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Cadê o português que estava aqui?

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Academic year: 2021

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Internet ajuda a criar uma nova linguagem

"Cadê o português que estava aqui?" é o que diz a capa da edição do VIU de setembro. Milhões de brasileiros – e vários de nossos leitores –, já

acostumados a ter a internet como ferramenta quase que indispensável no dia-a-dia, seja na escola, em casa ou até mesmo no trabalho, entendem, de

pronto, o questionamento que levantamos neste VIU. Afinal, o “internetês” se constitui em uma ameaça ao idioma português falado no Brasil? Os

professores Marcos Antônio Barbosa, Alexsandro Rodrigues Meireles e Paulo Henrique Caetano, este coordenador do curso de Letras do UNIFEMM,

acreditam que, mais do que modismo, o idioma virtual significa o surgimento de uma nova linguagem que está influenciando tanto a escrita quanto o

comportamento dos internautas. Confira, abaixo, a íntegra das entrevistas dos três professores.

VIU – Há realmente uma luta entre a língua portuguesa e a nova linguagem dos bate-papos da internet?

• Marcos Antônio Barbosa Lima, professor de Português Jurídico. Não diria uma luta. Mesmo porque o chamado “internetês” possui uma linguagem própria, diferente, que não passa de uma ferramenta de comunicação, facilitadora de troca de informações entre os chamados “usuários da rede”. Pode-se dizer que a internet é, hoje, o último estágio na evolução da linguagem. Uma revolução. Espécie de “dialeto das relações virtuais”. A internet é adorável para quem domina, mas abominável para os leigos. Ao passo que a Língua Portuguesa é por demais forte, viçosa e muito bem estruturada. Não existe antagonismo entre o nosso idioma e o “internetês”. Este pode ser concebido mais como uma contribuição positiva ao Português no que tange ao processo de comunicação.

• Alexsandro Rodrigues Meireles, professor de Aspectos sincrônicos e diacrônicos do português; Introdução aos Estudos Lingüísticos; Sociolingüística e Compreensão oral da língua inglesa.

Não existe luta, pois ambas formas de comunicação transitam em territórios distintos. Do ponto de vista da ciência lingüística, a língua portuguesa é adquirida inconscientemente pela fala, enquanto que o "internetês" é aprendido, i.e. não adquirido, através da escrita da comunidade virtual que estabeleceram certos padrões de escrita, como "abc/abç" para "abraços". Ainda se estivermos nos referindo à língua portuguesa ditada nos manuais de gramática normativa, veremos que essa língua portuguesa se propõe a

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• Paulo Henrique Caetano, coordenador do curso de Letras e professor das disciplinas: Introdução aos Estudos de Língua Inglesa; Tópicos de Língua Inglesa: Literatura Inglesa; Leitura e Escrita em Língua Inglesa; Metodologia de Ensino de Língua Inglesa; Prática de Ensino de Língua Inglesa e Estágio Supervisionado de Língua Inglesa.

Talvez 'luta' não fosse bem a palavra, pois dá a idéia de exclusão. É uma competição sim, mas pela hegemonia nos processos discursivos, não necessariamente uma mudança ou variação lingüística. Isto é, em alguns ambientes discursivos e em certos tipos de interação, certamente impera o internetês. Os bate-papos são muito arquetípicos para tal análise, pois são uma espécie de interação que procura substituir a interação oral. Até mesmo os campos abordados vão interferir nas escolhas entre o português brasileiro e o internetês brasileiro. Esta mensagem que vos envio, por exemplo, é virtual sim, mas submetida a um gênero discursivo, como esta entrevista/questionário, que requer certo grau de formalidade pois está vinculada a um conhecimento técnico no bojo de uma instituição de ensino. Fosse tal comunicação não institucionalizada, provavelmente ao final eu me despediria com um "abç" (abraço).

VIU – Nosso idioma corre algum risco com o amadurecimento do internetês?

• Marcos Barbosa

De forma alguma. A linguagem do “internetês” é bastante informal, uma vez que tenta reproduzir situações de fala real, nas quais os interlocutores se apresentam cara-a-cara, frente-a-frente. Que o digam os usuários de “blogs” e “chats”. No caso da Língua Portuguesa, quando escrevemos, ela nos fornece recursos que ultrapassam os sinais de pontuação e das interjeições,

facilitadores da tarefa em questão.

Daí para dizer que o “internetês” vai matar o “vai matar” o Português é um exagero sem tamanho e sem razão de ser. Nada disso. Pensar dessa maneira é agir de forma equivocada e por demais preconceituosa. O que de fato

precisamos (falo como usuário costumeiro da língua/linguagem escrita e como professor de Português há mais de quatro décadas) é, sim, deixar de bobagem e utilizar essa nova forma de comunicação – o “internetês” – a nosso favor. • Alexsandro Meireles

Conforme respondido no item anterior, por transitarem em territórios distintos, não há risco algum de "contaminação" da língua portuguesa com o internetês. Sempre houve, inclusive por escritores renomados, por exemplo,

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• Paulo Caetano

Antes de pensar no nosso idioma, podemos mesmo pensar em como nossas vidas têm sido alteradas, digamos, nos últimos 20 anos, pelo rápido avanço tecnológico. Computador, celular, TV a cabo, alimentação, habitação, automóveis, etc. A língua, ao permear toda atividade humana e ser dela

constitutiva, sofre as mesmas pressões por mudanças e adaptações, uma das quais o internetês. Em outros ambientes há transformações também

importantes, ainda que mais tácitas. O telemarketing, por exemplo, trouxe o boom do gerundismo como uma tradução (a princípio inapropriada) de um registro típico na prestação de serviços do inglês americano. As duas palavras do período anterior 'telemarketing'e 'boom' são também exemplos de palavras do inglês que já podem ser utilizadas em português brasileiro sem o menor estranhamento. Voltando à pergunta, se o internetês amadurecer a ponto de se diferenciar do português, vai ser restrito à língua escrita em ambientes virtuais. O vernáculo do português brasileiro ainda será usado normalmente ao irmos à padaria ou à escola. Acho difícil também que o internetês invada a língua escrita para além do ambiente virtual e dos teclados e monitores, pois há outras pressões sócio-discursivas às quais responder. O gesto de pegar a caneta e o papel, ou mesmo um processador de texto, requer o que se conhece como português brasileiro.

VIU – Quem são as principais forças de defesa do português e de incentivo ao novo idioma virtual?

• Marcos Barbosa

O Português como organismo fenomenal vivo, está sujeito a interferências diversas e modificadoras em seu dia-a-dia. Não só a Língua Portuguesa, todas as línguas mudam com o passar do tempo. Nosso Português veio,

sabidamente, do latim. Só que não foi do latim clássico, já veio do latim vulgar, ou seja: da língua utilizada efetivamente pelos falantes e não pelos escritores. Daí porque ficamos, de certa forma, limitados no que concerne à nossa língua escrita. Com a internet tal limitação deixa de existir, tantos e infindáveis são seus instrumentos. A cada o “internetês” nos inunda com novidades sem conta. Assim sendo, cumpre que saibamos utilizar bem, a nosso favor, essa nova forma de comunicação. Fazer, sim, do “internetês” um eficiente parceiro do Português.

• Alexsandro Meireles

A principal forma de incentivo à essa nova forma escrita do português é a necessidade de se criar uma forma rápida e eficiente de comunicação em um mundo moderno em que as pessoas têm cada vez menos tempo para troca de informações.

• Paulo Caetano

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português formal, justificando o esforço por via da cultura ou da identidade nacional.

VIU – Como seria um cenário de coexistência dessas duas linguagens? • Marcos Barbosa

Uma coexistência pacífica e produtiva. Nada de antagonismo. Nada de dizer que a linguagem da internet interfere na produção da leitura e da escrita, eis que, se de fato a qualidade produzida pelo “internetês” é baixa, o advento da internet está, sim, fazendo o brasileiro ler e escrever mais. Mesmo que não seja por meio de caneta e papel.

• Alexsandro Meireles

Creio do jeito que está, essas duas formas de escrita convivem pacificamente. Acho que a única preocupação dos educadores é saber mostrar aos alunos, cada vez mais conhecedores do "internetês" desde pequenos, que a forma com que eles se comunicam na internet não é a forma escrita padrão do

português, e que, inclusive, pode não ser decodificada por outros leitores leigos no assunto. Por exemplo, mostrem para uma pessoa que nunca teve acesso aos bate-papos virtuais formas como "abc, tc, bjs", ela pode simplesmente achar que se trata de uma sigla. O que ocorre freqüentemente nas abreviações usadas no internetês do inglês, como "ttyl, lol". Comparado com o internetês do inglês, veremos que o do português, ainda resgata bastante a informação semântica dos itens lexicais. Basta, muitas vezes, um esforço por parte do leitor na decodificação da mensagem.

• Paulo Caetano

Em constante competição, certamente, até que uma nova virada tecnológica possa ruir com as formas de comunicação como as conhecemos e conquiste a hegemonia com outros recortes. O importante é sabermos que o internetês (assim como no internetês de qualquer outra língua) se constrói como uma simplificação do léxico, o que, de certa maneira, também traz no processo de codificação o elemento codificado. Ou seja, "abç" para abraço é assim

reconhecido a partir de uma negociação da qual 'abraço' é item inerente. O problema são as estatísticas negativas sobre a habilidade de redação de estudantes de ensino médio e superior. Isso reforça a tese de que influências como o internetês podem ser danosas para as novas gerações, no que concerne o bom domínio da linguagem falada e escrita.

VIU – A força do internetês vai além da mudança do idioma? • Marcos Barbosa

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maneira é torcer, acintosamente, a realidade dos fatos. Por derradeiro, não vejo no “internetês” força para provocar uma mudança no idioma dos

brasileiros. Afinal, é a Língua Portuguesa, como já ressaltado, forte, viçosa e bem estruturada, com características peculiares e comprovadas. Apta, por conseguinte, para incorporar ao seu expressivo acervo as contribuições do “internetês”.

• Alexsandro Meireles

Na minha opinião o internetês, por ser apenas uma forma abreviada do idioma, é incapaz de causar uma mudança lingüística. Mesmo que digitemos "tc, vc, abc", continuaremos a falar "teclar, você, abraços".

• Paulo Caetano

Certamente, mas não como questão isolada e sim como parte constitutiva de movimentos mais gerais das sociedades. O que não se pode fazer é adotar acriticamente as mudanças como se fossem resultado natural do

desenvolvimento cultural contemporâneo. Deve-se procurar entender

criticamente as causas e resultados de fenômenos na linguagem, de modo a possibilitar a resistência contra processos de colonização de uma

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