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Open Avaliação de rede de ensino superior: uma análise da abordagem de gêneros nas questões discursivas do ENADE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA

MARCELA REGINA VASCONCELOS DA SILVA

AVALIAÇÃO DE REDE NO ENSINO SUPERIOR:

UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM DE GÊNEROS NAS QUESTÕES DISCURSIVAS DO ENADE

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MARCELA REGINA VASCONCELOS DA SILVA

AVALIAÇÃO DE REDE NO ENSINO SUPERIOR:

UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM DE GÊNEROS NAS QUESTÕES DISCURSIVAS DO ENADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Lingüística – Proling

– da Universidade Federal da Paraíba como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Lingüística, sob a orientação da Profª Drª Maria de Fátima Almeida.

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S586a Silva, Marcela Regina Vasconcelos da.

Avaliação de rede de ensino superior: uma análise da abordagem de gêneros nas questões discursivas do ENADE / Marcela Regina Vasconcelos da Silva.- João Pessoa, 2015. 97f.

Orientadora: Maria de Fátima Almeida Dissertação (Mestrado) - UFPB/CCHLA

1. Linguística. 2. Questões discursivas - provas do ENADE. 3. Gêneros do discurso. 4. Ensino superior - avaliação.

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AVALIAÇÃO DE REDE NO ENSINO SUPERIOR:

UMA ANÁLISE DA ABORDAGEM DE GÊNEROS NAS QUESTÕES DISCURSIVAS DO ENADE

Marcela Regina Vasconcelos da Silva

Profª Drª Maria de Fátima Almeida

Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Lingüística.

Data: ____/_____/_____.

Examinadores:

_____________________________________________________________________ _____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, que, além da vida, proporcionou-me a saúde e o ânimo necessários à realização desta pesquisa concomitantemente ao cumprimento das exigências da minha jornada de trabalho.

À minha orientadora, Maria de Fátima Almeida, agradeço a confiança, o carinho, a dedicação e a compreensão com que sempre pude contar no decorrer desses dois anos.

Aos meus pais, agradeço não só a possibilidade de crescer em um ambiente em que o amor e a busca pelo conhecimento sempre estiveram presentes, mas também a amizade, o apoio e a confiança que me impulsionam a viver cada vez mais segura e feliz.

A Jorgeane, mais do que minha prima, minha irmã mais nova, agradeço a doçura com que encanta a todos e a perseverança inspiradora com que encara a vida e vence os problemas.

Ao meu namorado, Renato César, que suportou os momentos de minha ausência e dedicou-me o afeto, a alegria, o apoio e a ajuda de que eu precisava.

Às minhas orientadoras do Núcleo de Pesquisa e Iniciação Científica da Fafire (NUPIC), Graça Brito, Rosa Pinto e Gláucia Nascimento, agradeço a inestimável amizade e o incentivo com que me encaminharam em meus primeiros passos na vida científica.

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A Adriana Santos, Armando Vasconcelos, Gustavo Paiva, Mônica Pinheiro, Rafaella Botelho, não só por toda ajuda e compreensão com que sempre pude contar, mas por fazerem com que, a cada dia, aumente a admiração que lhes dedico.

À minha amiga Ana Paula Sobreira, agradeço não só por ter me incentivado a trilhar os caminhos da ciência, ajudando-me nos primeiros trabalhos da vida acadêmica, mas, principalmente, por todo carinho dedicado nesses 15 anos de amizade.

A Gláucia Nascimento, agradeço a amizade, o incentivo, o carinho e o exemplo de força e coragem.

A Patrícia Tavares, amiga inseparável desde o Ensino Médio, com quem dividi as primeiras descobertas científicas, as primeiras idas a congressos, os primeiros encantamentos da vida acadêmica.

A Helen Picanço, Walter e Tânia Castelliano, agradeço o carinho e a generosidade com que me acolheram em João Pessoa.

Aos amigos Anna Catharina, Cláudio Sobreira, Gilvan Oliveira, Gustavo Henrique, Jeferson Tavares, Pablo Fernandes, Paulo Henrique, Pryscilla Marcelly, Sandra Tavares, Sidney Azevedo, Thiago Duarte, agradeço a inspiração, o apreço e o constante incentivo.

Aos meus alunos, por serem a motivação do meu trabalho.

À Profª Dra. Beth Marcuschi, agradeço a atenção, a disponibilidade e o altruísmo.

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RESUMO

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ABSTRACT

This dissertation was drafted during the Master’s course in Linguistics as the

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LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS

QUADRO

Quadro 01 – Seqüências, representações dos efeitos pretendidos e fases correspondentes

GRÁFICOS

Gráfico 01 – Gêneros discursivos mais utilizados por profissionais de Psicologia

Gráfico 02 – Gêneros discursivos mais utilizados por profissionais de Secretariado Executivo

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACD – Análise Crítica do Discurso ACO – Análise das Condições de Oferta CEA – Comissão Especial de Avaliação

CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes

ENC – Exame Nacional de Cursos

GED – Gestão de Documentos Eletrônicos

GERES – Grupo de Estudos da Reforma da Educação Superior IES – Instituição(ões) de Ensino Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira MEC – Ministério da Educação e Cultura

PAIUB – Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras PARU – Programa de Avaliação da Reforma Universitária

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SUMÁRIO

Introdução... 13

1. Gêneros textuais... 16

1.1. A noção de gênero para Flairclough... 17

1.2. A noção de gênero para Bazerman... 25

1.3. A noção de gênero para Bronckart... 30

1.4. Gêneros na perspectiva bakhtiniana... 36

2. Práticas avaliativas: contextualização... 47

3. A avaliação em rede no ensino superior... 60

3.1. A avaliação em rede no ensino superior no contexto brasileiro... 62

4. Análise do corpus... 67

4.1. As questões discursivas no ENADE... 69

4.1.1. As questões discursivas no componente específico de Psicologia... 70

4.1.2. As questões discursivas no componente específico de Secretariado Executivo... 74

4.1.3. As questões discursivas no componente específico de Administração... 78

4.2. Os gêneros discursivos mais utilizados nas práticas profissionais de Administração, Psicologia e Secretariado Executivo... 82

5. Considerações finais... ... 125

6. Referências ... 89

ANEXO 01 – Questionário para cadastramento de voluntários da pesquisa ANEXO 02 – Prova do ENADE 2006 para estudantes de Psicologia

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INTRODUÇÃO

Todos os profissionais lidam, em suas atividades diárias, com inúmeras práticas sociais, que incluem aquelas que se constituem por meio da linguagem. A forma de concretização dessas práticas sociais linguísticas dá origem ao que se denominam gêneros textuais.

Os gêneros nos ajudam a organizar e a estabilizar as ações da vida diária. Essas duas funções globais ganham relevo no mundo do trabalho, pois, cada ambiente social demanda certas ações próprias do domínio discursivo no qual se inscreve e o êxito comunicativo em cada ambiente depende, também, dos conhecimentos acerca dos modos como se estabelecem as interações, que devem obedecer a padrões relativamente estáveis. Nos ambientes de trabalho, esses padrões, muitas vezes, institucionalmente estabelecidos, são mais restritivos e exigem o domínio de conhecimentos mais específicos.

Por isso, a fim de preparar um profissional que possa experienciar de modo positivo o universo do mercado de trabalho, um curso de graduação deve propiciar ao futuro profissional oportunidades de lidar com as práticas sociais próprias do âmbito do trabalho do qual este fará parte. É imprescindível que o graduando tenha acesso a gêneros textuais desse universo e que aprenda a lidar com eles.

Todavia, o sofrível desempenho de profissionais recém formados em provas de concursos públicos denuncia que, em muitos contextos pedagógicos do ensino superior, há uma disparidade entre o que se estuda nos cursos de graduação, nas disciplinas em que se pretende desenvolver competências linguísticas, e aquilo que é de fato relevante para a inserção dos educandos nas mais diversas práticas sociais mediadas pela linguagem, especialmente no que diz respeito às práticas necessárias à sua atuação profissional.

Isso ocorre porque, em muitos casos, o ensino de língua materna, desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, ainda atua dando ênfase à memorização e reprodução de conteúdos formais, que, assim, são estudados como se tivessem fim em si mesmos.

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Desse modo, formam-se pessoas reprodutoras das interpretações das autoridades reconhecidas e legitimadas socialmente, em vez de cidadãos capazes de analisar criticamente e compreender o mundo à sua volta e de assumirem-se como sujeitos de seus discursos.

Conseqüentemente, essas práticas pedagógicas perpassam toda a vida escolar e chegam legitimadas à universidade, uma vez que correspondem àquilo que a sociedade conhece e já espera do ensino. Logo, permanecem as práticas de ensino que visam à transmissão de conhecimentos com o objetivo de verificar, em seguida, se os alunos

“aprenderam” os conteúdos que lhes foram “passados”.

De acordo com essa concepção, os indivíduos, atores/construtores sociais que se engajam em práticas sócio-comunicativas reais, contraditoriamente, aprendem uma língua apenas para (1) cumprir com suas obrigações de educandos e (2) mostrar um bom

desempenho nos testes aos quais serão submetidos ao longo do processo de “aprendizagem”.

Acreditamos que urgem mudanças nesses encaminhamentos pedagógicos, a fim de que o ensino, principalmente no que diz respeito à disciplina de Língua Portuguesa, nos diversos cursos em que é oferecida, cumpra com seu verdadeiro papel, que é o de contribuir para o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, que precisam dessa competência para agir socialmente.

Dada essa importância que os instrumentos de avaliação assumem no contexto educacional brasileiro, parece pertinente que essas mudanças se verifiquem nessas provas, uma vez que, em muitos casos, elas podem interferir nas escolhas relativas ao currículo da disciplina de Língua Portuguesa nos cursos de graduação, principalmente quando se trata de instrumentos de avaliação oficiais, como o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE).

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Como é de grande interesse às Instituições brasileiras de ensino superior obter um resultado positivo nessa avaliação, compreende-se por que aquilo que se aborda nessa prova e de que forma é feita essa abordagem é tão relevante na formulação do programa de Língua Portuguesa no ensino superior.

Por esse motivo, consideramos relevante analisar testes do ENADE, a fim de verificar se, nesses instrumentos, há uma variedade de gêneros significativa e se os gêneros abordados têm relação com as práticas sociais mediadas pela linguagem necessárias à atuação profissional nos cursos avaliados, os quais são: Administração, Psicologia e Secretariado Executivo.

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CAPÍTULO 1 – GÊNEROS TEXTUAIS

Os gêneros textuais despertam o interesse do homem desde longa data: o fenômeno começou a ser estudado por Platão há pelo menos vinte e cinco séculos, quando era tratado como uma categoria discursiva com aspirações exclusivamente literárias. Posteriormente, com Aristóteles, tem início o desenvolvimento de um estudo mais sistemático acerca da teoria dos gêneros, que são divididos em três categorias de discurso retórico: (1) discurso deliberativo; (2) discurso judiciário e (3) discurso epidítico.

De acordo com Aristóteles, ao primeiro tipo de discurso correspondem os textos cuja função seria aconselhar/desaconselhar, voltando-se para o futuro. Ao segundo tipo podem ser associados os textos cujo propósito comunicativo consistiria em acusar ou defender, relacionando-se ao passado. Por fim, ao terceiro tipo estão ligados os textos cujo objetivo incluiria o elogio ou a censura, situando-se no presente.

Esse estudo teve continuidade ao longo da Idade Média, Renascimento e Modernidade. Todavia, nas últimas décadas do século XX, os gêneros passam a ser tratados no campo de várias ciências, despertando o interesse epistemológico de sociólogos, antropólogos, analistas do discurso, entre outros pesquisadores. Em relação às diversas áreas que se dedicam a esse tema, neste trabalho destaca-se a Lingüística, que deu um novo enfoque às pesquisas com gênero.

De acordo com a nova perspectiva adotada, a noção de gênero já não se restringe apenas àqueles de caráter literário, mas engloba também os textos resultantes do uso da língua no cotidiano. Começou, então, a se mostrar necessária a realização de trabalhos sistemáticos de pesquisa que analisem os gêneros em toda a sua complexidade sócio-cultural e cognitiva.

Essa mudança de perspectiva no estudo dos gêneros se deve ao reconhecimento de que qualquer manifestação verbal (literária ou não) ocorre por meio de algum texto, que, por sua vez, sempre se realiza por meio de algum gênero. Logo, é forçoso admitir que só existe comunicação verbal materializada em algum gênero de texto. Como as atividades que implicam a utilização da língua na sociedade atual são muito diversificadas, compreende-se por que existe uma grande variedade de gêneros, cuja identificação nem sempre é clara e encontra uma denominação comum a todos que se dedicam ao estudo da linguagem.

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bastante pluralista. Esses conceitos variam de acordo com as abordagens que podem ser adotadas, que, geralmente, se distribuem entre as abordagens sócio-semióticas, sócio-retóricas e sócio-discursivas.

Apesar da divisão entre abordagens distintas, convém salientar que não há oposições contundentes entre elas. Na verdade, os cruzamentos teóricos são tão intensos que

todas elas adotam o prefixo “sócio”, visto que, entre outros aspectos convergentes, priorizam

o caráter social da linguagem e não o estrutural.

Todavia, como não podia deixar de ser, apresentam características peculiares que permitem a sua divisão em linhas teóricas distintas. As abordagens sócio-semióticas geralmente utilizam aportes do funcionalismo de Halliday, das análises críticas e da teoria textual. As abordagens sócio-retóricas, por sua vez, retomam, em sua maioria, a retórica de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1958), a teoria do texto e as posições etnográficas acerca do discurso. Por fim, as abordagens sócio-discursivas, na maioria das vezes, assumem concepções da análise do discurso, da teoria do texto e das teorias enunciativas.

1.1. A NOÇÃO DE GÊNERO PARA FAIRCLOUGH: UM EXEMPLO DA ABORDAGEM SÓCIO-SEMIÓTICA

Fairclough não se dedica à construção de uma teoria acerca dos gêneros, seu trabalho visa ao desenvolvimento de um aparato teórico-metodológico que permita a análise não só dos textos, mas também da interação entre os textos e as estruturas sociais. Por esse motivo, para discutir sua concepção a respeito dos gêneros, é imprescindível aliar à discussão suas elaborações sobre a linguagem em geral.

Para tanto, torna-se necessário situar suas elaborações no contexto da Análise Crítica do Discurso (ACD), cujo maior interesse é o estudo do papel exercido pela linguagem nas relações de poder estabelecidas em uma sociedade.

Em relação à ACD, pode-se dizer que surgiu, no final dos anos 1980, com base na Lingüística Crítica, que havia se formado uma década antes. Na verdade, foram desenvolvidas várias abordagens críticas: além da Lingüística Crítica e da Análise Crítica do Discurso, surgiram a Lingüística Aplicada Crítica, a Semiótica Social, a Consciência Crítica do Discurso etc.

Na abordagem desenvolvida por Flairclough, a qual nasce das avaliações críticas que o

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destaque ao papel exercido pela linguagem na condução da vida social, criticando as abordagens que ignoravam as conexões entre o uso de formas discursivas e as relações sociais de poder.

Assim, a ACD de Flairclough configura-se como uma tentativa de teorização que pudesse criar uma interação entre discurso e estruturas sociais, de que careciam as demais abordagens, na visão desse cientista. Com tal abordagem, Flairclough aspirava à possibilidade de compreender como os textos são produzidos e interpretados no âmago das sociedades, levando em consideração as relações de poder, que constituem os discursos, ao mesmo tempo em que são constituídas por eles.

Para compreender a interação existente entre a linguagem e as relações de poder, torna-se importante esclarecer a distinção entre texto e discurso.

De acordo com a ACD, os sujeitos, que se constituem como agentes sociais, estão inseridos em uma rede de relações sociais, que acontecem em agrupamentos sociais específicos, os quais, com suas restrições e permissões, são controlados por instituições organizadas socialmente. Esses agrupamentos apresentam práticas, significados e valores próprios, os quais se expressam por meio da linguagem.

Os valores e significados das diferentes instituições que constituem esses agrupamentos sociais são articulados pela linguagem através de afirmações que, em conjunto, compõem um discurso. O texto, por sua vez, diz respeito à entidade física que materializa o(s)

discurso(s), que se configura(m) como maneiras de conceber a realidade.

Cada instituição tem os discursos, os quais estão imbuídos de ideologias, constituindo-se como formas de exercício de poder e domínio de alguns indivíduos sobre outros. Os textos , por meio dos quais os sujeitos se comunicam e praticam ações sociais, materializam os discursos, sendo organizados por eles.

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entre os participantes de um evento discursivo, o tipo de evento social, os propósitos comunicativos etc), realiza um trabalho aquém do necessário.

Para Flairclough, a carência nesse trabalho deve-se ao fato de que se enfatiza unilateralmente a relação entre língua e fatores sociais, pois é considerada apenas a possibilidade de as relações sociais influenciarem o uso da linguagem, desconsiderando o fato de que esse uso também pode constituir, reproduzir ou modificar as variáveis sociais. Além disso, o estudioso considera superficiais os aspectos sociais analisados nessa abordagem, uma vez que se ignoram, de acordo com a sua visão, as estruturas sociais mais profundas, tais como as relações entre as classes sociais, os modos pelos quais as instituições sociais se articulam, entre outras.

Por isso, Flairclough (2001, p. 90), ao usar o termo discurso, propõe “considerar o uso

de linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou

reflexo de variáveis situacionais”.

O autor compreende o discurso não apenas como uma forma de representação da realidade, mas como uma forma de ação que permite aos indivíduos agir sobre o mundo e sobre os outros.

De acordo com Flairclough (2001, p. 91),

o discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.

Em conformidade com essa visão, o Flairclough (2001, p. 92) apresenta o que considera ser as três funções da linguagem: a identitária, a relacional e a ideacional. Como,

para o autor, esse poder do discurso de constituir todas as dimensões da estrutura social exerce três papéis principais: (1) construir as identidades sociais; (2) construir as relações sociais entre as pessoas e (3) construir os sistemas de conhecimento e crença existentes em uma sociedade.

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respeito à função relacional. E, por fim, à função ideacional cabe o papel de significar o mundo e seus processos, entidades e relações.

Essas funções constitutivas das práticas discursivas, para Flairclough, são tanto convencionais como criativas, à medida que podem reproduzir as estruturas sociais já existentes e/ou mudá-las, criando estruturas novas.

O autor ressalta que é necessário compreender essa relação entre os discursos e as práticas sociais como dialética, a fim de que não seja dada maior ênfase à determinação social do discurso ou à construção do social no discurso. Uma ênfase maior tanto em um quanto em outro aspecto se constituiria como um equívoco, pois o discurso não deve ser visto como um

“mero reflexo de uma realidade social mais profunda” tampouco deve ser visto como “fonte do social” (FLAIRCLOUG, 2001, p. 92).

Para Flairclough (2001), o discurso deve ser visto como uma forma de prática social. Como o discurso se manifesta em textos, que se realizam por meio de gêneros, é pertinente chegar à conclusão de que o discurso é uma forma de prática social que se realiza através de gêneros específicos.

Assim, concebendo o discurso como prática social, a abordagem desenvolvida por Flairclough não atribui à produção de sentidos para um texto uma dimensão meramente cognitiva, visto que enfatiza a importância dos aspectos sociocognitivos nos recursos empregados pelos indivíduos durante a leitura e a produção de textos.

De acordo com essa abordagem, os discursos moldam a forma como os recursos cognitivos serão usados pelos indivíduos engajados em práticas de uso da linguagem. Assim, os textos significam o que os discursos permitem. No entanto, isso não significa que haja uma relação determinista, uma vez que a relação existente entre práticas discursivas e práticas sociais é bidirecional: os discursos podem ser influenciados e novas realidades podem ser criadas por meio de textos. Logo, as realidades criadas por meio de práticas discursivas não se configuram como verdades absolutas, visto que se constituem como criações sociais.

Desse modo, os discursos constroem realidades sociais. Portanto, os textos, que materializam os discursos, são concomitantemente uma unidade semântica e uma forma de (inter)ação, refletindo processos discursivos e socioculturais relacionados a estruturas sociais.

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Segundo Flairclough (2001, p. 94), “o discurso como prática ideológica constitui,

naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo de posições diversas nas relações

de poder”.

Essas relações de poder, por meio dos discursos, privilegiam certos grupos de indivíduos em detrimento de outros, utilizando formas institucionalizadas de avaliar o mundo e instrumentos de preservação do poder de determinados grupos. Ou seja, os discursos mantêm as relações de poder existentes em uma dada sociedade por meio da ideologia e das hegemonias.

Para explicar o que compreende como sendo ideologia, Flairclough (2001) recorre à concepção apresentada por Althusser (1992), para quem a ideologia é materializada nas práticas discursivas inseridas nas práticas das instituições (tais como a educação e a mídia),

que constituem os “aparelhos ideológicos de estado”. Para Althusser, a ideologia interpela os sujeitos, constituindo-os por meio do discurso.

Flairclough (2001) discorda da posição defendida por Althusser, pois a considera

unilateral, visto que, nesse contexto, a ideologia se constitui como um “cimento social universal”, ao reproduzir uma ideologia dominante, excluindo a possibilidade de luta, contradição e transformação.

Diante disso, Flairclough (2001, p. 117) explica que entende as ideologias como

significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de dominação.

Embora reconheça que as ideologias, em circunstâncias específicas, quando estão embutidas nas práticas discursivas e naturalizadas pelo senso comum, servem para manter relações de dominação, Flairclough (2001) defende a tese de que é possível haver lutas ideológicas nas práticas discursivas, que podem levar a reestruturações ou transformações nessas relações de poder.

Assim, Flairclough (2001) rejeita a perspectiva teórica que privilegia a reprodução ideológica, a qual apresenta as convenções sociais como muito mais delimitadoras do que realmente são, e reconhece a ideologia como processo de transformação e fluidez localizada no evento discursivo.

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a teoria althusseriana do sujeito exagera a constituição ideológica dos sujeitos e, conseqüentemente, subestima a capacidade de os sujeitos agirem individual ou coletivamente como agentes, até mesmo no compromisso com a crítica e na oposição às práticas ideológicas. O autor ressalta que é possível que as pessoas achem difícil entender que suas práticas normais estão investidas de ideologias, já que elas são naturalizadas e automatizadas, contudo isso não impede que suas práticas sejam interpretadas como de resistência, uma vez que podem ser realizadas mudanças ideológicas, desde que seja construída uma consciência crítica acerca dos processos ideológicos que constituem os discursos.

Diante disso, Flairclough (2001 p. 121), apesar de reconhecer que as práticas discursivas são investidas ideologicamente a fim de manter relações de poder, admite que essas relações podem ser reestruturadas pelas práticas discursivas, de modo que conclui que

“nem todo discurso é irremediavelmente ideológico” ou que os discursos não são investidos

de ideologia no mesmo grau.

De acordo com Flairclough (2001, p. 121),

as ideologias surgem nas sociedades caracterizadas por relações de dominação com base na classe, no gênero social, no grupo cultural, e assim por diante, e, à medida que os seres humanos são capazes de transcender tais sociedades, são capazes de transcender a ideologia.

Do mesmo modo como a ideologia se utiliza do discurso, a hegemonia também precisa

das práticas discursivas para que se realize. Para Flairclough (2001, p. 122), “hegemonia é

liderança tanto quanto dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de

uma sociedade”.

Flairclough (2001) compreende a hegemonia como a dominação de uma classe favorecida economicamente sobre o restante da sociedade. Todavia esse domínio não se realiza plenamente, de tal maneira que o autor reconhece apenas a manutenção de um 'equilíbrio instável' de forças, visto que essa dominação não é total e atemporal.

Além disso, o cientista faz questão de ressaltar que uma classe não domina as outras exclusivamente por meio da imposição, mas são utilizadas estratégias para obter alianças com as demais classes, conquistando alianças.

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Essas relações de subordinação que permitem aos grupos dominantes a criação de alianças com os grupos restantes são estabelecidas por meio de estratégias que implicitamente visam à conquista do consentimento da sociedade como um todo para manter as relações de poder existentes. Essas estratégias são desenvolvidas por meio do discurso, que contribuirá para estabelecer e manter essas relações de subordinação.

Apesar dessas considerações, Flairclough (2001) atribui ao discurso um poder emancipatório, pois, ao mesmo tempo em que estabelece relações que conduzem à dominação, podem enfraquecer as alianças obtidas com as classes dominadas. Ou seja, o 'equilíbrio instável' obtido pode ser desestruturado por discursos de grupos conscientes da luta hegemônica.

Diante disso, Flairclough (2001, p. 121, 122) afirma que:

a prática discursiva, a produção, a distribuição e o consumo (como também a interpretação) de textos são uma faceta da luta hegemônica que contribui em graus variados para a reprodução ou transformação não apenas da ordem de discurso existente (por exemplo, mediante a maneira como os textos e as convenções prévias são articulados na produção textual), mas também das relações sociais e assimétricas existentes.

Logo, as hegemonias existentes em uma sociedade podem ser reproduzidas, reestruturadas ou desafiadas quando se desenvolve uma consciência crítica a respeito das práticas sociais às quais pertencem os discursos que legitimam relações de poder. Com isso, percebe-se que as próprias práticas discursivas podem ser concebidas como um modo de luta hegemônica que reproduz ou cria relações de poder no âmbito social.

Assim, como estão inseridas na luta hegemônica, ao mesmo tempo em que a constituem, e tendo-se em vista que as hegemonias têm dimensões ideológicas, conclui-se que as práticas discursivas são investidas ideologicamente, o que não as impede de promover mudanças sociais.

Portanto, Flairclough (2001) analisa as práticas discursivas como coercitivas e capacitadoras, pois tanto podem repetir e reforçar quanto podem questionar e desafiar as práticas sociais instauradas.

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ideológicas, explicitando que as “realidades” não são absolutas, mas criações sociais às quais

é possível resistir.

Os discursos, materializados nos textos, são responsáveis pela manutenção ou transformações das relações de poder existentes em uma sociedade. Assim, os textos são perpassados por discursos, os quais são imbuídos de ideologias, e mantêm ligações com os textos que os precedem e proporcionarão condições para que sejam sucedidos por outros textos. Flairclough (2001) afirma que é possível verificar em cada texto o reflexo das estruturas sociais criadas, uma vez que refletem identidades, estilos, relações de poder e formas de representar o mundo.

Nessa perspectiva, Flairclough (2001) reconhece a existência de gêneros, que refletem e constituem discursos e rotinas sociais. O autor percebe uma estreita ligação entre os gêneros e as hegemonias/ideologias. Admite que os gêneros permitem a realização de textos, os quais são perpassados por discursos, que apresentam investimentos ideológicos, bem como verifica que a escolha e o uso de determinados gêneros em situações sociais específicas são legitimados socialmente em virtude das relações hegemônicas estabelecidas.

Assim, Flairclough (2001, p. 161) concebe gênero como “um conjunto de convenções

relativamente estável que é associado com, e parcialmente representa, um tipo de atividade

socialmente aprovado”. O autor defende que um gênero não se limita a um tipo específico de

texto, visto que diz respeito a processos particulares de produção, distribuição e consumo de textos, o que, para Flairclough, torna sua concepção intrinsecamente relacionada à prática social.

Flairclough (2001) explica que toda sociedade constrói configurações particulares de gêneros, que se relacionam uns com os outros e com as práticas nas quais se inserem, formando um sistema, que reproduz relações sociais, mas também se encontra aberto à mudança.

Segundo Gomes (2003, P. 161),

gênero discursivo é um elemento integrador de outros elementos sociodiscursivos, constituindo identidades sociais, relações sociais, crenças e valores. Em outras palavras, quando interagimos com o outro, nós o fazemos através da produção de gêneros discursivos inscritos na história política da sociedade.

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pistas de rotinas sociais complexas. Ele enfatiza que os estudos sobre gêneros devem analisar esses traços e pistas, a fim de evidenciar como os discursos e rotinas sociais se refletem neles.

Para Flairclough (2001) é imprescindível que as análises não se restrinjam a aspectos textuais, que ele considera superficiais, mas que considerem os investimentos ideológicos presentes nos gêneros e como as formas de dominação estabelecidas socialmente atuam na escolha e legitimação dos gêneros.

1.2. A NOÇÃO DE GÊNERO PARA BAZERMAN: UM EXEMPLO DA ABORDAGEM SÓCIO-RETÓRICA

De acordo com Bazerman (2005), a organização dos grupos sociais é constituída pela produção, circulação e uso ordenado dos textos envolvidos nas atividades desenvolvidas por esses grupos, de modo que o uso de textos cria novas realidades de significação, relações e conhecimentos. Os fatos sociais são realizados à medida que os textos necessários a esses fatos são produzidos, afetando ações, direitos e deveres das pessoas.

Segundo o autor (2005, p. 22), “cada texto se encontra encaixado em atividades sociais

estruturadas e depende de textos anteriores que influenciam a atividade e a organização

social”. Além de estarem relacionados aos precedentes, esses textos são levados em

consideração em atividades subseqüentes, de tal maneira que cada texto se relaciona aos que lhe precedem e aos que lhe sucedem também.

Quando alcança satisfatoriamente os objetivos a que se propõe, um texto, conforme salienta Bazerman (2005, p. 22), cria um fato social, o qual é constituído de ações sociais

significativas realizadas pela linguagem. Essas ações, que também podem ser designadas como atos de fala, são realizados por meio de “formas textuais padronizadas, típicas e,

portanto, inteligíveis, ou gêneros, que estão relacionadas a outros textos e gêneros que ocorrem em circunstâncias relacionadas” (BAZERMAN, 2005, p. 22, grifo do autor).

Assim, percebe-se que, para Bazerman, não é desprezível a relação que se estabelece entre gênero e fato social. Por esse motivo, para compreender a noção de gênero defendida

pelo autor, é necessário se apropriar da sua concepção de fato social.

Bazerman (2005, p. 23) explica que “fatos sociais são coisas que as pessoas acreditam

que sejam verdadeiras e, assim, afetam o modo como elas definem uma situação”. Ao

(28)

Assim, se as pessoas acreditam que um determinado cidadão é o governante de um dado estado e se julgam procedente que esse cidadão exerça determinado poder, elas considerarão legítimas as ordens dadas por essa pessoa, as quais criarão fatos sociais.

É interessante observar que a autoridade desse governante é, portanto, baseada em acordos e instituições sócio-políticas desenvolvidas historicamente. Ela não é regida pelas forças da natureza, pois precisou da legitimação da sociedade para se tornar real, de modo que, se não houver mais essa legitimação (no caso, por exemplo, de um golpe de estado ou do fim de um mandato), a autoridade desse cidadão não será mais respeitada e, com isso, não haverá mais um fato social.

Logo, chega-se à conclusão de que, para que um dado acontecimento seja reconhecido como um fato social, é necessário que ele seja compartilhado entre os indivíduos que compõem a sociedade na qual esse fato acontece. Se apenas um indivíduo se considera o governante de um estado, por mais que considere esse fato verdadeiro, ele não se consumará como fato social, visto que não foi compartilhado pelos demais cidadãos. Quando um fato não é aceito apenas por um pequeno grupo que compõe a sociedade, ou seja, não é compartilhado pela maioria, não se tornando um fato social, pode haver conflitos.

Para evitar a existência de crises, os fatos sociais são determinados por textos. As instituições sociais definem fatos sociais requeridos, exemplares textuais aceitáveis como verdadeiros para que algo se torne um fato social. Cada fato social exige exemplares textuais específicos. Conseqüentemente, os fatos sociais dependem de formulações verbais específica e apropriadamente realizadas, as quais constituem os atos de fala.

Para a compreensão do fenômeno dos atos de fala, é importante o pressuposto de que palavras não se limitam à representação do mundo, elas exercem um papel além da mera significação: as palavras fazem coisas, realizam ações. Segundo Bazerman (2005, p. 25),

“como resultado de uma série de palavras ditas, no tempo apropriado, em circunstâncias

apropriadas e pela pessoa apropriada, alguém será obrigado a fazer alguma coisa”.

O autor considera essa afirmação verdadeira também para as palavras escritas, o que leva à conclusão de que todo ato enunciativo (por meio da língua oral ou escrita) incorpora atos de fala. No entanto, para que um enunciado realize um ato de fala, ele precisa ser

produzido “pela pessoa certa, na situação certa, com o conjunto certo de compreensões”

(BAZERMAN, 2005, p. 26).

(29)

Essa análise dos atos de fala foi extensamente desenvolvida por Austin (1990), que conseguiu distinguir três níveis distintos entre os atos de fala:

I. Ato locucionário: compreende o que se diz literalmente. É o próprio ato proposicional. II. Ato ilocucionário: está relacionado às intenções do produtor textual. É o que ele deseja

que seu interlocutor deduza ou compreenda de seu enunciado.

III.Efeito perlocucionário: diz respeito aos sentidos construídos pelo(s) interlocutor(es), à

forma como os atos são recebidos e às conseqüências que produzem.

Assim, o ato locucionário (produção de um enunciado) é imbuído de uma força locucionária (intenção do produtor), que deve ser reconhecida pelo interlocutor, obtendo, assim, o efeito perlocucionário (modo como as pessoas recebem os atos) desejado. Quando há condições de felicidade satisfatórias, que possibilitam o efeito perlocucionário almejado, as asserções feitas são consideradas fatos sociais.

De acordo com Bazerman (2005, p. 28),

o problema de defender a verdade de proposições se torna uma questão de satisfazer as condições de felicidade que levarão os ouvintes relevantes a aceitarem as afirmações como verdadeiras, estabelecendo assim a convergência do efeito perlocucionário com sua intenção ilocucionária.

Contudo, nas situações em que essa convergência não ocorre, o efeito perlocucionário obtido não é compatível com a intenção ilocucionária. Situações como essa são consideradas potencialmente perigosas quando se trata de textos escritos, pois o produtor textual, geralmente, não está presente no momento da leitura pelo seu interlocutor, cuja recepção imediata não pode observar a fim de corrigir possíveis efeitos perlocucionários indesejados.

(30)

familiarizam, passando a reconhecer as intenções que motivam a escolha dessas formas tipificadas em situações relativamente recorrentes.

Assim, Bazerman enfatiza que (2005, p. 29),

podemos antecipar melhor quais serão as reações das pessoas se seguimos essas formas padronizadas e reconhecíveis. Tais padrões se reforçam mutuamente. As formas de comunicação reconhecíveis e auto-reforçadas emergem como gêneros.

Conseqüentemente, os gêneros se constituem como formas de enunciados

padronizados que realizam ações em determinadas circunstâncias, ações essas que podem ser facilmente reconhecidas pelos membros da sociedade, cujos modos de interpretação acerca da intenção motivadora desses enunciados são compartilhados.

De acordo com o autor (2005, p. 30), essa é uma definição de gênero “um pouco

diferente daquela noção mais trivial que temos de gêneros; no entanto, é compatível com ela”. Ele atribui a essa “noção mais trivial” o reconhecimento de gêneros por suas características

textuais. Bazerman (2005, p. 30) explica que:

com o passar de nossas vidas, reconhecemos muito rapidamente quando um texto pertence a um ou outro tipo familiar, geralmente porque reconhecemos algumas características textuais que sinalizam que tipo de mensagem pode ser aquela.

Entretanto, conforme defende o autor, essa visão de gênero através de características textuais, embora seja útil, mostra-se incompleta e enganadora, visto que “ao ver os gêneros

apenas caracterizados por um número fixo de elementos, estaremos vendo os gêneros como atemporais e iguais para todos os observadores” (BAZERMAN, 2005, p. 31).

O lingüista norte-americano dá ênfase ao papel das diferenças de percepção e compreensão, ao uso criativo da comunicação a à mudança no modo de compreender os gêneros com o passar do tempo, aspectos que, segundo o autor, são desprezados quando a análise dos gêneros tem como principal critério as características textuais sinalizadas nas produções concretas.

De acordo com essa perspectiva, Bazerman (2005) compreende os gêneros como

fenômenos de reconhecimento psicossocial engajados nas atividades desenvolvidas para que

(31)

gênero como “fatos sociais sobre os atos de fala que as pessoas podem realizar e sobre os

modos como elas os realizam”.

Ele esclarece que os gêneros surgem no interior das atividades sociais em que os indivíduos procuram coordenar suas ações a fim de que haja a compreensão mútua, compartilhando significados tendo em vista os seus propósitos de ordem prática.

Assim, os gêneros, na visão do autor, surgem de modo organizado, exercendo papéis definidos em atividades específicas para as quais são criados. Para compreender como eles se configuram e se enquadram no âmago dessas atividades, Bazerman (2005, p. 32) propõe que sejam considerados outros conceitos relevantes: conjunto de gêneros, sistema de gêneros e sistema de atividades.

Para o lingüista, os gêneros produzidos por uma pessoa no exercício de um dado papel social constituem um conjunto de gêneros. Fazer o levantamento do conjunto de gêneros

produzido por um indivíduo que está exercendo uma dada função (um papel profissional, por exemplo) é uma forma de identificar uma parcela considerável de seu trabalho.

A coleção dos diversos conjuntos de gêneros produzidos por pessoas que, de maneira organizada, trabalham juntas e as relações padronizadas resultantes da produção e circulação desses textos, conforme expõe Bazerman, criam um sistema de gêneros. Compreender o

sistema de gêneros envolvido na realização de determinada atividade é importante para reconhecer o fluxo comunicativo típico usado pelas pessoas envolvidas nessa atividade. Isso é feito por meio da identificação das seqüências regulares com que um gênero segue o outro no decorrer dessa atividade.

Essa noção de sistema de gêneros está intrinsecamente ligada à de sistema de atividades, que diz respeito, segundo o autor, ao frame que organiza a realização dos trabalhos

e pode ser mais facilmente compreendida quando se identifica o sistema de gêneros em que as pessoas estão envolvidas.

Para Bazerman (2005, p. 34), essas noções são relevantes para que os gêneros não

sejam considerados como fins em si mesmo, mas como formas de compreender “o que as

pessoas fazem e como os textos ajudam as pessoas a fazê-lo”.

(32)

Portanto, para que a comunicação seja bem-sucedida, torna-se importante observar as regularidades nas propriedades das situações recorrentes, o que permite a extração de semelhanças significativas e distintivas reconhecidas pelos usuários da língua, que, assim, podem criar as recorrências de forma e de conteúdo que dão origem aos gêneros.

Desse modo, compreende-se por que Bazerman (2005, p. 31) afirma que “os gêneros

tipificam muitas coisas além da forma textual. São parte do modo como os seres humanos dão

forma às atividades sociais”.

1.3. A NOÇÃO DE GÊNERO PARA BRONCKART: UM EXEMPLO DA ABORDAGEM SÓCIO-DISCURSIVA

Para tratar da noção de gênero para Bronckart, convém ressaltar que não se pode

atribuir ao autor isoladamente um conceito de gênero, porquanto o que convencionalmente se atribui a Bronckart é,em geral, o produto de trabalhos desenvolvidos pelo grupo de pesquisadores da Unidade de Didática de Línguas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Entre os lingüistas que compõem o grupo se destacam, além de o próprio Bronckart, os pesquisadores Schneuwly e Dolz.

Esse grupo é responsável por trabalhos cuja importância foi fundamental para a constituição do interacionismo sociodiscursivo, que encontrou nas teorias de Vygotsky e na abordagem marxiana sua fonte de referência.

A obra que publicamente dá início às pesquisa do grupo (Bronckart et al., 1985) visava à comprovação de que, para condições de produção diferentes, havia diferentes tipos de textos (gêneros textuais). Ao tratar desses diferentes tipos de textos, os autores não apresentavam uma definição explícita de gênero, que eram tratados de acordo com a rotulação social que lhes era usualmente atribuída.

Por esse motivo, ao tecer considerações sobre essa obra, Machado (2005, p. 242) afirma que havia uma concepção de gênero subjacente, a qual consistia em defini-lo como

aquilo que sabemos que existe nas práticas de linguagem de uma sociedade ou aquilo que seus membros usuais consideram como objetos de suas práticas de linguagem” (grifos da

autora).

(33)

para a compreensão do fenômeno dos gêneros textuais já devidamente elaborados. Essas noções dizem respeito aos tipos de discurso e às seqüências discursivas.

O conceito e a classificação dos tipos de discurso surgem com heranças das reflexões

de Benveniste acerca da situação de enunciação. Em relação à classificação, os tipos são

divididos em quatro categorias básicas: relato interativo, interativo, teórico e narração. Eles

são apresentados como segmentos de textos (ou o próprio texto como um todo) com características próprias em diferentes níveis, entre os quais convém considerar o nível semântico-pragmático; o morfossintático; o psicológico; o da planificação e o do texto.

No nível semântico-pragmático, é dada ênfase na relação existente com o contexto físico de produção, relação essa que pode ser de implicação ou de autonomia. Assim, o contexto físico estaria implicado na produção de tipos de discurso interativo e de relato interativo, enquanto haveria autonomia em relação ao contexto físico no caso da produção dos tipos de discurso teórico e de narração. Ainda no que diz respeito ao nível semântico-pragmático, pode haver uma relação de conjunção em função do tempo-espaço na produção do discurso interativo e do teórico, ao passo que, na produção do relato interativo e da narração, haveria uma relação de disjunção.

No nível morfossintático, marcando a relação existente entre o contexto e a apresentação dos conteúdos em cada tipo do discurso no que diz respeito ao tempo-espaço, haveria um conjunto de unidades lingüísticas discriminativas.

No nível psicológico, devem ser citadas as operações discursivas de interação, as quais são consideradas imprescindíveis à produção de qualquer um dos tipos de discurso.

No nível da planificação, é necessário enfatizar a existência de seqüências textuais que

organizam os conteúdos de cada tipo de discurso.

No nível do texto, salienta-se a possibilidade de um mesmo texto ser composto por apenas um tipo de discurso ou ainda a possibilidade de um único texto apresentar vários tipos.

Apesar de apresentarem características distintas, os tipos de discurso podem se mesclar, de modo que um único texto pode ser constituído por segmentos com características discursivas de mais de um tipo. Assim, não há como estabelecer formas de identificação de caráter mecânico, pois os tipos não podem ser definidos pela quantidade de unidades lingüísticas de que são compostos, é necessário, na realidade, fazer uma análise qualitativa de seu valor, para que haja o seu reconhecimento.

(34)

não se deve crer que há uma relação direta entre tipos discursivos e gêneros de texto. Mesmo admitindo que os tipos estão presentes em todos os textos, que, por sua vez, só se realizam por meio de algum gênero, o que leva à conclusão de que os tipos também se manifestam nos gêneros textuais, é necessário reconhecer que, para a definição dos gêneros, não é suficiente a identificação dos tipos discursivos.

Segundo Bronckart (1999), não é possível identificar um gênero com base no reconhecimento dos tipos discursivos, pois estes, teoricamente, podem combinar-se de infinitas maneiras. Um mesmo tipo pode se apresentar (ou compor predominantemente) inúmeros gêneros distintos, de modo que a identificação do tipo não conduz a uma relação direta com o gênero.

Contudo, é possível reconhecer grandes famílias de gêneros que apresentam um tipo discursivo como predominante, o que poderia levar à classificação de gêneros narrativos, expositivos, interativos ou de relato.

Outro aspecto importante a ser ressaltado é que não se devem confundir tipos de discurso com tipos de seqüências. O que Bronckart (1985; 1996) define como tipos discursivos não é equivalente ao que alguns autores, como Marcuschi (2002; 2008), por

exemplo, definem como tipos de texto ou de discurso, o que, em parte, corresponderia à noção

de tipos de seqüências.

Os tipos de seqüências apresentados por Bronckart (1999) são possíveis formas de

distribuição dos conteúdos nos textos. Segundo o autor, dividem-se em seis categorias:

narrativa, explicativa, argumentativa, expositiva, injuntiva e dialogal. Do mesmo modo como

nos tipos de discurso, é possível identificar os tipos de seqüências tomando como critério

diferentes níveis de análise: o nível semântico-pragmático; o morfossintático; o psicológico; o teórico; o de sua relação com os tipos de discurso e da relação com os textos.

No nível semântico-pragmático, constituem-se como formas de construção do mundo ordinário no mundo discursivo, por meio da narração, descrição, exposição, argumentação, injunção e do diálogo, conforme os efeitos que se queira produzir.

No nível morfossintático, sua identificação ocorre através das unidades lingüísticas típicas que os compõem.

(35)

No nível teórico, configuram-se como construtos teóricos que não podem ser considerados modelos imutáveis.

No nível de sua relação com os tipos de discurso, estabelecem uma relação com os tipos de discurso, uma vez que estes tendem a apresentar um ou outro tipo de seqüência.

No nível da relação com os textos, não apresentam relações invioláveis, de modo que um texto pode apresentar apenas um tipo de seqüência ou mais de um tipo, geralmente com um que predomina sobre os demais.

De acordo com a perspectiva desenvolvida por Bronckart (1999), Machado (2005) apresenta o seguinte quadro-síntese dos tipos de seqüências e suas respectivas representações dos efeitos pretendidos, acrescidos das fases correspondentes a cada tipo de seqüência.

Quadro 01 – Seqüências, representações dos efeitos pretendidos e fases correspondentes FONTE: MACHADO (2005, p. 246-247)

SEQÜÊNCIAS REPRESENTAÇÕES DOS EFEITOS PRETENDIDOS FASES Descritiva Fazer o destinatário ver em pormenor elementos de um objeto

do discurso, conforme a orientação dada a seu olhar pelo produtor

Ancoragem Aspectualização Relacionamento Reformulação

Explicativa Fazer o destinatário compreender um objeto de discurso, visto

pelo produtor como incontestável, mas também como de difícil compreensão para o destinatário

Constatação inicial Problematização Resolução

Conclusão/avaliação

Argumentativa Convencer o destinatário da validade do posicionamento do produtor diante de um objeto de discurso visto como contestável (pelo produtor e/ou pelo destinatário)

Estabelecimento de: - premissas

- suporte argumentativo - contra-argumentação - conclusão

Narrativa Manter a atenção do destinatário, por meio da construção de suspense, criado pelo estabelecimento de uma tensão e subseqüente resolução

Apresentação de: - situação inicial - complicação - ações desencadeadas - resolução

- situação final

Injuntiva Fazer o destinatário agir de certo modo ou em determinada direção

Enumeração de ações temporalmente subseqüentes

Dialogal Fazer o destinatário manter-se na interação proposta Abertura

(36)

Fechamento

Percebe-se que essas características podem ser encontradas em diversos gêneros, muitos dos quais apresentam mais de um desses tipos, não havendo relação direta entre o gênero em que o texto se materializa e os tipos de seqüências existentes no texto. Conseqüentemente, os tipos de seqüências não podem se constituir, assim como os tipos de discurso, como critérios para a identificação dos gêneros, que, no máximo, podem ser agrupados em grandes famílias que apresentam uma seqüência predominante (gêneros de cunho narrativo, descritivo, expositivo etc).

Por essa razão, Bronckart (1999) conclui que a análise dos gêneros não deve se ater às propriedades lingüísticas que os textos apresentam, pois identificações, classificações ou definições que adotem esse critério mostram-se falhas, visto que as propriedades internas são insuficientes para a caracterização dos gêneros.

Para tanto, o autor considera relevante o estudo dos gêneros como reguladores e como produtos das atividades sociais de linguagem.

De acordo com Bronckart (2003, p. 54), é necessário:

admitir que todo membro de uma comunidade lingüística é confrontado com

um universo de textos “já vistos”, universo organizado em “gêneros”

empíricos e históricos, ou seja, em formas de organização concretas que se modificam com o tempo.

Tendo em vista que se constituem como um elemento de aprendizagem social, essas formas de organização são apropriadas pelos sujeitos, que podem empreender desvios e reorganizações nas regularidades apresentadas, conforme o desenvolvimento de suas ações, que visam à realização de uma atividade. Nesse contexto teórico, torna-se imprescindível a distinção entre atividade e ação.

Segundo Bronckart (1999), as atividades determinam o funcionamento psíquico humano e se constituem como princípio motivador das ações individuais. Sendo assim, a atividade estaria ligada ao plano da coletividade, ao passo que a ação ao plano do individual. As atividades sociais são constituídas pelo conjunto das ações de cada indivíduo, cujos efeitos são orientados tendo em vista a realização das atividades sociais.

(37)

entorno social. Como as atividades são cada vez mais diversas, foi necessária a criação de ferramentas igualmente diversas, próprias para cada atividade.

As formas semióticas, assim como as ferramentas, surgiram para auxiliar o homem na realização dessas atividades. Assim, historicamente, o ser humano precisou se apropriar de ferramentas e formas semióticas, tais como os signos e as línguas, para que pudesse agir e, conseqüentemente, realizar as atividades sociais.

Em decorrência do uso dessas formas semióticas, os gêneros surgiram, no decorrer da história humana, como formas comunicativas estabilizadas de maneira relativamente forte, as quais estavam inseridas no quadro das atividades sociais, que apresentam esferas bastante diversificadas, o que deu origem à grande diversificação dos gêneros hoje existente.

Estando atrelados à necessidade humana de realizar determinadas atividades sociais, os gêneros pré-existem à ação, cuja realização auxiliam, constituindo-se como pré-construtos

que todo produtor pode usar para realizar ações de linguagem. Mas, para usar essa espécie de

ferramenta semiótica, cada produtor deve realizar uma análise da situação de ação, a fim de escolher o gênero mais pertinente à situação em que pretende agir.

Diante disso, não causará surpresa a constatação de que os gêneros emergem como

ferramentas semióticas complexas que possibilitam a realização de ações de linguagem com

objetivos que têm em vista a inserção dos indivíduos em atividades sociais específicas.

Essa inserção é possível graças ao conhecimento que vai sendo acumulado à medida que são vivenciadas diversas situações sociais que motivam o uso de gêneros diversificados. A ativação desse conhecimento permite que o indivíduo, ao se deparar com determinada situações social que exige uma ação de linguagem específica, possa escolher o gênero adequado aos seus propósitos.

No entanto, não se deve concluir que o homem consegue controlar os resultados de sua ação por meio de modelos que pré-existem à ação. Embora utilize os gêneros de acordo com o conhecimento que tem acerca de situações passadas, cada situação nova traz valores particulares cujo resultado, de certo modo, é sempre diferente, o que confere a cada texto um estilo particular.

(38)

1.4. GÊNEROS NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA

Todas essas abordagens, de algum modo, ancoram-se na teoria de gêneros desenvolvida por Bakhtin (2000), que será a perspectiva adotada neste trabalho.

O autor (2000) desenvolve sua teoria ao constatar que a utilização da língua se efetua por meio de enunciados concretos e únicos, que podem ser tanto orais quanto escritos. Além disso, Bakhtin defende que todas as atividades humanas, de algum modo, estão relacionadas à linguagem e, uma vez que essas atividades são bastante diversificadas, o caráter e o modo de utilização da língua também será diversificado.

Sendo assim, justifica-se por que há tantos tipos diferentes de enunciados circulando socialmente, pois cada esfera de atividade humana necessita de que sejam realizados

enunciados específicos. A esses “tipos relativamente estáveis de enunciados” Bakhtin (2000,

p. 279) atribui o nome de gêneros do discurso.

Conseqüentemente, para que se possa compreender suas considerações acerca dos gêneros, mostra-se necessário revisitar as formulações do autor sobre o enunciado.

Embora haja teorias que tratam o enunciado como um elemento de caráter lingüístico sinônimo de frase, Bakhtin (2002) apresenta-o como uma unidade de significação produzido numa situação real de comunicação.

Por esse motivo, na perspectiva bakhtiniana, não se pode confundir enunciado e frase, visto que, enquanto esta pode ser repetida (uma vez que se constitui como uma seqüência de palavras organizadas de acordo com a sintaxe da língua), esse é único, porquanto é necessariamente contextualizado e, ainda que a mesma frase se repita, o contexto já não será o mesmo, o que faz com que o enunciado não seja o mesmo, ou seja, um enunciado nunca se repete.

Logo, o enunciado está diretamente associado às particularidades de sua enunciação. De acordo com Brait e Melo (2007, p. 65),

as noções enunciado/enunciação têm papel central na concepção de linguagem que rege o pensamento bakhtiniano justamente porque a linguagem é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social que inclui, para efeito de compreensão e análise, a comunicação efetiva e os sujeitos e discursos nela envolvidos.

(39)

concreto, é necessário que os sujeitos atuem em uma situação de enunciação, a qual se constitui numa dimensão discursiva, histórica, social e cultural.

Assim, os enunciados surgem nas diversas situações da vida prosaica, pública, institucional, artística, científica, filosófica etc. Eles são tão diversos quanto diversas são essas esferas da atividade comunicacional.

Como estão diretamente relacionados a essas esferas da atividade comunicacional, pode-se afirmar que estão centrados na função comunicativa, em detrimento da função expressiva. Ou seja, os enunciados são produzidos para promover a interação comunicativa e não apenas para expressar o mundo interior do falante.

A função comunicativa é tão relevante que, entre os enunciados, se estabelece um processo de interação ativa. Esse processo se opõe à posição defendida pela lingüística do

século XIX, segundo a qual a língua seria indispensável para que o homem formulasse seus pensamentos, constituindo-se como mais importante essa função expressiva e relegando a segundo plano a função comunicativa. De acordo com essa postura, a função maior da língua seria a formulação e expressão do pensamento, cumprindo sua função primordial ainda que o sujeito estivesse sozinho. Desse modo, a essência da língua se reduz à necessidade de expressão do mundo interior do indivíduo.

Ignora-se, portanto, a forçosa relação com o outro. A língua existiria sem a necessidade de comunicação, que seria apenas uma função secundária. Quando o outro é levado em consideração, nessa perspectiva, é apenas como um mero receptor do querer-dizer do locutor.

Conseqüentemente, esse esquema pressupõe a existência de um receptor passivo, ao qual Bakhtin (2002) se opõe, apresentando uma perspectiva em que toda compreensão se constitui como uma atividade, de modo que a concepção de uma compreensão passiva se torna uma contradição.

De acordo com Bakhtin (2000, p. 290),

nos cursos de lingüística geral (até nos cursos sérios como os de Saussure), os estudiosos comprazem-se em representar os dois parceiros da comunicação verbal, o locutor e o ouvinte (quem recebe a fala), por meio de um esquema dos processos ativos da fala do locutor e dos processo passivos

de percepção e de compreensão da fala no ouvinte. Não se pode dizer que esses esquemas são errados e não correspondem a certos aspectos reais, mas

quando estes esquemas pretendem representar o todo real da comunicação

(40)

Para evitar essa “ficção científica”, é necessário considerar o fato de que o ouvinte não

se limita a receber o discurso do locutor: ele concorda, discorda, refuta, modifica, acrescenta etc. Assim, todo processo de compreensão está intrinsecamente ligado à elaboração de uma resposta, que, ao ser produzida, forçosamente torna o ouvinte também um locutor.

Por esse motivo, Bakhtin (2000) defende a tese de que todo processo de compreensão é imbuído de uma resposta, ainda que essa resposta não seja imediatamente vocalizada, já que ela pode também se materializar por meio de um ato. Logo, todo ouvinte está engajado num processo de compreensão responsiva ativa.

Segundo o autor (2000, p. 290),

de fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude

responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa,

adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor.

Essa compreensão responsiva ativa já é, inclusive, esperada pelo locutor, que não

produz seu discurso apenas para que este seja inteligível, ele pressupõe uma resposta, que pode se realizar por meio de uma adesão, uma refutação, uma execução etc. Em outros termos, o locutor produz seu discurso já na expectativa da resposta de seu interlocutor. Essa resposta pode ser verbalizada imediatamente após a produção do discurso do locutor ou ter uma ação retardada, manifestando-se posteriormente nos enunciados que sucedem a esse discurso ou nas ações a serem realizadas pelo ouvinte.

Como todo discurso cria ecos nos enunciados que o sucedem, o autor reconhece a existência de uma cadeia complexa de enunciados. O próprio locutor, para Bakhtin (2000), ao produzir um enunciado, já está respondendo a outros enunciados que o precederam. Posicionando-se contra as idéias adâmicas, Bakhtin (2000, p. 319) afirma que:

o objeto do discurso de um locutor, seja ele qual for, não é objeto do discurso pela primeira vez neste enunciado, e este locutor não é o primeiro a falar dele. O objeto, por assim dizer, já foi falado, controvertido, esclarecido e julgado de diversas maneiras, é o lugar onde se cruzam, se encontram e se separam diferentes pontos de vista, visões de mundo, tendências.

(41)

enunciados subseqüentes, visto que se elabora já em função de uma reação-resposta, pois o outro a quem se dirige o locutor não tem o papel meramente passivo que se supunha.

Diante disso, compreende-se por que Bakhtin (2000, p. 316) defende que:

um enunciado concreto é um elo na cadeia da comunicação verbal de uma dada esfera. As fronteiras desse enunciado determinam-se pela alternância dos sujeitos falantes. Os enunciados não são indiferentes uns aos outros nem são auto-suficiente; conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente.

Esse processo em que os enunciados se refletem mutuamente só é possível graças à existência dessa cadeia complexa de comunicação verbal, ou seja, devido ao fato de que um enunciado está relacionado a outros que o precederam e aos que irão sucedê-lo numa esfera comum da comunicação verbal.

Essa característica essencial do enunciado manifesta-se até nas produções aparentemente monológicas, pois, por mais que um enunciado se concentre em seu objeto, ele sempre se constituirá como uma resposta a enunciados produzidos anteriormente sobre esse mesmo objeto.

Nos enunciados monológicos, esse caráter de resposta pode não ser tão perceptível,

mas é necessário lembrar que “um locutor não é o Adão bíblico, perante objetos virgens,

ainda não designados, os quais é o primeiro a nomear” (BAKHTIN, 2000, p. 319).

Dessa forma, todo enunciado se constitui como uma resposta a outros enunciados e se configura como um elo de uma cadeia à qual os enunciados seguintes darão continuidade. Logo, a existência dessa cadeia está, necessariamente, condicionada a uma alternância de sujeitos falantes., que determinará as fronteiras de um enunciado concreto. Afinal, para Bakhtin (2000, p. 294),

todo enunciado – desde a breve réplica (monolexemática) até o romance ou o tratado científico – comporta um começo absoluto e um fim absoluto: antes de seu início, há os enunciados dos outros, depois de seu fim, há os enunciados-respostas dos outros (ainda que seja como uma compreensão responsiva muda ou como um ato-resposta baseado em determinada compreensão).

Imagem

Gráfico 01  –  Gêneros discursivos mais utilizados por profissionais de Psicologia
Gráfico 02  –  Gêneros discursivos mais utilizados por profissionais de Secretariado Executivo
Gráfico 03  –  Gêneros discursivos mais utilizados por profissionais de Administração

Referências

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