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AÇÕES AFIRMATIVAS E SEUS ENGENDRAMENTOS ATUAIS: O PAPEL DAS COTAS RACIAIS COMO RECURSO DE MOBILIDADE SOCIAL DO NEGRO*

AMORIN, Alessandra de Melo Franco 1 SEPÚLVEDA, Bárbara Terezinha2 LOPES Jussara de Cassia3 SEPÚLVEDA, Larissa Mônica 4

RESUMO

O presente trabalho se propõe a fazer uma reflexão acerca das ações afirmativas enfatizando a política de cotas raciais nas universidades públicas, tendo como enfoque os processos históricos em que se inserem a questão do negro na sociedade brasileira, bem como os mecanismos atuais de discriminação e preconceito, que contribuem para a manutenção das desigualdades raciais e impossibilitam o negro de ascender socialmente. Assim, o acesso a educação superior é apresentada como recurso através do qual poderia-se superar a realidade exposta, sendo que, a efetivação desse acesso, daria-se por meio das cotas raciais.

Adentramos ainda, em alguns dos aspectos do debate sobre as ações afirmativas, mais especificamente, as cotas raciais, entendendo que se trata de um tema novo, ainda em construção na sociedade brasileira.

Palavras-chave: ações afirmativas, cotas raciais, mobilidade social.

* Trabalho apresentado no Colóquio Internacional: Recursos na Luta Contra a Pobreza, realizado em Montes Claros- MG – Brasil, de 26 a 28 de agosto de 2010.

1 Mestre em Política Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF/2009) e Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES/2006).

2 Graduanda do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes

3 Graduanda do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes

4 Graduanda do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes

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AÇÕES AFIRMATIVAS E SEUS ENGENDRAMENTOS ATUAIS: O PAPEL DAS COTAS RACIAIS COMO RECURSO DE MOBILIDADE SOCIAL DO NEGRO*

Alessandra Amorin5 Bárbara Sepúlveda2 Jussara Lopes3 Larissa Sepúlveda 4

1.

Introdução

Historicamente, para autores como Brandão (2007), ao negro têm sido relegadas as mais desvantajosas posições hierárquicas da sociedade brasileira. Percebemos que, da condição de escravo, tornou-se livre, sem que sua condição social se alterasse significativamente, fator que seria o responsável por delinear o quadro atual de desigualdades raciais no Brasil.

A provável causa da pobreza do povo negro, apontada por intelectuais, como Florestan Fernandes (1965), seria sua herança histórica, marcada pela escravidão, bem como uma realidade pós-abolição caracterizada pela exclusão ao acesso social, ou seja, aos processos produtivos e econômicos da sociedade brasileira.

No entanto, é crescente a percepção de que ao fator histórico de exclusão do negro, somam-se outros, como os preconceitos e discriminações sofridas, que apresentam-se como obstáculos, dificultando o acesso às oportunidades reais de superação da pobreza.

Guimarães (2002) busca em Hasenbalg e Silva (1970) uma denominação para o fenômeno inerente à dificuldade de desenvolvimento do povo negro, a qual os autores nomeiam como um “ciclo cumulativo de desvantagens”, destacando:

As estatísticas demonstram que não somente o ponto de partida dos negros é desvantajoso (a herança do passado), mas que, em cada estágio da competição social, na educação e no mercado de trabalho, somam-se novas discriminações que aumentam tal desvantagem. (HASENBALG E SILVA apud GUIMARAES, 2002:67).

* Trabalho apresentado no Colóquio Internacional: Recursos na Luta Contra a Pobreza, realizado em Montes Claros- MG – Brasil, de 26 a 28 de agosto de 2010.

5 Mestre em Política Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF/2009) e Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES/2006).

2 Graduanda do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes

3 Graduanda do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes

4 Graduanda do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes

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Entendemos assim, que estamos diante de uma verdade cientificamente demonstrada:

pratica-se, no Brasil, uma exclusão pela cor4, pela etnia, galgada em atribuições baseadas na raça e na aparência física, que impõe valores pejorativos aos indivíduos, reificando o fenômeno do racismo5.

Todavia, segundo Seyferth (2002), a existência do racismo não é reconhecida por todos os estratos da sociedade brasileira. Dentre outras razões, percebe-se a persistência da defesa de uma hipotética democracia racial6, a muito questionada e denunciada por autores como Fernandes(1695), Hasenbalg e Silva(1970), e em diversos indicadores sociais do PNAD.IBGE, explicitando o abismo de desigualdades que separa negros e brancos, no Brasil.

Como fruto das supracitadas denuncias, verificamos nas últimas décadas do século XX, algum destaque das questões raciais nos debates nacionais, e na esfera acadêmica, constituindo-se como momento de se intensificar as lutas em prol da causa negra, buscando o reconhecimento do racismo na sociedade brasileira e a negação da ideologia da democracia racial, além de pressões por uma intervenção estatal mais satisfatória. (TELLES, 2003).

Nesse contexto surgiram as ações afirmativas e as políticas raciais, que se configuram como políticas através das quais se pretende reparar a desvantagem histórica, a situação de pobreza e a discriminação relegadas os negros brasileiros, tratando de maneira diferenciada grupos historicamente discriminados, através de ações específicas, de cunho racial, instaurando uma discriminação positiva.

Para Gomes (2001), as ações afirmativas visam combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas, sua atuação estaria, também, nas estruturas desse processo, agindo de maneira pedagógica, suscitando na sociedade a necessidade de se pensar valores como igualdade e pluralismo.

No Brasil, apreendemos que, o debate sobre as ações afirmativas, de caráter racial, ganhou alento a partir da III Conferencia Mundial Contra o Racismo, ocorrida em Durban, na

4 Ressalta-se que aqui, trabalhamos com “cor”, lembrando que é uma categoria nativa, construída socialmente.

(GUIMARÃES, 2002).

5 Segundo Seyferth (2002: 28); “Racismo diz respeito às práticas que usam a idéia de raça com o propósito de desqualificar socialmente e subordinar indivíduos ou grupos, influenciando as relações sociais”.

6 Processo amplo, disseminado ainda na primeira metade do século XX, materializado em práticas sociais, em políticas estatais e discursos literários e artísticos, recebida consensualmente por negros e brancos, direita e esquerda, liberais e socialistas, no qual se pregava a crença em uma harmonia étnica no Brasil, única entre as sociedades ocidentais, onde não haveria preconceitos, desigualdades, nem discriminações por raça.

(GUIMARÃES,2002)

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África do Sul, no ano de 2001, da qual o Brasil saiu comprometido a instituir modalidade especifica de ação afirmativa - as cotas raciais - visando propiciar maior ingresso de negros às universidades públicas. (GOMES, 2001).

Compreendemos, portanto, que as cotas raciais representam uma estratégia proposta pela política de ações afirmativas. Nesse contexto, tal política vai de encontro ao reconhecimento das sérias desigualdades raciais que esboçam as estruturas sociais brasileiras, traduzindo-se numa tentativa de romper o ciclo de desvantagens cumulativas dos negros brasileiros, oferecendo chances reais de mobilidade social e superação da pobreza através da democratização do ensino superior.

Nessa direção, Silva, Brandão e Martins (2009:21) argumentam sobre o papel da educação na formação dos indivíduos:

[...] é quase consensual na maioria das abordagens a importância atribuída à educação na aquisição dos valores racionais e na ascensão social do individuo. Nas modernas sociedades ocidentais o nível de escolarização individual representa também um tipo de distinção social, potencialmente capaz de converter-se na acumulação de bens materiais e definidor de formas próprias de interação.

Portanto, os autores pretendem enfatizar que a educação desempenha papel fundamental na formação do indivíduo, propulsora de aquisição de valores morais e elementos imprescindíveis ao alcance dos meios materiais de sobrevivência e mobilidade social.

Nessa mesma perspectiva, Pastore (2000), elucida que: “Não é exagero dizer que a educação constitui hoje o determinante central e decisivo do posicionamento socioeconômico das pessoas na hierarquia social”. (PASTORE, 2000 apud SILVA, BRANDÃO E MARTINS, 2009:24).

Uma vez reconhecido o fundamental papel desempenhado pela educação e a necessidade da instituição de políticas para garantir o acesso de grupos com histórico de exclusão social, como os negros, verificamos na sociedade brasileira a adoção de políticas educacionais, voltadas para categorias raciais.

De acordo com César (2007), as primeiras universidades brasileiras a implantar o sistema de reserva de vagas para afro-brasileiros foram a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade do Estado Norte Fluminense Darcy Vargas (UENF).

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Já em 2008, segundo Jaccoud (2008), o número de universidades a adotarem alguma modalidade de cotas somava 33, estando divididas nas seguintes categorias: raciais simples, raciais e sociais sobrepostas, e cotas raciais e sociais independentes.

Entretanto, vislumbramos que, apesar do reconhecimento das desigualdades raciais e dos mecanismos de discriminação através dos quais elas se reproduzem, medidas compensatórias e específicas para negros, como as cotas raciais, ainda encontram grande resistência. Qual seria o motivo? Quais os argumentos?

Para Guimarães; “As elites brasileiras não aceitam medidas eficazes de combate à pobreza. Há inegavelmente, um agarramento a privilégios seculares, protegidos por interesses corporativos”. (Guimarães, 2002: 70)

Ainda a este respeito, os autores Munanga e Gomes (2006) acrescentam fatores como:

desconhecimento, incompreensão e manipulação política, à resistência e confusão que envolve o tema “cotas”, estando o seu debate ainda em construção na sociedade brasileira.

Debate o qual conheceremos alguns aspectos a seguir.

2. Controvérsias sobre as cotas raciais no Brasil

Apesar de, atualmente, se aceitar o fenômeno da discriminação racial como inquestionável sustentáculo das desigualdades sociais no Brasil, percebemos, como foi descrito à cima, que medidas compensatórias, como as ações afirmativas e, dentro destas, as cotas raciais, ainda encontram sérias resistências.

Os argumentos, comumente usados pelos oponentes, vão desde a suposta inconstitucionalidade das mesmas, a meritocracismos e divagações raciais.

No que se refere à idéia da inconstitucionalidade das ações afirmativas, a base para tal posicionamento estaria na idéia de que estas romperiam com o princípio da igualdade, presente na Constituição da República Federativa do Brasil, datada de 1988, segundo o qual, todos os cidadãos são iguais, não podendo portando, serem tratados de forma diferenciada.

De acordo com Amorim (2008), Maggie, Fry (2002) e Kamel (2006) são autores que compartilham de tal pensamento, enfatizando não somente, um provável rompimento com o ideário de igualdade racial proposto na Constituição de 1988, mas também, a ruptura com o princípio da universalidade das políticas públicas.

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Em contrapartida, verificamos em Gomes (2001) uma análise profunda da noção de igualdade – como categoria jurídica - ao longo da história, na qual o autor enfatiza que em sua perspectiva moderna, o princípio de igualdade extrapola a mera proibição da discriminação, visto que dessa maneira não seria suficiente para se alcançar, efetivamente, o princípio de igualdade jurídica.

Para Gomes (2001), há uma transição da noção de igualdade “estática” ou “formal”, para o conceito de igualdade “substancial”, surgindo à idéia de “igualdade de oportunidades”, noção esta, justificadora de diversos experimentos constitucionais pautados na necessidade de se extinguir ou de pelo menos mitigar o peso das desigualdades econômicas e sociais e, conseqüentemente, de promover a justiça social. Assim sendo, o referido autor expõe a questão da seguinte maneira:

As ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do principio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade. (GOMES, 2001: 21).

Portanto, as ações afirmativas não iriam contra o principio da igualdade, antes, seria uma forma de concretizá-lo. Assim, Gomes (2002:140) conclui afirmando que “Vários dispositivos da constituição de 1988 revelam o repúdio do constituinte pela igualdade processual e sua opção pela concepção de igualdade dita material ou de resultados”.

Entendemos assim, que autorização constitucional das ações afirmativas estaria presente na própria Constituição Brasileira, de tal modo, seria insustentável o argumento que afronta tais medidas, baseadas num principio estático de igualdade.

Nessa mesma direção, o ministro Marco Aurélio Mello (2001) aponta também que a legitimidade das cotas raciais deriva da própria constituição, afirmando que:

Do artigo 3°7 vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado

7Art.3 Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I-construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II-garantir o desenvolvimento nacional;

III-erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV-promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrinação.(BRASIL,2009)

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desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual. (MELLO apud BRANDÃO, 2007: 16).

Uma outra questão, mencionada a cima, é a intensa defesa pelos autores contrários às cotas raciais das políticas ditas universais, em detrimento daquelas especificas, uma vez que, na concepção de tais autores, o racismo à brasileira é classista e não estrutural.

Já para Silvério (2002), defensor das políticas especificas e das cotas raciais, tal idéia deriva do fato de que no Brasil não se assume que as desigualdades sociais têm um fundamento racial, e que, portanto, a condição de exclusão dos afro-descendentes não pode ser revertida por leis de mercado e por políticas universalistas.

Jacooud (2008) é uma outra autora que defende políticas específicas para negros, sem desmerecer as políticas universais, “reconhecendo seu papel como instrumento de importantes melhorias nas condições de vida da população brasileira, inclusive da população negra”.

(JACCOUD, 2008:141). Todavia, é enfática ao afirmar que estas políticas têm se revelado insuficientes frente à discriminação e desigualdades raciais brasileiras.

Já para Guimarães (1997), a desigualdade racial no Brasil, refletiria “a própria falência da cidadania”, e, portanto, das políticas públicas universais, que só perpetuariam as discriminações e desigualdades, uma vez que, atuam de modo a favorecer quem inicialmente já dispõe de alguma vantagem(GUIMARÃES,1997 apud SILVERIO, 2002:99).

Percebemos claramente tal condição, ao examinarmos o ensino superior no Brasil e sua proclamada universalização baseada no mérito do vestibular, que exclui visivelmente os estratos sociais mais baixos, notoriamente aí se incluem os negros, por estes não conseguirem competir em igualdade de condições com os brancos.

Assim, Osório (2008), ao defender políticas específicas para negros, coloca que:

A discriminação racial funciona para os brancos como calçados que usam para correr contra negros descalços. Torna a corrida tranqüila para os primeiros e extenuante para os últimos. Para que a equalização racial ocorra no Brasil, em um horizonte de tempo aceitável, é preciso, primeiro, tirar os calçados dos brancos. Depois, deixa-los correrem descalços por algum tempo e calçar os negros para que os alcance [...] Essas políticas são os calçados que os negros brasileiros merecem receber. (OSÓRIO, 2009:95).

De acordo com Amorim (2008:14), outra questão colocada pelos opositores das cotas raciais, seria o fato de serem políticas impostas à sociedade brasileira, sem configurar-se

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como tema de amplo debate. Ou seja: “o debate sobre a instituição de ações afirmativas ganhou quorum somente depois de consumados os fatos, ou, quando já havia se transformado em política pública”.

Portanto, a referida autora enfatiza que os opositores das cotas raciais utilizam-se do argumento de que estas foram impostas à sociedade e tal imposição, segundo a corrente contrária, forçou as camadas populares a definirem-se racialmente, gerando um clima de bipolarização racial no país, que viria a acirrar as questões raciais, além de gerar um tratamento desigual na luta por vagas nos serviços públicos e nas universidades.

Sobre a política de cotas raciais como imposição do Estado e o acirramento da questão racial, Sales (2007) afirma que tal posicionamento reflete a desvalorização da luta histórica do movimento negro, na construção de uma sociedade mais justa. Como se as medidas surgidas, com a finalidade de se extinguir as desigualdades raciais, fossem fruto simplesmente da benevolência do governo, eliminando a importância dos movimentos sociais de pressão popular.

Quanto às previsões de um futuro de relações raciais acirradas devido às cotas, Sales (2007) diz se tratar de uma previsão sem fundamento histórico e sem objetividade. Para ele, trata-se de previsões aterrorizantes, que não condizem com a realidade, que apresenta possibilidades promissoras.

Em relação à desigualdade no acesso às instituições, verificamos que o tratamento desigual sempre existiu, mas para negros. Tal fato pode ser comprovado através dos argumentos expostos por César (2007), que apresenta os negros no contexto das instituições de ensino superior no país, antes das cotas, como excluídos, preenchendo apenas 2% das vagas disponíveis.

Outros argumentos que procuram desvalorizar as cotas raciais sustentam-se no fato da inexistência de políticas segregacionistas no Brasil, a exemplo do Apartheid na África do Sul e nos Estados Unidos. Desse modo, essa corrente desfavorável, argumenta que seria desnecessário instituir ações compensatórias aos moldes de outros países com realidades distintas da nossa.

Sobre esse aspecto, Silvério (2002) expõe que a insistência num discurso que celebra a ausência de uma política explicitamente racista e segregacionista, na historia do Brasil, funciona como forma de se eximir a elite e os intelectuais brasileiros da responsabilidade no

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destino da população afro-descendente, ao mesmo tempo em que transfere para estes, a culpa da própria condição de vida.

Há ainda, a idéia de que devido à intensa miscigenação brasileira, seria impossível identificar quem seriam os beneficiários das ações afirmativas, questão a qual Silva (2002) rebate:

[...] soa estapafúrdia a dúvida sobre quem é negro no Brasil. É contraditório que as pessoas o saibam quando se trata de preterir a pessoa negra por pressupostos e características raciais e que ninguém saiba quem é a pessoa negra quando se trata de resguardá-la dessas manifestações ignóbeis do racismo. (SILVA, 2002:110).

Além disso, verificamos a presença do de uma série de outros argumentos, reproduzidos não só por autores renomados, como também pelo censo comum, dentre os quais o de que não existiria preconceito racial no Brasil, ou que este estaria ligado à marca e não a origem, não sendo a cor um determinante nas relações sociais, o que aqui prevaleceria a tolerância e paz racial,etc.

Silvério (2002) considera que a afirmação de uma democracia racial brasileira camufla a forma como a questão racial se manifesta no Brasil. Na concepção do autor; “a discriminação racial por marca é uma forma camuflada, sutil e sub-reptícia de racismo, que inclui e pretere em vez de excluir e segregar”. (SILVÉRIO, 2002: 95).

Nessa mesma linha, Cavalcant (1999), destaca que “Esse sistema relacional gera uma riqueza de nuanças e maleabilidade classificatória extraordinárias, sendo caracteristicamente ambivalente, permitindo a convivência, lado a lado, da discriminação com a intimidade”.

(CAVALCANT, 1999 apud SILVERIO,2002:96).

Enfim, Silvério (2002) argúi que a peculiaridade do racismo à brasileira “dificulta e oculta nossa percepção”, o que deve ser observado ao se debater e formular políticas raciais.

Observamos, aqui, variadas críticas às ações afirmativas e em especial às cotas raciais.

No entanto, não verificamos alternativas realmente funcionais para se superar as desigualdades raciais, historicamente estruturadas na sociedade brasileira, fato bastante questionado por Munanga (2003), que afirma que tal atitude se deve ao descaso histórico com os negros, sendo uma maneira de reiterar o mito da democracia racial.

2. Considerações finais

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No Brasil, podemos observar, nitidamente, as disparidades sociais existentes entre as raças. Entretanto, a discussão racial ainda é pouco disseminada, uma vez que a condição socioeconômica é ainda considerada como a principal responsável pela diferenciação social entre os indivíduos.

No que se refere a educação, Brandão (2007) demonstra como é desigual o acesso do negro em relação ao branco ao ensino superior nas universidades públicas brasileiras, justificando, assim, a necessidade da implementação de políticas compensatórias, com a finalidade de incluir socialmente o negro na academia.

Nesse sentido o sistema de reserva de vagas raciais nas universidades, aparece como uma possibilidade através da qual seria possível ampliar o acesso e a permanência de estudantes negros no ensino superior, funcionando como um importante mecanismo de democratização, e luta contra a discriminação.

Desta forma, Jaccoud (2008) afirma:

As ações afirmativas [...] objetivam igualdades de oportunidades assim como o combate às desigualdades não-justificáveis, garantindo a diversidade e o pluralismo nas diferentes esferas da vida social, denunciando e desnaturalizando a posição subordinada de determinados grupos sociais.

(JACCOUD 2008 apud THEODORO, 2008:141).

Portanto, podemos inferir que as cotas raciais, como políticas focalizadas, aspiraram galgar o ideário de igualdade almejado pela Constituição Federal de 1988. Ao contrário do discurso proposto pelas políticas universais, suas ações estão voltadas para grupos específicos, que apresentam um histórico social desfavorável. Entre seus preceitos, podemos destacar a busca por uma maior equidade e justiça social.

Theodoro (2008), observa que a partir das cotas raciais será possível “desnaturalizar”

o preconceito, valorizando a presença dos negros nos diversos espaços e estratos sociais.

Nesta perspectiva, César (2007) afirma:

As cotas visam propiciar oportunidades aos excluídos mais capazes, para que possam através de suas habilidades, alterar no mercado de trabalho, as relações de raça e poder que tanto reproduz a desigualdade racial brasileira.

(CÉSAR, 2007:22).

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Ou seja, reservar vagas orientadas pela raça seria proporcionar oportunidades educacionais para indivíduos que poderiam estar condenados à exclusão do acesso ao ensino superior de qualidade e, conseqüentemente, ao mercado de trabalho.

Desse modo, as cotas raciais poderiam significar uma chance de se modificar o cenário dominado pelas desigualdades raciais, propiciando mobilidade social real aos negros e portanto, a saída da pobreza e o rompimento do ciclo de desvantagens a qual são historicamente vítimas.

Uma vez, compreendidos os objetivos das ações afirmativas, e das cotas raciais, e tendo em vista a defesa ampla e bem estruturada de tais políticas, neste trabalho apresentadas, compreendemos como necessárias a instituição de ações afirmativas voltadas para os negros, no sentido de não somente se buscar uma reparação histórica para com essa população, mas diluir formas atuais de perpetuação do status quo.

REFERÊNCIAS

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