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GEORGE DAY WELSH NAS RELAÇÕES ENTRE A MADEIRA E OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ( PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX )

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GEORGE DAY WELSH

NAS RELAÇÕES ENTRE A MADEIRA E OS

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

( PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX )

JOSÉ MANUEL DE ABREU

FUNCHAL

2004

(2)

JOSÉ MANUEL DE ABREU

GEORGE DAY WELSH

NAS RELAÇÕES ENTRE A MADEIRA

E OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

(PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX)

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À UNIVERSIDADE DA MADEIRA PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CULTURA

E LITERATURA ANGLO-AMERICANAS

ORIENTADOR DA TESE:

PROFESSOR DOUTOR JOÃO ADRIANO RIBEIRO

Universidade da Madeira

Departamento de Estudos Anglísticos e Germanísticos

(3)
(4)

“Ó ondas do mar, levai-me. Capitão, faz-me favor.

Deitai-me no cais d’América, Onde tenho o meu amor.”

Recolha de António Pestana (1925)

“Aquele que conhece apenas uma língua não conhece qualquer língua.”

(5)

RESUMO

Tendo este trabalho como objecto de estudo a personalidade do cidadão

americano George Day Welsh, radicado na Madeira no início do século XIX, pretende-

-se caracterizar, ao longo desta dissertação, os elementos fundamentais das relações

entre a Ilha da Madeira e os Estados Unidos da América, aos níveis político, económico,

social e cultural, e apenas no período relativo à primeira metade do século XIX.

Organizado em quatro partes fundamentais (onde não se incluem nem a

apresentação inicial que se segue, nem os apêndices finais de documentos e de gravuras

antigas), este estudo começa por, na primeira parte, descrever as relações de Portugal

com a Inglaterra e, em particular, com os Estados Unidos da América, país de origem de

George Day Welsh, não deixando também de documentar a ida de marinheiros assim

como a presença de madeirenses nos Estados Unidos da América.

Na segunda parte, começando a traçar o percurso biográfico de George Day

Welsh, descrevem-se os seus negócios e as suas acções em alguns dos concelhos da

Madeira, dando igualmente uma especial atenção ao período da Guerra Civil, às

relações concorrenciais entre aquele cidadão americano e John Marsh, assim como ao

papel cultural de George Welsh na Madeira.

As relações familiares de Welsh na Madeira são o assunto da terceira parte, onde

se focam as questões relacionados com a sua chegada à Ilha, o seu casamento, a sua

descendência, e a sua proximidade em relação a outros madeirenses ilustres, como é o

caso do Conde de Carvalhal.

Na conclusão final desta dissertação, referem-se não só as ideias principais deste

(6)

APRESENTAÇÃO

Como se pode depreender do título da dissertação - GEORGE DAY WELSH

NAS RELAÇÕES ENTRE A MADEIRA E OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

(PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX), a grande finalidade desta investigação,

como já se afirmou, é tentar estudar e compreender as relações políticas, económicas,

sociais e culturais entre a Ilha da Madeira e os Estados Unidas da América, sobretudo

em tudo aquilo que se relacione, de modo directo ou por proximidade temporal e social,

com a personalidade de George Day Welsh.

Para atingir esse fim, levámos a cabo uma pesquisa que tivesse em conta não só

as fontes históricas primárias, consultando sobretudo documentação existente no

Arquivo Regional da Madeira (Registos Paroquiais, Notários, Alfândega do Funchal,

Administração do Concelho do Funchal, etc.), mas também outras fontes secundárias

(livros, artigos, periódicos e revistas diversas sobre o assunto) que se relacionasse não

apenas com o percurso biográfico do cidadão americano que é objecto de investigação

mas ainda com o contexto histórico da sua marcante presença na Ilha da Madeira,

sobretudo na primeira metade do século XIX.

Assim, esta dissertação organiza-se nas seguintes partes principais: depois da

apresentação inicial que agora fazemos, no primeiro capítulo, definimos os antecedentes

e o contexto histórico, político e social em que viveu George Day Welsh, descrevendo

as relações entre Portugal, a Inglaterra e os Estados Unidos da América, não deixando

ainda de descrever muito particularmente, em alguns dos subcapítulos desta parte do

trabalho, todos os factos que se relacionem com a Madeira; na segunda parte,

(7)

Madeira, referindo particularmente a sua passagem pelos concelhos de Machico, Santa

Cruz, Santana, e aludindo, em especial, ao período da Guerra Civil; na terceira parte,

continuando o percurso de investigação desde os aspectos mais gerais (o Mundo,

Portugal e as Ilhas) até aos mais próximos (a Madeira e os locais por onde passou

George Day Welsh), descrevem-se então as relações familiares, pessoais e sociais desse

cidadão americano que chegou e se estabeleceu na Madeira em princípios do século

XIX, ganhando sucesso económico e notoriedade social; por fim, no quarto capítulo, em

modos de conclusão, apresentamos uma síntese das investigações e das descobertas

realizadas, que não serão mais do que um ponto de partida para futuros trabalhos que

venham completar esta exploração geral que agora realizamos da vida e da obra do

cidadão americano, madeirense por opção, George Day Welsh.

A escolha específica deste autor tem naturalmente algumas razões que a

sustentam. De uma forma geral, existe a tendência de vários escritores para dar grande

relevo à presença e à importância dos Britânicos na Madeira. Em contrapartida, poucos

são os estudiosos que salientam a intervenção dos Americanos nos negócios da Ilha.

Se, por um lado, os Ingleses foram sem dúvida marcantes na economia

madeirense, quer a nível de negócios (como sejam as explorações de tipo industrial, os

vinhos e os bordados) quer também em termos de comércio, de agricultura e dos

agentes de navegação, os Americanos, na nossa modesta visão, não o foram menos.

Contudo, o número destes era bem menor, daí que a sua intervenção fosse

pontual em determinadas áreas do mercado económico. Na presente investigação,

escolhemos apenas um deles, George Day Welsh, do qual não existem ainda dados

biográficos nem bibliográficos escritos, embora, pela recolha que fizemos, se verifique

haver uma série de documentos que podem dar-nos pistas fundamentais, como, por

(8)

Civil e Administração do Concelho do Funchal, por exemplo), e também evidentemente

algumas notícias dos periódicos.

Além disso, no contexto dos estudos açorianos, sabe-se que foram feitas

investigações sobre um Cônsul Americano da Ilha do Faial, Charles Dabney. No

entanto, acerca de George Day Welsh, que chegou a Portugal praticamente na mesma

data, que também faleceu pelos mesmos anos e que foi um grande agente americano na

Ilha da Madeira, não há (que se conheça) trabalho algum publicado. Este é, por

conseguinte, um assunto mais ou menos inédito, pretendendo então mostrar-se, com

certos dados concretos e com a descrição do seu percurso biográfico, o quanto este

Americano foi marcante na Ilha da Madeira no século XIX.

A vida e a obra deste ilustre Americano têm forçosamente de ser recordadas e

transmitidas ao público em geral. É claro e necessário que se explique o significado e a

importância deste homem, no panorama histórico, económico e cultural da sociedade

madeirense da época. Essa é também a intenção deste nosso trabalho.

Através da globalidade deste estudo e especialmente pela pesquisa documental

efectuada (que foi muito gratificante, sobretudo porque assumimos um compromisso

académico e o fizemos por gosto e com método) queremos perceber como tem valor

para a compreensão da realidade política, social e cultural madeirense do século XIX a

personalidade de George Day Welsh.

Esperamos que o empenho e a dedicação a este tema despertem algum interesse

junto dos leitores que eventualmente tenham acesso a esta dissertação e possam emitir

as suas opiniões acerca deste trabalho exploratório em que nos propomos tratar a vida e

a obra do cidadão americano George Day Welsh e caracterizar o modus vivendi da

(9)

AGRADECIMENTOS

Na elaboração deste trabalho de investigação, vários foram os que, de uma

forma directa ou indirecta, contribuíram para que esta dissertação se tornasse realidade e

fosse consequentemente apresentada ao público da Universidade.

Em primeiro lugar, temos de agradecer ao orientador desta dissertação, o

Professor Doutor João Adriano Ribeiro, que não só nos motivou para a realização deste

trabalho académico como soube sobretudo ajudar-nos a superar as grandes dificuldades

que sentimos na análise e na interpretação dos vários documentos manuscritos do

Arquivo Regional da Madeira [ARM], devido aos seus diversos tipos de letra, alguns

deles dificilmente legíveis por um leigo em paleografia, e até porque se trata de

escrituras e de outros registos com quase duzentos anos de existência.

Apesar de tudo isso, com a vasta experiência e com a reconhecida competência

do nosso orientador nestas matérias, tais lacunas foram sendo paulatinamente

ultrapassadas, já que ele sempre esteve disponível para apoiar, para aceitar sugestões e

para fazer as suas críticas. Por isso mesmo, a sua ajuda foi imprescindível e

evidentemente fundamental para a conclusão deste projecto de investigação.

Agradecemos também publicamente à Secretaria Regional de Educação da

Madeira pela concessão de uma Equiparação a Bolseiro durante dois anos e pela

Licença Sabática durante um ano, o que em muito contribuiu para a existência das

condições necessárias à realização de toda a investigação bibliográfica e à prossecução

(10)

A todos os nossos Professores dos seminários semestrais do Mestrado,

nomeadamente o Professor Doutor João Soares Carvalho, o Professor Doutor Mário

Avelar, a Professora Doutora Dominique Costa e a Professora Doutora Zina Abreu,

queremos igualmente expressar a nossa gratidão e o reconhecimento pela forma

competente como desempenharam as suas funções, enquanto responsáveis pela

leccionação das várias temáticas do curso, que em muito contribuíram para a nossa

formação especializada na área da Cultura e da Literatura Anglo-Americanas.

Ao Departamento de Estudos Anglísticos e Germanísticos, na pessoa da sua

Directora, a Professora Doutora Zina Abreu, agradecemos o apoio prestado não só ao

longo da duração do curso como também na fase da investigação bibliográfica.

À nossa colega de curso Cláudia Nóbrega, devemos a ajuda pelo encorajamento

permanente e pela forma especial de lidar connosco que, constituindo verdadeiros

exemplos humanos e académicos, raramente são seguidos.

Finalmente e de um modo muito especial, um agradecimento particular aos

nossos familiares e amigos mais próximos, que nos deram todo o apoio pessoal

necessário para aguentar a difícil tarefa de realização de um Curso de Mestrado.

(11)

GEORGE DAY WELSH NAS RELAÇÕES ENTRE A MADEIRA E OS

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX)

ÍNDICE GERAL

RESUMO ... VI

APRESENTAÇÃO ... VII

AGRADECIMENTOS ... X

ÍNDICE GERAL ... XII

ÍNDICE DE DOCUMENTOS E DE GRAVURAS ... XIV

I. AS RELAÇÕES PORTUGUESAS COM A INGLATERRA E COM

OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA... 01

1.1. INTRODUÇÃO ... 02

1.2. A RIVALIDADE DOS EUA COM A INGLATERRA ... 07

1.3. OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E OS AÇORES ... 09

1.4. AS EMBARCAÇÕES AMERICANAS NO FUNCHAL ... 15

1.5. O RECRUTAMENTO DE MARINHEIROS PARA OS EUA ... 20

1.6. A NOTÍCIA DO OURO DA CALIFÓRNIA NA MADEIRA ... 25

1.7. OS MADEIRENSES NA AMÉRICA ... 30

(12)

II. GEORGE DAY WELSH E A ILHA DA MADEIRA ... 41

2.1. INTRODUÇÃO ... 42

2.2. GEORGE DAY WELSH NO CONCELHO DE SANTANA ... 43

2.3. GEORGE WELSH EM SANTA CRUZ E EM MACHICO ... 48

2.4. O PERÍODO DA GUERRA CIVIL NA MADEIRA ... 52

2.5. JOHN MARSH - UM CONCORRENTE DE WELSH ... 58

2.6. WELSH E A PROMOÇÃO CULTURAL DA MADEIRA ... 61

III. AS RELAÇÕES FAMILIARES DE WELSH NA MADEIRA ... 66

3.1. INTRODUÇÃO ... 67

3.2. A CHEGADA E O CASAMENTO ... 68

3.3. OS SEUS DESCENDENTES ... 73

3.4. GEORGE WELSH E O CONDE DE CARVALHAL ... 78

IV. CONCLUSÃO ... 86

BIBLIOGRAFIA ... 90

APÊNDICE DOCUMENTAL ... 96

(13)

GEORGE DAY WELSH NAS RELAÇÕES ENTRE A MADEIRA E OS

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX)

ÍNDICE DE DOCUMENTOS E DE GRAVURAS

A. APÊNDICE DOCUMENTAL:

Documento Nº 1 - “Venda que faz o Ilustríssimo George Day Welsh (…)” .... 97

Documento Nº 2 – “Testamento com que na freguesia de São Pedro faleceu George Day Welsh (…)” ... 102

Documento Nº 3 – “Registro do Testamento de João Jorge Welsh” ... 105

Documento Nº 4 – “Tratado de Comércio e Navegação entre Portugal e os Estados Unidos da América” ... 107

B. ANEXO DE GRAVURAS: 1. Gravura 1 – “A casa ambulante” (1.1) ... 3

2. Gravura 2 – “O banco” (1.1) ... 3

3. Gravura 3 – “Os viajantes do mato” (1.1) ... 3

4. Gravura 4 - “A casa típica de Santana” (1.1) ... 3

5. Gravura 5 - “A aguarela de Max Romer” (1.1) ... 3

6. Gravura 6 - “Frontispício do livro de António da Cunha Sotto Maior” (1.6)...29

7. Gravura 7 - “Capa do livro de Luís Ornelas Coelho” (1.8)...40

8. Gravura 8 - “Colecção de Harcourt” (2.2)...43

(14)

10. Gravura 10 – “ O Calhau de São Jorge” (2.2) ... 44

11. Gravura 11 – “ Igreja de Ponta Delgada” (2.2) ... 45

12. Gravura 12 - “ O Hotel de Luís Augusto Acciaioli” (2.2) ...47

13. Gravura 13 - “ Barco de Carreira” (2.3) ...48

14. Gravura 14 - “ Frontispício do livro Clamor dos Madeirenses” (2.4) ...57

15. Gravura 15 - “ João Fernandes Vieira” (2.6)...62

16. Gravura 16 - “ Capa da Revista Panorama” (2.6) ... 65

17. Gravura 17 - “ Cabeçalho da Revista Panorama” (2.6)...65

18. Gravura 18 - “ Casa de campo no Jardim da Serra” (2.6)...65

(15)

CAPÍTULO

I

AS RELAÇÕES PORTUGUESAS COM A

INGLATERRA E COM OS ESTADOS

(16)

1.1.INTRODUÇÃO

Tal como afirmámos na apresentação deste estudo, neste primeiro capítulo,

definimos o contexto histórico, político e social em que viveu George Day Welsh,

descrevemos as relações entre Portugal, a Inglaterra e os Estados Unidos da América

[EUA], fazemos ainda uma alusão às ligações entre os Açores e os EUA, não deixando

evidentemente de referir muito particularmente, nos quatro últimos subcapítulos desta

parte do trabalho, todos os factos que se relacionem com a Madeira.

Sabe-se que os EUA, sendo embora um País de Constituição recente, pois a

colonização inglesa só começou em 1607, são, sem dúvida, uma Nação com muita

história e um exemplo para muitas outras.

No período em que estudamos as vivências de George Day Welsh, deparamo-

-nos com uma série de notas curiosas em relação a esse país. Assim, no número 45 do

periódico Flor do Oceano (relativo ao ano de 1838), podemos verificar que o bergantim

americano de Odessa para Nova Iorque levava 177 pipas de Vinho Madeira, 44 quartos

de barilha e 4 passageiros da Madeira.

Entre 1831 e 1840, continuava a importar-se grande quantidade de produção

cerealífera dos EUA, pelo facto de a produção local não ser ainda suficiente. Entraram,

de facto, na Ilha da Madeira 8.000 moios de cereais, além de muita farinha em barricas

proveniente dos EUA1.

A partir de 1840, começaram a ser divulgados alguns trabalhos geológicos e de

botânica sobre a Ilha da Madeira. Por muitos destes trabalhos circularem em língua

inglesa, a curiosidade atraiu assim à Ilha cidadãos americanos, alguns dos quais

passaram aí a residir. Um exemplo disso mesmo é o do Geólogo Americano Smith.

(17)

Também o Botânico Inglês Mason incluía, no seu Catalogue Kewensis, memórias

autênticas e curiosidades sobre a Ilha da Madeira2.

O modo como os Americanos viviam, viajavam e aplicavam as suas economias é

também, sem qualquer dúvida, uma verdadeira experiência exótica. Pelas gravuras que

se anexam (no fim deste trabalho) podemos já verificar a casa ambulante (a actual

caravana), o banco e os viajantes3 (ver gravuras nº 1, 2, 3 e comparar com as nº 4 e 5). São todas estas curiosidades e algumas excentricidades que fazem do povo

americano um alvo de estudo privilegiado. Ninguém duvida que muitos deles se afastam

da sua terra natal e criam raízes em outras partes do globo. A aventura, o estudo, a

descoberta e a própria ambição fazem com que inúmeros Americanos tenham vindo

viver definitivamente para a Ilha da Madeira, quer no passado, quer nos tempos mais

recentes.

Dedicamos assim este trabalho a um desses americanos que trocou as luzes da

ribalta do continente americano pela Ilha da Madeira, que ainda estava mergulhada

numa certa escuridão sombria.

Foi então no ano de 1815 que George Day Welsh se estabeleceu no Funchal

como mercador e como cônsul. A mulher com que se viria a casar tomou o nome de D.

Vicência de Freitas Welsh. Falecida no ano de 1841, dela teve ainda quatro filhos, a

saber: D. Ana de Freitas Lomelino, casada com o morgado Nuno de Freitas Lomelino,

D. Helena Dias, casada com o major Manuel Feliciano Dias; George Benger Welsh e

João George Welsh, solteiros de maior idade4.

A sua filha, D. Ana de Freitas, casou, no primeiro dia do mês de Novembro de

1834, com o morgado Nuno de Freitas Lomelino, filho de um morgado do mesmo

nome, já então falecido e de D. Helena de Freitas, natural de S. Pedro. As testemunhas

2A Flor do Oceano, 09/01/1840.

3Panorama, 1843, p. 268, e 1844, pp. 260 e 287.

(18)

deste casamento foram os morgados João de Freitas Correia e Paulo Perestrelo da

Câmara5. De salientar também que este último foi um escritor que residiu na Madeira e no Brasil, publicando várias obras. Por este facto, nota-se já que a família Welsh tinha

alguma envolvência cultural no meio ilhéu.

George Welsh tornou-se um comerciante muito estável, sendo a sua fiança

imprescindível para grandes transacções. Em 1838, por exemplo, perante os principais

membros da Misericórdia do Funchal, compareceu Filipe Rodrigues e disse que havia

comprado a George Stodart, cônsul britânico, um armazém com o Nº 44, sito na rua da

Queimada de Cima, pelo preço de 2.100.000 réis. O térreo era foreiro à Santa Casa por

execução que esta fizera a Domingos João de Afonseca. O comprador propôs-se então

pagar as custas da execução, para que esta não continuasse, sendo o seu valor de

160.600 réis de juros até essa altura, incluindo ainda as custas do processo. Assim

sendo, obrigava-se a pagar o capital de 200.000 réis e os respectivos juros. Dava como

fiador e principal pagador George Day Welsh e também hipotecava um armazém nas

Cruzes, freguesia de S. Pedro6.

Vários negócios passavam, de facto, por convénios com George Day Welsh que

ia assim assumindo um papel cada vez mais destacado em negócios madeirenses. Em

1839, o visconde de Torre Bela, residente em Lisboa, passou uma procuração a George

Day Welsh e a José Maria Rodrigues para eles lhe tratarem de assuntos na Ilha,

nomeadamente o arrendamento de uma propriedade no sítio da Saraiva, em Câmara de

Lobos7.

5 ARM, Registos Paroquiais, Nº 129, f. 197. (Paulo Perestrelo da Câmara publicou os seguintes trabalhos: Breve Notícia da Ilha da Madeira, em 1841; Descrição Geral de Lisboa, em 1839; Dicionário Geográfico, HistóricoPolítico e Literário do Reino de Portugal; Novo Tratado de Aritmética Comercial, em 1846; Colecção de Provérbios, Adágios, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos da Língua Portuguesa, no ano de 1848.)

(19)

Também em vários actos de solidariedade, George Welsh mostrou-se sempre um

cidadão benemérito. No seu próprio testamento, referia: Lego mais cinquenta mil réis

com que se comprará um presente que seja feito em meu nome e em sinal de amizade, a

Romão Agostinho Moniz Betencourt, da freguesia de Santa Cruz; ao Asilo de

Mendicidade do Funchal cem mil réis; à Escola de Infância, desta cidade cinquenta mil

réis; e ao Convento das Religiosas Capuchas também desta cidade, cinquenta mil réis,

que a administração do Convento aplicará como mais convier à comunidade8.

Uma data antiga que registamos da presença de George Day Welsh na Ilha da

Madeira é a de 1815, havendo, para o comprovar, a seguinte referência:

“Na escritura de Quitação Geral de vinte e dois de Junho de 1850 e declaração

de Autos entre o Morgado Francisco António Bettencourt Araújo e Mulher e como da

outra parte certificado George Day Welsh, todos moradores na Rua da Carreira. Os

primeiros disseram que por escritura de dezoito de Maio de 1815 feita por seu pai e

sogro Coronel José Joaquim Bettencourt Esmeraldo, venderam ao certificado uma casa

sobradada com o seu quintal na rua da Carreira, freguesia de São Pedro, desta Cidade,

pelo preço de 1.078.782 réis (um conto setenta oito mil setecentos oitenta e dois réis) e

que por sentença do Provedor dos Resíduos e Capellas foi comprehendida na sobredita

venda, a obrigação do comprador entrar com esse dinheiro na Arca dessa Provedoria

para ser empregada em bens mais estáveis a favor do vínculo, instituído por Manuel de

Araújo. Porém o comprador não o fez. Os vendedores tiveram uma sentença favorável

de transferência do vínculo em 4 de Fevereiro de 1849 para aplicarem essa quantia na

Quinta dos Arciprestes que os mesmos possuem no Sítio do Pillar, assim ratificaram o

contrato com o comprador para fazerem tal aplicação. Foram testemunhas: Luís de

Oliveira Lopes e José Agostinho de Oliveira Caixeiro.”9

(20)

O texto que citamos é um testemunho evidente de que George Day Welsh já se

encontrava na Ilha da Madeira na data anteriormente referida. Até ao momento, ainda

não conseguimos quaisquer outros documentos que certifiquem a sua presença anterior

na Ilha (antes de 1814). A sua intervenção em certos negócios madeirenses continua

mesmo até à data do seu falecimento. Contudo, neste trabalho apenas recolhemos alguns

dados que ajudam a perceber quem foi este Americano, sendo que muito mais, para

além do contributo que apresentamos nas páginas que se seguem, poderá ser feito num

(21)

1.2.A RIVALIDADE DOS EUA COM A INGLATERRA

No início do século XIX, a compra do Estado da Luisiana desfez as principais

complicações internacionais que tinham prejudicado, durante um largo período de

tempo, o comércio de Oeste, tornando daí em diante esse comércio livre de procurar a

sua expansão normal pela via do Ohio e do Mississíppi.

Todavia, o presidente dos EUA, Jefferson, encontrou-se, daí a pouco, perante o

problema, igualmente difícil, de proteger o comércio marítimo da América contra os

beligerantes europeus, em particular a Inglaterra e a França, os quais, em 1803, tinham

quebrado a frágil paz de Amiens e retomado a sua interrompida luta. Pouco disposto a

assegurar essa protecção por meio do aumento da força armada, a que era contrário, o

espírito ansioso do Presidente procurou um método menos dispendioso e mais

civilizado. Esse método, pensou ele, residiria no desenvolvimento hábil de um largo

comércio, rapidamente crescente, da América com os países estrangeiros.

De facto, os grandes conflitos entre Americanos e Ingleses são mais de interesse

económico do que propriamente político. Depois do fim da guerra com os Índios e com

os Franceses, em 1763, as colónias americanas sentiam-se como uma Nação, pois

tinham atingido um grande desenvolvimento, na construção naval, na indústria e no

comércio.

O espírito de independência e a sensação de ter governo próprio eram situações

cada vez mais crescentes e emergentes. As Universidades de Harvard e de Yale, bem

como as próprias escolas, tinham formado brilhantes líderes políticos, que podiam

perfeitamente governar o país. No entanto, a Inglaterra não pensava assim, e achava

(22)

relações comerciais somente com ela própria e ajudar a pagar as pesadas dívidas das

guerras.

Obviamente que os EUA não concordaram com estas imposições e a guerra foi o

caminho encontrado para resolver o diferendo. Os Americanos travaram árduas batalhas

com os Ingleses e chegou-se então a um determinado momento em que não se sabia

quem estava a vencer ou quem estaria a perder. O resultado, porém, sorriu aos

Americanos que atingiram a sua independência, após oito anos de guerra, a qual

decorreu entre 1775 e 1783.

No entanto, em 1812, houve nova guerra com Inglaterra por causa de esta ter

pretensão em exercer o policiamento dos mares. O exército inglês chegou a tomar

Washington, mas teve uma estrondosa derrota em Nova Orléans, sendo então

finalmente assinado tratado de paz em 1814.

A verdade é que nesta sequência, no ano de 1815, já George Day Welsh estava

estabelecido no Funchal como mercador americano e como cônsul dos Estados Unidos

da América, trazendo consigo os ideais americanos e algumas novas formas de

(23)

1.3.OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E OS AÇORES

A pesca à baleia americana começou a trazer inúmeros barcos ao porto da Horta

e, consequentemente, deu-lhe um grande progresso comercial, cujo reconhecimento foi

observado pelas autoridades portuguesas, que logo a elevaram a cidade.

Devido à procura de azeite de baleia no mercado, não tardou que os Açorianos,

impulsionados pelos próprios Americanos, começassem a formar sociedades e a passar

de uma pesca rudimentar de cetáceos para uma faina pesqueira muito mais sofisticada.

No Faial, a família Dabney manteve, quase durante uma centúria, o consulado

dos Estados Unidos da América e, dando apoio às embarcações da jovem Nação,

traficavam, juntamente com outros comerciantes, cônsules e consignatários, todo o

género de mercadorias, enobrecendo em termos comerciais, assim, a cidade da Horta,

elevada então a essa categoria pelo rei D. Pedro IV, no ano de 1833.

Do estreitamento das relações comerciais com os Estados Unidos da América,

veio a dar-se naturalmente um grande surto de emigração dos Açores para aquele país,

que ainda tinha muitas pradarias por ocupar. Por essa razão, alguns insulares tornaram-

-se pioneiros tanto no arroteamento do solo americano como também na pesca à baleia.

Devido sobretudo a esse relacionamento, o contrabando generalizou-se no

arquipélago dos Açores e travaram-se autênticas perseguições, especialmente àqueles

que se dedicavam ao tráfico de tabaco.

Em consequência do monopólio existente na altura, os consumidores insulares

eram obrigados a tragar um género de tabaco de menor qualidade, vendido nos estancos

do contrato e, em geral, cheio de mofo. Pelo contrário, o tabaco da Virgínia e de

(24)

Em todo o caso, o tabaco de boa qualidade até poderia ser produzido nos

Açores, já que as experiências, em 1825, foram bastante animadoras. Mas o soberano

Estado português teimou em manter o anterior monopólio. Daí que tivesse nascido uma

reivindicação comum, entre os Açorianos e os Madeirenses, que só terminou em 1864,

com a livre cultura do tabaco nas ilhas.

Em meados do século XIX, fundou-se um importante porto franco nas Ilhas

Canárias que iria desviar uma parte significativa da navegação para os portos daquele

arquipélago espanhol, uma vez que aí os combustíveis eram mais baratos.

Tanto a Madeira como os Açores observaram, no seu comércio, um grande

declínio, que foi acompanhado pela crise vinícola. Mesmo assim, os Estados Unidos da

América, ainda em 1862, manifestavam a intenção de estabelecer um depósito de carvão

na Madeira, o que ajudaria a desenvolver a indústria e o comércio.

Desde 1793 até 1801, os Ingleses fizeram no Faial grandes especulações

mercantis. Só uma casa de Londres comprava ali, por meio de um agente local, 5.000

pipas de vinho que eram enviadas às Antilhas e à Martinica. Nesta época, a Ilha do Pico

chegou mesmo a produzir cerca de 25.000 pipas de vinho1.

Os Estados Unidos mantinham-se afastados do conflito como transportador de

mercadorias, só que os Ingleses barravam a entrada dos capitães americanos nos portos

europeus. Portugal, nesta época, era fortemente dirigido pelos Britânicos, uma vez que o

monarca português se encontrava no Brasil e, desta forma, os súbditos britânicos,

responsáveis pela direcção das armas em Portugal, agiam em concordância com a

política inglesa.

A partir de 1812, os Estados Unidos rebelaram-se contra as ordens britânicas,

rejeitando, em particular, a forma como eram feitas as vistorias a navios em trânsito.

Abriu-se, assim, um conflito frontal entre a Inglaterra e os EUA. A comunidade

(25)

mercantil aconselhou a que se melhorassem os relacionamentos entre os dois países

beligerantes, uma vez que o país independente estava a travar uma guerra contra a

nação-mãe, que era uma grande consumidora dos seus produtos. Além disso, para a

Inglaterra, uma guerra em duas frentes seria muito prejudicial. Na realidade, era

importante não esquecer que o inimigo a combater seria Napoleão e os Franceses.

Mesmo assim, houve algumas refregas entre Americanos e Ingleses.

Nos dias 26 e 27 de Setembro de 1814, travou-se um violento combate na baía

da Horta com um corsário americano, do general Armstrong. De salientar que, nesta

data, George Welsh já se encontrava na Ilha da Madeira.

O governador local procurou, por todos os meios, manter a neutralidade, não

consentindo que uns 30 marinheiros que estavam em terra se juntassem à escuna

americana para melhor a defender.

Tentou também, de modo a evitar o pior, intervir no conflito, pedindo para ir a

bordo falar com o comandante, mas, mesmo assim, tudo se gorou. Mandou, por isso,

confiscar as armas que os Americanos trouxeram para terra, só que o resultado foi um

bombardeamento que destroçou muitas casas. Entretanto, os cônsules americano e

inglês concordaram que dos destroços se fizesse uma hasta pública para ajudar a reparar

algumas das casas arruinadas pelos disparos2.

Muitos navios americanos, nesta altura, começaram a procurar fazer escala no

Faial, uma vez que poderiam contar com os fornecimentos do cônsul do seu país. Em

1822, um brigue americano saído do estaleiro, já com 11 meses de navegação, cavilhado

e forrado de cobre, arribou à Horta desarvorado e foi condenado por falta de mastros.

Em consequência disso, o cônsul Dabney encomendou 12 mastros e seis

gurupés. A partir de então, não faltaram os mastros no Faial para dar apoio à navegação.

O estaleiro ficou muito bem apetrechado para valer aos navios. No ano seguinte, outro

(26)

brigue americano, o Grobe, arribou com falta de gurupés. Este material foi encontrado

no estaleiro de Dabney3. O porto do Faial ficou, entretanto, abastecido das madeiras necessárias tanto para a reparação naval como para outras emergências da navegação.

Contudo, a relação entre os Estados Unidos e os Açores passou também pelos

dissabores da Guerra Civil entre 1828 e 1834. Nesse conflito, havia uma grande

participação das potências estrangeiras que não pouparam os barcos dos Estados Unidos

da América.

O Presidente Jackson proferiu um discurso na abertura do Congresso Americano

em 6 de Janeiro de 1832, no qual não poupava as críticas a Portugal. Dizia que no

bloqueio da Terceira alguns barcos portugueses tomaram navios dos EUA e cometeram

alguns excessos. Perante isso, foram pedidas explicações ao país ibérico. Acrescentava

que estaria pronto a enviar uma força armada para se prevenir de tais violências e

proteger os cidadãos americanos no exercício do comércio. Contudo, foi aconselhado a

não movimentar esses meios de defesa. De Portugal havia a resposta de que seriam

indemnizados das perdas sofridas bem como das injúrias, havendo no entanto certas

demoras na execução do pagamento4.

Fora ainda apresada, em Setembro de 1830, a escuna americana Planter cuja

importância em géneros comprados fora de 150.000 réis; as mercadorias de outra

escuna denominada Anna foram avaliadas em 105.000 réis5.

Em meados do século XIX, Francisco Drumond referia existir um intenso

comércio entre a Ilha Terceira e outros pontos do globo, tais como: Portugal continental,

Inglaterra, Brasil e Estados Unidos. Os Açores exportavam normalmente laranja, vinho,

aguardente e batata doce. Para a antiga possessão portuguesa, era sobretudo exportada

carne de porco e ainda panos de linho. Em troca, os açorianos recebiam uma quantidade

3O Açoriano Oriental, 23/6/1853, Suplemento ao Nº 963.

(27)

de géneros que não existiam na terra: açúcar, arroz, chá e café, além de sal, chumbo,

latão, aço, ferro e madeiras6.

Quando Dabney, tomou conta dos negócios do seu pai. Em 1826, não havia um

único fornecedor de refrescos em condições para abastecer as embarcações que

demandavam ao Faial. Meia dúzia de baleeiras americanas chegavam àquele porto por

ano. Mas, a partir de então, o porto chegou a ser frequentado por 169 embarcações num

só ano.

Aquele representante americano entusiasmou os camponeses a plantarem batatas

porque eram necessárias para o fornecimento das baleeiras, pagando-lhes um preço mais

elevado do que aquele que era corrente no mercado.

Dabney, para demonstrar que a pesca à baleia poderia ser vantajosa para os

Açores, em 1849, mandou preparar o bergantim americano Harbinger e entregou-o ao

capitão Francisco José Nunes da Silva, da Ilha do Pico, para a prática da pesca à baleia.

Na tripulação dessa embarcação, fez incluir dois pilotos e dois trancadores americanos.

No ano seguinte, apenas um piloto e um trancador eram americanos, sendo os demais

20 de nacionalidade portuguesa. Em 1852, foi armado para aquela pesca o patacho

português Pamona, sob a orientação do mesmo capitão. Inicialmente, porém, não

tiveram o sucesso desejado7. Em 1860, comentava-se que este cônsul arrematara uma barca francesa e que pretendia aparelhá-la para a pesca à baleia, usando, no entanto, a

bandeira americana. Todavia, esta seria mais uma baleeira faialense8.

Este negócio, porém, nem sempre correu mal para os Portugueses. Uma notícia

de 1860 dava conta de que entraram na Horta os brigues portugueses baleeiros: o

6 DRUMOND, Francisco Ferreira. Apontamentos para a História dos Açores. Angra do Heroísmo:

Instituto Histórico da Terceira, 1990, p. 33.

(28)

Cidade da Horta, com cento e tantos barris de azeite; o Argos, com oitenta barris; um

outro navio de Water Witch havia trazido duzentas pipas9.

Em 1860, naufragou no Faial a baleeira americana Louisa Sear no lugar de Entre

os Montes de Porto Pim. Curiosamente, escapou tudo quanto havia dentro, incluindo os

cem barris de azeite10.

O certo é que, em consequência do contacto com os pescadores americanos e

graças ao aperfeiçoamento da faina da pesca à baleia dos Açores, alguns ilhéus

procuraram bem cedo paragens mais promissoras para desempenharem com sucesso

este trabalho. De muitos deles perderam-se os nomes, mas todos foram certamente

marcantes na pesca à baleia na Califórnia, um assunto que ainda não foi aprofundado

com todo o rigor e que mereceria uma maior atenção dos historiadores ilhéus.

(29)

1.4.AS EMBARCAÇÕES AMERICANAS NO FUNCHAL

Os negócios da Madeira com os Estados Unidos da América remontam ao tempo

em que este país era uma colónia inglesa. De facto, desde princípios do século XVIII,

vinham dos Estados Unidos para esta Ilha cereais ou farinha, bacalhau, aduelas para

pipas ou outro tabuado e ainda mercadoria a lastro. Tais transacções só diminuíram

aquando dos movimentos para a independência daquele país.

Porém, a partir de 1773, voltam a chegar à Madeira cereais e farinha dos Estados

Unidos. A partir de então, esta troca comercial cresceu, atingindo o ponto mais alto em

1791. Em 1802, chegava à Madeira um considerável lote de cereais e farinha, muito

bacalhau, algumas aduelas para pipas, mantimentos e mercadoria a lastro1.

Desta forma, nos inícios do século XIX, portanto antes da chegada de George

Welsh, já se operavam grandes negócios no Funchal entre Madeirenses e Americanos.

De seguida, dão-se então alguns exemplos dos montantes (por vezes consideráveis)

envolvidos nessas trocas comerciais.

Em 1802, efectuou-se no Funchal a venda de uma balandra americana

denominada Hannh, efectuada por Eliphlat Guldings, de Nova Iorque, através do seu

intérprete Guilherme Jenkins, britânico, a Francisco do Nascimento, isto pelo preço de

400.000 réis2.

Em 1809, procedeu-se à venda da galera Susan, por parte de João Anglin, na

qualidade de procurador de Daniel Sullivan, negociante em Nova Iorque, a Pedro

1 SOUSA, João José de. O Movimento do Porto do Funchal e a Conjuntura da Madeira de 1727 a 1810: alguns aspectos. Funchal: DRAC, 1989.

2 ARM, Notários, Nº 2256, f. 9v-10. (Este acordo foi alterado alguns dias depois no que respeita ao

(30)

Mendonça Drumond, pelo preço de 7.200.000 réis, quantitativo que seria pago em

várias prestações3.

Em 1809, Amos Denison, mestre da escuna americana Marianna, através do seu

intérprete, o vice-cônsul Diogo Leandro Catheart, começou a lavrar uma escritura

notarial para venda de um carregamento de bacalhau ao negociante Manuel Rodrigues

de Oliveira. O contrato, porém, ficou sem efeito4.

Em 1810, foi efectuada a venda de um bergantim americano designado Amicus,

cujo capitão era J. B. Rapatel, o qual tinha autorização de João Holmes, residente em

Baltimore, em favor do João Caetano Jardim, que o comprava por 400.000 réis5. Em 1812, foi escriturada uma procuração que fazia o capitão David Manlove, dos EUA, em

benefício de Guilherme Casey, britânico estabelecido no Funchal6. Em 1813, efectuou- -se, também no Funchal, a venda de um bergantim a Matias S. Sayres, natural dos

Estados Unidos da América7.

Estas eram então as perspectivas de negócio que George Welsh veio encontrar,

quando chegou a Madeira. Em 1816, João Veríssimo Lopes arrendou a Guilherme S.

Shaw, de naturalidade americana, a sua casa, situada na Rua das Pretas, Nº 21, pelo

preço de 25.000 réis cada mês8. No que diz respeito a Welsh, em 21 de Janeiro de 1819, D. Joana Francisca de Ornelas deu posse de uma loja, na Rua dos Ingleses, a George

Day Welsh, onde este passou a ter o seu estabelecimento comercial9. Nesta altura, também outros Americanos se terão fixado no Funchal.

Em 1821, no escritório de Symonds Ruffy & Cª apareceu, na qualidade de

fretador, Luís José Baiardo, o qual fretou uma embarcação a João Baker, de origem

(31)

americana, mestre do brigue Patriot. O primeiro, na qualidade de procurador do

Arcebispo eleito de Elvas, D. Frei Joaquim Menezes e Ataíde, fretou o dito brigue para

ir do Funchal a Lisboa por 600.000 réis, pagos através de uma letra aprovada sobre esta

cidade. A embarcação seria obrigada a transportar 25 passageiros, fazendo-lhes os

competentes beliches à sua custa. Era ainda obrigado a carregar debaixo da coberta

enxuta toda a carga e mobília que pertencia ao Arcebispo e aos outros passageiros. Em

Lisboa, teriam 10 dias para a fazer a descarga. Foi intérprete deste contrato Jacob

Ruffy10.

Gozar de cidadania americana em Portugal era uma questão de convénios e de

tratados diplomáticos, ao contrário do que acontecia com os Portugueses que

demandaram ao Novo Mundo, os quais nunca gozaram de um estatuto próprio.

Sabe-se que um outro tratado foi efectuado com os Estados Unidos, em plena

dominação miguelista, sendo, de certa forma, respeitado posteriormente.

Aquele que terá sido o mais importante Tratado de Comércio e de Navegação

entre Portugal e os Estados Unidos da América, datado de oito de Março de 1841, foi

também regulado nas condições dos anteriores, embora com algumas alterações.

Segundo esse tratado, a admissão de vinhos de Portugal não poderia prejudicar o

Convénio com a França, feito no ano de 1831. Ainda segundo este documento, o

transporte dos produtos de um e de outro país seriam feitos em barcos dos mesmos, com

diversas isenções de direitos. Além disso, as embarcações americanas, perseguidas por

piratas, inimigos ou temporais poderiam recolher aos portos portugueses. Haveria

igualmente a troca de Cônsules e de Vice-Cônsules. Enfim, podemos considerar este um

texto deveras curioso, o que nos levou a fazer a sua transcrição integral no final deste

trabalho (Ver Documento Nº 4).

(32)

George Day Welsh, no seu próprio testamento, invocou a cidadania dos Estados

Unidos América, nestes termos: Repito que para todos os efeitos necessários invoco os

direitos de cidadão dos Estados Unidos, e os que pelas leis portuguesas os

favorecerem, para que se cumpra tudo quanto hei disposto por este testamento, ou por

outra forma, que quero seja considerada como parte dele, entrando expressamente

nesta disposição um rol e algumas gratificações que deixo assinados por mim. Serão

meus testamenteiros meus filhos George Benger Welsh e João George Welsh, os quais

farão também descrição dos bens direitos e acções de minha casa11.

Na década de quarenta do século XIX, o comércio tornou-se então mais intenso.

Entre as mercadorias exportadas pela Madeira, contava-se a barrilha para fazer sabão.

Em 1844, foram exportados 1.660 quintais de barrilha para Filadélfia. Em 1848, deu-se

o contrato de Edward Haward, natural de Filadélfia, capitão de um bergantim

americano, para dar passagem a duas raparigas de Câmara de Lobos para o Brasil e

cobrar 120.000 réis pelo emprego destas12.

Uma notícia de Fevereiro de 1851 anunciava a saída do bergantim americano

Broome para Nova Iorque com 14 passageiros a bordo, entre estrangeiros e nacionais.

Seguiram a bordo os madeirenses Alexandre da Cunha e o seu irmão; Maria da

Conceição; António de Freitas e a sua mulher; assim como António Martins13.

Os Americanos, desde a década de 40 desse século, começaram a comprar

chapéus de palha manufacturados tanto na Madeira, como nos Açores. Este tipo de

trabalho manual praticamente antecedeu o dos bordados, que foi, como é consabido,

uma iniciativa dos súbditos ingleses radicados na Madeira.

Em 1850, um navio americano vindo de Portland, com escala em S. Miguel,

trouxe para a Madeira os seguintes produtos: chapéus de palha, chapéus de Liorne,

11 ARM, Administração do Concelho do Funchal, Nº 8, f. 232-235. 12 ARM, Notários, Nº 886, f. 61.

(33)

chapéus finos, frigideiras, baldes pintados, fardos de palha para chapéu, entre outros

artigos14.

Refira-se, a título de curiosidade, e isto porque esta referência ultrapassa as datas

que demarcámos para traçar a biografia de George Welsh e o relacionamento com os

Estados Unidos, que, em 1863, em Santa Maria Maior, existiam duas tecedeiras de

palha; na Sé, uma; em São Pedro, duas. Estas tecedeiras da palha de centeio faziam

sobretudo chapéus. Porém, na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos existiam três

oficinas de chapéus de palha, onde trabalhavam 150 pessoas, o que não deixa de ser um

número considerável, já que cada uma delas ganhava o parco salário de 80 réis diários.

Estas três oficinas armavam, durante o ano, cerca de 3.000 chapéus sem forros, os quais

eram vendidos entre 300 a 700 réis cada um.

Além dessas três oficinas, muitas casas particulares faziam também chapéus.

Normalmente, a palha era entrançada, mas também se faziam chapéus arrendados para

senhora. Os chapéus de palha de centeio feitos no Estreito de Câmara de Lobos

imitavam muito bem os de Itália, podendo rivalizar com a indústria semelhante no

estrangeiro, primando as mulheres pelo esmero, até porque alguns chapéus foram

levados à Exposição da Cidade do Porto e ali foram premiados15.

Também nos Açores era importante a pequena indústria de chapéus de palha.

Numa curta notícia, em 1879, faz-se referência a que continuava a exportação de

chapéus de palha da Ilha do Faial para os Estados Unidos da América. Por exemplo, na

última viagem do vapor Mississipi, foram exportados 10.000 chapéus de palha16.

14 ARM, Alfândega do Funchal, Nº 161, f. 81v (Cota antiga).

15Estatística Industrial do Distrito do Funchal. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1863, pp.

12-16, 22, 90-91.

(34)

1.5.ORECRUTAMENTO DE MARINHEIROS PARA OS EUA

As condições dadas aos marinheiros ingleses e mesmo aos americanos eram bem

superiores às da Marinha Portuguesa. Eram várias as questões que os diferenciavam,

mas sobressaía a remuneração numa moeda mais forte. Havia ainda a questão da fuga à

justiça, já que os fugitivos não eram perseguidos quando navegavam sob a bandeira de

um outro país.

Francisco Solano Constâncio foi diplomata em Filadélfia nos anos de 1822 e de

1823. Numa carta sua, pode ler-se o seguinte: O nosso cônsul de New York me avisa

que as autoridades na Ilha da Madeira, nos Açores e em quase todos os domínios

portugueses, continuam a zombar das leis, não exigindo os certificados consulares; de

onde resulta que os navios que saem dos Estados Unidos para as Ilhas e Brasil, partem

sem legalizar os seus papéis nos nossos consulados: Ultimamente escreveram Howard

e Marsh & Cª da Madeira, ao irmão Th. Marsh, de New York, que não eram ali

necessários certificados dos nossos cônsules, por não serem exigidos pelas autoridades

da Ilha! Sobre esta matéria refiro-me inteiramente ao último ofício que a Vª Exª dirigiu

o Sr. Joaquim Barroso Pereira. É urgente dar pronto remédio a tais abusos, e fazer

cessar a anárquica arbitrariedade dos empregados da Administração da Fazenda1. Este documento mostra bem o sistema de tolerância que era praticado na Ilha da

Madeira para com os navios americanos. Tal facto dava azo a que muitos passassem a

servir nesses barcos, sem contratos ou mesmo sem qualquer documentação, o que nos

deixa antever, pelas escrituras existentes, que muitos ilhéus se faziam passar para

embarcações americanas.

O facto é que, nas idas e vindas de Cabo Verde, muitos marinheiros

encontravam melhor conveniência e passavam-se para outras embarcações. Daí que e o

(35)

Governador da Madeira passasse a exigir uma fiança às embarcações que se dirigiam

para este arquipélago a fim de trazerem de volta os marinheiros. Em 28 de Agosto de

1801, a escuna portuguesa Nossa Senhora das Dores, de que era capitão Manuel

Joaquim Pereira, dirigia-se para Cabo Verde, na direcção da Ilha da Boa Vista. Dali,

seguiria para Nova Iorque e regressaria à Madeira. Deu como fiador Henrique José do

Couto do Funchal2. Em 1803, Miguel de Carvalho, do Funchal, apresentou uma fiança pela equipagem do seu iate Juno que ia para Cabo Verde, fazendo uma escala em

Tenerife3.

Em 9 de Abril de 1807, Nicolau Pereira Delgado, da Ilha de S. Miguel, vendeu o

seu bergantim, estabeleceu um contrato com João Jacinto Pestana para ir a Cabo Verde

comandando a galera portuguesa Emília, pelo preço de 100.000 réis cada dia. Contudo,

o capitão deveria aportar em Gran Canária para descarregar uma carga e, enquanto

durasse tal operação, pagaria 100 patacas por dia a favor de João Jacinto Pestana4. Em 1810, foi celebrado no Funchal um contrato entre Alexandre José do Coito e

o capitão da galera Vitória com a sua tripulação, a fim de fazerem uma viagem a

Liverpool de ida e regresso. Os marinheiros eram na sua maioria naturais de Cabo

Verde: Estêvão Reti, da Ilha de S. Nicolau; João António, João Gonçalves e João Rosa,

naturais da Ilha Brava5.

Em 1816, José Joaquim, capitão da escuna portuguesa Novo Scipião, dava fiança

em como levava 11 pessoas e não consentiria que se passassem a embarcações

2 ARM, Governo Civil, Nº 525, f. 56v. (A tripulação deste barco era a seguinte: João Crisóstomo, da

Madeira, piloto; João dos Santos, da Ilha de S. Miguel, contramestre; Pedro Duarte, de Cabo Verde; Agostinho José, Manuel Joaquim, José Gomes, sendo todos estes últimos da Madeira.)

3 ARM, Governo Civil, Nº 525, f. 74v. (Os tripulantes desta embarcação eram os seguintes: António

Francisco Faria, capitão; João Baptista Baucher, piloto; Agostinho Fernandes, 2º piloto; Hamelete Becharte, contramestre; Manuel João, João Inácio Domingos Machado; António de Sousa, Reier Berthelson, Ignácio Amaral (mouro), todos eles marinheiros.)

(36)

estrangeiras 6. Em Julho de 1817, Manuel Joaquim Vieira assinou termo de fiança em como levava 15 pessoas no seu bergantim para Cabo Verde7.

Em 1819, foi lançada, numa nota de tabelião, no Funchal, uma carta de alforria

passada a Joaquim de Sousa, homem preto da Costa da Mina e residente no Funchal.

Este foi comprado em Pernambuco por Francisco de Sousa, capitão da Galera

portuguesa Henrique. Depois, passou-se para o bergantim americano Washington, sem

haver feito declaração na Alfândega. Vindo no bergantim de Amesterdão, pediu que lhe

fosse dada a carta de liberdade em concordância com a lei portuguesa de 14 de Junho de

17788.

Nas cartas do diplomata Solano, este referia, em 1823, que existiam muitos

portugueses fugidos sem passaporte e alguns criminosos, como há pouco chegou da

Ilha do Faial, um português oficial de tanoeiro, fugido à justiça por ter espancado a

mulher9. Acrescentava que, a 30 de Maio, saiu de Filadélfia para a Madeira o barco Cynet, cujo capitão era Lemont e por ele foram enviadas algumas recomendações para a

Ilha10.

São estes alguns indícios de que a vigilância foi apertada depois da Constituição

Portuguesa, no período tumultuoso que se seguiu e, sobretudo, durante a Guerra Civil.

Os marinheiros porém continuaram a sair para os EUA, mas começaram a ser

estabelecidos contratos. Verificaram-se certas alterações, mesmo relativas ao comércio.

Ainda numa outra carta, o diplomata Solano referia que: tenho tido a honra de remeter

a V.ª Ex.ª, por diversos navios que têm saído para a Ilha da Madeira (…), assim como a

6 ARM, Governo Civil, Nº 525, f. 107. (A tripulação deste barco era a seguinte: Francisco Lúcio de

Sousa, piloto; João da Silva, Manuel António, Matias Mascovito, Vicente Anastácio, Francisco Gonçalves, Pedro Afonso, João de Freitas, João da Mata e Vital Afonso, todos eles marinheiros.)

7 ARM, Governo Civil, Nº 525, f. 111. (A tripulação era constituída pelos seguintes homens: José

Bernardo Xavier Alfama, capitão; Francisco Luís de Sousa, piloto; Aires Ferreira, sobrecarga; António José da Silva, contramestre; Domingos José, José Francisco, Sebastião Rodrigues, Joaquim dos Santos, António Andrade, António Gomes, António da Rosa, Semião Coelho, Duarte da Silva Branco, António Ferreira, António Laá.)

8 ARM, Notários, Nº 2762, f. 67v.

9 SOUSA, Maria Leonor Machado de. Um Ano de Diplomacia Luso-Americana – Francisco Solano Constâncio (1822-1823). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, p. 407.

(37)

obra por extenso da tarifa, e ordens deste congresso, para dar uma ideia mais clara do

Comércio com esta Confederação11. Tal documento dá-nos a ideia de que muito do comércio com os EUA não era de facto devidamente registado.

Assim, em 1829, William Byram, de Gardiner State of Maine nos EUA, capitão

da escuna Sowner Forester, intérprete de George M. Luís, vice-cônsul da nação

americana, indica que João Gomes entrega seu sobrinho Francisco Serrão de 15 anos

para marinheiro12. Também Vicência Raimunda Guimarães da Costa entregou ao mesmo capitão um filho de nome João Guimarães da Costa13.

Noutro contrato, celebrado na mesma data com o barco americano Savavenie,

cujo capitão era A. Whitterey, convencionaram com António de Barros para entrega de

seu irmão João de Barros de 13 anos, para desempenhar o ofício de marinheiro14. O capitão Samuel Alli, do brigue escuna americano Mary Elizabet, fez um contrato com

Leandro António Rego, capitão das Milícias, morador no Caniço, para levar o seu filho

Abílio do Rego, também para o ofício de marinheiro15.

Ainda em 1829, lavrou-se um contrato com o capitão William Shute, natural do

lugar de Belfast, distrito de Maine, da escuna Minana Lucerne, um filho de Manuel

Lomelino, de nome António Lomelino, do Porto Santo, de 13 anos, para marinheiro16. No início de 1830, o capitão de escuna americana Mary Perry, W. Brwn, natural de

Somerset, Massachusets, fez um contrato com Júlia Narcisa, viúva de José Joaquim

Serradas para levar o seu filho Alexandre José Serradas, 13 anos, e lhe ensinar o ofício

de marinheiro17.

A questão é que nada se sabe sobre o destino destes seis rapazes que foram

aprender a arte de navegar com capitães americanos. Arrancados do seio familiar, foram

11 IDEM, ibidem, p. 445.

(38)

avistar novos horizontes e para uma luta bem diversa daquela que poderiam ter na sua

Ilha. Em todos os casos, foi intérprete destes contratos o vice-cônsul Jorge M. Luís que

também poderia ser intermediário. Em 1829, em plena Guerra Civil, só rapazes com

idades muitos distantes do recrutamento militar poderiam sair do país. Os rapazes eram

necessários para a guerra. Daí que o surto migratório se encetasse logo que se fez a paz.

Na realidade, estes são os primeiros contratos de trabalho existentes na Ilha da Madeira,

lavrados por Notários.

Em 1841, José Faria, de 13 anos, filho de João Paulo Henriques Faria, do Salão,

Estreito de Câmara de Lobos foi entregue a Gelum P. Ellis, capitão de uma escuna

Purlington, natural de Harvoih, nos EUA, para lhe ensinar a ler e se constituir piloto do

navio18.

Seria de grande utilidade saber o destino destes marinheiros. Porém, muito nos

separa dos EUA. Para além de um Oceano é também a dificuldade de fazer pesquisas

naquele país. Mesmo assim, esse caminho não é fácil, pois muitos deles mudavam de

nome e com muita dificuldade saberíamos qual teria sido o seu fim.

(39)

1.6.ANOTÍCIA DO OURO DA CALIFÓRNIA NA MADEIRA

A ideia de grandeza dos Estados Unidos da América foi-se estendendo no século

XIX a Portugal e também à Madeira. A verdade é que essa Nação tem praticamente a

área de toda a Europa. Existia nessa altura, como é natural, muito terreno virgem e por

desbravar. Por essa razão, muitos viam este facto como uma forma de vir a possuir um

pouco de terra, não faltando os promotores da grandiosidade de um país que se tinha

tornado independente há pouco tempo.

António da Cunha Pereira de Sotto Maior, um português, membro da Sociedade

Histórica de Nova Iorque, dedicou-se ao estudo desta jovem mas grande Nação e

acabou por editar em Lisboa três volumes sobre essas matérias1. A notícia desta publicação teve algum impacto na capital, pelo que até o periódico Diário Ilustrado

publicou uma gravura deste autor2.

Afinal, a descoberta do ouro da Califórnia vinha na sucessão de uma série de

mitos que conduziram os Portugueses para o mar. Admitia-se, desde a Idade Média,

que, algures no Atlântico, existiam sete ilhas com sete cidades e que os seus habitantes

desprezavam o ouro. No século XVII, existiram mesmo frades que juraram in verbis

sacerdotis [sob palavra sagrada] que estiveram numa dessas ilhas e que, em três dias,

chegaram à Madeira.

Eram mitos como este que andavam na mente de muitas pessoas. As próprias

profecias de Bandarra, o célebre sapateiro de Trancoso que apelava à Restauração da

Independência de Portugal, referiam em versos a existência de um tesouro no Curral das

Freiras, aí enterrado, em 1566, quando os corsários franceses saquearam o Funchal3.

1 SOTTO MAIOR, António da Cunha Pereira. Os Estados Unidos – Esboço Histórico desde a Descoberta até à Presidência de Jonhson (1492-1865). Lisboa: Imprensa Nacional, 1878, 3 Volumes.

2Diário Ilustrado, 1878, Nº 2998.

(40)

Assim, sete indivíduos andaram atarefados, no ano de 1892, com escavações nas ruínas

da Capela de Santo António, no Curral das Freiras, procurando um tesouro que nunca

chegaram a encontrar.

Outro episódio curioso foi o das escavações levadas a cabo por sete ingleses,

entre 1847 e 1851, nas Ilhas Selvagens, também à procura de um tesouro, num período

em que se noticiava o ouro da Califórnia. Tal facto assentava na confissão do capitão de

um navio pirata que saqueara três embarcações mexicanas carregadas de ouro, isto na

altura da guerra dos Estados Unidos. O referido capitão dizia ter enterrado o tesouro

numa ilha deserta perto de Tenerife. São vários os autores que se referem ao célebre

tesouro das Ilhas Selvagens, o qual nunca foi, no entanto, encontrado4.

Quem visitar o Museu da Emigração de Nova Iorque chega à conclusão de que

muitos emigrantes eram atraídos pela miragem do enriquecimento rápido, em particular

devido à crença no ouro. Daí que os Estados Unidos designassem uma das suas regiões

por El Dourado. Este termo, no entanto, também designava um dos navios que fazia

viagens com emigrantes entre a Europa e a América. A própria imprensa madeirense e

mesmo certos autores não estiveram alheios ao mito de abanar a árvore das patacas para

vir a enriquecer depressa e por magia.

O relacionamento dos Madeirenses com os Estados Unidos da América

acentuou-se na década de 40 do século XIX. Este período foi marcado pela saída de

emigrantes, sobretudo para a Guiana Inglesa. Porém, alguns deles acabaram por chegar

a terras americanas. Com o aumento do tráfico com os Estados Unidos, também o

comércio subiu consideravelmente. Muito desse comércio tinha então como

interveniente George Day Welsh.

4 SILVA, Padre Fernando Augusto da. Elucidário Madeirense. Funchal: DRAC, 1946, Vol. III, pp.

(41)

Por isso mesmo, procuramos dar conta de alguns exemplos dos negócios feitos

com os Americanos. No ano de 1843, saíram do porto do Funchal 18 embarcações

americanas, levando mercadorias no valor de 11.980 libras esterlinas. Os principais

produtos importados dos EUA eram milho, farinha e aduelas5. Em 1844, foram também exportados 1.660 quintais de barrilha para Filadélfia6.

No ano de 1842, um documento sobre o falecimento, nos Estados Unidos, de

Joaquim Gomes Figueira referia a existência de dinheiro naquele país, que estaria na

mão de um tal Dr. Andrew, sendo para entregar à família do falecido7.

Em 1844, foi feita uma quitação e obrigação de José Maria Bernes, negociante,

viúvo, morador na Rua das Pretas, e João Francisco Salgado, ambos serralheiros. Estes,

na qualidade de pagadores, disseram que João Pereira, que vivia do seu negócio e

residia na Caboqueira, em São Pedro, falecera. Consignou-lhes, assim, a eles pagadores,

um pouco de vinho para ser vendido em Nova Iorque, cujo resultado seria para pagar

dívidas. O vinho produziu 184.000 réis, tendo sido vendido na América por Barelay &

Levingstar, cujo representante na Madeira era Roberto Leal8.

Em Maio de 1850, o capitão do bergantim português Duas Amas fez um

fretamento a João de Freitas Martins e a Joaquim Barros Eduardo Berlinguer para levar

passageiros para Caena, Demerara e voltar à Madeira, com escala na Ilha de S. Vicente,

tudo pelo preço de 1.200 patacas. No caso de não haver, naquelas localidades,

passageiros ou carga para trazer para a Madeira, o dito capitão deveria ir a Nova Iorque

ou a Saint Johns e o frete seria acrescido de 2.000 patacas9.

Como se compreende, George Welsh era um mercador com grande destaque na

Madeira, mantendo uma casa tão opulenta que até provocava a cobiça das pessoas que

5 CÂMARA, Paulo Perestrelo da. “Madeira”. Dicionário, 1850, p. 310. 6O Defensor, 10/2/1844.

(42)

viviam em dificuldades. Em 1847, houve mesmo um roubo em casa de George Day

Welsh10, cometido por Manuel de Jesus, soldado no Batalhão de Artilharia e natural da Ilha do Porto Santo.

As minas de ouro da Califórnia foram fazendo eco no Funchal, conforme

informa um artigo publicado no Correio da Madeira em 184911. Por isso, não tardou que João Andrade Corvo escrevesse um texto intitulado precisamente El Dourado12. Outro artigo de 1850 referia-se a uma montanha de ouro no Colorado13.

Entre os escritos sobre o ouro na Califórnia são dignos de menção alguns versos

de Monteiro Teixeira publicados em 1848. Num soneto dedicado a um sujeito que

mordia nos versos do autor, devendo-lhe dinheiro, o poeta acrescentou a seguinte

quadra:

Tu não pensas assim: - Rindo passeias;

Com fato fiado, e óptimo te arreias;

Mascas pingue perdiz, rica perua,

Como se a Califórnia fosse tua14.

Num epigrama sobre O feiticeiro guloso, o mesmo autor fazia referência a uma

freira que ardia de amores por certo indivíduo:

Mas, gosto tanto de doces!

E a troco desta caçoada,

Exploro uma Califórnia

10 ARM, Administração do Concelho do Funchal, Nº 308, f. 110. 11Correio da Madeira, 24/2/1949.

12Correio da Madeira, 17/3/1849. 13Correio da Madeira, 17/8/1850.

(43)

De amêndoas, e de cidrada15.

Como se sabe, foi no extenso Vale do Sacramento, na alta Califórnia, que se

descobriu ouro em abundância. Monteiro Teixeira escreveu um epigrama a Uma paixão

confundida, em que um pai se interrogava sobre aquele que cortejava a sua filha:

Sim, apronta o teu baú,

E, sem perda de um momento,

Lá da bela Califórnia

Vai primeiro ao Sacramento16.

(Ver gravura nº6, frontispício do livro do Historiador António da Cunha Sotto Maior.)

(44)

1.7.OS MADEIRENSES NA AMÉRICA

A presença dos madeirenses nos EUA é atestada em vários documentos do

século XVIII, tais como procurações e mesmo registos de sociedades comerciais com

sede no Funchal, ou até em actividades que se podiam estender a Londres e a Nova

Iorque. A par disso, alguns emigrantes foram-se fixando nos Estados Unidos, tal

querendo mesmo dizer que também desbravaram o farwest.

Esses contactos aumentaram consideravelmente nos inícios do século XIX. Sem

querermos ser exaustivos, mas apenas a título de amostra, damos alguns exemplos de

madeirenses que se fixaram nos EUA. Assim, em 1816, verificou-se um distrato em que

era credor João Jacinto Pestana, negociante, e devedor António Cardoso Drumond

Escudeiro, casado com D. Antónia Paula Drumond, morador na vila de Machico, da

quantia de 349.000 réis. O devedor havia consignado, para pagamento, o rendimento de

duas fazendas, sendo uma na Ribeira Brava, outra na Alcoforada, em Machico. Por

ajuste de contas, a dívida já atingira 727.000 réis. Combinaram então que o credor seria

pago com a herança pertencente ao irmão do devedor, que havia falecido exactamente

nos Estados Unidos da América1.

Depois do triunfo do Liberalismo, em 1834, aumentou naturalmente o comércio

e também os contactos entre Portugal e o país americano, devido a tratados e a

convénios.

Em 1837, foi feita uma procuração em Nova Iorque, de Elisa Vieira, mulher de

António Vieira, para Helena Vieira, mulher de Luís Vieira, de Nova Iorque2. Tal procuração foi traduzida em língua portuguesa por Alexandre Luís da Cunha, então

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