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MEMÓRIA E PATRIMÔNIO DOCUMENTAL

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Academic year: 2021

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MEMÓRIA E PATRIMÔNIO DOCUMENTAL 1   

O tema que devo desenvolver é sobre o patrimônio documental. Confesso que, embora  tenha  trabalhado  por  cerca  de  sete  anos  no  Arquivo  Histórico  de  S.  Paulo,  não  me  sinto  autorizado a muito falar sobre assunto que cada vez mais recebe a atenção dos estudiosos que  vem  se  especializando  na  Arquivística  –  disciplina  que  orienta  e  normatiza  as  técnicas  de  organização dos arquivos documentais. Fazem já dez anos que estou afastado do trabalho de  arquivista. Porém foi ele  que  me deu  alguma experiência e me  fez refletir mais amplamente  sobre a importância dos arquivos documentais enquanto fontes primordiais de Memória Social.  Daí porque gostaria de iniciar essas minhas considerações acerca do assunto colocando  antes uma questão: O que é a memória? 

Memória é, antes de tudo, a lembrança que temos de pessoas, de coisas, de fatos, de  relações, de situações que, por alguma razão, ficaram gravadas em nossas mentes. E é por meio  delas,  dessas  lembranças,  que  nos  é  possível  recordar  o  passado,  desde  o  nosso  passado  familiar, da casa onde passamos nossa infância, do bairro onde vivemos, do grupo social ao qual  pertencemos, dos lugares por onde passamos e trabalhamos no curso de nossas vidas que se  estende à cidade onde vivemos parte ou toda a nossa existência. A lembrança é, portanto, a  primeira forma de memória que nós utilizamos para recuperar o nosso passado. 

Essa massa enorme de lembranças que registramos e acumulamos em nossas mentes  constituem  de  certo  o  que  de  mais  valioso  possuímos.  Relacionam‐se  a  pessoas,  a  coisas,  a  determinados  espaços  que  infelizmente  se  vão:  as  pessoas  seguindo  o  curso  normal  da  vida  crescem  e  se  transformam,  aproximam‐se  ou  distanciam‐se  de  nós,  alteram‐se  as  relações  e  com  elas  os  sentimentos  e  a  afeição  iniciais,  ou  simplesmente  mudam  de  moradia  e  não  as  vemos mais; as coisas por vezes se estragam ou saem de moda e as jogamos fora ou as enfiamos  em alguma gaveta e permanecem ali tal como a uma nefasta lembrança que não desejamos,  inconsciente a nos perturbar vez por outra, outras simplesmente deixamos n’algum baú ou nos  porões das casas e vão se recobrindo da poeira do esquecimento até nunca mais; e os espaços  ...  ah!  esses  parecem  que  hoje  estão  sempre  a  se  modificar,  em  permanente  processo  de  transformação, acompanhando o ritmo agitado e nervoso da vida contemporânea. As ruas, o  bairro, a cidade toda numa transformação sem fim, transfigurando o que era em novos estados  de coisas. De tudo isso, das pessoas, das coisas, dos espaços, restam‐nos algumas vezes apenas  a lembrança deles. É por isso que damos importância às lembranças. São elas a matéria‐prima  da memória. (Vocês notaram que não estou a valorar as lembranças agrupando‐as em boas ou  más, embora talvez devesse; evito, porém, tal juízo para evitar cair num campo que seria o da  psicologia social, que nos levaria a caminhos diversos daqueles pretendidos aqui.)  As sociedades mais simples, as que não tem acesso à escrita, como as comunidades de  nossos indígenas de uns tempos atrás (ou as poucas que ainda vivem isoladas no interior da  Amazônia),  sabemos  que  tem  grande  estima  e  consideração  pelos  mais  velhos,  os  idosos.  Constituem eles próprios a memória viva da coletividade; são os guardiães do saber e também  da  experiência  transmitidos  pelas  gerações  que  os  antecederam  e  são  também,        

1 Em 1993 fomos em companhia da arqueóloga Maria Lucia Franco Pardi e do arquiteto José Saia Neto a 

Ribeirão Preto participar de seminário que a Prefeitura desenvolvia com vista a estabelecer política de  preservação do patrimônio cultural da cidade. Essa foi a comunicação que apresentamos na noite de 7 de  maio para um público bastante interessado.  

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consequentemente,  os  responsáveis  pela  transmissão  desse  saber  e  experiência  às  novas  gerações,  aos  seus  filhos  e  netos.  É  por  meio  deles  que  a  comunidade  toda  aprende  a  importância de cada coisa, de como fazê‐las e usá‐las, o significado das festas e das cerimônias  que realizam, e assim reproduzem os valores tradicionais e o modo de vida da comunidade que,  desse  modo,  permanece,  apesar  das  mudanças  que  já  se  operaram  e  se  operam  irremediavelmente, tanto dentro como sobre tudo fora dela e que inegavelmente a atinge, mas  que lhe permite resistir e preservar‐se mesmo assim. Os idosos, nesse tipo de sociedade tem,  portanto, enorme valor. São uma espécie de arquivo e de escola ao mesmo tempo, pois que  guardam e transmitem a memória dos grupos e da comunidade. Até quando? – Não sabemos.  Imaginemos, por um momento, isso acontecendo no tempo, geração após geração; em  cada parcela de tempo um grupo de idosos cumprindo a função de guardar e transmitir essas  lembranças  carregadas  de  significados  porque  trazem  consigo  saberes  e  experiências;  e  admitamos também que nesse processo possam se conservar sem sofrer muitas alterações, ou  distorções, conservando‐se no seu cerne tão verdadeiras como as verdades que a lembrança é  capaz de reter na memória desses homens, idosos. Num suceder que, para ser efetivo, capaz de  conserva‐las e transmiti‐las, precisam constantemente recordá‐las, atualizá‐las por intermédio  do pensamento desses homens idosos frente ao olhar interessado das gerações novas – o que  significa  dizer,  estão  constantemente  sendo  reelaboradas  que  é  a  condição  para  que  se  conservem, mantenham validade e importância para os mais novos, ou seja, tenham status de  verdade.  Essa  é  uma  interpretação;  minha  interpretação  se  se  quiser.  Mas,  admitamos  aqui  entre  nós,  pois  estamos  nos  baseando  em  postulados  de  uma  determinada  forma  de  pensamento civilizado e europeu e não no pensamento mágico que é próprio e natural (e talvez  mais adequado para explica‐lo) das comunidades ditas “primitivas”, que o próprio processo de  conservação ou preservação das lembranças, realizado pelos idosos dessas sociedades, carrega  consigo uma necessária e constante reelaboração, sem a qual ela própria não se realizaria, e  portanto  nem  se  atualizaria.  Da  mesma  forma,  como  entre  nós  procuramos  entender  a  memória, constituída no devir histórico, e que atualmente estamos a chamar de Memória Social.  E aqui talvez esteja a importância maior da memória: a necessidade que o homem tem  de constantemente se reportar ao passado, de repassar as lembranças, guardar e analisar os  registros  deixados  nas  coisas,  nos  espaços,  reconstituir  os  fatos  e  as  relações,  o  sentido  que  tiveram ou ainda tem, e mais importante ainda: possam ter às novas gerações, pois é com as  novas gerações que se descobrem ou nos damos conta que se pode atribuir significados novos  às lembranças do passado quando referidas no presente. Que é o que fazemos quando estamos,  tal como os idosos fazem, seja dessa ou daquela sociedade, primitiva ou civilizada, a recontar as  histórias pessoais, familiares, dos grupos sociais, das sociedades enfim, com h – minúsculo ou  maiúsculo.  Mas aí já estamos num outro patamar, o da busca de explicações, tanto do indivíduo em  si mesmo, como do grupo, ou da coletividade como um todo. Por essa razão é que o lembrar,  ou o relembrar, o contar e o recontar as histórias com base nas lembranças, nos registros de  memória, não é meramente um ato individual, por mais que dependa da inteligência de quem  as lembra e de quem as conta; a lembrança, a história que a contextualiza só se torna verdadeira,  válida, se aceita pelo grupo, pela comunidade. Daí a constante necessidade da reelaboração do  passado, e que fazemos reiteradamente recorrendo às lembranças e aos registros da memória.  É por seu intermédio que pretendemos explicar tanto o passado como o presente que estamos  vivendo. Alcançamos com isso não somente uma certa noção de tempo, do tempo decorrido 

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até nós, a que chamamos tempo histórico, mas uma nova e reiterada explicação do presente  em que vivemos.  

Permaneço ainda no plano das lembranças. Essas hoje recebem o nome de Memória  Oral quando são gravadas e transcritas, constituindo então um tipo novo de documento escrito  –  fruto  imediato  da  transformação  da  memória  antes  abstrata  e  pessoal  tornada  escrita  e,  portanto, com potencial de se tornar pública em razão do interesse social que possa conter. Dela  se valem os estudiosos, em especial os antropólogos, para estudar esses povos primitivos ou  mesmo certos grupos sociais que, nas sociedades evoluídas, não tiveram ainda acesso pleno à  escrita.  Dela  também  se  valem  os  sociólogos  e  mais  recentemente  os  historiadores,  quando  interessados  em  estudar  determinados  grupos  ou  classes  sociais  que  no  curso  de  suas  existências pouco ou quase nada deixaram registrado em documentos próprios. O estudo sobre  os  escravos,  os  agregados  das  grandes  fazendas,  os  sitiantes,  os  operários  urbanos  dos  primórdios  da  industrialização,  se  dá  quase  que  exclusivamente  por  meio  de  documentação  indireta, isto é, não produzida por eles próprios. Mesmo sobre a grande massa de imigrantes  que veio ao Brasil a partir do último quartel do século passado e, em especial a São Paulo para  trabalhar  na  lavoura  de  café,  os  estudos  em  geral  se  apoiaram  também  em  documentação  indireta,  quase  sempre  proveniente  dos  arquivos  públicos.  Essa  região  de  Ribeirão  Preto  recebeu contingentes enormes de imigrantes, muitos dos quais analfabetos mesmo na língua  nativa e desconhecedores por completo da língua no país que os recebia, figuraram inicialmente  como  trabalhadores  simples  das  fazendas  de  café  outros  depois  com  contratos  de  parceria  firmados, para só muito mais tarde virem a ter acesso a uma pequena propriedade rural – razão  porque maior por terem abandonado seu país de origem e atravessado o Atlântico. A coleta de  depoimentos  dentre  os  membros  mais  antigos  desses  grupos  sociais  permitiu,  por  vezes,  a  reconstituição, a um só tempo rica e simplificada, da história desses grupos e permitiu esclarecer  um pouco mais as formas de sua inserção na sociedade brasileira e porque meios conservaram  certos  valores  e  costumes  de  sua  cultura.  Esses  depoimentos  são  baseados  sobre  tudo  nas  lembranças  que  os  indivíduos  guardaram  do  passado  (especialmente  a  memória  dos  mais  idosos), e permitem aos estudiosos e pesquisadores sociais a confecção ou elaboração de novos  documentos  que  lhes  servem  como  fontes  complementares  de  pesquisa  e  de  análise,  oferecendo novas possibilidades de interpretação teórica. 

Embora a elaboração desses novos documentos se realize sobre tudo mediante projetos  desenvolvidos nas universidades, não é exclusividade sua. Centros de Documentação ligados aos  movimentos populares e às organizações sindicais, Conselhos e órgãos técnicos que cuidam da  preservação do patrimônio, locais e regionais, e até mesmo Arquivos Públicos tem executado  projetos  nesse  sentido.  Projetos  esses  que  tem  origem  numa  política  de  aquisição  ou  incorporação de novos fundos documentais, arquivos ou coleções de origem pública ou privada.  

São  ações  que  merecem  apoio.  Porque  o  que  importa  é  recuperar  as  “memórias  da  sociedade”, quero dizer, as lembranças transformadas em documentos que por sua vez resultam  em produtos culturais de tantos segmentos sociais quanto se queiram produzir – desde os mais  ilustres  representantes  das  elites  até  os  mais  combativos  e  engajados  críticos  da  realidade  brasileira, cientistas e políticos, de direita ou esquerda, habilitando seus acervos documentais  para a pesquisa pública. Não estou defendendo com isso que as instituições se afastem de suas  atribuições específicas. Um Arquivo Público tem como finalidade primeira recolher, guardar e  organizar a documentação produzida pelos órgãos públicos. Essa é a sua atribuição principal.  Porém  essa  atribuição  não  o  impede  de  recolher  outros  fundos  documentais  que  complementem as fontes administrativas e legislativas que já tem sob sua guarda ou mesmo 

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outros fundos que ampliem ou possam até se contrapor à visão oficial contida nos documentos  públicos. E sobre tudo porque nessa região de Ribeirão Preto as memórias que guardam o que  de  mais  profundo  interessa  para  a  história  da  sociedade  ribeirão‐pretana  não  estava  propriamente  na  cidade,  mas  sim  espalhadas  pelo  município,  na  cabeça  dos  homens  que  fundaram as fazendas de café, nos seus descendentes que as herdaram, e também na massa  enorme de trabalhadores, imigrantes e nacionais, e ainda um bocado de negros ainda escravos  que para cá também vieram na segunda metade do século XIX, de cujo trabalho brotou a riqueza  dessa  região.  Daí  a  importância  do  recolhimento  da  documentação  dessas  fazendas,  habilitando‐as convenientemente para o estudo. Trabalho que me parece não ser exclusivo dos  Centros de Documentação universitários.  

Recomenda‐se aos próprios órgãos de preservação do Patrimônio Histórico e Artístico,  especialmente os locais, quando promovem o tombamento de sedes antigas de fazenda de café  cuidarem  também  da  sua  documentação,  especialmente  daquela  relativa  a  sua  fundação  e  desenvolvimento  inicial,  guardando  e  habilitando  tudo  que  possa  contribuir  para  a  reconstituição  de  sua  trajetória  histórica,  indispensáveis  à  preservação  e  valorização  das  fazendas tombadas. [Uma observação à parte: quando se fazia o tombamento de uma igreja  colonial, p. ex., todo o seu equipamento artístico interior – altares, púlpitos, tribunas, imagens,  pinturas,  móveis  diversos,  etc.  era  considerado  igualmente  tombado  (muito  embora  não  se  fizesse inventário deles – tarefa que hoje somos obrigados a realizar decorridos mais de 30, 40  anos).  Com  as  fazendas  não  ocorria  o  mesmo.  O  tombamento  restringia‐se  à  arquitetura,  quando muito a um ou outro elemento artístico, geralmente relacionado à capela situada no  interior da sede ou fora dela. Quanto, porém, aos documentos, nem a uma nem a outra (igreja  ou fazenda) dava‐se proteção alguma. Esquecia‐se do mais importante que é a documentação  que produziram ao longo de suas existências e onde se pode ler, descobrir e reconstituir tudo  quanto foi feito desde o surgimento delas.]  Outra ação que vem sendo tomada pelos Arquivos Públicos paulistas, tanto o estadual  como os de vários municípios paulistas, é relativa ao recolhimento da documentação dos antigos  Cartórios  das  cidades,  em  alguns  casos  com  a  intermediação  do  Instituto  Brasileiro  do  Patrimônio Cultural (IBPC)2 junto às autoridades judiciais. Exemplos: 1º e 2º Tabeliões da cidade  de São Paulo e dos Cartórios de Mogi das Cruzes encaminhados ao Arquivo do Estado onde já  se encontra organizados e disponíveis à pesquisa pública. Já os Arquivos Históricos das cidades  de Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá e Areias, todas do Vale do Paraíba, recolheram  a documentação cartorial, dando acesso aos pesquisadores dos valiosos autos de inventário das  antigas fazendas de café. 

Mas  caberia  perguntar:  por  que  afinal  nos  preocupamos  tanto  com  essas  diferentes  fontes  de  memória?  Porque  são  peças  primordiais  da  Memória  e,  por  extensão,  do  conhecimento. 

Independentemente  da  importância  de  outros  registros  de  Memória  –  os  que  mereceram consagração maior no Brasil como são as obras de Arte e de Arquitetura tradicionais  –  é  o  documento,  nas  suas  mais  variadas  e  diferentes  formas,  aquele  que  melhor  atesta  as  atividades  humanas  e  os  produtos  dessas  atividades,  pois  comprova,  descreve  ou  explica,  localiza no tempo e no espaço as ações e as obras humanas; é portanto o que melhor indica,  testemunha e expressa a totalidade dos produtos que resultam da ação do homem e que restam  também  gravados  em  outras  modalidades  de  documentos  –  mapas,  plantas,  fitas,  sonoras,        

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filmes,  fotografias,  etc.  A  riqueza  de  informações  que  esses  registros  todos  contém  apenas  reforça o caráter globalizante do documento. 

Dirá  o  arquivista  que  um  conjunto  de  documentos,  organicamente  produzidos  e  acumulados ao longo de tempo para cumprir as finalidades de uma dada instituição pública ou  privada,  formam  um  arquivo.  O  arquivista  ainda  lembrará  que  arquivo  documental  assim  constituído difere da coleção, porque esta geralmente se refere a conjuntos de determinados  documentos  reunidos  em  bibliotecas,  museus  ou  centros  de  documentação  com  finalidades  variadas  (consultas,  exposições,  pesquisas)  voltadas  ao  atendimento  de  seus  respectivos  públicos. Porém, não pretendo me ocupar com a exatidão das definições nem das distinções  que deve necessariamente fazer o trabalhador da área. 

Antes se separar, prefiro agora o caminho inverso, pois me possibilita considerar todos  os conjuntos documentais numa  única concepção:  a de Patrimônio Documental.  Isso porque  engloba o universo todo dos acervos documentais. E há uma razão: para além das finalidades  porque  foram  produzidos,  acumulados  e  reunidos,  são  eles  testemunhas  ou  expressões  das  ações humanas, estão relacionados, e, por essa razão, devemos trata‐los como o conjunto que  formam.  

Desse  modo,  a  Memória  Social  ou  o  Patrimônio  Documental  de  uma  cidade  e  seu  município  provém  de  vários  organismos  e  instituições,  fontes  geradoras  de  documentos.  As  repartições públicas, os cartórios, as igrejas, os jornais, as indústrias, as escolas, os sindicatos,  os comitês e diretórios de partidos políticos, os hospitais e também as fazendas, as usinas, são  todos produtores de documentos, fontes geradoras do Patrimônio Documental da cidade e do  município. 

Preservar  todos  esses  conjuntos  documentais  que  formam  a  Memória  é  que  é  o  problema!  O  ideal  seria  que  cada  uma  dessas  entidades  citadas  cuidasse  de  seus  próprios  acervos. Mas, na maioria dos casos, sabemos que não é bem assim! Muitos dos responsáveis  por esses arquivos ignoram a importância que tem para a Memória. É preciso pois que alguém  tome a iniciativa de informar, de esclarecer. Penso que isso é uma das tarefas primordiais do  Arquivo Histórico da cidade.  

Mas, até contrariando o que disse a pouco: não podem os Arquivos Públicos assumir,  sozinhos,  a  responsabilidade  de  recolher  essa  massa  enorme  de  documentos;  nem  dividir  a  tarefa com os museus ou centros de pesquisa das universidades. Principalmente porque, como  dissemos  anteriormente,  aos  arquivos  cabe  primordialmente  a  guarda  e  a  habilitação  da  documentação produzida pelos Poderes Públicos. E ela é por vezes imensa e tende sempre a  crescer – o que provoca a necessidade de estabelecer critérios de recolhimento que implicam  também e necessariamente na eliminação de parte dos documentos, fazendo prevalecer o que  os arquivistas chamam de valor permanente dos documentos. Dada a dimensão dos acervos,  chega a ser necessária a criação e implantação de um Sistema de Arquivos (constituindo três  níveis de arquivos: os Correntes, o Intermediário e o Permanente ou Histórico) para organizar e  controlar  o  fluxo  documental  e  assegurar  a  permanência  daqueles  que  registram,  pelo  que  expressam das atividades desenvolvidas pelo homem em sociedade, a diversidade de aspectos  da vida social e cultural. 

Não  é  o  momento  de  entrarmos  em  considerações  técnicas  e  detalhadas  do  funcionamento do Sistema de Arquivos. Matéria para especialistas. Basta apenas dizer que –  afirmam os arquivistas – a sua correta implantação organiza a gestão da documentação desde a 

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sua criação até o momento final de sua eliminação ou guarda definitiva. Além disso, aviso aos  Senhores gestores do Serviço Público, sua implantação diminui despesas e reduz a burocracia.  

Ainda mais uma consideração, a última. É desejável que o Arquivo Histórico vá um pouco  além do mero cumprimento de suas atribuições. Para que isso seja possível é necessário que  faça parte da política geral da Secretaria de Cultura, que nela tenha voz ativa e antes de tudo  tenha  o  respeito  das  demais  Secretarias  geradoras  de  documentos.  Sem  isso,  o  Sistema  de  Arquivos não se efetiva. Só depois de obtida a sua implementação, garantindo que à produção  contínua  de  documentos  corresponda  um  recolhimento  criterioso  dos  documentos  de  valor  permanente, históricos, é que se poderá de fato dar curso a outros projetos e a realização de  ações de valorização dessa documentação histórica, entre as quais se destaca sobremaneira as  tarefas de seleção e publicação, dando maior acessibilidade ao público.  Ação do Arquivo Histórico junto a outros órgãos de cultura do município. Em geral, os  órgãos da Secretaria – como bibliotecas, museus, casas de cultura, teatro, e hoje também os  conselhos de patrimônio histórico e artístico – atuam separadamente, quase sem entrosamento  ou política comum. Isso é um erro. É necessário que se elabore projetos que os envolvam em  atividades que, além de reforçar as tarefas que lhes são próprias, se sobreponha ao rotineiro  serviço técnico. Nada impede, p. ex., que o Arquivo Histórico realize determinadas pesquisas ao  Conselho do Patrimônio, subsidiando ou complementando os projetos de tombamento ou de  inventário de bens imóveis de valor histórico da cidade. Essa ação só irá aumentar a importância  do  Arquivo  Histórico  e  valorizar  os  seus  técnicos.  Da  mesma  forma,  ao  Museu  Histórico  subsidiando  pesquisas  a  partir  de  seu  acervo.  Ou  ainda  que  realize  exposições  documentais  complementares e paralelas às exposições museológicas, oferecendo ao público uma visão mais  larga dos temas tratados. Ambas concorrem ao maior esclarecimento do Público e valorizam  seus acervos respectivos. 

E  ainda,  por  fim,  no  âmbito  de  suas  responsabilidades,  estabeleça  projetos  de  orientação técnica aos detentores de arquivos documentais – aos fazendeiros e empresários, p.  ex. –, incitando‐os a cuidar de seus acervos, permitindo sua habilitação e reprodução, e assim  ampliar a proteção e valorização do patrimônio documental da cidade e do município.  É o que tinha a falar para vocês. Muito obrigado.   Ribeirão Preto, 7 de maio de 1993.  Carlos G.F. Cerqueira 

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