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4.Alterações na vida social e financeira

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Academic year: 2021

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QUEM CUIDA DO CUIDADOR?: REPERCUSSÕES FÍSICAS E PSICOSSOCIAIS DE CUIDAR DE UM FAMILIAR COM SEQUELA DE AVE

Natália da Rosa Fonseca* Moema Pires Guimarães Soares**

Resumo: Este estudo, por meio de uma abordagem qualitativa, buscou investigar as alterações físicas e psicossociais na vida de cuidadores familiares de pacientes com seqüela de AVE. Participaram do estudo oito cuidadores familiares, através de entrevistas e anotações em diário de campo. Os discursos foram analisados definindo-se quatro categorias: 1.Quem são os cuidadores?; 2.O que sentem?; 3.

Repercussões físicas; 4.Alterações na vida social e financeira. Entre os entrevistados predominaram as mulheres, casadas, com boa escolaridade e média de idade de 49 anos. Houve relatos de isolamento social e de sentimentos negativos, como o nervosismo e a pena, mas também sentimentos positivos de crescimento pessoal e aproximação do familiar. Entre as alterações físicas destacaram-se as dores na coluna e braços e distúrbios no sono. Diante de todas as alterações impostas à vida destas pessoas e a sobrecarga física e emocional que podem ocasionar, fica claro a necessidade de intervenções direcionadas aos cuidadores familiares.

Palavras-chave: Acidente cerebrovascular; Cuidador familiar.

INTRODUÇÃO

O Acidente Vascular Encefálico (AVE) caracteriza-se por uma disfunção neurológica decorrente de uma anormalidade na circulação cerebral, causada por mecanismos isquêmicos ou hemorrágicos. O AVE é a principal causa de internações, mortalidade e deficiências na população brasileira, superando as doenças cardíacas e o câncer,as quais são as duas primeiras causas de morte nos países industrializados. (BOCCHI & ANGELO,2005).

Após a hospitalização inicial, 80% dos sobreviventes do AVE retornam à comunidade (HAN & HALEY, 1999), cabendo aos membros da sua família a tarefa de fornecer suporte emocional, cuidado físico e ajuda financeira.

Geralmente a função de cuidador é assumida por um único familiar, denominado cuidador principal. Ele tem que lidar não só com as dificuldades do paciente com a mobilidade, autocuidado e comunicação, como também com os possíveis déficits cognitivos, depressão e mudança na personalidade. (HAN & HALEY, 1999).

A tarefa de cuidar de um familiar dependente, invariavelmente, expõe o indivíduo a uma série de situações adversas, e implica em mudanças no estilo de vida do cuidador. A maneira como cada indivíduo interpreta e enfrenta todas essas situações é resultado de um processo multifatorial, influenciado por aspectos cognitivos, motivacionais, hábitos comportamentais e características sócio-demográficas, bem como, pelo contexto cultural nos quais estão inseridos, com suas regras e valores. (MARTINS et al, 2003).

Algumas pessoas demonstram dificuldade de lidar com as imposições do papel de cuidador e reagem de maneira inapropriada, geralmente quando as suas capacidades de adaptação estão limitadas, gerando sobrecarga. (MARTINS et al, 2003).

Sobrecarga é o termo que tem sido usado na literatura para designar a presença de eventos adversos que afetam a vida dos cuidadores familiares. As pesquisas dividem a sobrecarga familiar em objetiva e subjetiva. Considera-se como sobrecarga objetiva, por

* Acadêmica do 10º semestre do curso de Fisioterapia da UCSal / e-mail: fonseca.natalia@bol.com.br.

** Profª do Curso de Fisioterapia da UCSal / Mestre em Ciências da Família pela UCSal.

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exemplo, o tempo gasto no cuidar, dificuldades financeiras e alterações na rotina e relações familiares. A sobrecarga subjetiva refere-se aos sentimentos e emoções negativas geradas pela experiência.(BOCCHI, 2004).

Apesar de bastante freqüente, e mais comumente estudada, a sobrecarga não é um fator universal nos cuidadores familiares. Algumas pessoas são capazes de enfrentar mais adequadamente essas situações, adaptando-se a elas de uma forma positiva. Alguns cuidadores podem sentir satisfação e prazer, por estarem cumprindo bem o seu papel, ou por esta atividade significar uma forma de retribuir os cuidados recebidos pelo cuidador anteriormente ao AVE.

(LAVINSKY & VIEIRA, 2004).

Apesar da alta prevalência do AVE e a sobrecarga potencial para os cuidadores familiares, o conhecimento sobre esse tema ainda não foi completamente explorado e são raros os programas sociais de apoio a essas pessoas no nosso país. Tendo em vista que para que sejam desenvolvidas estratégias de apoio eficazes direcionadas aos cuidadores familiares é necessário conhecê-los a fundo, este trabalho busca identificar os cuidadores familiares e as repercussões físicas e psicossociais decorrenteS da tarefa que desempenham.

Material e métodos

Foi realizada uma investigação qualitativa com cuidadores familiares de pacientes adultos com seqüelas de AVE em tratamento no Instituto Bahiano de Reabilitação (IBR), Salvador-BA.

O IBR é uma instituição que oferece atendimento fisioterapêutico gratuito, entre outros serviços, e atende a adultos e crianças de baixa renda de Salvador e região metropolitana. Este local foi escolhido para a realização do estudo pela experiência prévia da autora nesta Instituição e pela mesma estar aberta a realização de pesquisas científicas.

Participaram do estudo os membros das famílias de pacientes com seqüela de AVE, identificados como cuidadores familiares, por estarem assumindo a responsabilidade principal e não-remunerada do cuidado domiciliar de uma pessoa, e que morassem no domicílio com o paciente, ou anexo a ele. Para definição do número de sujeitos entrevistados foi utilizado o critério da saturação ou recorrência dos dados.

Assim, foram entrevistados oito cuidadores familiares, sendo seis mulheres e dois homens, entre cônjuges, filhos e irmãos dos pacientes.

A coleta de dados foi realizada em junho de 2006 e utilizou como instrumentos um roteiro de entrevista semi-estruturado e anotações em diário de campo. Os familiares foram entrevistados no IBR, no horário em que os pacientes estavam sendo atendidos na Instituição. As entrevistas foram gravadas através de um gravador de áudio da marca Aiwa modelo TP-M105, e posteriormente transcritas. Os dados foram analisados definindo-se as seguintes categorias:

1.Quem são os cuidadores?; 2. O que sentem?; 3. Repercussões físicas; 4. Alterações na vida social e financeira.

Todos os convidados aceitaram participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, garantindo os aspectos éticos previstos na Portaria 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (BRASIL, 1996). Para preservar o anonimato dos sujeitos da pesquisa, utilizaram-se nomes fictícios para identificá-los.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO 1. Quem são os cuidadores?

Tabela 1. Caracterização dos Cuidadores

Nome Parentesco Sexo Idade Estado Civil Escolaridade Ocupação

Maria Filha F 52 Casada Curso Técnico Téc. Enfermagem

Fátima Filha F 33 Casada Ens. Fundamental Dona de casa

Rita Filha F 42 Casada Ensino Médio Aux. secretaria

Aparecida Esposa F 46 Casada Ensino Médio Dona de casa

Dulce Irmã F 65 Divorciada Ensino Médio Dona de casa

Luzia Irmã F 42 Solteira Ensino Médio Desempregada

Pedro Esposo M 52 Casado Ens. Fund. Incomp. Capoteiro

João Filho M 58 Casado Curso Técnico Aposentado

Fonte: IBR:jun/2006

As oito entrevistas realizadas permitiram traçar um esboço do perfil do cuidador familiar, que geralmente é uma mulher, casada, com bom nível de escolaridade e que não tem ocupação fora de casa, dados que vão ao encontro da literatura consultada.

A maioria dos entrevistados neste estudo era do sexo feminino. Este dado corrobora com outros estudos (CATTANI & GIRARDON-PERLINI, 2004; EUZÉBIO, 2005, LAHAM, 2003;

MARTINS et al, 2003), que destacam o papel da mulher como cuidadora na nossa cultura.

Historicamente a mulher sempre foi responsável pelo cuidado, seja da casa ou dos filhos, enquanto o papel do homem era de trabalhar fora para garantir o provimento financeiro da família. Apesar de todas as mudanças sociais e na composição familiar, e dos novos papéis assumidos pela mulher, destacando-se a sua maior participação no mercado de trabalho, ainda espera-se que a mulher assuma essa função. Sendo assim, é comum que a mulher assuma os cuidados mesmo quando trabalha fora, o que acaba repercutindo em maiores limitações de tempo livre e implicações na vida social.

Geralmente os homens participam do cuidado de uma forma secundária, através de ajuda material ou em tarefas externas, como o transporte do paciente e pagamento de contas.(EUZÉBIO, 2005; LAHAM, 2003). Neste estudo, houve dois cuidadores principais do sexo masculino e apesar de EUZÉBIO (2005) relatar que “a mulher denota conseguir, melhor do que o homem, desempenhar o papel de cuidadora”, estes homens mostraram-se os mais adaptados a este papel, e surpreendentemente, seus depoimentos foram os que deixaram transparecer a maior resignação e afeto pelos pacientes.

O parentesco tem uma influência decisiva na escolha do cuidador, destacando-se os cônjuges e os filhos.(CATTANI & GIRARDON-PERLINI, 2004; LAHAM, 2003). Neste estudo houve uma predominância para os filhos, seguidos pelos cônjuges e irmãos.

Segundo CATTANI & GIRARDON-PERLINI (2004), os cônjuges são os principais a assumirem o cuidado, movidos principalmente por uma “obrigação matrimonial”, pelo projeto de vida comum assumido pelo casamento e o compromisso de estar junto na saúde e na doença.

“Foi uma coisa que aconteceu e eu como marido teria que assumir de qualquer maneira…” (Pedro).

CATTANI & GIRARDON-PERLINI (2004), ressaltam que a responsabilidade dos cuidados é transferida para os filhos quando o cônjuge já é falecido ou não pode desempenhar este papel, fato que foi observado neste estudo. Neste caso, também existe uma relação de obrigação, proveniente de valores impostos pela cultura familiar, ou seja, o cuidar é uma obrigação moral: quando eram crianças, os pais cuidaram dos filhos e agora quando os pais estão dependentes chegou a hora dos filhos cuidarem dos pais, e esse sentimento perdura através das gerações.

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“Ela cuidou muito bem de meu avô, muito bem de minha avó, e foi ela sozinha de vários irmãos que ela teve, e agora não é justo, né, ela pegar e ficar na necessidade aí, seria uma ingratidão... ela plantou pra colher agora.[...] A pessoa tem os filhos pra isso.” (Maria).

Quando os filhos são cuidadores dos pais, muitas vezes o sentimento de obrigação confunde-se com uma retribuição de cuidados, somando-se também ao afeto.

“É minha mãe, né, eu tenho obrigação de fazer, né, ela precisa de mim, de eu ajudar para fazer as coisas pra ela, que ela já fez muito e eu tenho que fazer por ela também.” (Rita).

“Pelo fato de quando eu me casei eu fiquei com ela um tempo, né, e ela também... porque ela me ajudou quando os meus filhos tavam pequenos, assim, até dois anos ela me ajudou bastante [...] A verdade é que é obrigação da gente, eu falo assim: todo mundo tem que ter um filho porque nessas horas, vai contar com ele...” (Maria).

Neste estudo as irmãs apareceram também como cuidadoras. Em um dos casos, o paciente não era casado e não tinha filhos, sendo os irmãos os parentes mais próximos. O que determinou que o cuidado fosse assumido por essa irmã foi o fato de morarem na mesma casa.

Pode-se destacar aqui um outro fator importante, citado por alguns estudos na escolha do cuidador: a proximidade física. (CATTANI & GIRARDON-PERLINI, 2004; KARSCH, 2003).

No outro caso, onde o cuidado foi assumido pela irmã, observa-se uma situação incomum. A paciente possui dois filhos, e apesar da responsabilidade culturalmente definida dos filhos no cuidado dos pais, os mesmos não assumiram o cuidado, possivelmente pela ausência do componente afetivo.

“Dois filhos homens, não assumiram nada, se eu não trago ela (de São Paulo), a essa altura ela tava morta, porque eles não tão nem aí. Ela ta aqui há dois anos, nenhum deles veio ver, só ligam quando bem entendem, a parte financeira nem... não mandam nada pra ela.” (Luzia).

A média de idade dos cuidadores encontrada neste estudo foi de 49 anos, o que se aproxima da média etária encontrada em outros estudos, como EUZÉBIO (2005), com média de 52 anos, e MAZZA (2002 apud EUZÉBIO, 2005), com 52% dos cuidadores na faixa etária de 45 a 60 anos.

2. O que sentem?

A atividade de cuidar de um familiar dependente desencadeia os mais variados sentimentos, que são conseqüência da interação de fatores relacionados ao paciente, como o grau de dependência física e emocional, e principalmente das características do próprio cuidador e sua capacidade de adaptar-se e enfrentar as adversidades.

Entre os entrevistados, uma expressou claramente sentimentos de exaustão emocional, denotando uma sobrecarga psíquica instalada e a completa insatisfação com a sua condição de cuidadora.

“Cansada e nervosa, estresse mesmo, vontade de dar um bocado de grito, de largar tudo, sair doida, largar tudo! Porque é estresse mesmo cuidar de gente doente, é horrível![...]Não desejo pra ninguém (ser cuidador), só peço que um dia acabe pra eu cair fora,[...] tô num estresse que você nem imagina” (Luzia).

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Outra entrevistada também relatou sentimentos relacionados à sobrecarga emocional.

Apesar de mais comedida no seu depoimento, talvez pelo sentimento de culpa ou por considerar um comportamento não aceito socialmente, durante a sua entrevista pôde-se perceber a sua insatisfação e dificuldade de lidar com as limitações impostas pelo seu papel de cuidadora.

“Sinto muita dor de cabeça, eu tô muito estressada, muito nervosa, eu tento controlar pra não passar pra ele” (Aparecida).

Essas duas entrevistadas, que demonstraram maior sobrecarga emocional, também se referiram ao fato de que os pacientes não lhes davam valor, apesar de todos os seus esforços.

Esta falta de reconhecimento por parte de quem recebe os cuidados foi citada por LAHAM (2003), como fator que contribui para o maior estresse do cuidador.

“Ele acha que eu não cuido dele, ele acha que eu maltrato ele. Às vezes até que ele reconhece, mas na maioria das vezes ele age assim que nem criança, né , ele acha que por mais que a gente faça, pra ele ainda tá pouco” (Aparecida).

“Ela acha que eu faço tudo errado” (Luzia).

É importante ressaltar a forte relação que existe entre os sentimentos do cuidador e do paciente. Tanto os sentimentos do cuidador podem influenciar o paciente e ter um importante papel para sua reabilitação e até mesmo na sua sobrevivência, como também os sentimentos dos pacientes influenciam os cuidadores e sua qualidade de vida. BERG et al (2005) relata que se os pacientes estão emocionalmente abalados, os cuidadores tendem a ter mais sintomas depressivos.

É comum entre os cuidadores haver sentimentos de tristeza e pena pela condição do familiar e seu estado emocional.

“Eu sinto pena da minha mãe, porque ela era uma pessoa batalhadora, que gosta de trabalhar para ter o dela, e hoje ela se sente assim, toda hora ela chora” (Fátima).

Entre os entrevistados, surgiu também o sentimento de solidão, tanto pelo isolamento social imposto pela atividade, como também pelas alterações comportamentais do paciente, que podem gerar indiferença e apatia e, entre cônjuges, significar a perda do companheiro.

(BOCCHI, 2004).

“Eu até que não fico não (impaciente), meu problema é só chorar, porque quando eu fico só eu choro, porque os meninos (filhos) saem, eu fico sozinha com ele, converso com ele, ele não me dá atenção, ai eu choro pra desabafar [...] Eu fico triste, fico chateada, mas com raiva não” (Aparecida).

Alguns entrevistados relataram a impaciência e nervosismo como sentimentos que às vezes se fazem presentes. No entanto, são sentimentos passageiros, que tendem a ser contornados.

“Só quando ele tá assim um pouco nervoso eu também fico, mas não é muito não[...] Às vezes eu fico, né (impaciente), às vezes, não é todo tempo não, eu compreendo... a gente tem que compreender, eu já acostumei.” (Dulce).

A maioria dos estudos foca nos aspectos negativos de ser cuidador, no entanto, o cuidar também pode gerar sentimentos positivos, como a satisfação. Esses sentimentos surgem dos significados atribuídos pelo cuidador aos vários aspectos da situação, desde o sentimento de estar cumprindo um dever moral ou de estar retribuindo cuidados recebidos no passado, até pelo reconhecimento que os outros expressam acerca do seu desempenho. O cuidar de alguém pode

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ser encarado também como uma forma de crescimento pessoal, uma oportunidade de desenvolvimento e descoberta de novas competências e capacidades. (LAHAM, 2003).

“Eu aprendi a ter um lado que eu não sabia que tinha, essa dedicação toda por uma pessoa, porque a gente se dava muito bem, sempre se deu bem […] a vontade que ela tem de ficar boa, é que me deu essa paciência, primeiro Deus, depois ela, porque me ajudou bastante” (Pedro).

O fato de estar diante de uma situação considerada por muitos como imutável, onde qualquer atitude, como brigar com o paciente ou com familiares, não mudará a sua condição de cuidador e nem a dependência do paciente, faz com que algumas pessoas resignem-se à situação e procurem enfrentá-la da melhor forma possível. Neste momento é comum a busca de valores religiosos como suporte para esta aceitação. (CATTANI & GIRARDON-PERLINI, 2004).

“Acho gratificante hoje[...] Deus quis assim e a gente não pode mudar não, e eu tô aqui pra ajudar do jeito que posso” (Pedro).

“Sou eu que sou a irmã, eu tenho que ficar, até quando eu não puder mais, até quando Deus quiser.” (Dulce).

Os sentimentos expressados pelos cuidadores são bastante influenciados pela qualidade da relação existente entre cuidador e paciente, anteriormente à doença. Se havia um bom relacionamento entre eles, a tendência é que essa atividade seja mais bem administrada. Quando a relação entre ambos era marcada por conflitos, o cuidado pode ser prestado sem a devida atenção ou até desencadear sentimentos de raiva pelas imposições associadas à situação da doença. (LAHAM, 2003). No entanto, o fato de tornar-se cuidador de um familiar com o qual existiam problemas de relacionamento, pode significar uma forma de aproximação, uma oportunidade de superar as diferenças e conflitos anteriormente existentes, o que pode ser observado neste depoimento:

“A gente era muito afastada, era uma desunião danada entre eu e ela, era uma guerra, ela dizia que não gostava de mim, essas coisas, mal a gente nem se falava, aquele problema todo, então meu sonho era ficar com ela, era cuidar dela, era de me unir a ela [...] e eu agora me sinto bem cuidando dela, uma forma de unir mais.” (Fátima).

3. Repercussões físicas

CERQUEIRA & OLIVEIRA (2002) alertam que cuidadores podem ter mais problemas de saúde que pessoas da mesma idade, que não são cuidadoras. As repercussões físicas decorrentes do cuidar também são citadas por LAHAM (2003), que no seu estudo relata um número expressivo de cuidadores com problemas musculares e ortopédicos.

Neste estudo, todos entrevistados relataram ao menos uma alteração na sua saúde física como conseqüência das demandas do cuidado, exceto João, que afirmou que o impacto do cuidar está relacionado apenas com a sobrecarga emocional.

“Eu não tenho esforço físico, eu tenho preocupação” (João).

A maioria dos entrevistados relacionou a sobrecarga física ao comprometimento da deambulação do paciente, sendo que a recuperação da mesma foi apontada como fator decisivo para diminuição do esforço físico.

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“Hoje tá bem melhor, entendeu, porque antes eu dava banho, eu carregava , que ela tava de cadeira de rodas, hoje ela já ta andando, já me aliviou bastante” (Pedro).

“Exige muito, porque ela não se levanta sozinha, né, e também não anda só [...] a gente tem até um auxílio agora de um andador, e melhorou um pouco, né” (Maria).

Dentre os relatos de dor, a grande maioria apontou a coluna como o local que mais sofre as conseqüências do esforço físico, seguida pelos braços.

“A coluna é o que dói mais, mas dói também o braço” (Maria).

“As minhas costa tá me doendo, tá tudo me doendo, meus braços tá me doendo...” (Fátima).

As alterações na saúde física do cuidador também estão relacionadas com o tempo limitado para o autocuidado. O cuidar do outro exige tanto tempo e atenção que o cuidador muitas vezes deixa de prestar atenção nas suas próprias necessidades. (BOCCHI, 2004).

“Eu tô me sentindo muito fraca, porque eu não tenho tempo nem de me alimentar [...] Ele mesmo também não me dá tempo, ele não dá tempo nem de me deitar pra dormir, eu acordo quatro, cinco vezes na noite. E pra me alimentar, eu tô pensando em fazer alguma coisa e ele sempre arranja outra pra eu fazer... eu nunca tenho tempo mesmo pra cuidar de mim” (Aparecida)

“Perdi peso, né, por causa da minha hora de almoço, que eu passo da hora do almoço...” (Rita)

As alterações no sono foram relatadas por três entrevistados, tanto devido à interrupção do sono para prestar os cuidados, como também pela preocupação de que algo venha a acontecer com o paciente durante a noite, bem como por não ter tempo de dormir durante o dia.

“Eu sinto muito sono, eu não consigo dormir direito a noite e durante o dia ele mesmo não deixa” (Aparecida).

“Nem dormir mais de tarde eu consigo mais,[...] eu to dormindo mais que eu tô cansada” (Fátima).

“Um pouquinho (alteração no sono), porque eu fico toda assustada, né, fico assustada de que ela tenha qualquer coisa e me chamarem” (Rita).

É importante ressaltar o fato de que as duas entrevistadas que haviam relatado maior sobrecarga emocional foram as que relataram também maior sobrecarga física, fato que nos alerta para a importante relação que existe entre a saúde física e a psíquica, sendo estes fatores interdependentes. Quando questionadas sobre sua saúde física, essas cuidadoras relataram sinais de cansaço geral, de exaustão física, referindo não só dores em todo o corpo, como também alterações no sono.

“Eu tô me sentindo muito fraca[...]Eu sinto muito sono [...]É o corpo todo (que dói), se for fazer uma avaliação aqui, não presta mais” (Aparecida).

“Só vivo cansada, com sono, dor na coluna , o braço que dói, tudo dói”

(Luzia).

4. Alterações na vida social e financeira

Os cuidadores geralmente têm problemas em conciliar o cuidado do familiar ao trabalho fora de casa, muitos deles tendo que abandoná-lo ou reduzir a jornada de trabalho. Isso tende a

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acarretar não só problemas financeiros, como também gerar pouca satisfação, além de limitar ainda mais as relações sociais. (BOCCHI, 2004)

“Deixei de trabalhar e aí já era, as coisas pioraram muito (financeiramente)”

(Luzia).

“Diminuiu um pouco (a renda familiar), porque eu trabalhava constante, direto, e hoje eu dois dias não vou trabalhar” (Pedro).

As dificuldades financeiras podem ser provenientes também do aumento das despesas relacionadas aos cuidados do paciente.

“Embora ela tenha a pensão dela, não é suficiente, porque a medicação de derrame é muito cara...” (Maria).

Segundo BOCCHI (2004), as mudanças financeiras na família podem contribuir para as limitações encontradas na vida social dos cuidadores. No entanto neste estudo, tal situação não se fez presente, sendo mais comum os relatos de alterações na vida social como conseqüência da impossibilidade de sair de casa, tanto pelo tempo que é despendido no cuidado, quanto pela ausência de uma outra pessoa para supervisionar o paciente enquanto o cuidador está fora.

“Tô saindo bastante menos, não pode mais ir na rua resolver nada, se for, tem que ir correndo, eu tenho a maior preocupação de deixar ela só.” (Fátima)

“Eu deixei de freqüentar vários lugares, porque não tem tempo pra isso...”

(Pedro)

Todos os entrevistados relataram alterações na sua vida social, exceto Dulce, que relatou que continua saindo para os mesmos lugares e mantendo as mesmas relações de antes de se tornar cuidadora. A única diferença é que agora para todos os lugares que vai leva o irmão, o que não lhe causa nenhum desconforto.

“Quando eu saio levo ele, aniversário, tudo eu levo ele[...],eu saio com elas (amigas), o pessoal gosta dele, a gente sai, passeia...” (Dulce)

É fato que o cuidar traz algumas implicações na vida social da grande maioria dos cuidadores; no entanto, a forma como essas alterações são encaradas diferem bastante. Alguns cuidadores, mais adaptados, conseguem lidar bem com isso, enquanto outros mostram muita insatisfação.

“Isso houve (alteração na vida social), realmente houve,[...]mas isso não me zanga em nada” (João)

“Total! Não saio mais, não me divirto, não vou pra rua, não namoro... não faço mais nada que eu fazia, não trabalho, não saio, nem nada, é só pra dentro de casa.” (Luzia)

As mudanças nas relações familiares e no círculo de amizades também são fatores que contribuem para o isolamento social, tanto pela dificuldade de sair para encontrar parentes e amigos, como também pela redução das visitas recebidas ao longo do tempo. (BOCCHI, 2004).

“Se afastou (a família), as pessoas que era mais ligada se afastou[...] Depois do problema só vão se por acaso a gente pedir” (Pedro)

“Tem uns dois ou três (amigos) que não esquecem de mim, mas o resto, ninguém mais” (Luzia)

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A falta da rede de apoio familiar e dos amigos constitui-se um fator agravante para os riscos de sobrecarga. Embora alguns entrevistados tenham relatado que recebem apoio dos familiares, outros referiram que além de não receberem apoio, não tinham sequer o reconhecimento por terem assumido o cuidado e por todos seus esforços.

“A gente (irmãos) tem uma série de conversas, eu tento expor, sabe, eu tô aqui sozinho, tal, tô fazendo...mas eles não reconhecem muito não” (João)

“ Nunca chegou assim pra comentar com a gente, eu nunca vi eles dizerem assim: olha eu sei o que vocês tão passando, eu nunca vi eles dizerem isso.”

(Maria)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho nos alerta para o impacto da doença na vida da família e em especial daquele familiar que assume a responsabilidade principal pelo doente.

A partir dos depoimentos de oito cuidadores familiares pode-se perceber o quanto essa atividade pode ser solitária e desgastante física e emocionalmente. É importante ressaltar que mesmo os entrevistados que relataram aspectos positivos em terem se tornado cuidadores, em algum momento, também relataram as dificuldades e implicações negativas em suas vidas.

Estes problemas poderiam ser minimizados pelo desenvolvimento de programas de apoio a estas pessoas, ou simplesmente pela mudança de postura de muitos profissionais; o paciente tem que deixar de ser visto apenas como uma doença e sim como um ser humano inserido em um contexto social e familiar. A partir dessa visão, e reconhecendo a importância da família no processo de reabilitação, fica evidente a necessidade de ampliar as ações de saúde a toda família, destacando-se a figura do cuidador familiar.

São necessários novos estudos visando a ampliação do conhecimento sobre os cuidadores familiares; no entanto, já sabemos a sobrecarga potencial à qual estão expostos, sendo, portanto, imperativa a presença de ações preventivas.

Diante dos dados apresentados neste trabalho fica claro que o cuidador também precisa de cuidados...e aí?... Quem cuida do cuidador?

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERG, A et al. Depression among caregivers of stroke survivors. Stroke. Vol 36: 639-643, 2005.

BOCCHI, SCM; ANGELO, M. Interação cuidador familiar – pessoa com AVC: autonomia compartilhada. Ciência e Saúde Coletiva. Vol. 10 (3): 729-738, 2005.

BOCCHI, SCM. Vivenciando a sobrecarga ao vir-a-ser um cuidador familiar de pessoa com Acidente Vascular Cerebral (AVC): análise do conhecimento. Rev Latino-am Enfermagem.

Vol. 12 (1): 3115-121, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde, Resolução no. 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Bioética. Suplemento 1996. Vol. 4 (2): 15-25, 1996.

CATTANI, R. B.; GIRARDON-PERLINI, N. M. O. Cuidar do idoso doente no domicílio na voz de cuidadores familiares. Revista Eletrônica de Enfermagem. vol. 06 (02), 2004.

CERQUEIRA, A. T.; OLIVEIRA, N. I. Programa de apoio a cuidadores: uma ação terapêutica e preventiva na atenção à saúde dos idosos. Psicol. USP. Vol.13 (1), 2002.

EUZÉBIO,C.V. O perfil do cuidador familiar do paciente com seqüela de AVE. Dissertação (Mestrado em Ciências da Família) Universidade Católica do Salvador, Salvador, 2005.

HAN, B; HALEY, W. Family caregiving for patients with stroke: Review and analysis. Stroke.

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KARSCH, U. Idosos dependentes: famílias e cuidadores. Cad. Saúde Pública. Vol. 19 (3):861- 866, 2003.

LAHAM, C.F. Percepção de perdas e ganhos subjetivos entre cuidadores de pacientes atendidos em um programa de assistência domiciliar. Dissertação (Mestrado em Ciências) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

LAVINSKY, A; VIEIRA, T. Processo de cuidar de idosos com acidente vascular encefálico:

sentimento dos familiares envolvidos. Acta Scientiarium. Health Sciences. Vol. 26 (1): 41-45, 2004.

MARTINS, T et al. Estudo de validação dos Questionário de avaliação da sobrecarga para cuidadores informais. Psicologia, Saúde & Doenças. Vol. 4 (1): 131-148, 2003.

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