociedade de risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 176.

GUNTHER, Jakob. Direito Penal do Inimigo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.07

GUNTHER, Jakobs. Sociedade, Norma e Pessoa: Teoria de um direito penal funcional. Barueri-SP: Manole, 2003

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JESUS, Damásio E. de. Direito Penal - parte geral. 19ª Ed. Saraiva, 1995, p. 165 – 167; p. 447- 453

MESQUITA, Gil Ferreira de. Teoria Geral do Processo. 1ª Ed. IPED, 2004, p. 76

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – parte geral. 9.ª Ed. Revista dos Tribunais, 2013, p. 73 – 76; p. 192 – 194

PAIVA, Wallton Pereira de Souza. Delitos de Perigo Abstrato Frente ao Ordenamento Jurídico Brasileiro

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – parte geral. 6ª Ed. Revista dos Tribunais, p. 246 – 256

ROMERO, Diego. Reflexões Sobre os Crimes de Perigo Abstrato

ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008

ROXIN, Claus. Derecho Penal – parte geral. Tomo I. 2ª Ed. Madrid: Civitas, 2006

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