Sistemas de Documentação e Inventário de uma Colecção de
Cerâmica Arqueológica da
Quinta do Rouxinol
Ana Isabel Vieira Braga
Março de 2012
Relatório de Estágio de Mestrado em Museologia
Ana Isabel Vieira Braga
Orientação de: Professora Raquel Henriques da Silva
Dr. Jorge Raposo
Março de 2012
Sistemas de Documentação e Inventário de uma Colecção
de Cerâmica Arqueológica da
Relatório de Estágio apresentado para cumprimento dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Mestre em Museologia realizado sob a orientação científica
ii À família:
iii
O presente trabalho não seria possível sem a colaboração, apoio, e incentivo de várias pessoas e entidades que de alguma forma me acompanharam neste trajecto, e às quais manifesto o meu agradecimento.
Agradeço à Câmara Municipal do Seixal, entidade de tutela do Ecomuseu Municipal do Seixal, por ter autorizado que desenvolvesse este estágio na instituição referida, e pelo apoio que sempre disponibilizou.
Aos meus orientadores, Professora Raquel Henriques da Silva, e Dr. Jorge Raposo, agradeço a sapiência, a disponibilidade, e o rigor crítico com que orientaram o meu trabalho.
A todos os docentes e colegas de Mestrado em Museologia, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, agradeço a solidariedade e o excelente ambiente de troca de conhecimentos que sempre pautou as aulas de mestrado.
Agradeço ainda ao Ecomuseu Municipal do Seixal, e em particular à sua equipa técnica, que sempre se mostrou disponível para me auxiliar no decurso do meu trabalho de estágio.
Ao Cézer, ao Henrique, à Olga, à Adelina, e à Ana, agradeço por me terem recebido de braços abertos, e por todo o auxílio prestado no decurso deste trabalho de estágio. Mas agradeço sobretudo porque mais do que colegas, foram uma verdadeira família. Por toda a amizade, por todo o apoio, pelo incentivo, e pela partilha incondicional, o meu muito obrigado!
Aos meus amigos, eles sabem quem são, obrigada pelo companheirismo, pela paciência, e sobretudo pela compreensão.
Um agradecimento especial à minha família porque é em grande medida a responsável pelo ser humano que sou. Ao meu pai e à minha mãe, não apenas pelos valores que me transmitiram, ou por todo o apoio, sempre incondicional, em todas as fases ou escolhas de vida, mas sobretudo por constituírem o exemplo pelo qual me guio. Ao Miguel e à Vânia, por me terem acolhido, pela amizade, pela paciência, um obrigado especial. Ao Rui e à Joana pelo apoio, pelo incentivo, pelo afecto, e por nunca me terem deixado desistir, muito obrigada!
iv RELATÓRIO DE ESTÁGIO
Sistemas de Documentação e Inventário de uma Colecção de Cerâmica Arqueológica Proveniente da Quinta do Rouxinol
Os conceitos de documentação e inventário, em contexto museológico, evoluíram no sentido de uma concepção abrangente enquanto função museológica essencial à própria condição de museu. Nesse sentido, actualmente, as instituições procuram integrar e interligar toda a informação disponível num mesmo sistema, optimizando assim os processos de busca e recuperação da informação.
A evolução dos Sistemas de Documentação e Inventário acompanhou não apenas as transformações da sociedade, mas também a evolução dos próprios paradigmas museológicos.
A introdução da informática e a sua aplicação às áreas museológicas, particularmente a documentação e o inventário, fez sobressair a importância da normalização de conceitos, procedimentos e práticas. A definição de normas é um processo complexo, mas apresenta-se como factor indissociável da fiabilidade e qualidade de um sistema de informação.
Durante o século XX foram várias as instituições de relevo, a nível internacional, que criaram instrumentos com o objectivo de normalizar a informação e as práticas de documentação e inventário. A título de exemplo referimos os instrumentos criados pelo
CIDOC, como o International Guidelines for Museum Object Information ou o CIDOC Conceptual
Reference Model, ou pela MDA com o SPECTRUM standard. Salientamos também o trabalho do Getty Research Institute, o programa Joconde em França, ou o DOMUS em Espanha. Em Portugal sobressaem os esforços de enquadramento legal vertidos na Lei-Quadro dos Museus Portugueses, e distinguem-se a criação de um programa comum de inventário das
colecções museológicas dos museus tutelados pela administração central - o Matriz - bem
como a disponibilização de parte dos seus registos na internet, e a publicação dos vários
volumes de Normas de Inventário pelo IMC.
O século XXI assume uma nova etapa na documentação e inventário em museus,
através da disponibilização e interligação dos registos na web, como é o caso, a título de
exemplo, dos programas MatrizNet e Europeana. Esta nova etapa relança a reflexão acerca
da importância de definição e normalização de conceitos, procedimentos, e práticas, a este nível.
v
O Ecomuseu Municipal do Seixal constitui também um caso singular no que concerne o seu Sistema de Documentação e Informação. Para isso concorre a própria natureza da instituição: uma instituição polinucleada, de tutela municipal, com um acervo e campo disciplinar diversificados, que se orienta por uma noção dinâmica de património em relação com a sua envolvente social e territorial. Mais do que um museu, no sentido convencional do termo, o EMS é uma experiência museológica, de gestão do património cultural referente a um território, e a uma realidade em mudança.
Partindo do inventário de uma colecção de cerâmica comum local da Quinta do Rouxinol, e da observação atenta da realidade do Ecomuseu Municipal do Seixal, propusemo-nos reflectir sobre estas questões, e propôr novas soluções quando justificado.
PALAVRAS-CHAVE: Sistema de Documentação e Inventário, Sistema de Informação, normalização, museu, colecções de objectos arqueológicos, Ecomuseu Municipal do Seixal.
ABSTRACT
INTERNSHIP REPORT
Documentation and Inventory Systems of an Archaeological Ceramics Collection Coming from Quinta do Rouxinol
The concepts of documentation and inventory in the museological context, have evolved into a wide concept as an essential function to the very condition of the museum. Accordingly, at present, the institutions seek to integrate and interconnect all available information in a single system, thereby optimizing the process of search and information retrieval.
The evolution of Documentation and Inventory Systems has accompanied not only the transformation of society, but also the evolution of museological paradigms.
vi
and the documentation and inventory practices. For example, the instruments created by
CIDOC, as the International Guidelines for Museum Object Information or the Conceptual Reference Model, and by the MDA with SPECTRUM standard, by the Getty Research Institute, the Joconde
program in France, or the Domus in Spain. In Portugal stand the efforts of legal framework
poured into Lei-Quadro dos Museus Portugueses, and we also emphasize the creation of a joint
program to inventory of museum collections protected by central government: the Matriz.
We also stress the importance of part of its records being available on the Internet, and the
publication of several volumes of “Normas de Inventário” by IMC.
The twenty-first century takes a new step in museum documentation and inventory,
through the provision and interconnection of records on the web. Such is the case, for
example, of MatrizNet and Europeana. This new step relaunches the debate concerning the
importance of definition and standardization of concepts, procedures, and practices.
The archaeological objects are in a special category in museological documentation and inventory due to: their status as historical documents; the very nature of such materials, often everyday objects without significant artistic – and sometimes aesthetic – value; and questions arising from the quantity of objects found in archaeological works (mainly archeological excavation), which associated with its fragmentary nature, prevent effective inventory of all materials. All these issues stress the urgent need for standardization of procedures, practices and concepts throughout the documentation and inventory processes.
The Ecomuseu Municipal do Seixal is also a unique case regarding its Documentation and Information System. To this contributes the very nature of the institution: a polynuclear institution, of municipal tutelage, with diversified collections and disciplinary field that is guided by a dynamic notion of heritage, in relation to its social and territorial
surroundings. More than a museum, in the conventional sense, the Ecomuseu Municipal do
Seixal is a museological experience of cultural heritage management related to a territory, and a changing reality.
Starting from the inventory of a common local ceramic collection from Quinta do
Rouxinol, and close observation of the Ecomuseu Municipal do Seixal’s reality, we have put ourselves to reflect on these issues, and propose new solutions whenever convenient.
KEYWORDS: Documentation and Inventory System, Information System,
vii
APOM – Associação Portuguesa de Museologia CD – Centro de Documentação
CDI – Centro de Documentação e Informação
CIDOC – ICOMs International Committee for Documentation
CIDOC-CRM – CIDOC Conceptual Reference Model
CHIN – Canadian Heritage Information Network
CMS –Câmara Municipal do Seixal DBMS – Database Management System
DOMUS - Sistema Integrado de Documentacion y Gestion Museográfica
DGEMN – Direcção-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais EEP – Estimativa de Equivalente de Peça
EMS – Ecomuseu Municipal do Seixal
IBIM-SIGME - Inventário Básico Informatizado de Museos/Sistema Integrado de Gestión de Museos Españoles
ICOM – International Council of Museums
ICONCLASS – Iconographic Classification
IHRU –Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana IMC –Instituto dos Museus e da Conservação IPM –Instituto Português de Museus
MDA – Museum Documentation Association
MLA – Council for Museums Archives and Libraries
OIM – Office International des Musées
PEPAL - Programa de Estágios Profissionais na Administração Local RPM –Rede Portuguesa de Museus
1
Í
NDICE
1. Introdução ... 3
2. A Documentação e o Inventário em contexto museal: algumas considerações ... 7
2.1 Estado da Questão ... 7
2.1.1 Perspectiva Histórica ... 7
2.1.2 Instrumentos de referência ... 14
2.1.3 Os Conceitos de Documentação e Inventário ... 22
2.2. A Problemática Arqueológica ... 25
3. Caracterização da Instituição ... 29
4. Caracterização da Colecção em Estudo ... 37
4.1. Metodologia Classificatória ... 40
4.2. Universo de Trabalho ... 45
5. O Sistema de Documentação e Informação do EMS ... 49
5.1 O sistema de Documentação e Informação e o Serviço de Arqueologia ... 55
5.2 O sistema de Documentação e Informação e a colecção em estudo ... 58
5.2.1 Metodologia de Inventário ... 59
6. Apresentação de propostas ... 61
6.1. Definição de terminologias ... 61
6.2. Definição de critérios de inventário ... 62
6.3. Elementos para uma Proposta de uniformização da Informação ... 65
6.3.1. “Elementos para uma Proposta de uniformização da Informação” - Clarificação de Conceitos ... 66
6.3.2 “Elementos para uma Proposta de uniformização da Informação” - O Campo de Descrição ... 68
6.3.3. “Elementos para uma Proposta de uniformização da Informação” - O campo de Dimensões ... 75
2
7. Considerações Finais ... 81
Lista de Tabelas ... 92
Lista de Gráficos ... 93
3
1.
I
NTRODUÇÃO
No âmbito da componente não-lectiva, do Mestrado em Museologia, da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, propus-me realizar um
Estágio com Relatório. Este estágio desenvolveu-se no Ecomuseu Municipal do Seixal
EMS), sob o tema Sistemas de Documentação e Inventário de uma Colecção de Cerâmica Arqueológica
Proveniente da Quinta do Rouxinol.
O tema do presente estágio surgiu graças à formação académica de base –
Licenciatura em Arqueologia. De facto, foi sempre nossa convicção que as instituições
museológicas constituem instrumentos preferenciais de investigação, preservação, e
comunicação não apenas de materiais, mas também de toda a “vida arqueológica”. No
entanto, para que sejam cumpridos estes preceitos, é necessário um conhecimento
constante e efectivo das colecções, dos seus instrumentos, dos seus percursos, e dos seus
contextos. Enfim, é necessário um Sistema de Documentação e Inventário eficaz.
O estágio no Ecomuseu Municipal do Seixal concretizou-se graças ao
consentimento da instituição no sentido da realização deste trabalho, que surgiu também da
proximidade que mantivemos com a colecção em estudo, durante o período prévio de
colaboração, em regime de voluntariado, com o Serviço de Arqueologia.
Na proposta que foi entregue à faculdade para registo da componente não-lectiva,
identificaram-se algumas problemáticas relativas à documentação e inventário de colecções
de cerâmica arqueológica. Entre elas contam-se: a indispensabilidade de normalização de
conceitos e procedimentos no âmbito dos sistemas de documentação e inventário, com
vista a assegurar a sua fiabilidade e qualidade; a condição dos materiais arqueológicos,
enquanto documentos históricos; a própria natureza deste tipo de materiais, que os
aproxima de objectos do quotidiano, sem valor artístico - e por vezes estético - relevante; as
questões decorrentes das quantidades de objectos resultantes de trabalhos arqueológicos
(principalmente trabalhos de escavação arqueológica), associadas ao seu carácter
fragmentário, que inviabilizam o inventário efectivo de todos os materiais; e,
principalmente, a urgente necessidade de normalização de procedimentos, práticas, e
conceitos, ao longo de todo o processo de documentação e inventário deste tipo de
objectos. Estas e outras questões foram desenvolvidas no capítulo A Documentação e o
Inventário em Contexto Museal, do presente Relatório de Estágio.
Identificou-se então, como objectivo principal de estágio, desenvolver as
4 arqueológica da Quinta do Rouxinol. Com este inventário, pretendia-se aprofundar os
conhecimentos adquiridos ao longo da parte lectiva do Mestrado em Museologia, e da
formação académica inicial (Licenciatura em Arqueologia), aplicando-os e
inter-relacionando-os, num trabalho baseado em sistemas de documentação e inventário. Foi
também nosso objectivo constituir uma mais-valia para o Ecomuseu Municipal do Seixal,
contribuindo para a actualização dos seus registos de inventário, ao mesmo tempo que se
realizava uma reflexão acerca das práticas existentes, propondo sempre que necessário (e
possível), novas soluções.
Procurava-se assim reforçar e completar a nossa formação académica, ao mesmo
tempo que se adquiria conhecimento prático sobre o funcionamento do museu,
familiarização com as suas diversas áreas, adaptação a modos de trabalho em equipa, novos
conhecimentos e competências na área específica de Sistemas de Documentação e
Inventário, e se desenvolviam problemáticas específicas relacionadas com o tema em
questão.
O presente estágio iniciou-se assim com um período de integração na instituição de
acolhimento, durante o qual se realizou o estudo e compreensão da história da instituição,
missão, vocação e objectivos. Este trabalho baseou-se, antes de mais, num processo de
observação, e pesquisa bibliográfica e documental, realizado pela estagiária, com o auxílio
sempre que necessário da própria equipa técnica do Ecomuseu. O fruto desta primeira
etapa de trabalho encontra-se reflectido no capítulo Caracterização da Instituição do presente
Relatório de Estágio.
Após esta primeira etapa, seguiu-se um período de aproximação mais efectiva ao
tema do Estágio a realizar. Deste modo, foi realizado o estudo, a par com a compreensão, e
posterior manipulação, do Sistema de Documentação e Inventário utilizado na instituição,
em particular para a colecção em estudo.
Depois deste trabalho preliminar, procurámos focalizar-nos no objecto de Estágio:
a colecção de cerâmica arqueológica da Quinta do Rouxinol. Realizou-se assim um estudo
geral sobre as características e especificidades deste acervo, e das suas metodologias de
documentação e inventário, que se encontra reflectido no capítulo Caracterização da Colecção
em Estudo.
Rapidamente percebemos que o sistema de documentação e inventário de
colecções arqueológicas no EMS é bastante complexo. Decidimos então realizar, em
primeiro lugar, um trabalho de compreensão das diferentes fases de Documentação e
5
inventário em suporte informático Micromusée. Para isso, além de várias questões colocadas
em contexto informal à equipa do Serviço de Arqueologia do EMS, procedeu-se ao estudo
de alguma bibliografia e documentação sobre o tema, e que será desenvolvida ao longo do
presente Relatório de Estágio. O resultado deste trabalho encontra-se reflectido no capítulo O Sistema de Informação do EMS.
Simultaneamente foi realizado também um exercício de comparação com outras
realidades museológicas e práticas existentes. Para isso procedeu-se à análise da bibliografia
internacional e nacional de referência, bem como à análise de registos publicados no sítio
onlineMatrizNet. Gostaríamos de ter efectuado um contacto mais efectivo com instituições museológicas e paramuseológicas com coleções de arqueologia a seu cargo, no entanto o
reduzido período de tempo no qual decorreu este estágio (Agosto de 2011 a Fevereiro de
2012) levou a que optássemos por uma estratégia diferente.
Quando iniciámos este estágio, decorria em paralelo um trabalho de investigação,
de mestrado em Arqueologia, sobre a mesma colecção (SANTOS, 2011). Nesse sentido,
procurámos coordenar esforços, e trabalhar interdisciplinarmente, no sentido da definição
de metodologias que servissem satisfatoriamente as duas abordagens: a arqueológica, e a
museológica. Esta intenção reflectiu-se na nossa contribuição no trabalho de triagem,
selecção, descrição, e categorização de objectos, desenvolvido no âmbito da dissertação
atrás referida.
Com base neste enquadramento, procedeu-se à revisão das fichas de inventário de
objectos de cerâmica comum local da Quinta do Rouxinol, inseridas no suporte
informático utilizado pela instituição, bem como à documentação e inventariação de outros
materiais deste acervo.
Tal como se sugeriu na proposta de Estágio com Relatório entregue na faculdade,
estas tarefas foram realizadas com base numa postura crítica, procurando detectar carências
nos procedimentos utilizados, e propondo novas soluções, que se encontram explicitadas
no capítulo Apresentação de Propostas.
O presente Relatório de Estágio não pretende ser apenas um relato das funções
desempenhadas no âmbito do estágio no Ecomuseu Municipal do Seixal, mas sobretudo
constituir um instrumento de reflexão acerca das diversas questões enunciadas. Procurámos
traduzir a nossa postura crítica, e apresentar as propostas que nos pareceram mais
adequadas. Pretendemos com isso contribuir não apenas para a uniformização e
normalização de práticas, procedimentos e conceitos no Ecomuseu Municipal do Seixal,
6 nossa convicção, que um trabalho deste tipo é tanto mais eficaz quanto generalizada for a
7
2.
A
D
OCUMENTAÇÃO E O
I
NVENTÁRIO EM CONTEXTO
MUSEAL
:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
2.1
E
STADO DAQ
UESTÃOActualmente entende-se por inventário, em contexto museal, um conceito
abrangente integrado nos contextos de Sistemas de Informação (conjunto ordenado de
procedimentos normalizados que permite a gestão dos documentos e a exploração
metódica da informação mediante as tecnologias adequadas ([S.N.], 2005, p. 13), Sistemas
de Gestão Documental, e das Ciências da Informação.
Nesse sentido, as entidades museológicas passaram a ser consideradas estruturas
que reúnem, produzem, e sistematizam informação sobre as colecções que albergam,
associada à informação de carácter administrativo e documental, numa lógica que procura
integrar toda a informação, independentemente da sua natureza e localização. Os registos
podem ser utilizados como base para investigação, acesso público, exposição, educação,
desenvolvimento do acervo, gestão do acervo e segurança (ICOM, 2004).
2.1.1PERSPECTIVA HISTÓRICA
A evolução do conceito de documentação e inventário em museus foi um processo
lento, com avanços e recuos, e que acompanhou não apenas as transformações da
sociedade no geral, como também a evolução dos próprios paradigmas museológicos. Teve
como principal objectivo, num momento inicial, apenas o registo dos objectos no sentido
de posse e salvaguarda, mais tarde, aproxima-se da organização das colecções, e
actualmente está relacionada também com o acesso e difusão da informação com vista à
construção de conhecimento.
As consequências da Primeira Grande Guerra Mundial motivaram na Europa uma
crescente preocupação com a salvaguarda dos objectos culturais, nomeadamente as obras
de arte. Este ímpeto conservacionista provocou a necessidade, cada vez mais evidente, de
criação de um organismo internacional que regulamentasse a actividade dos museus e todos
8
É assim criado em Janeiro de 1927 L’Office International des Musées (OIM). Sediada
em Paris, esta instituição, integrada no International Institute of Intelectual Cooperation (Sociedade das Nações), prosseguia a obra de estudo e análise que já se iniciara com as grandes
associações nacionais de museus: a britânica The Museum’s Association, fundada em 1889 em
York; a americana American Association of Museum; e a alemã Deutches Museum Bunde, fundada
em 1917 (ALONSO FERNÁNDEZ, 1993).
A OIM explorou os assuntos relacionados com a museologia, discutindo-os numa
publicação em formato de revista (Mouseion), recomendou o emprego de fichas de
inventário e a padronização de etiquetas descritivas que dessem suporte ao intercâmbio de
obras de arte no âmbito internacional, e publicou os dois volumes de Muséographie – a
primeira publicação internacional sobre esta matéria, resultado das actas de uma
conferência organizada pela própria Sociedade das Nações em Madrid em 1934.
Henri Focillon1
Os objectivos da OIM no sentido da uniformização e normalização da
documentação, nomeadamente no âmbito dos catálogos, nunca foram cumpridos uma vez
que apesar do apoio que recebiam por parte de alguns profissionais, eram também alvo de
fortes críticas e controvérsia por parte de outros. Preocupava-os a perda de identidade da
instituição ao adoptar uma forma padronizada num dos seus instrumentos de divulgação
preferenciais: os catálogos. De facto, cedo se percebeu, que o que realmente fazia falta
naquele momento era a unificação das práticas documentais – mais do que dos seus
instrumentos de divulgação – com vista à partilha de informação entre as várias
instituições, sem comprometer a sua identidade e o seu processo comunicacional.
, um dos impulsionadores da OIM, almejava criar um centro de
documentação para museus de carácter internacional. A sua proposta seria que a OIM
oferecesse aos conservadores o boletim da OIM, como meio de comunicação e difusão das
ideias e trabalhos realizados, enquanto que os conservadores ficariam obrigados a enviar o
último catálogo editado, assim como a resposta a uma série de perguntas impressas numa
ficha normalizada. Pretendia-se assim constituir um grande centro de informação, ao
serviço de todas as instituições museológicas, que teria como funções a normalização de
terminologias para as classificações de objectos em uso, a constituição de anuários, a
unificação dos catálogos iconográficos, e a construção de um directório de todos os
museus do mundo. A OIM assumia-se assim como um grande centro de documentação
incentivando o carácter enciclopédico e pedagógico dos museus.
9 A partir da Segunda Grande Guerra surgem uma série de novas tendências sociais e
museológicas que acabam por influenciar não apenas a dimensão teórico-conceptual da
museologia, como também os aspectos mais pragmáticos e quotidianos da vida
museológica.
Mr. J. Chaucey Hamlim, director do museu de ciências de Búffalo, Estados Unidos
da América, criou em 1946, em França, com sede em Paris, o International Council of Museums
(ICOM2
O ICOM assume-se hoje como uma organização internacional de museus, para
profissionais de museus, cuja actuação é centrada na conservação, preservação e divulgação
do Património Cultural e Natural, presente e futuro, tangível e intangível
), uma organização não-governamental, vinculada à Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Entre os seus principais objectivos contam-se: promover o estabelecimento, desenvolvimento, e gestão profissional de
museus; e incrementar o conhecimento e a compreensão da natureza, função e papel deste
tipo de instituições (ICOM, 2007).
3.Caracteriza-se
ainda como uma rede com cerca de 30.000 membros, distribuídos por Comités
Internacionais (num total de 31 comités) e Nacionais (num total de 117 comités) que
representam 137 países4
O ICOM Portugal possui estatutos próprios desde 20 de Maio de 1975 e tem como objectivo fundamental: “cooperar com instituições museológicas e com outras organizações profissionais em programas de interesse comum, lutar pelo desenvolvimento dos Museus, como instrumentos de educação e de cultura, ao serviço da comunidade” (GUEDES, 2009).
.
Em Portugal o panorama museológico do Estado Novo (entre os anos 30 e os anos
60) reflecte os princípios ideológicos do regime: o restauro interpretativo do património
edificado, e o comemorativismo nacionalista. Nesse sentido, é inaugurado no Porto o
Museu Nacional Soares dos Reis, é impulsionado um plano de museus regionais
etnográficos, e incentivam-se as actividades associadas às Comemorações Centenárias
(1940), das quais é exemplo o Museu de Arte Popular inaugurado em 1948. A partir de
1974, e da instauração do novo regime democrático, assiste-se a um novo interesse pelo
património natural e cultural, bem como a uma explosão da iniciativa comunitária de
2 ICOM em português significa Conselho Internacional de Museus
3 Missão do ICOM, para mais informações:
10 autarquias e populações locais, que contribuíram sobremaneira para uma verdadeira
explosão museal. As décadas de 80 e 90 caracterizam-se pelo aparecimento de novos
projectos museológicos, parte dos quais, inspirados nas linhas doutrinais da Nova
Museologia.
A Nova Museologia pode ser descrita como a expressão de uma mudança na
concepção do papel social do museu. É o produto de importantes movimentos culturais e
sociais que marcam o fim dos anos 60 e o início dos anos 70. A França, em parte graças aos
movimentos de ecomuseologia iniciados alguns anos antes, como por exemplo o Ecomuseu
de Creusot,teve um papel piloto na Nova Museologia, uma vez que grande parte dos valores da ecomuseologia serão acolhidos por este novo movimento.
As primeiras manifestações públicas acontecem em 1983, e são protagonizadas por
um grupo de pessoas que se encontram primeiro em Londres, a propósito da Conferência
Geral do ICOM, e depois no Québec, aquando do primeiro ateliê internacional intitulado
“Ecomuseus/Nova Museologia”. A contestação ao modelo tradicional de museu, e a vontade de criar um novo tipo de museologia, vão-se estruturando e organizando até à criação em
1985 de uma federação internacional da nova museologia, em Lisboa, aquando do Segundo
Ateliê Internacional. O texto base deste movimento é a Declaração de Québec, formulada a
13 de Outubro de 19845
Nesta declaração podemos encontrar algumas palavras-chave como: a
interdisciplinaridade, o desenvolvimento sustentado, a museologia popular, e as noções de
museu global ou de museu comunitário. No entanto, o princípio base da Nova Museologia,
e o ponto em que mais se afasta da “museologia tradicional”, é o relevo dado às questões
sociais. De facto, a função social dos novos museus deve sobrepor-se a todas as funções
“tradicionais” do museu, incluindo a conservação (MAYRAND, 1985). .
Nesta declaração, caracteriza-se ainda o movimento como um meio possível de
aproximação entre os povos, o seu auto-conhecimento, o seu desenvolvimento crítico, e a
sua preocupação de criação de um mundo que respeite a sua riqueza intrínseca
(MAYRAND, 1985). Salvaguarda-se também a criação de instrumentos museológicos
específicos para sítios e projectos específicos.
Em grande parte, foi a Nova Museologia, e em particular a Ecomuseologia, que
associaram ao domínio dos museus termos e conceitos que anteriormente não estavam
associados como: identidade, territorialidade, comunidade e desenvolvimento, tendo como
5 [Em Linha] Disponível em:
11 pano de fundo as colecções materiais e as manifestações do património imaterial da
população.
De facto, utilizando as palavras de Hugues de Varine6, a modernização do museu, e
por isso, em parte, o movimento da Nova Museologia segue « ...o caminho de abertura a todo o
homem e a todos os aspectos da aventura humana, antiga e actual, pela utilização da única linguagem que transcende as diferenças culturais, a do objecto, da coisa real”7
Em Portugal, o movimento da Nova Museologia foi acolhido por diversas
instituições – como o Ecomuseu Municipal do Seixal - que iniciaram processos de
aproximação a um novo paradigma museológico. O património cultural passa agora a ser
estudado, investigado, conservado, inventariado, documentado, e comunicado, não só pelas
suas características físicas mas também por todas as interacções que acompanham a sua
vida de objecto: as pessoas, os lugares, os valores, as actividades. A museologia passa a
centrar-se no estudo das relações entre o Homem, o objecto/bem cultural, e o seu espaço. (VARINE, 1985, p. 185).
Esta alteração de paradigma, ainda que não tenha sido generalizada, que não tenha
sido absorvida pela totalidade das instituições museológicas, e cujos frutos não possamos
ainda estar em posição de analisar, provocou alterações também nos conceitos e práticas da
documentação e do inventário museológicos. A documentação passa a ser entendida como
um sistema de recuperação de informação, que transforma um objecto em fonte de
pesquisa científica e dá-lhe novas significâncias, enquanto instrumento de produção de
conhecimento. A documentação deixa de ser entendida como um fim em si mesma para
passar a constituir um instrumento: um instrumento de conhecimento, e por inerência, um
instrumento de gestão. A documentação e o inventário assumem-se assim como funções
museológicas vitais que dão suporte à concretização das restantes funções museológicas8
6 Hugues de Varine, nascido em 1935, formou-se na Universidade de Paris (Sorbonne) em estudos superiores de História e de Arqueologia. Entre 1958 e 1960 foi coordenador do centro de documentação da missão cultural francesa na Embaixada de França pelo que viveu alguns anos em Portugal. Entre 1965 e 1974 foi director do Conselho Internacional de Museus (ICOM), e de 1982 a 1984 foi director do Instituto Franco-Português. A par com Georges-Henri Rivière é considerado o pai da Ecomuseologia e um dos fundadores da Nova Museologia. Em grande medida, a influência que Hugues de Varine teve na museologia portuguesa fez-se fez-sentir através de contactos estabelecidos com os mufez-seólogos responsáveis por projectos emergentes e intercâmbios entre França e Portugal, assim como pelo apoio à visita da APOM a museus da Bretanha e o apoio à organização do “Atelier Internacional Nova Museologia – Museus Locais”, em Lisboa (1985).
.
7 Traduzido da versão original: ”. «…le chemin de l’ouverture à tout l’homme et à tous les aspects de l’aventure humaine, ancienne et actuelle, par l’utilisation du seul langage qui trascende les différences culturelles, celui de l’objet, de la chose réelle. »
8 “
12 Aos poucos, durante o século XX, a documentação vai-se assumindo como uma
das funções essenciais à vida museológica. Nos anos 70 o tema integra já um curso
ministrado por George Henri Rivière 9
O desenvolvimento da informática foi por vezes encarado como a solução para esta
falta de uniformização. Foi precisamente o advento dos programas de documentação e
inventário em suporte informático que lançou a verdadeira discussão acerca da definição
conceptual da documentação e dos seus “sistemas de documentação”. Estes “sistemas de
documentação”, como o próprio nome indica, implicam uma concepção sistémica,
relacionada com uma sucessão de etapas que se interligam organicamente, e que graças à
normalização, são compatíveis e coerentes entre si. Deste modo, nos anos 90, com o
desenvolvimento da informática, assistiu-se ao impulso da discussão acerca da
normalização sobretudo no que concerne o controlo terminológico.
que o coloca a par com a investigação
(CERAVOLO e TÁLAMO, 2007). A sua definição conceptual e metodológica carecia no
entanto de aprofundada reflexão. Faltava-lhe a discussão conducente à normalização de
práticas, procedimentos, e instrumentos, que a tornassem univocamente um instrumento
fundamental da gestão e de todo o fazer museológico.
Actualmente, o conceito de documentação e inventário evoluiu no sentido da sua
afirmação enquanto função museológica essencial à própria condição de museu.
No panorama internacional, a definição de museu adoptada pelo ICOM nos seus
estatutos estabelece que o museu é “uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberto ao público, e que adquire, conserva, estuda, comunica e expõe testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, tendo em vista o estudo, a educação e a fruição” 10
9 Georges Henri-Rivière foi um dos responsáveis pela definição da Ecomuseologia, publicando-se, após a sua morte, em 1989, na revista Museum, um artigo intitulado “Ecomuseus – uma definição evolutiva”, que constitui, ainda hoje, um dos documentos essenciais no estudo da Ecomuseologia.Iniciou o curso de “Museu Studies” na Ecole du Louvre em 1925, e concluiu-o em 1928. Entre 1928 e 1937, esteve ligado enquanto curador, comissário, ou apenas impulsionador, a vários projetos museológicos de relevo, dos quais se destacam: em 1928 a exposição sobre arte antiga americana no Musée des Arts Décoratifs, a renovação do Musée du Trocadero que seria reaberto em 1938 com o novo nome de Musée de l’Homme, e a abertura, em 1937, do Musée National des Arts et Traditions Populaires. Foi o primeiro director do ICOM (1948-1965), ao qual regressou, em 1968, como conselheiro permanente.
. Ainda que não apareça menção explícita às funções de documentação e
inventário, estas estão implícitas nas restantes funções expressas no documento, visto que
todas geram documentação e informação relevante para o inventário dinâmico e
cumulativo dos objectos.
10 Extraído dos Estatutos do ICOM, adoptados na 16ª Assembleia Geral do ICOM (Haia, Holanda, 5 de Setembro de 1989) e alterados pela 18ª Assembleia Geral do ICOM (Stavanger, Noruega, 7 de Julho de 1995) e pela 20ª Assembleia Geral do ICOM (Barcelona, Espanha, 6 de Julho de 2001) Artigo 2º Definições [em linha] Disponível em:
13
Vejamos no entanto o “Código Deontológico do ICOM Para Museus” (ICOM, 2009)
aprovado pela XV Assembleia Geral do ICOM, realizada em Buenos Aires, Argentina, em 4
de Novembro de 1986, modificado na XX Assembleia Geral em Barcelona, Espanha, em 6
de Julho de 2001, e revisto pela XXI Assembleia Geral realizada em Seul, Coreia do Sul, em 8
de Outubro de 2004, que “estabelece normas mínimas para a prática profissional e actuação dos
museus e seu pessoal” (ICOM, 2009, p. 1). Neste documento incluem-se várias referências à documentação e inventário, em várias secções, mas reserva-se um ponto na secção 2, no
capítulo de Protecção de acervos, para considerações acerca da Documentação de acervos11
Quanto a Portugal, atentemos à Lei-quadro dos Museus Portugueses (Lei 47/2004
de 19 de Agosto de 2004) onde no artigo 3º se esclarece acerca do “Conceito de Museu” e na
alínea a) se assegura que uma instituição só é considerada museu se “Garantir um destino
unitário a um conjunto de bens culturais e valorizá-los através da investigação, incorporação, inventário, documentação, conservação, interpretação, exposição e divulgação”. Neste mesmo diploma legal
reserva-se toda uma secção (secção IV), com cerca de onze artigos, ao “Inventário e
documentação”. Curiosamente verificamos que no total dos onze artigos reservados a esta
temática, apenas se consagra um curto artigo à definição do conceito de documentação
,
estabelecendo que os acervos devem ser documentados de forma bastante exaustiva –
compreendendo a identificação e descrição de cada item, dos elementos que lhe estão
associados, do seu estado de conservação e tratamentos a que esteve submetido, e da sua
localização – e considerando já fundamental a existência de sistemas de recuperação da
informação acessíveis quer a profissionais da instituição museológica, quer a públicos
externos.
12 em
âmbito museológico, explorando-se largamente o conceito e âmbito do inventário
museológico13
11 “2.20 – Documentação dos acervos: Os acervos dos museus devem ser documentados de acordo com normas profissionais reconhecidas. Esta documentação deve permitir a identificação e a descrição completa de cada item, dos elementos a ele associados, de sua procedência, de seu estado de conservação, dos tratamentos a que já foram submetidos e de sua localização. Estes dados devem ser mantidos em ambiente seguro e estar apoiados por sistemas de recuperação da informação que permitam o acesso aos dados por profissionais do museu e outros usuários autorizados.” (ICOM, 2009, p. 19)
, bem como as formas de o realizar.
12 Artigo 25º: “O inventário museológico deve ser complementado por registos subsequentes que possibilitem aprofundar e disponibilizar informação sobre os bens culturais, bem como acompanhar e historiar o respectivo processamento e a actividade do museu” ( "Lei Quadro dos Museus Portugueses," 2004)
14
No contexto da Rede Portuguesa de Museus 14
Podemos assim afirmar que actualmente os conceitos de documentação e
inventário em museus evoluíram no sentido de se assumirem como funções museológicas
essenciais à própria condição de museu.
, cuja adesão pressupõe o
cumprimento das funções museológicas previstas na Lei-quadro dos Museus Portugueses
(Lei 47/2004), no seu Despacho Normativonº3/2006 de 25 de Janeiro (publicado em Diário da
República – I Série – B), no anexo I e no anexo III, respectivamente, enunciam-se os pontos constantes do formulário de candidatura à credenciação de museus e respectivas instruções
de preenchimento, nos quais se especificam considerações acerca: do número de
inventário, da ficha de inventário e respectivos componentes, e do sistema de registo e
informatização e respectivas informatização do inventário e cópias de segurança.
2.1.2INSTRUMENTOS DE REFERÊNCIA
A partir do século XX foram criados, internacionalmente, alguns instrumentos com
o objectivo de normalizar a informação e as práticas de documentação e inventário
museológico15
Salientamos em primeiro lugar os esforços realizados pelo organismo internacional
de referência: o ICOM. De entre os comités internacionais do ICOM destacamos o que se
refere mais concretamente à documentação museológica: o International Comittee for
Documentation - CIDOC. Este organismo, constituído por cerca de 650 especialistas, entre os quais documentalistas, conservadores, analistas de sistemas informáticos, entre outros,
de mais de 60 países, tem a seu cargo a investigação na área do registo e documentação de
colecções museológicas, e a criação e divulgação de orientações e boas políticas nesta área.
O CIDOC assume-se ainda como um fórum de debate acerca das questões de
normalização de práticas e conceitos, e propõe iniciativas mediante um conjunto de
Working Groups. .
14 “A Rede Portuguesa de Museus é um sistema organizado de museus, baseado na adesão voluntária, configurado de forma progressiva e que visa a descentralização, a mediação, a qualificação e a cooperação entre museus.” ([em linha] disponível em:
criado pelo Despacho Conjunto nº616/2000 ([em linha] disponível em:
15 Em 1978, percebendo-se a necessidade de implementar regras para a identificação
e registo da história e dos testemunhos materiais do Homem, como acontecia nas
bibliotecas e arquivos, Robert G. Chendall e Peter Homulos propuseram um conjunto de
Categorias de Informação para objectos museológicos16
Depois, entre 1980 e 1992, o CIDOC desenvolveu este trabalho com base em duas
iniciativas paralelas: o Data Standard Working Group e o Data Model Working, que mais tarde,
em 1995, dariam origem ao Data Standards Working Group. Ao primeiro incumbia-se a
análise e construção de categorias distintas de informação para as colecções de arqueologia
e arte, e ao segundo arquitectar um modelo de dados que permitisse o registo da
informação relativa às colecções. Daqui resultou que em 1992, na conferência do ICOM
em Québec, se reavaliasse a situação e se iniciasse a construção de um documento
orientador: o actual International Guidelines for Museum Object Information (ICOM, 1995),
apresentando-se a sua primeira edição na Conferência Trienal do ICOM de 1995 em
Stavanger, Noruega.
à consideração dos membros do ICOM.
Este documento, com 16 categorias gerais, foi concebido para identificar um objecto,
registar a sua história (propriedade e uso), e fornecer informações para uso de inventários
internos dos museus. No final desta reunião o documento foi recomendado como base
para elaboração de normas nacionais.
De grande relevância são também os esforços do CIDOC no sentido de definir um
modelo de dados para museus. Deste modo, em 1999, foi concluída a primeira edição do
CIDOC Conceptual Reference Model (CRM), e apresentada à International Standards Organization
(ISO) que validou este documento em 2006. O CIDOC-CRM tem como objectivo
principal a criação de “uma plataforma de entendimento, uma linguagem sobre sistemas de informação de Património Cultural e Natural, que facilitará a sua concepção implementação e comunicação entre diferentes sistemas de gestão do Património, favorecendo a estruturação da informação existente em cada instituição” (REMELGADO, 2008, p. 46).
Actualmente, a documentação produzida pelo CIDOC assume-se como uma das
referências, a nível internacional, na normalização de documentação em âmbito museal,
quer ao nível da estrutura de dados, quer do controlo da linguagem. No sítio do CIDOC na
internet17
16 Tradução livre de “Information Categories for museum objects” (ICOM, 1995)
é possível consultar os princípios orientadores da prática museológica na área da
documentação.
17[em linha] Disponível em:
16 Destacamos ainda, no panorama internacional de normalização de dados em
museologia, o SPECTRUM, standard18, gerido pela Museum Documentation Association (MDA),
que se assume como o diploma de referência para a documentação nos museus do Reino
Unido. Foi pela primeira vez publicado em 1994, a partir de 2003 inicia-se um processo de
profunda reflexão e revisão por mais de cem instituições, e torna-se finalmente um standard
(ou norma) a partir de 2005. Actualmente, esta norma é largamente utilizada, e feita de
acordo com os requisitos de documentação exigidos pelo Arts Council of England19
O SPECTRUM está dividido em duas secções principais: os procedimentos e os requisitos de informação. Na primeira são definidos os procedimentos que devem ser
usados, em termos de documentação, nas instituições museais, na gestão de acervo
(aquisição, empréstimo, transporte, acções de conservação e restauro), e na segunda são
explicitados os requisitos de informação necessários à documentação das colecções. Esta
norma é a referência essencial, para a indústria de software para museus, na construção dos
sistemas de informação a nível internacional. No entanto, mais do que um modelo de
dados que permite a construção de uma base de dados, o SPECTRUM é uma norma de
procedimentos que permite que as instituições saibam as etapas necessárias à
documentação das acções inerentes ao quotidiano de uma instituição museológica.
para a
credenciação de museus no Reino Unido.
No panorama internacional, no que concerne a normalização de procedimentos e
terminologias na documentação museológica, particularmente no Estados Unidos da
América, salientamos a actuação do Getty Research Institute20 concretamente com a criação
das suas Categories for the Description of Works of Art ou do “Introduction to Controlled
Vocabulaires: Terminology for Art, Architecture, and Other Cultural Works”, ou ainda “Introduction to Object ID: Guidelines for Making Records that Describe Art, Antiques, and Antiquites”21
No Canadá destacamos a criação, em 1972, do Canada National Inventory Program
pelo National Museum Policy, cujo objectivo foi a criação de um sistema de inventário
.
18 Disponível em linha em:[consultado em Novembro
de 2011]
19 O Arts Council England é a entidade oficial responsável no Reino Unido pela credenciação de museus e pelo desenvolvimento das bibliotecas, para além de outros serviços da área do património cultural. Esta responsabilidade esteve, desde o ano 2000 até Outubro de 2011, a cargo do Council for Museum, Libraries and Archives (MLA) a quem estava acometida a responsabilidade de definir e desenvolver a estratégia nacional no âmbito dos três tipos de instituições que tutelava: museus, bibliotecas e arquivos (cf. (consultado em Setembro de 2011). Salientamos no âmbito das suas publicações o “From Australia to Zanzibar Museums Standards Schemes Overseas.A research Project for Resource: The Council for Museums Archives and Libraries” (MASON e WEEKS, 2002)
20 [em linha] Disponível em:
21 Ambos os títulos estão disponíveis na Web em:
17 informatizado que facilitasse a partilha de informação relativa às colecções, favorecesse a
investigação, e contribuísse para o desenvolvimento e aplicação de normas de gestão de
informação22. Agora denominado Canadian Heritage Information Network23
Em França relevamos as iniciativas, nos anos 60, do então ministro da cultura,
André Malraux, que determinou a organização de um inventário geral do património
cultural francês, motivando a criação de um Secretariado Geral do Inventário, de uma
Comissão Nacional, e de duas Comissões Regionais (na Alsácia e na Bretanha). No
seguimento deste trabalho de inventário é criada em 1975 o Joconde
(CHIN) contribui
para a definição e estabelecimento de normas que promovem a consistência da
documentação museológica salientando-se o CHIN Data Dictionaries, construído de acordo
com o SPECTRUM e o CIDOC Guidelines for Museum Objects Information (REMELGADO,
2008).
24, um catálogo colectivo
das colecções dos museus franceses. No panorama legislativo, a França destaca-se pela
publicação de diplomas legais que regulamentam e normalizam as práticas museológicas de
documentação e inventário, como por exemplo o “Arrêté du 25 mai 2004 fixant les normes
techinques relatives à la ténue de l’inventaire du registre des bien deposés dans un musée de France et au récolement”25
Em Espanha, nos anos 90, a Subdirección General de Informatica del Ministerio de Cultura
dá início ao projecto de Inventário Básico Informatizado de Museos/Sistema Integrado de Gestión de Museos Españoles (IBIM-SIGME) que na realidade constituiu um primeiro passo para a
concretização, em 1998, do “Proyecto de Normalización Documental: elementos para una aplicación
informática de gestión museográfica” (CARRETERO PÉREZ [et al.], 1998). Este projecto resultou no desenvolvimento de uma aplicação informática de gestão museológica
denominada DOMUS – Sistema Integrado de Documentacion y Gestion Museográfica que originou
o aparecimento de alguma regulamentação no que concerne a terminologia utilizada para
designar, descrever, e classificar os bens culturais (por exemplo os chamados “Grupos de
Vocabulários Técnicos”: grupos de trabalho formados por pessoal técnico e especializado, de museus e outras instituições congéneres, com o objectivo de definir grupos de termos para
várias temáticas como artes gráficas, numismática, cerâmica, mobiliário, escultura, têxteis,
metais e vidro) (CARRETERO PÉREZ, 2005). .
22 Informações disponíveis na Web em:
23 [em linha] disponível em:
24 [em linha] disponível em
em Janeiro de 2012]
18 Na Europa podemos ainda mencionar, de entre outros, o caso holandês com o
ICONCLASS26
Em Portugal, destaca-se a adopção de um mesmo programa informático pelos
museus tutelados pelo Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) que motivou a
criação de alguma normalização no que concerne o inventário.
(Iconographic Classification), criado em Leiden, nos Países Baixos, nos anos 50
mas só concluído nos anos 70, por um grupo de investigadores da Royal Netherlands Academy
of Arts and Sciences. Constitui-se como um sistema de classificação iconográfico, organizado hierarquicamente, cuja linguagem documental é usada em diversas bases de dados
europeias e americanas.
O projecto Matriz iniciou-se em 1993, pela mão do então Instituto Português de Museus
(IPM), com o objectivo de dotar os museus tutelados pela Administração Central com um
programa comum de inventário das colecções museológicas. A primeira versão deste
software é instalada em 29 museus e palácios nacionais tutelados pelo IPM, entre 1993 e
1998. Em 2000 surge o Matriz 2.0 no qual, para além do módulo de inventário, é
proporcionado um conjunto de ferramentas para a gestão integrada das colecções
museológicas, incluindo as actividades inerentes à vida museológica (organização de
exposições, transporte, intervenções de conservação, etc.). Já no início da década de 2000,
o IPM, desenvolveu o interface Web do programa Matriz - o Matriznet – que permite o
acesso online aos conteúdos de inventário relativos às colecções dos museus tutelados pelo
Instituto, bem como a informação relativa a exposições.
Em Junho de 2011 foi apresentada nacionalmente a nova versão do programa – o
Matriz 3.0 – que nasce das necessidades sentidas com a implementação da Rede Portuguesa de Museus (RPM) de o adaptar a uma maior variedade de colecções: colecções constituídas
por bens culturais móveis, imóveis, materiais e imateriais, e património natural.
O Matriz 3.0 assume-se como uma ferramenta transversal aos vários serviços e profissionais de museus. Esta nova versão, ancorada num servidor da internet onde é
alojada a informação das várias instituições que utilizam o programa, cria as categorias de
objectos de Ciência e Técnica, História Natural Ciências da Terra e História Natural Ciências da
Vida, para além das já existentes categorias de Arte, Arqueologia, e Etnologia; permite a
realização de inventário de fundos documentais – cartografia, desenho, fotografia, filme,
som, fontes escritas, e fontes orais; e cria uma ficha de inventário de bens imóveis
19
normalizada em conjunto com o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU)27.
Concomitantemente com o lançamento do Matriz 3.0 é também lançado o novo sítio on-line
do MatrizNet28 com um layout mais intuitivo, novas possibilidades de pesquisa orientada para
públicos especialistas, e a disponibilização on-line das publicações de Normas de Inventário.
Simultaneamente foi também lançado o MatrizPCI29
As publicações de Normas de Inventário do antigo IPM, e actual Instituto Português de Museus (IMC), iniciaram-se no final do século XX com o primeiro volume dedicado a
Normas gerais. Artes plásticas e artes decorativas com os objectivos de “servir de instrumento de uso corrente aos museus tutelados pelo IPM (…) em segundo lugar, o de poder orientar outros museus portugueses que, dispondo ou não de programas de inventário informatizado, pretendam utilizar ou confrontar a experiência que acumulamos e desejamos partilhar” (PINHO e FREITAS, 2000, p. 7). Actualmente, com 13 volumes publicados
que constitui o sistema de informação
de suporte ao Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, ao mesmo tempo que está
vocacionado para a divulgação de boas práticas, e para a valorização do Património
Cultural Imaterial.
30
Independentemente das limitações que estas publicações evidenciem – quanto a
nós derivadas precisamente do facto de se assumirem como normas gerais, direccionadas
em primeiro lugar aos museus tutelados pelo IMC (Museus e Palácios Nacionais), e por
isso muitas vezes distantes das práticas inerentes a instituições de dimensão mais reduzida
que têm a seu cargo colecções de natureza muito distinta, ou das particularidades de
determinadas disciplinas, como a Arqueologia – constituem ainda assim a referência a nível
nacional, e representam um passo fundamental no sentido da normalização de
procedimentos e conceitos relativos à documentação e ao inventário museológicos.
, assumem-se como as normas de referência de
documentação e inventário – nomeadamente no que concerne a definição de terminologias
e procedimentos - para os profissionais dos museus portugueses.
27 Organismo que resulta da reestruturação e redenominação do antigo Instituto Nacional de Habitação (INH), no qual foram integrados o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE) e parte da Direcção-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) [em linha]
disponível em:
28 [em linha] disponível em
2012]
29 [em linha] disponível em:
Janeiro de 2012]
20 Salientamos ainda a existência de outros sistemas de gestão de colecções
museológicas, utilizados por museus que não são tutelados pelo IMC, como é o caso, por
exemplo, de Micromusée (comercializado pela Mobydoc), ou os In Arte, In Patrimonium, In Domus, In Natura, e In Memoria (comercializados pela Sistemas de Futuro).
A Mobydoc é uma empresa francesa, dedicada à construção e comercialização de sistemas de gestão de colecções para museus, bibliotecas, arquivos, centros de
documentação, e colecções privadas, desde 1985. O seu software é utilizado em mais de
quinhentas instituições um pouco por todo o mundo. Exemplo disso é o Micromusée: um
sistema de gestão, multilingue31, de colecções diversificadas - desde objectos de Arte, à
Arqueologia, passando pela Etnografia, Indústria e Técnica, ou Ciências Naturais. O
sistema foca-se em três grupos de informação - sobre o objecto, sobre o objecto na
instituição, e a difusão online32
A Sistemas do Futuro, fundada em 1996, tem por missão “Através das Novas Tecnologias, dar uma nova dimensão ao Património Cultural e Natural”
- e quando integrado no sistema MUM (como acontece no
EMS) possibilita a relação com as bases SNbase (gestão de colecções de ciência natural),
Mobytext (dirigido a centros de documentação e bibliotecas), Gapi (gestão de arquivos),
Mobydoc Photo (gestão de colecções fotográficas), Mobydoc Filmo (gestão de colecções em
suporte fílmico), e Mobydoc Archi (gestão de património imóvel).
33. Esta empresa portuguesa conta já
com uma carteira de clientes diversificada34 e foi considerada em 2007, por Alexandre
Ribeiro Matos (MATOS, 2007b), uma das empresas líderes de sector em Portugal.
Desde finais do século XX temos vindo a assistir a uma nova etapa no que
concerne à documentação e inventário em museus: a disponibilização e interligação dos
registos na Web. De facto, sendo verdade que estaremos provavelmente a atravessar a era
da informação, os museus - enquanto instituições que se inserem na sociedade e que
31 Disponível em Francês, Inglês, Holandês, Polaco, Alemão, Espanhol, Português, e Árabe.
32 [em linha] Disponível em:
em Fevereiro de 2012]
33 [em linha] Disponível em:
21 absorvem as suas transformações - acompanharam esta evolução utilizando, na maioria dos
casos, as novas ferramentas de informação e comunicação, e abriram-se, agora de modo
mais amplo e diversificado, a novas formas de comunicação com públicos mais alargados.
Assistimos no século passado à proliferação dos meios de comunicação que o
museu tem ao seu dispor, especialmente dos sítios na web, sendo prática comum,
actualmente, cada museu possuir o seu sítio institucional. Agora assistimos à interligação das
instituições na Web. Quer dizer que as instituições museológicas, genericamente,
aperceberam-se que o caminho do futuro é o cruzamento da informação, e associaram os
seus registos em sítios on-line que podem funcionar como catálogos colectivos, ou como
nada mais do que motores de busca. Se num primeiro momento estes sítios Web
(normalmente de iniciativa de um poder central) agrupavam os registos dos museus de cada
país (é o caso da Joconde35 para os museus franceses, da Cer.es Colecciones en Red36
O projecto Europeana
para os
museus espanhóis, e do Matriz.Net para os portugueses) actualmente vemos nascer sítios de
iniciativa comunitária que extravasam os limites territoriais. É o caso da Europeana, uma
iniciativa europeia que agrupa os registos de várias tipologias de instituições, de vários
museus, e de várias nacionalidades.
37 foi lançado em 20 de Novembro de 2008 pelo Comissariado
para a Sociedade de Informaçãoe Meios de Comunicação da União Europeia. Actualmente permite o acesso on-line a cerca de 2 milhões de objectos digitais entre filmes, fotografias, pinturas, sons, mapas, manuscritos, livros, jornais, e documentos de arquivo dos vários
estados-membros da União Europeia, provenientes de museus, bibliotecas, arquivos, e colecções
audiovisuais. Os principais objectivos da Europeana são: “promover o acesso do público em geral à cultura europeia; tornar simples e apelativo o acesso aos recursos culturais dos diferentes Estados-Membros; facilitar o acesso dos investigadores a elementos vários, multidisciplinares e em vários formatos”38
Os projectos de publicação de dados sobre o património cultural, sobretudo no que
concerne a publicação de registos de inventário de instituições museológicas, têm como
principal objectivo comum a disponibilização da informação a um número alargado de
utilizadores. No entanto, para que este objectivo seja cumprido, é imprescindível a adopção .
35 [em linha] disponível em:
em Janeiro de 2012]
36 Cer.es Colecciones en Red é a Red Digital de Colecciones de Museos de España [em linha] disponível em:
37 [em linha] disponível em:
38 [em linha] disponível em:
[consultado em
22 de normas de registo, documentação e inventário, tendo em vista, tanto a fiabilidade da
informação disponibilizada, quanto a pesquisa célere e eficaz por parte dos utilizadores.
2.1.3OS CONCEITOS DE DOCUMENTAÇÃO E INVENTÁRIO
Como vimos em momentos anteriores do presente trabalho, os conceitos de
documentação e inventário em contexto museológico, evoluíram historicamente no sentido
de um alargamento da sua defnição, fazendo-os corresponder a funções essenciais à
própria condição de museu.
Podemos distinguir duas concepções metodológicas distintas acerca da
documentação em museus, ainda que ambas mantenham em comum o objectivo último da
salvaguarda do património: a perspectiva tecnicista, mais relacionada com a abordagem norte
americana, e a perspectiva reflexiva, mais conotada com as instituições europeias
(CERAVOLO e TÁLAMO, 2007). Para a primeira, o objectivo principal da documentação
é satisfazer as necessidades de controlo do existente, e a informação destina-se
principalmente às instituições ou aos utilizadores internos. Os procedimentos visam a
elaboração e preenchimento de registos, e o armazenamento e recuperação da informação,
centrando-se em informações como a localização do objecto, o seu estado de conservação,
ou os registos relacionados com a incorporação. Para a segunda, a perspectiva reflexiva, os
museus constituem centros de documentação, cujo objectivo de informação são os
utilizadores externos, para além dos internos. A informação aqui assume diferentes
abordagens e cumpre diferentes objectivos: gestão do acervo, investigação, divulgação. Os
objectos, nesta perspectiva, apenas possuem significado se um destinatário o reconhecer
(PEREIRA, 2004).
Adoptando a perspectiva reflexiva, devemos distinguir dois tipos de informação
inerentes ao Inventário Museológico: o espólio propriamente dito, constituído por
objectos, cuja história e morfologia constituem, só por si, fontes de informação; e os
fundos documentais (com tipologias diversificadas) que contribuem para o conhecimento
do objecto. Ambos concorrem para a constituição do inventário enquanto instrumento
documental museológico, o qual deverá garantir a recuperação da informação por parte dos
diferentes utilizadores, sob pena de comprometer um sistema documental que se pretende
efectivo. Um sistema de informação engloba assim, para além de informações acerca dos
objectos, os procedimentos utilizados para gerir a informação sobre os fundos dos museus
23 Podemos então considerar três características essenciais num sistema de
documentação: fiabilidade (a capacidade de um sistema assegurar a cobertura e a qualidade
de todos os processos de documentação através dos instrumentos adequados), flexibilidade
(a possibilidade de adaptação a diversos museus com diferentes tipos de colecções), e
economia (pesquisa célere e eficiente da informação) (YASSUDA, 2009).
Sobressai, no panorama nacional (mas também no internacional) uma crescente
preocupação, por parte de diversos organismos de tutela, no sentido de sensibilizar os
profissionais dos museus para a importância da documentação das colecções museológicas.
No entanto, a introdução da informática nas instituições museológicas evidenciou as
complicações e fragilidades decorrentes da ausência de regulamentação na maioria dos
museus. Este vazio normativo reflectia-se na diversidade de práticas existentes, na
diversidade de estruturas catalográficas, na multiplicidade de fichas de inventário consoante
a tipologia das colecções. Esta realidade compromete não só a consistência dos registos,
como também as potencialidades de integração em redes informáticas especializadas, como
por exemplo o MatrizNet ou a Europeana, e a sua divulgação junto dos diferentes públicos
(REMELGADO, 2008).
Internacionalmente, os museus têm vindo a desenvolver sistemas informáticos, no
domínio das suas actividades, desde os anos 60 do século XX. Num primeiro momento,
eram sistemas muito simples, não relacionais, com funcionalidades muito reduzidas, e
utilizados por uma única instituição, o que logo à partida se traduzia numa desvantagem
evidente: os sistemas, a sua estrutura e componentes, variavam consoante a instituição em
que se desenvolviam. Esta realidade constituía uma condicionante à implementação de
sistemas integrados de colecções museológicas.
Deste modo, ao longo das últimas décadas, caminhou-se no sentido da criação de
sistemas de documentação adaptados às várias realidades museológicas, que permitam o
cruzamento de informação através de sistemas integrados de gestão de colecções, acessíveis
aos públicos através da Internet ou de locais de pesquisa nas próprias instituições
museológicas.
No entanto, este tipo de sistemas não se compadece com a proliferação de
procedimentos e classificações sobre uma mesma realidade. De facto o volume de
informação não corresponde automaticamente à qualidade e utilidade da mesma. A eficácia
de um sistema com estas características, e portanto a garantia da qualidade e utilidade em
volumes crescentes de informação, depende da eliminação do ruído gerado pela