• Nenhum resultado encontrado

Jornal de Estudos Espíritas - Resumo - Art. N. 010202

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Jornal de Estudos Espíritas - Resumo - Art. N. 010202"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

Jornal de Estudos Espíritas 6, 010202 (2018) - (5pgs.) Volume 6 – 2018

A Deficiência Intelectual à Luz da Obra Kardeciana

Ailton Barcelos da Costa

1 1

São Carlos, SP

e-mail:a ailton.barcellos@gmail.com

(Recebido em 14 de Janeiro de 2018 e publicado em 20 de Fevereiro de 2018).

RESUMO O presente artigo teve o objetivo de estudar como a obra Karde-ciana trata os cretinos e idiotas. À luz da ciência atual, tais ter-mos são usados para se referir a pessoas com deficiência intelec-tual, enquanto que para a época de Kardec se entendia que tais pessoas eram consideradas incapazes de aprender algo. Quando Kardec questiona a causa da deficiência intelectual, do ponto de vista espiritual, se depara com o questionamento das causas das aflições, em que o efeito precede sempre a causa, ou seja, se esta não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida. A

Revista Espíritatraz dois exemplos de pessoas com deficiência in-telectual que tiveram seus Espíritos evocados para fins de estudo, que servem para exemplificar as causas anteriores das aflições. O

primeiro caso se refere a um jovem considerado idiota, cuja causa estava na sua última encarnação, em que ele era um jovem que tinha se entregado exclusivamente aos prazeres do corpo físico. O segundo caso se trata de uma comunicação estabelecida pelo Espírito Pierre Jouty, em que fala da situação espiritual dos cretinos. Para tal Es-pírito, a condição de cretino é frequentemente escolhida pelos Espíritos arrependidos, que querem resgatar suas faltas, uma vez que essa prova não é estéril, porque o Espírito não fica estacionário na prisão da carne. Para o autor, a marcha do progresso é a condição determinada da Humanidade, uma vez que as provas impostas às criaturas modificar-se-ão século a século e, assim, tornar-se-ão todas morais. Por fim, São Luís reafirma o que foi dito em

O Evangelho Segundo o Espiritismo, que as provas e expiações que todos passam na Terra, por mais dolorosas e difíceis, são sempre úteis ao adiantamento do Espírito.

Palavras-Chave: Idiotia e Cretinismo; Deficiência Intelectual; Educação Especial; Allan Kardec; Espiritismo. DOI:10.22568/jee.v6.artn.010202

I

I

NTRODUÇÃO

Durante a leitura da obra de Allan Kardec, o leitor poderá encontrar os termos ‘cretino’ e ‘idiota’ para se referir às pessoas com deficiência intelectual. Por isso mesmo, ao longo dessa obra, quando se referir a tais pes-soas, os termos ‘cretino’ e ‘idiota’ serão substituídos por ‘deficiência intelectual’, para ser fidedigno à ciência atual, exceto em citações literais da obra de Kardec.

Quanto à diferença entre cretinos e idiotas, o primeiro se entende como um estado de deficiência intelectual me-nos severo, já o segundo se pode entender como o mais grave, chegando ao estado vegetativo (PESSOTTI,2012). Para CARLA & HENDRIO (2009), a definição de deficiencia intelectual (idiotia e cretinismo) não era bem clara na época de Kardec. É importante também des-tacar o importante trabalho de CARLA & HENDRIO (2009), que trazem diversos conceitos de loucura, idiotia e cretinismo como partes de um quadro maior de alienação mental, ao longo dos séculos XVIII e XIX. Os autores pa-recem enfatizar tais conceitos como sinônimo de doença mental, que é bem diverso de deficiência intelectual. De fato, como citado porPESSOTTI(2012), tais conceitos não estavam claros na primeira metade do século XIX,

mas estavam nas primeiras tentativas de caracterização. Porém, o foco do presente artigo é a caracterização do conceito de deficiência intelectual ao tempo de Kardec, sua respectiva definição atual, bem como suas causas do ponto de vista espiritual na obra Kardeciana. Também mostra que a obra de Kardec antecipa as ideias gerais da moderna definição científica de deficiência intelectual.

Ao longo da história, houve uma evolução do conhe-cimento científico a respeito da deficiência intelectual, levando a uma mudança nos termos. Estas pessoas já foram chamadas por vários nomes como: idiota, cretina, louca, imbecil, débil mental, excepcional, retardada, cri-ança subnormal, deficiente mental, cricri-ança com necessi-dades especiais, criança especial etc. (PESSOTTI,2012). Em 1995, a Organização das Nações Unidas (ONU) alterou o termo “deficiência mental” para “deficiência in-telectual”, com o objetivo de diferenciá-la das doenças mentais (transtornos mentais, psiquiátricos). Sendo as-sim, o termo “deficiência mental” não é mais usado desde 2004. Desde então, o termo correto é “deficiência inte-lectual” (OMS,2004).

Como foi visto acima, os termos ‘cretino’ e ‘idiota’, por mais estranhos que pareçam, já foram muito usados. Seção 02: Artigos Regulares 010202 – 1 ©Autor(es)

(2)

Esses termos que podem parecer preconceituosos, nada mais são que os termos usados pelos grandes cientistas da primeira metade do século XIX, conforme diz PES-SOTTI (2012). Para esse autor, foi nesse período em que se encontram as primeiras tentativas de classificação e diagnóstico da deficiência intelectual como doença por Philippe Pinel. Foi nessa época que surgiram as primei-ras tentativas de ensino para as pessoas com deficiência intelectual, realizadas por Itard e Séguin (PESSOTTI, 2012).

É importante observar o que diz a história nesse as-pecto, pois para um dos maiores cientistas da época, Jean Esquirol, tais pessoas eram consideradas incapazes de aprender algo (PESSOTTI, 2012). Tal concepção nor-teia a obra de Kardec, refletindo o conhecimento médico e científico de sua época.

A deficiência é um tema de grande preocupação da sociedade atual, pelo grande número de pessoas com esse diagnóstico. Dados mais recentes dizem que 15% da po-pulação mundial, o que corresponde a pouco mais de 1 bilhão de pessoas, têm algum tipo de deficiência (fí-sica, auditiva, visual ou intelectual). No Brasil têm-se aproximadamente 50 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, correspondendo à 23,9% da população. Quando se trata da deficiência intelectual, essa condição atinge cerca de 70 milhões de pessoas no mundo todo e 1,6 milhão no Brasil (IBGE,2010;OMS,2004).

Antes de adentrar na obra de Kardec, é importante trazer as definições atuais de deficiência intelectual do ponto de vista da ciência, até para se poder fazer um paralelo entre o que diz a obra Kardeciana e a realidade atual.

A atual definição proposta pela AMERICAN PSY-CHIATRIC ASSOCIATION(2013) caracteriza a pessoa com deficiência intelectual por terem déficits de habilida-des mentais gerais tais como raciocínio, resolução de pro-blemas, planejamento, pensamento abstrato, julgamento, aprendizagem escolar e de aprendizagem a partir da ex-periência.

Este déficit resulta em prejuízo no funcionamento adaptativo, de modo que o indivíduo não cumpre as nor-mas de independência pessoal e responsabilidade social em um ou mais aspectos da vida diária, incluindo co-municação, participação social, funcionamento escolar ou profissional, pessoal e independência, em casa ou em am-bientes comunitários (AMERICAN PSYCHIATRIC AS-SOCIATION,2013).

Apesar destas dificuldades, o fato de uma pessoa pos-suir deficiência intelectual, isso não pode ser confundido com incapacidade de aprender algo (CARMO,2012).

II

C

AUSAS

E

SPIRITUAIS DA

D

EFICIÊNCIA

I

NTELECTUAL

Olhando para a obra de Kardec, pode-se começar pela

Revista Espírita, de julho de 1860, em que é indagado

o que era a idiotia (deficiência intelectual). KARDEC (1860b) diz:

Na ideia materialista, o que é um idiota? Nada; ape-nas um ser humano; segundo a Doutrina Espírita, é um ser dotado de razão como todo o mundo, mas en-fermo de nascença pelo cérebro, como outros o são por outros membros. Esta doutrina, em reabilitando-o, não é mais moral, mais humana, que aquela que dele faz um ser de refugo? Não é mais consolador, para um pai, que tem a infelicidade de ver uma tal criança, pensar que esse envoltório imperfeito encerra uma alma pensante? (KARDEC,1860b, p. 188)

Também pode-se destacar o O Livro dos Espíritos, questão 371: “Tem algum fundamento o pretender-se que

a alma dos cretinos e dos idiotas é de natureza inferior?”.

Como resposta, os Espíritos dizem que:

Nenhum. Eles trazem almas humanas, não raro mais inteligentes do que supondes, mas que sofrem da insuficiência dos meios de que dispõem para se co-municar, da mesma forma que o mudo sofre da im-possibilidade de falar. (KARDEC,1995b, p. 255)

Dos trechos destacados acima, a idiotia (deficiência intelectual) do ponto de vista material condiz com as definições da época, destacadas por PESSOTTI(2012), quando afirma que, na concepção do cientista francês Jean Esquirol, tais pessoas eram consideradas incapa-zes de aprender algo. Na concepção espírita destacada acima, é dito que as pessoas com deficiência intelectual são seres com limitações físicas, mas que possuem o Es-pírito dotado de toda a capacidade intelectual que as de-mais pessoas que não possuem esta deficiência, ou seja, pode-se deduzir que estas pessoas poderiam ter alguma capacidade de aprendizado, indo ao encontro da moderna definição científica de deficiência intelectual (AMERI-CAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,2013).

Quando se questiona a causa da deficiência intelec-tual, do ponto de vista espiriintelec-tual, se depara em O

Evan-gelho Segundo o Espiritismo com o questionamento das

causas das aflições. ParaKARDEC(1995a), a causa pre-cede o efeito, e se ela não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa exis-tência precedente. Por outro lado, continua o autor, não podendo Deus punir alguém pelo bem que fez, nem pelo mal que não fez, se somos punidos, é que fizemos o mal; se esse mal não o fizemos na presente vida, tê-lo-emos feito noutra. Dessa forma,KARDEC(1995a) diz que:

Os que nascem nessas condições (como a idiotia e a loucura), certamente nada hão feito na existên-cia atual para merecer, sem compensação, tão triste sorte, que não podiam evitar, que são impotentes para mudar por si mesmos e que os põe à mercê da comi-seração pública. Por que, pois, seres tão desgraça-dos, enquanto, ao lado deles, sob o mesmo teto, na mesma família, outros são favorecidos de todos os mo-dos? (KARDEC,1995a, p. 122)

Os sofrimentos devidos a causas anteriores à existên-cia presente são muitas vezes a consequênexistên-cia da falta co-metida, ou seja, o homem, pela ação de uma rigorosa jus-tiça sofre o que fez sofrer aos outros (KARDEC,1995a). Assim se explicam pela pluralidade das existências e pela

(3)

destinação da Terra, como mundo expiatório, as anoma-lias que apresenta a distribuição da ventura e da desven-tura entre os bons e os maus neste planeta (KARDEC, 1995a).

Na Revista Espírita de julho de 1860, se encontra também explicações sobre a origem espiritual da idio-tia (deficiência intelectual) nas existências passadas dessa pessoa, reforçando O Evangelho Segundo o Espiritismo. KARDEC(1860b) diz:

Àqueles que, sem serem materialistas, não admitem a pluralidade das existências, perguntamos o que é a alma do idiota? Se a alma é formada ao mesmo tempo que o corpo, por que Deus cria seres assim desfavo-recidos? Qual será a sua sorte futura? Admiti, ao contrário, uma sucessão de existências, e tudo se ex-plica segundo a justiça, o idiotismo pode ser uma pu-nição ou uma prova, e, em todos os casos, não é senão um incidente na vida do Espírito; isso não é maior, mais digno da justiça de Deus, que supor que Deus criou um ser abortado para a eternidade? (KARDEC,

1860b, p. 188)

Em seguida, recorre-se ao O Livro dos Espíritos, ques-tão 847: “A aberração das faculdades tira ao homem

o livre-arbítrio?”. Como resposta, os Espíritos dizem

que a limitação da inteligência, no caso das pessoas com deficiência intelectual, se constitui de uma punição para o Espírito que possa ter sido em outra existência, fútil e orgulhosa, e tenha feito mau uso de suas faculdades, ou seja, esse Espírito pode, em tal caso, renascer no corpo de uma pessoa com deficiência intelectual (KARDEC, 1995b).

Em complemento, na questão 372 de O Livro dos

Es-píritos, é dito que os que habitam corpos de pessoas com

deficiência intelectual são Espíritos sujeitos a uma puni-ção, por sofrerem o efeito do constrangimento que expe-rimentam e da impossibilidade em que estão de se mani-festarem mediante órgãos não desenvolvidos.

Na questão 373a de O Livro dos Espíritos é inda-gado o seguinte: “Pode assim o corpo de um idiota

con-ter um Espírito que tenha animado um homem de gênio em precedente existência?” KARDEC(1995b) diz que o

mau uso da inteligência se torna por vezes um tormento, quando o homem abusa dela. Para o autor:

A superioridade moral nem sempre guarda proporção com a superioridade intelectual e os grandes gênios podem ter muito que expiar. Daí, frequentemente, lhes resulta uma existência inferior à que tiveram e uma causa de sofrimentos. Os embaraços que o Es-pírito encontra para suas manifestações se lhe asse-melham às algemas que tolhem os movimentos a um homem vigoroso. Pode dizer-se que os cretinos e os idiotas são estropiados do cérebro, como o coxo o é das pernas e dos olhos o cego (KARDEC,1860b, p. 259).

Aqui nota-se claramente o princípio de Causa de Efeito, em que pessoas que em vidas pretéritas abusa-ram da inteligência, agora sofrem a consequência de seus atos. Outra análise que se pode fazer é que, pelo fato

de um Espírito raramente ter a mesma proporção de mo-ral e razão, é muito comum o Espirito encarnado usar mal a inteligência, ou seja, o orgulho e egoísmo atrelados à inteligência, o indivíduo a usa para satisfazer as pró-prias necessidades materiais e de seu corpo fisiológico, e não raro, levando-o a prejudicar os semelhantes, como o uso da inteligência para fins bélicos e outros prejudiciais a seus semelhantes (KARDEC,1860a). Para KARDEC (2012), o homem de gênio também tem a missão de lan-çar nas sociedades os germens de progresso.

III

C

ASOS

C

ITADOS NA

Revista Espírita

A Revista Espírita traz dois exemplos de pessoas com deficiência intelectual que tiveram seus Espíritos evoca-dos para fins de estudo, que servem para exemplificar o que foi dito acima a respeito de cretinos e idiotas.

O primeiro caso, publicado na Revista Espírita em ju-nho de 1860 se refere a Charles de Saint G..., que se trata de um jovem com treze anos, vivo, e cujas faculdades in-telectuais são “de uma tal nulidade que nem conhece os pais e apenas pode alimentar-se. Há nele uma parada completa do desenvolvimento em todo o sistema orgâ-nico” (KARDEC,1860a, p. 161). Pode-se entender que, para Allan Kardec, este jovem possuía deficiência intelec-tual profunda, estando este jovem em estado vegetativo. O Espírito de São Luís esclarece que o grupo da So-ciedade Parisiense de Estudos Espíritas poderia evocar o Espírito de Charles de Saint G... como se fosse de um desencarnado, uma vez que seu Espírito se liga ao corpo por laços materiais que podem se desprender facil-mente. Charles de Saint G..., então, diz que ele mesmo estando encarnado tem consciência de seu estado, se sen-tindo como se estivesse em uma prisão, em um tipo de punição (KARDEC,1860a).

Em seguida, Charles relata que ele se lembra da sua encarnação anterior, e tem consciência que tal existência foi a causa dos sofrimentos atuais. Nesta última encar-nação, ele era um jovem que tinha se entregado exclusi-vamente aos prazeres do corpo físico e vivido na corte do Rei Henrique III (final do século XVI). Desde a existência precedente até a encarnação atual, Charles relata que ele era um espírito leviano e Deus o teria aprisionado (KAR-DEC, 1860a, p. 162).

O jovem Charles afirma que ele não escolheu a prova de passar pela condição de deficiência, mas que esta foi escolhida por Deus e que sua encarnação não seria inú-til, e que em alguns anos ele poderia desencarnar. Aqui nota-se que, pela descrição que faz Charles, esta encar-nação teria sido preparada por uma equipe espiritual, com o propósito de resgatar os débitos cometidos na sua vida anterior, indo ao encontro do que é dito, tanto em

O Livro dos Espíritos como em O Evangelho Segundo o Espiritismo.

O estado vegetativo em que se encontra Charles de Saint G... faz com que ele se sinta preso no corpo, e nessa condição de encarnado, ele não entende nada a seu redor, mas quando seu corpo dorme tem total liberdade, e isso faz com que tenha total consciência do que ocorre

(4)

ao seu redor, na vida material.

Por fim, o Espírito de São Luís diz que:

Ninguém desconhecerá o alto ensinamento moral que decorre desta evocação. Além disso, ela confirma o que sempre foi dito sobre os idiotas. Sua nulidade moral não significa nulidade do Espírito, que, abstra-ção feita dos órgãos, goza de todas as faculdades. A imperfeição dos órgãos é apenas um obstáculo à li-vre manifestação das faculdades; não as aniquila. É o caso de um homem vigoroso, cujos membros fossem comprimidos por laços. Sabe-se que, em certas re-giões, longe de serem objeto de desprezo, os cretinos são cercados de cuidados benevolentes. Este senti-mento não brotaria de uma intuição do verdadeiro estado desses infelizes, tanto mais dignos de atenções quanto mais seu Espírito, que compreende sua posi-ção, deve sofrer por se ver como um refugo da Socie-dade? (KARDEC,1860a, p. 162).

Nesta passagem, o Espírito de São Luís reafirma o que foi dito em O Evangelho Segundo o Espiritismo, que as provas e expiações que todos passam na Terra, por mais dolorosas e difíceis, são sempre úteis ao adiantamento do Espírito.

O segundo caso, publicado na Revista Espírita de ou-tubro de 1861, se trata de uma comunicação estabelecida na região dos alpes franceses pelo Espírito Pierre Jouty, em que fala da situação espiritual dos cretinos (pessoas com deficiência intelectual). Para ele,

Os cretinos são seres punidos na Terra pelo mau uso feito de poderosas faculdades. Sua alma está aprisio-nada num corpo cujos órgãos impotentes não podem exprimir seu pensamento. Esse mutismo moral e fí-sico é uma das mais cruéis punições terrestres. Fre-quentemente é escolhida pelos Espíritos arrependidos que querem resgatar suas faltas. Essa prova não é estéril, porque o Espírito não fica estacionário na pri-são da carne. Os olhos embrutecidos veem; o cérebro deprimido concebe, mas nada pode ser traduzido pela palavra ou pelo olhar e, salvo o movimento, estão mo-ralmente no estado dos letárgicos e dos catalépticos, que veem e ouvem o que se passa ao seu redor sem poderem exprimi-lo. Quando, em sonho, tendes es-ses terríveis pesadelos, nos quais quereis fugir de um perigo; quando soltais gritos para pedir socorro, en-quanto a língua fica presa ao palatino e os pés ao solo, experimentais por um instante aquilo que o cre-tino experimenta sempre: paralisia do corpo ligada à vida do Espírito (KARDEC,1861, p. 272).

Em seguida, o Espírito Pierre Jouty diz que os Es-píritos das pessoas com deficiência intelectual não têm uma vida contemplativa, mas que podem ser tão agitadas quanto as existências mais complicadas, pois alguns se re-voltam contra seu suplício voluntário ou lamentam tê-lo escolhido e experimentam um furioso desejo de voltar a uma outra vida, desejo que lhes faz esquecer a resignação na vida presente e o remorso da vida passada, da qual têm consciência, porque os cretinos e os loucos sabem mais que vós, e na sua impossibilidade física oculta-se uma força moral da qual não fazeis a mínima ideia.

Para o espírito Pierre Jouty:

O cretinismo [deficiência intelectual] não é uma lei de Deus, e a Ciência pode fazê-lo desaparecer, pois ele é o resultado material da ignorância, da miséria e da sujeira. Os novos meios de higiene que a Ciência, tor-nada mais prática, pôs ao alcance de todos, tendem a destruí-lo. Sendo o progresso a condição determinada da Humanidade, as provas impostas modificar-se-ão e seguirão a marcha dos séculos; tornar-se-ão todas morais, e quando a vossa Terra, ainda jovem, tiver realizado todas as fases de sua existência, tornar-se-á um lugar de felicidade, como outros planetas mais adiantados (KARDEC,1861, p. 272).

Por fim, KARDEC (1860b) diz que para concordar com a justiça e a bondade de Deus é necessário admi-tir a pluralidade das existências, isto é, a reencarnação. Para o autor, se a alma nunca passou por outras exis-tências e se foi criada ao mesmo tempo que o corpo, não há como justificar a criação de almas tão deserda-das quanto a dos cretinos, por parte de um Deus justo e bom. Dessa maneira, ao falar das pessoas com deficiência intelectual,KARDEC(1860b) diz:

Sem qualquer noção do bem ou do mal, qual a sua sorte na eternidade? Serão felizes como os homens trabalhadores e inteligentes? Mas, por que esse fa-vor, desde que nada fizeram de bom? Estarão naquilo a que chamam limbo, isto é, num estado misto, que nem é felicidade nem infelicidade? Mas, por que essa inferioridade eterna? É sua culpa se Deus os criou cretinos? Desafiamos todos os que repelem a dou-trina da reencarnação a saírem do impasse. Com a reencarnação, ao contrário, aquilo que parece uma in-justiça torna-se admirável in-justiça; o que é inexplicável explica-se da mais racional das maneiras. Aliás, não sabemos se os que repelem esta doutrina jamais a te-nham combatido com argumentos mais peremptórios do que o de sua repugnância pessoal a voltar à Terra. Estão, assim, muito certos de possuir bastantes virtu-des para ganhar o Céu numa arrancada. Desejamos-lhes boa sorte. Mas, e os cretinos? E as crianças que morrem em tenra idade? Que títulos possuirão para fazer valer? (KARDEC,1861, p. 272).

Dessa forma, paraKARDEC(1861), os Espíritos nos dizem que a deficiência intelectual é frequentemente es-colhida pelos Espíritos arrependidos que querem resgatar suas faltas, uma vez que essa prova não é estéril, porque o Espírito não fica estacionário na prisão da carne. Para o autor, a marcha do progresso é a condição determinada da Humanidade, uma vez que as provas impostas às cria-turas modificar-se-ão século a século e, assim, tornar-se-ão todas morais.

IV

C

ONCLUSÃO

Pode-se dizer que os termos ‘cretino’ e ‘idiota’ adota-dos na obra Kardeciana para se referir às pessoas com deficiência intelectual, mostram que naquela época a ciência trazia a concepção de que tais pessoas seriam consideradas incapazes de aprender algo. Os Espíritos mostram que estas pessoas possuem o Espírito dotado de toda a capacidade intelectual que as demais pessoas

(5)

que não possuem esta deficiência, ou seja, pose de-duzir que estas pessoas poderiam ter alguma capacidade de aprendizado, indo ao encontro da moderna definição científica de deficiência intelectual.

Quando Kardec questiona a causa da deficiência in-telectual, do ponto de vista espiritual, se depara com o questionamento das causas das aflições, em que a causa precede sempre o efeito, ou seja, se esta não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida.

R

EFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. 2013. Intellectual

disability fact sheet-DSM-5. American Psychiatric Association,

Arlington, VA, USA.

CARLA, HENDRIO. 2009. “Alienação mental nos tempos de Kar-dec”. Blog [Internet]. Consultado em 06/02/2018. Disponível em:

http://licoesdosespiritos.blogspot.com.br/2009/ 09/alienacao-mental-nos-tempos-de-kardec.html

CARMO, João dos Santos. 2012. “Aprendizagem de conceitos ma-temáticos em pessoas com deficiência intelectual.” Revista de

Deficiência Intelectual 3, p.43-48.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. 2010. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro, RJ.

KARDEC, Allan. 1860a. “O Espírito de um idiota”. Revista

Es-pírita - Jornal de Estudos Psicológicos Junho, p. 161-162. 1a

edição. Edições FEB. Brasília, DF. 2015. Tradução de Evandro Noleto Bezerra.

KARDEC, Allan. 1860b. “A frenologia e a fisiognomia”. Revista

Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos Julho, p. 187-190. 1a

edição. Edições FEB. Brasília, DF. 2015. Tradução de Evandro Noleto Bezerra.

KARDEC, Allan. 1861. “Ensinamentos e dissertações espiritas: Os cretinos”. Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos

ou-tubro, p. 272-273. 1aedição. Edições FEB. Brasília, DF. 2015. Tradução de Evandro Noleto Bezerra.

KARDEC, Allan. 1995a. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 76a edição. FEB, Rio de Janeiro, RJ.

KARDEC, Allan. 1995b. O Livro dos Espíritos. 76aedição. FEB, Rio de Janeiro, RJ.

KARDEC, Allan. 2012. O Céu e o Inferno. 60aedição. FEB, Rio de Janeiro, RJ.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OMS. 2004. Declara-ção de Montreal sobre Deficiência Intelectual. Montreal, Canadá. PESSOTTI, Isaías. 2012. Deficiência mental: da superstição à

ci-ência. Ed. da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.

Title and Abstract in English

Intellectual Disability in the Light of the Kardecian Work

Abstract: This article aimed to study how the Kardecian work treats the idiots and idiots. In the light of current science, such

terms are used to refer to persons with intellectual disabilities, even though by the time of Kardec it was understood that such persons were considered to be incapable of learning anything. When Kardec questions the cause of intellectual disability from the spiritual point of view, he is confronted with the questioning of the causes of afflictions, where the effect always precedes the cause, that is, if it is not found in the present life, it must be anterior to this life. The Spiritist Magazine presents two examples of people with intellectual disabilities who had their spirits evoked for purposes of study, which serve to exemplify the former causes of afflictions. The first case refers to a young man considered an idiot whose cause was in his last incarnation, in which he was a young man who had devoted himself exclusively to the pleasures of the physical body. The second case is a communication established by the spirit Pierre Jouty, in which he talks about the spiritual situation of the cretins. For such a spirit, cretin is often chosen by the repentant spirits, who want to rescue their faults, since this proof is not sterile, because the spirit does not remain stationary in the prison of the flesh. For the author, the march of progress is the determinate condition of mankind, since the proofs imposed upon creatures will change from century to century and thus will become all moral. Finally, St. Louis reaffirms what was said in The Gospel According to Spiritism, that the trials and atonements that all pass on the earth, however painful and difficult, are always useful to the advancement of the spirit.

Referências

Documentos relacionados

O estudo do impacto sobre os atributos do solo causado pela adição do agrotóxico 2,4-D e de peróxido de hidrogênio tem a finalidade de elucidar as

Partindo desse princípio, o presente trabalho buscou analisar quais as TDIC utilizadas pelos docentes de História do Ensino Fundamental II da rede municipal de Campos dos

3.4 Quarta Etapa – Novas Hipóteses e Construção do Modelo Tendo em vista que o experimento permite verificar o movimento de um objeto sob a influência da força

Assim, meu próximo passo em uma futura publicação será destacar como se deu a experiência de divulgação da videoaula nas plataformas digitais em que hospedei o projeto História

•ExtratorDeCaracteristica(Tree Node grupos, List<String> tags, SentimentalistaU- tils sentimentalistaUtils) - m´ etodo construtor, recebe como parˆ ametros de entrada uma

De fato, uma proporção considerável dos pais tem dificuldade em identificar que seus filhos estão com sobrepeso ou obesos (Francescatto,2014),embora a obesidade

A propriedade possui um parque de maquinas completo para a realização de suas atividades, fruto de sua capacidade de gerar renda, exemplificado na tabela 14, sendo que de

As questões uti- lizadas foram elaboradas com ativa participação dos alunos a partir de discussões que foram mediadas por nós, professores, com o devido cuidado para não perder