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A institucionalização de um serviço de prótese de Campinas/SP e as patografias dos mutilados dentais

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

DEPARTAMENTO DE SAÚDE COLETIVA

Ana Claudia Moutella Pimenta

A Institucionalização de um Serviço de Prótese de Campinas/SP e as

Patografias dos Mutilados Dentais

CAMPINAS – SP

2017

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Ana Claudia Moutella Pimenta

A Institucionalização de um Serviço de Prótese de Campinas/SP e as

Patografias dos Mutilados Dentais

Tese de doutorado apresentada à Faculdade de

Ciências Médicas da Universidade Estadual de

Campinas, como parte dos requisitos exigidos para a

obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva.

Área de Concentração: Ciências Sociais em Saúde.

Orientadora: Profa. Dra. Solange L’Abbate

CAMPINAS – SP

2017

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Ana Claudia Moutella Pimenta

ORIENTADOR: Profa. Dra. Solange L’Abbate

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. SOLANGE L’ABBATE

2. PROF. Dr. CARLOS BOTAZZO

3. PROFA. DR. LUCIANE MARIA PEZZATO

4. PROF. DR. AIDECIVALDO FERNANDES DE JESUS

5. PROF. DRA. DANIELE POMPEI SACARDO

Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da

Uni-versidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora

en-contra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

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Por onde começar a agradecer?

A Deus, que através da graça, importando-se com cada um de nós, colocou-me onde estou, com alegrias e dores, dilemas e esperanças, a fim de perceber meu papel na jornada da vida. A cada um de minha família, que cuidou para que minhas conquistas e realizações fossem possíveis. Ao meu filho, que deu todo suporte técnico e emocional para que este trabalho fosse viável.

À amiga Luciane Pezzato, que deu todo apoio e incentivo para este doutorado. À orientadora Solange L’Abbate, que generosamente aceitou me orientar. A cada um dos pacientes que partilhou suas estórias. A cada um que acreditou. A todos que torceram.

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Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o sentido da vida! É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar ”

Cora Coralina

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RESUMO

Esta investigação teve como objetivo analisar o processo de institucionalização de um serviço de prótese dental, no município de Campinas/SP, considerando a política de saúde do município, a estruturação dos serviços e as práticas de assistência em face das necessidades de saúde bucal do ponto de vista do sujeito-paciente. O percurso teórico-metodológico fundamenta-se na Análise Institucional, e os instrumentos de investigação utilizados foram diários realizados pela pesquisadora e entrevistas com os usuários mutilados dentais do SUS da região leste do município em questão, com o intuito de elaborar as

histórias patográficas dos mesmos. O conceito de patografia

relaciona-se aos modos como os indivíduos acometidos por afecções graves, procuram ordenar os eventos, produzindo narrativas nas quais são estabelecidas atribuições causais, motivações e papéis dos agentes causadores das doenças. A Análise Institucional procura compreender uma determinada realidade social, organizacional, a partir dos discursos e práticas dos sujeitos. Espera-se então, através das patografias, da análise institucional e do conceito de bucalidade (Trabalhos sociais que a boca realiza), identificar as dimensões objetivas e subjetivas dos pacientes mutilados dentais que utilizaram, utilizam ou ainda aguardam para utilizar o serviço, compreendendo o processo de trabalho dentro do contexto vigente, analisando as potencialidades e dificuldades na ótica dos sujeitos-pacientes, apontando possibilidades instituintes de qualificação nos micros espaços de trabalho.

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This research aimed to analyze the process of institutionalization

of a dental prosthesis service in the city of Campinas, state of São

Paulo, considering the health policy of the municipality, the

structuring of services and the assistance practices in face of the

oral health needs of the point view of the subject-patient. The

theoretical-methodological course is based on the Institutional

Analysis, and the investigative tools used were diaries conducted

by the researcher and interviews with the SUS's maimed users of

the eastern region of the municipality in question, with the purpose

of elaborating the pathografics histories. The concept of

pathography is related to the ways in which individuals affected by

serious affections seek to organize events by producing narratives

in which causal attributions, motivations and roles of

disease-causing agents are established. The Institutional Analysis seeks to

understand a certain social, organizational reality, based on the

discourses and practices of the subjects. It is hoped, through

pathophyses, institutional analysis and the concept of bucality, to

identify the objective and subjective dimensions of dental maimed

patients who have used, used or are still waiting to use the service,

including the work process within the current context, analyzing the

potentialities and difficulties in the optics of the patient-subjects,

pointing out instituting possibilities of qualification in the

microspaces of work.

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1. INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO I: Trajetória Profissional da autora e suas implicações ... 21

CAPÍTULO II: A Clínica do Cuidado: Subjetividade e Bucalidade ... 32

CAPÍTULO III: Edentulismo na infância, na idade adulta e na velhice ... 47

Capítulo IV: Analisadores ... 53

CAPÍTULO V: Contextualizando e situando a pesquisa ... 58

OBJETIVOS: ... 71

PERCURSO METODOLÓGICO ... 72

CAPÍTULO VI: ALGUMAS HISTÓRIAS PATOGRÁFICAS: ... 89

CAPÍTULO VII: ANÁLISE E DISCUSSÃO ... 151

CAPÍTULO VIII: CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 161

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APRESENTAÇÃO:

Vamos percorrer um longo caminho pela estrada da Saúde Coletiva, cujo Norte é o Sistema Único de Saúde, abrindo passagem pela Saúde da Família, na verdade Estratégia de Saúde da Família, na

tentativa de atingir Saúde Bucal como parte relevante da saúde geral, na direção da integralidade. Escolhemos transitar pela Atenção Primária, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde, na Política Nacional de Saúde Bucal, embora algumas vezes possamos estar na Atenção Secundária. O

objetivo nesta trilha é tentar compreender o sentido que as pessoas dão aos diferentes aspectos de sua realidade existencial, partindo do pressuposto de que cada qual processa diferentes significações acerca das dimensões de suas vidas e de acordo com as experiências pessoais e os contextos específicos nos quais estão inseridos. Assim, esperamos alcançar os indivíduos que são sujeitos de suas próprias estórias e que vão nos contar suas hestórias patográficas. Para tanto, pedimos licença à bucalidade e à subjetividade para tentarmos produzir cuidado no cotidiano dos serviços, observando os acontecimentos, situações, manifestações e detalhes que fazem parte do dia-a-dia. A

Análise Institucional será nosso alimento para suporte durante a caminhada e, claro, vamos estar

atentos, olhar para a bússola, não deixar escapar nenhum Analisador, sem deixar de beber água para hidratar a nossa implicação que não pode secar e transformar-se em sobreimplicação... Iniciaremos relembrando um pouco da história da Saúde Coletiva, seus antecedentes, o processo de criação da ABRASCO e a institucionalização do SUS. A criação das Equipes de Saúde da Família como estratégia de política nacional de saúde e a inclusão das equipes de saúde bucal. A partir de então, o

“Brasil Sorridente” abre espaço para a reabilitação dos pacientes mutilados dentais e é aqui que

começo a interagir com a história, quando passo a ser responsável por um serviço de prótese que dialoga com as vidas de usuários edêntulos e, para tanto, impossível não estar implicado. Implicados todos estamos! Vou ouvir as falas, perceber os sentimentos e compartilhar um pouco das estórias contadas por estes sujeitos nas entrevistas, a fim de montar suas patografias. Finalmente, discutir os achados e tentar realizar uma síntese, uma análise que nos encaminhe para pensamentos, reflexões,

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Antecedentes Históricos da Saúde: das “Explicações Religiosas” à Saúde Coletiva

no Brasil

Há muito tempo o homem vem se preocupando em buscar explicações sobre o adoecimento e a cura. Em cada época da história da humanidade diferentes significados foram dados para o processo saúde-doença.

Na era religiosa na qual não havia sido criada a escrita, em geral, o homem vivia em tribos nômades. A doença estava relacionada a um poder maior, uma desarmonia com a ordem cósmica e os tratamentos consistiam em rituais de feitiçaria e exorcismo. Arqueólogos desenterraram crânios humanos que haviam sido perfurados por curandeiros a fim de que os males deixassem o corpo do paciente. Os chás, ervas, infusões e outros métodos empíricos eram utilizados para o tratamento das enfermidades. (Oliveira e Egry, 20001; Giudice, 20082; Fadel e Saliba, 20103).

Com o desenvolvimento das cidades, surgiram o comércio, a escrita, as artes, a arquitetura, a pintura e surgiram os grandes pensadores. A doença passa então a ser considerada como fruto do desequilíbrio entre os quatro elementos chamados de humores – terra, água, ar e fogo. (Oliveira e Egry, 20001; Fadel e Saliba, 20103).

Especificamente no Brasil e em relação à saúde bucal, índios e negros no período colonial valiam-se de seus conhecimentos para enfrentar dores e sofrimentos de origem dentária. As práticas baseavam-se em ritos que incluíam rezas, ervas e procedimentos com instrumentos rudimentares. (Narvai e Frazão, 2008)4

Foucault (1984 p.82)5 afirmou que “desde o final do século XVI e começo do século XVII todas

as nações do mundo europeu se preocuparam com o estado de saúde de sua população em um clima político, econômico e científico característico do período dominado pelo mercantilismo”.

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Fadel e Saliba (2010)3, afirmam que caminhando um pouco mais pela história encontramos a

Medicina Moderna que era revestida, por um lado, de um caráter religioso, onde havia necessidade da interferência divina para os processos de cura e adoecer, e, por outro, pelo pensamento científico, embasado pelo conhecimento da anatomia humana.

Para Foucault (1984)5, a Medicina Moderna era uma medicina social, individualista e que

valorizava as relações médico-doente. Com o desenvolvimento do capitalismo em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou-se o corpo enquanto força de produção e de trabalho.

Com a busca incessante por explicações para o processo saúde-doença foi ocorrendo o desenvolvimento da Biologia, da Microbiologia e consequentemente a descoberta dos micro-organismos causadores de doenças, já na metade do século XIX, “quando se consolida a crença no modelo de racionalidade científica como único caminho para a obtenção da verdade”. (Fadel e Saliba, 2010, p.522)3.

A partir da época da Revolução Industrial na Inglaterra e com o desenvolvimento das estruturas urbanas ocorridas na França é que surge a Medicina Social, que associa as condições de trabalho, de moradia, de alimentação, de acesso aos bens e serviços, incluindo saúde, lazer e participação política, às estratégias para transformação da realidade em saúde. (Foucault, 19845;

Fadel e Saliba, 2010)3

Da Medicina Primitiva ou Era Religiosa, passando pela Era Hipocrática, Medicina Moderna, Era Bacteriológica, até a Medicina Social, houve transformações que geraram impacto sobre as populações. O “saber” produzido pela medicina ao longo do tempo trouxe progressivo conhecimento do corpo e das enfermidades e conseguiu desenvolver intervenções capazes de controlar os danos, aliviar o sofrimento, a dor e prolongar a vida, mas esta forma limitada de prática em saúde já vem sendo questionada há alguns anos. Para alguns, o modelo biomédico fracassou. O cuidado passou a adquirir outros significados devido ao processo saúde-doença não estar reduzido ao biológico. (Campos, 20036; Giudice, 2008)2

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Um novo paradigma ao longo das décadas de 1970 e 1980 evidencia a associação entre condições de vida e saúde que deixou de ser compreendida como mera ausência de doença, mas como resultante de um conjunto de fatores individuais e coletivos, históricos, sociais, econômicos, étnicos, religiosos, culturais psicológicos, laborais, biológicos, ambientais, entre outros. (Fadel e Saliba, 2010)3. Esta pesquisa vai abordar este tipo de explicação para as questões que envolvem a

Saúde Bucal.

Oliveira e Egry (2000)1, concordam que outras dimensões foram relacionadas às doenças que

passaram a ser compreendidas como multicausais e, portanto, surgiu a necessidade de se valorizar a gênese dos múltiplos fatores inter-relacionados em redes de causalidade, passando pelo bem-estar individual, pela percepção individual sobre a saúde e resgatando a subjetividade, quer seja do próprio sujeito ou da coletividade.

Neste contexto surge a Saúde Coletiva, instituída no Brasil na década de 1970, no âmbito do movimento da Reforma Sanitária, que procurou articular os diferentes campos de atenção à saúde. Aos poucos o termo “Saúde Coletiva” começou a ser utilizado para designar reuniões, eventos, cursos, departamentos, núcleos e institutos de pesquisa, culminando com a fundação da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), em 1979. (L'Abbate, 2013)7

Cecília Donnangelo (1983)8 definiu Saúde Coletiva como “um conjunto de tendências de ampliação e recomposição do espaço de intervenção ou do campo de saber e prática e constatou que assim surgiu uma produção acadêmica diferente, principalmente pela utilização do instrumental das Ciências Sociais”. (Donnangelo, 1983, p.19)8

L`Abbate na Introdução do livro “Análise Institucional & Saúde Coletiva” (2013)7, afirma que este artigo de Donnangelo e a criação da ABRASCO constituem a Institucionalização Fundadora

da Saúde Coletiva (grifo original da autora) o que trouxe um caráter inovador/instituinte ao modo de

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1.2 O SUS criado em 1988, o Programa da Saúde da Família em 1994 e a Saúde Bucal

incluída apenas em 2000...

Segundo Fonsêca e Junqueira (2014)9, a Reforma sanitária constituiu-se em um intenso

movimento político que mobilizou a sociedade brasileira em prol da construção da consciência sanitária e, em consequência das lutas empreendidas, o direito à saúde foi garantido na Nova Constituição de 1988. As reivindicações iniciaram na primeira metade dos anos 1970, quando estava em curso um processo crescente de privatização das ações e serviços de saúde. A partir de então, com o delineamento do Sistema Único de Saúde, SUS, foi possível articular diferentes segmentos sociais em torno de um conjunto de proposições sintetizadas na consigna “pela democratização da saúde e da sociedade” e que alcançou a unificação do sistema, a descentralização das ações (de maneira que os municípios pudessem tomar decisões em nível local), a universalização do acesso e o controle popular.

Assim, vivemos um período de concretização da Carta Magna de 1988, onde foi concedido um novo “status” constitucional aos municípios (único país do mundo a fazer isto) que, juntamente com os estados, tornaram-se unidades constituintes autônomas da federação.

Estas proposições tiveram na Oitava Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada em Brasília/DF em março de 1986, um momento privilegiado de discussões e pactuações políticas e suas principais deliberações foram acolhidas de forma favorável entre os parlamentares da Assembleia Nacional Constituinte, de tal modo que quando foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, instituiu em seu Título VIII da Ordem Social: (a) Saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196); (b) Criação de um Sistema Único de Saúde – SUS (art. 198) (grifo meu); (c) Gestão descentralizada com comando em cada esfera de governo (art. 198); (d) Integralidade das ações com prioridade para as medidas preventivas (art. 198) e (e) Participação da comunidade nas decisões relativas à saúde (art. 198). Posteriormente, em 1990, as leis federais 8080 e 8142 viriam a regulamentar esses preceitos constitucionais.

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O Programa de Saúde da Família (PSF), concebido e implantado em 1994, é a estratégia que o Ministério da Saúde utiliza para reorientar o modelo assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da Atenção Básica. Para o Ministério da Saúde a Equipe de Saúde da Família (ESF) é a principal ferramenta para fortalecer a Atenção Básica brasileira. Esta estratégia foi iniciada em junho de 1991, com a incorporação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e em 1994 foram formadas as primeiras equipes de saúde da família.

Calado (2002)10 afirma que o PSF foi uma resposta do Ministério da Saúde à crise vivenciada

pelo setor saúde nas duas últimas e anteriores décadas.

Segundo o Ministério da Saúde, uma unidade de saúde da família se destina a “realizar atenção contínua nas especialidades básicas, com uma equipe multiprofissional habilitada para desenvolver as atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde, características do nível primário de atenção” (Brasil, 2006)11.

Sabe-se que as unidades básicas deveriam ser capazes de resolver a maior parte dos problemas de saúde de suas comunidades, prestando atendimento de qualidade, evitando internações desnecessárias e melhorando a qualidade de vida da população. Assim, este nível de atenção representa a principal “porta de entrada”, o primeiro contato com os serviços de saúde e deve organizar-se através de referências e contra referências para os demais níveis do sistema (Brasil, 200412; Brasil, 2006)11 mas, nesta pesquisa, discutiremos algumas das dificuldades diante

destas diretrizes, ainda bem distantes de serem atingidas, devido à crise pela qual passa o SUS no atual contexto.

A legislação afirma que o Programa de Saúde da Família deve eleger a família como núcleo social alvo em um território definido e agregar os princípios de responsabilidade social, interdisciplinaridade e intersetorialidade, além da vigilância em saúde. Já a Atenção Básica deve ser um serviço de alta qualidade e resolubilidade, deve valorizar a promoção e a proteção da saúde e,

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por fim, deve fazer parte de um sistema hierarquizado para que os objetivos do Programa de Saúde da Família possam ser cumpridos. (Brasil, 2004)12

A Saúde Bucal só foi inserida neste modelo após a divulgação da Portaria 1.444 de 28/12/2000. Desde então, passados 12 anos da “criação” do SUS, observa-se um imenso descompasso em relação à inserção da Saúde Bucal neste sistema. Apenas a partir de 2000 (Portaria n. 267 de 06/03/2001) houve aprovação e incentivo financeiro à Saúde Bucal, vinculado à criação de Equipes de Saúde Bucal (ESB) junto ao Programa de Saúde da Família (PSF), criado em 1994. (Brasil, 2000)13

Frazão e Narvai (2009, p.64)14 afirmam que “desde a criação do SUS, em 1988, a inserção da

saúde bucal foi marcada por conflitos e contradições expressando os diferentes projetos em disputa na sociedade brasileira”. Até então só existiam programas odontológicos centralizados e verticais voltados à escolares e trabalhadores inscritos na previdência social.

Fonsêca e Junqueira (2014)9, concordam e afirmam que durante um grande período a saúde

bucal estabelecida no serviço público, caracterizou-se por procedimentos prestados de maneira assistemática, com livre demanda e marcado por técnicas mutiladoras, baseadas na queixa-conduta.

No documento que definiu as bases do Programa de Saúde da Família consta que, em oposição ao modelo tradicional, centrado na doença e no hospital, haveria prioridade as ações de promoção e proteção à saúde dos indivíduos, tanto adultos quanto às crianças ou idosos, sadios ou doentes, de forma integral, conforme dito por Baldani, Fadel, Possamai e Queiroz em 200516.

Em 2006 o PSF deixou de ser um Programa e credenciou-se como Estratégia de Saúde da Família (ESF) através da Portaria n.648, de 28 de março de 2006. A ideia foi transformar o PSF numa estratégia permanente e contínua, uma vez que programa possui tempo determinado.

Assim, a ESF é uma estratégia de reorientação do modelo assistencial em saúde a partir da atenção básica, com proposta de mudança do modelo centrado no médico e no hospital para um

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modelo focado na integralidade da assistência, onde o usuário está inserido dentro da sua comunidade socioeconômica e cultural estabelecendo o reconhecimento da saúde como direito de cidadania, evidenciado pela melhoria das condições de vida através de serviços mais resolutivos, integrais e humanizados.

Ferraz e Leite (2016)17 definem o PSF como Estratégia de Saúde da Família (ESF), pois a

terminologia do programa aponta para uma atividade com início, desenvolvimento e término. A ESF reorganiza a Atenção Básica e conta com atividades programáticas e com avaliações periódicas.

Ainda segundo estas autoras, a ESF apontou para mudança no foco da atenção, que passou a ter a família como centro, assistida (quando necessário) em seu espaço social (área adscrita), com suas singularidades, por uma equipe multiprofissional, visando práticas mais resolutivas e integrativas, tendo a epidemiologia como eixo estruturante das ações.

O fato da Odontologia não estar incluída neste primeiro momento, aparece como um contrassenso, afirmam Ferraz e Leite (2016)17, pois ações de prevenção, promoção, tratamento e

reabilitação em saúde devem incluir saúde bucal, uma vez que esta última faz parte da saúde como um todo e não deve ser fragmentada dos demais serviços.

É pertinente ressaltar que desde a Primeira Conferência Nacional de Saúde Bucal (CNSB), em 1986, já houve a proposta de inserção da saúde bucal no SUS, por meio de um “Programa Nacional de Saúde Bucal”, embora não tenha sido acatada pelos governos que a sucederam. (Narvai e Frazão, 2008)4

Na Segunda Conferência Nacional de Saúde Bucal, realizada em 1993, aprovou-se diretrizes e estratégias políticas no país, reconhecendo saúde bucal como direito à cidadania (grifo do autor) e indicou-se um novo modelo de atenção e de recursos humanos necessários para garantia da universalidade de acesso e equidade da assistência odontológica. (Narvai e Frazão, 2008)4

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Passados sete anos entre a primeira e a segunda CNSB – 1986 e 1993, mais sete anos se passaram e uma nova perspectiva para a Política Nacional de Saúde Bucal foi aberta em 2000, com a edição da Portaria 1444 de 28/12/2000, pelo Ministério da Saúde, estabelecendo incentivo financeiro para a reorganização da atenção à saúde bucal. (Calado, 2002)10

Hoje a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) define a saúde bucal como uma das áreas estratégicas para operacionalização da Atenção Básica em todo território nacional. Além disso, a PNAB estabelece competências entre os entes federados, modalidades de financiamento, atribuições dos profissionais da estratégia, dentre eles os da saúde bucal, e dessa forma cria condições para a consolidação da saúde bucal na ESF.

O Ministério da Saúde traça diretrizes para que a ESB siga os princípios e normatizações do SUS com a finalidade de buscar um acesso maior da população às ações de saúde bucal, integrando a rede de serviços e estabelecendo um sistema de referência e contra referência que aumente a resolutividade e permita o acompanhamento do usuário. A substituição das práticas tradicionais serão conseguidas na medida em que sigam as características preconizadas pela ESF, que são: adscrição da clientela, assistência integral, conexão com o atendimento de média e alta complexidade, priorização da família como eixo central do atendimento, humanização, atendimento multidisciplinar, desenvolvimento de ações preventivas e de promoção da saúde, participação e controle social, educação permanente e continuada, ações de planejamento, avaliação e acompanhamento permanente das equipes. Além disto tudo, o planejamento deve ser feito na lógica de planejamento estratégico, permitindo priorização dos casos e organização dos atendimentos clínicos. (Brasil, 2000)

Viana, Martelli e Pimentel (2011)18 acreditam que durante todo este período houve

crescimento exponencial de implantação das ESB nas ESF, mas pouco se tem feito para monitorar este aumento. Além disto, deve-se atentar para a realidade brasileira que enfrenta a presença de forte exclusão social, tendo em vista que as medidas econômicas e políticas sociais implantadas ainda não

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diminuem as iniquidades de grande parcela da população brasileira, como por exemplo, no nosso caso, a questão do edentulismo1 e sua influência na bucalidade2 e subjetividade das pessoas.

1 Edentulismo: ausência de dente (s)

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CAPÍTULO I: Trajetória Profissional da autora e suas implicações

Implicação diz respeito às relações de ordem afetiva, existencial e profissional de um sujeito para com as instituições nas quais está inserido. Relações que comportam diferentes níveis de proximidade, amizade, parcerias, ideologias, gerando diferentes tipos de compromissos. A implicação é o nosso envolvimento, às vezes até mesmo inconsciente, com tudo que fazemos.

René Lourau afirma que a palavra implicação tende há alguns anos, a ser usada como sinônimo de outras palavras tais como compromisso, participação, investimento e motivação (2004 p.246)19. Afirma ainda que “constituem juízos de valor sobre nós mesmos e sobre os demais,

destinados a medir o grau de ativismo a uma tarefa ou instituição e a quantidade de tempo/ dinheiro que lhe dedicamos, bem como a carga afetiva investida” (2004 p.187)19.

Assim, Lourau define implicação como a relação que o pesquisador mantém com seu objeto de pesquisa e/ou de intervenção. A relação do homem com sua vida e a sociedade onde vive, “o sujeito no coração do jogo social e político”, em qualquer posição que ele ocupe, deve tentar compreender os processos que o envolvem.

Guillier e Samson (1997, p. 19)20 afirmam que implicações dizem respeito aos vínculos

existentes no passado que se atualizam no presente, tendo em vista os novos contextos, e “constituem agenciamentos provisórios formando a transversalidade de uma forma social”.

Lourau, apud L’Abbate 20137, p. 47, reafirma que implicação é:

(...) o conjunto de relações que o intelectual recusa, conscientemente ou não de analisar na sua prática, quer se trate de relações com seus objetos de estudo, com a instituição cultural, com seu meio familiar, bem como a outras dimensões, como o dinheiro, o poder, a libido, e em geral com a sociedade da qual ele faz parte.

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Monceau (2008, p.22)21 afirma que a implicação existe mesmo que não a desejemos. A

questão não é a quantidade da implicação, mas a intensidade com a qual ela opera nos sujeitos.

Trata-se, pois, de analisar mais o modo de implicação do que sua existência, ou quantidade de implicação, já que ela não pode ser medida em peso. (...) Trata-se de compreender nossa modalidade de relação com a instituição porque esta implicação tem efeito mesmo que nós não saibamos.

O conceito de Implicação foi introduzido na Análise Institucional3 como um dos elementos indispensáveis de um projeto teórico metodológico, tanto de investigação como de intervenção (Lourau, 2014)22. A ideologia que hoje se pode denominar “implicacionista” já existia há algum tempo, mas a palavra “ implicação” em nada tinha a ver com o antigo conceito. A palavra “implicação” foi utilizada por incorporar conceitos freudianos de transferência e contratransferência às situações coletivas.

A noção de implicação, para Lourau, constitui-se no “escândalo da Análise Institucional3”, por colocar em xeque o lugar dos chamados “especialistas”, por seu caráter desestabilizador e desnaturalizador de lugares confortáveis e ocupados de maneira acrítica.

Georges Lapassade e René Lourau (1972)23 em Chaves da Sociologia, definiram os traços

preliminares da noção de implicação. Mas, somente a partir de 1973, esse conceito foi se tornando mais explícito em suas publicações. Na perspectiva de construir um novo campo de coerência, onde a pesquisa não se separa da intervenção e onde o campo de intervenção inclui o pesquisador e o objeto de sua pesquisa.

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De acordo com L’Abbate, 20137, Lourau, ao longo de toda sua obra, interroga as implicações,

visto que a implicação denuncia aquilo que a instituição deflagra em nós: valores, interesses, expectativas, desejos, crenças, entre outros que estão imbricados em nossa personalidade.

Coimbra e Nascimento (2008, p. 145)24 concluíram que a análise da implicação traz para o

campo da investigação, sentimentos, percepções, ações, acontecimentos. Portanto, entendem que “implicado sempre se está, visto não ser a implicação uma questão de vontade, de decisão consciente, de ato voluntário. Ela está no mundo, pois é uma relação que sempre estabelecemos com as instituições com as quais nos encontramos, que nos constituem e nos atravessam.” Assim, o pesquisador implicado analisa o lugar que ocupa na sociedade, na divisão social do trabalho, nas relações sociais em geral e não apenas no âmbito da intervenção/ pesquisa que está realizando.”

Para Barbier (1985)25 há três dimensões na abordagem do conceito de implicação:

psicoafetiva, histórica- existencial e estrutural- profissional. O mesmo autor (p.108) afirma que “o pesquisador logo se defronta com sua implicação psicoafetiva pois, na pesquisa-ação o objeto da investigação sempre questiona os fundamentos da personalidade profunda.”

A dimensão psicoafetiva é a que mais me toca, embora tal característica possa me levar à sobreimplicação, termo criado por Lourau (2004, p. 191)19, para quem:

A sobreimplicação e o ativismo, uma vez analisados, apresentam aspectos extremamente passivos: submissão a ordens explícitas ou a consignas implícitas da nova ordem econômica e social, ávida por preencher as grandes brechas produzidas tanto pela desafetação quanto pela institucionalização. (...) também interfere na análise da implicação quando isolamos um dos campos de análise, psicologizando-o.

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Do ponto de vista da AI, a sobreimplicação não só produz sobretrabalho, mas estresse, doença e até morte. Ainda segundo Lourau (2004, p.195)19, “a morte por sobretrabalho não deveria

espantar os pesquisadores sobreimplicados no trabalho do conceito de implicação!”

Mas a dimensão afetiva da qual falávamos, se articula com os aspectos ideológicos e profissionais, pois sempre tive um desejo intenso de (re) pensar minha prática profissional diária como dentista, atuando há 26 anos no Sistema Único de Saúde (SUS), 19 deles na Secretaria Municipal de Saúde de Campinas/SP. Ao longo deste tempo, tenho buscado parcerias, interlocuções, relações, caminhos... Tenho tentado refletir sobre minha implicação e sobreimplicação, problematizando sobre o modo como venho atuando, tentando entender como e onde quero chegar. É fundamental que eu possa realizar esta análise para entender as forças que atravessam meu trabalho, para que eu possa compreender como tem se dado minha atuação no SUS e como tenho realizado a odontologia na qual fui formada.... Questiono se minha formação é coincidente à minha atuação, ou não, e por quê?

Para Coimbra e Nascimento (2008, p.147)24 é fundamental que possamos empreender uma

análise constante e cotidiana dos lugares por nós ocupados e das forças que nos atravessam e nos afetam em diferentes momentos. Estas autoras consideram a análise de implicação:

(...) é um dispositivo, é sempre micropolítica, é sempre um colocar em análise nossos modos de existência que, segundo Espinoza e Nietzsche, devem ser pensados a partir de critérios imanentes, sem nenhum apelo a valores transcendentais. Assim, a análise das implicações por ser micropolítica encontra-se no plano da imanência, no plano dos encontros onde se produzem as enunciações, onde se presentificam o “fazer ver e o fazer falar”. Ou seja, utilizar a análise de implicações é tornar visível e audível as forças que nos atravessam, nos afetam e nos constituem cotidianamente.

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Monceau (2010)26, afirma ser possível tentar transformar uma instituição desde que estejamos

dentro dela, analisando os atos cotidianos, seus dispositivos e relações. Ainda segundo este autor, a proposta de intervir em uma instituição é que se trabalhe a partir do que nos liga a ela, ou seja, nossa implicação. A análise possível é circunstancial e provisória, portanto, nesta abordagem, “o pesquisador ocupa um lugar privilegiado para analisar as relações de poder, inclusive as que o perpassam”, conforme dito por Romagnoli, (2014, p.46)27.

Atualmente sou cirurgiã dentista atuando no Serviço de Prótese no SUS/Campinas e também sou docente da faculdade de Odontologia da PUC-Campinas, onde me formei, em 1990. Percebo grandes diferenças em relação ao tempo de minha graduação. A formação de profissionais dentistas depois da criação do SUS passou a envolver outras disciplinas, a ter outro enfoque, outras diretrizes, outras atribuições, mais coerentes com a realidade nacional. O Currículo está bem diferente! O fracasso do modelo biomédico, vigente até então, necessitava de mudanças nas políticas públicas, com transformações na formação do profissional e no processo de trabalho na saúde (Ferraz e Leite, 2016)17.

Conforme consta no Relatório da primeira Conferência Nacional de Saúde Bucal, em 1986, ano que ingressei no curso de Odontologia, o modelo de prática profissional só era capaz de cobrir 5% da população, sendo adjetivado como ineficaz, ineficiente, monopolizador, de alto custo, baseado em altas tecnologias, elitista, iatrogênico e mutilador.

Nas últimas décadas ocorreram mudanças não só curriculares nas escolas e universidades, como também nos quadros políticos, sociais e econômicos em nosso país. Avançamos muito, mas o passado de exclusão social e racial, além da distribuição de renda e dificuldade de acesso a bens e serviços essenciais, incluindo aqui a saúde, ainda são insuficientes para toda população.

Ferraz e Leite (2016, p. 303)17 afirmam que “o grande avanço e, ao mesmo tempo, o desafio

(grifo meu) da Saúde Pública no Brasil foi a sua reestruturação com a criação do SUS na Constituição Federal de 1988. Em 1986, quando iniciei a Faculdade de Odontologia, ainda não possuíamos a atual

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Constituição e hoje me encontro exercendo a profissão, na maior parte do tempo, neste Sistema de Saúde que não existia na época.

O profissional dentista era preparado para trabalhar num modelo que privilegiava o tratamento de doenças dentárias, de forma autônoma, sem experiência com o trabalho em equipe, intimamente ligado ao tecnicismo e atrelado aos procedimentos básicos individuais. (Fonsêca e Junqueira, 2014)9.

Mas, apesar de constatarmos os avanços trazidos pelo SUS, a população ainda continua marcada por iniquidades e pela desigualdade e sinto que tenho compromisso ético em interrogar as diferentes variáveis que envolvem meu trabalho e a situação vivenciada pelos usuários que atendo no serviço público. Assim, parti deste desafio para realizar os questionamentos em torno da minha implicação e, consequentemente, da minha atuação e como isto tudo se reflete no Serviço e nos usuários que atendo.

Foi por isto que, após a graduação em Odontologia busquei uma especialização no curso de Saúde Pública, realizado no Depto de Medicina Preventiva e Social, atual Depto de Saúde Coletiva, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), em 2001, e posteriormente, o Mestrado no Departamento da Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), em 2007, ambas faculdades pertencentes à Unicamp. Procurava entender melhor o SUS que era tão recente e novo para mim.

Após minha formatura, em 1990, prestei diversos concursos públicos que eram as opções de emprego viáveis para mim naquela época.... Fui aprovada e comecei a trabalhar na Secretaria Municipal da Saúde do município de Indaiatuba. Atendia apenas às crianças de uma escola pública, para a qual eu havia sido designada. Basicamente restaurava e extraía dentinhos de leite e, algumas vezes já me deparava com elementos (dentes) permanentes destruídos pela doença cárie. Lá permaneci até passar em outro concurso que me trouxesse para mais perto de minha casa, pois residia em Campinas. Ingressei no Serviço Social da Indústria (SESI) e também permaneci neste emprego até passar em outro concurso para dentista, onde estou até hoje, na prefeitura de Campinas.

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Trabalhei em vários Centros de Saúde, vivenciei diversos tipos de serviços, conheci profissionais de diversas carreiras... Após 10 anos, prestei um processo seletivo interno e fui selecionada para atuar no Centro de Educação do Trabalhador da Saúde (CETS), acreditando que iria colaborar na formação de técnicos e/ou auxiliares de saúde bucal, mas logo percebi que era um cargo bem político, no qual fazíamos o apoio ou “Função Meio” entre gestores e funcionários, o que me gerou muita frustração. Em 2006, quando recebi o convite para ser referência do Serviço de Prótese do Distrito Leste, não hesitei em voltar para assistência, e, desde então, venho prestando cuidado aos pacientes edentados4 Estes usuários/sujeitos procuram o serviço de prótese por diversos

motivos e de diversas maneiras, cheios de expectativas e, durante o processo de confecção das próteses (tempo estimado de 05 sessões que podem durar até 06 meses), deixam transparecer emoções e sentimentos que me tocaram. Passei a tentar compreender o sentido que as pessoas dão aos diferentes aspectos de sua realidade existencial, partindo do pressuposto de que estes indivíduos processam diferentes significações acerca das dimensões de suas vidas e de acordo com as experiências pessoais e os contextos específicos nos quais estão inseridos.

Dessas vivências, surgiu a vontade de investigar esta temática, através de um doutorado em Saúde Coletiva. Este Doutorado se relaciona a outro projeto do qual participei denominado “Inovação na Produção do Cuidado em Saúde Bucal: Possibilidades de uma Nova Abordagem na Clínica Odontológica para o SUS”5, coordenado pelo Prof. Dr. Carlos Botazzo da Faculdade de Saúde

Pública da USP, que conhecia através dos livros e artigos e que muito me interessavam, sobretudo o conceito de Bucalidade por ele desenvolvido. Era como se falássemos a mesma linguagem, dividíssemos as mesmas ansiedades e desejássemos a mesma odontologia, que era bem diferente daquela para qual fomos formados e que não contribuía para solucionar os problemas de saúde bucal da população.

4 Pacientes Edentados: pacientes desprovidos de dentes

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Este projeto incluía a USP, campus de São Paulo e campus de Ribeirão Preto, além da Universidade de Pernambuco, em Recife e a cidade de Campinas, na qual fui pesquisadora juntamente com a Profª. Dra. Luciane Maria Pezzato que fez a supervisão institucional. Foi um projeto audacioso, singular, que buscava inovar/renovar a tradicional odontologia com novos conceitos e fundamentos. Voltaremos a falar sobre ele mais adiante.

Caminhei na profissão dentro dos parâmetros nos quais fui formada, mas sempre buscando alternativas, porque sentia que a academia não tinha me preparado efetivamente para lidar com as adversidades que atingem as pessoas e os cotidianos do serviço público que foi meu primeiro emprego, pois não tinha condições financeiras para montar um consultório particular.

Tive contato com a Análise Institucional (AI) pela primeira vez quando era técnica do Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde (CETS), na Prefeitura Municipal de Campinas, em 2004, e fui realizar na Unicamp, como aluna especial, uma Disciplina coordenada pela Professora Doutora Solange L'Abbate que, posteriormente, tornou-se a orientadora deste doutorado. Desde então, a AI passou a ser um instrumento relevante para minhas reflexões e análises do ponto de vista da investigação, esclarecimento de dúvidas, anseios e questões em torno da Saúde Coletiva e do modo como atuo profissionalmente e sentimentalmente em meu trabalho no SUS.

Atualmente faço parte do Diretório de Pesquisa do CNPq “Análise Institucional & Saúde Coletiva”, coordenado pela minha orientadora, do qual participam colegas da Pós-Graduação em Saúde Coletiva, professores de outras universidades, bem como profissionais de algumas Secretarias Municipais de Saúde. Análise Institucional e Práticas de Saúde constitui uma das linhas de pesquisa da área de concentração em Ciências Sociais do curso de pós-graduação em Saúde Coletiva do Depto de mesmo nome da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

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Na minha prática, venho buscando possibilidades de introduzir uma clínica ampliada (Campos, 2000)29 de saúde bucal na Atenção Básica6, na perspectiva da integralidade e investigando os modos

como socialmente está instituído o Serviço de Prótese, do qual sou responsável técnica no Distrito Leste7, além de procurar compreender os sentimentos dos usuários que se utilizam e utilizaram deste

serviço.

Barbara Starfield (2002)30 considera a Atenção Básica a porta de entrada do indivíduo para o

sistema de serviços de saúde, e tem o princípio central da longitudinalidade como característica desse nível assistencial. Isto significa que o profissional deve estabelecer um vínculo com o paciente/usuário e deve manter a continuidade do cuidado, responsabilizando-se por ele.

Embora a saúde seja um direito constitucional, ao olhar para meu cotidiano, minhas atividades no Serviço de Prótese, facilmente percebo contradição entre esta conquista estabelecida legalmente e a realidade de crise vivenciada pelos usuários e por nós, profissionais do SUS. Entre vários aspectos, chama a atenção o princípio da Universalidade, garantia de acesso a todos e dever do Estado, que deveria permitir que qualquer cidadão que necessitasse dos serviços de saúde pudesse ser atendido e que os profissionais tivessem condições adequadas para o trabalho, mas a realidade é outra bem diferente.

A complexidade do processo saúde-doença deve ser amplamente compreendida para que se possa ter um entendimento sobre as políticas públicas, da qual a saúde bucal faz parte. Estas

6 No Brasil foi adotada a designação de Atenção Básica, para contrapor-se à perspectiva assumida por

muitos países e organismos internacionais que entendem a Atenção Primária como conjunto de ações de baixa complexidade, dedicada às populações de baixa renda. A designação tomada pelo governo brasileiro objetiva, portanto, contrapor-se à proposta político-ideológica de atenção primária, e buscar resgatar o caráter universalista da Declaração de Alma Ata, reorientando o modelo assistencial para um sistema universal e integrado de atenção à saúde, que englobe diversos setores, sem fins lucrativos. (Oliveira e Pereira, 2013)

7 Campinas divide-se administrativamente em 5 distritos/regiões, a saber: Leste, Norte, Sul, Sudoeste e

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políticas devem atender e garantir o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida da nossa população e é isto que venho buscando e a Saúde Coletiva vem discutindo.

Mas, apesar dos avanços tecnológicos e científicos na área da Saúde Bucal no Brasil, não se pode deixar de mencionar que não há melhorias efetivas nos indicadores populacionais das doenças bucais mais prevalentes. Conforme dito por Kovaleski, Freitas e Botazzo (2006, p.98)31:” Até aqui,

pode-se dizer que – coletivamente – fracassou”, referindo-se a Odontologia atual.

Fonsêca e Junqueira (2014 p.41 e 42)9, concordam com Kovaleski, Freitas e Botazzo (2006)31

e acrescentam:

Apesar do aumento no número de procedimentos restauradores e da melhoria do acesso da população brasileira aos procedimentos de média complexidade alcançados com a PNSB, o que vem gerando melhorias epidemiológicas importantes, ainda há o aprisionamento ao modelo de atenção e de trabalho clínico do setor privado, com a mera reprodução dessa lógica no SUS. Os principais pontos a serem discutidos nesse aspecto dizem respeito ao modo como é organizada a consulta odontológica, a presença tímida ou a inexistência de pessoal auxiliar e as tecnologias de cuidado que se refletem na baixa cobertura, odonto-centramento e acentuada tecnificação. Ao manter o uso da odontotécnica em detrimento das tecnologias de cuidado em saúde bucal, reduz-se a grandiosidade da ESF, ou seja, conserva-se antigas concepções com uma nova roupagem.

Sem dúvidas que este incômodo das autoras também é de diversos profissionais e aqui me incluo. A ausência de articulação entre graduação e campo de atuação impossibilita a consolidação de um trabalho ético, capaz de realizar cuidado e promover saúde.

Onocko Campos (2005)32 afirma que muitas vezes as pessoas se interessam por estudar

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necessariamente é ruim. Mas há de se compreender que as numerosas variáveis que envolvem o processo nem sempre são mensuráveis e, portanto, necessitam de um estudo qualitativo e não na forma mais usual, quantitativa, envolvendo estatísticas, expressões numéricas de índices, coeficientes e padrões e será desta forma que vamos conduzir esta pesquisa.

A partir de 2007, passei a ser referência do Serviço de Prótese, substituindo uma colega que havia sido convidada para ser coordenadora de uma Unidade Básica de Saúde. Encontrei-o bem desestruturado, porque o laboratório que prestava serviço estava se desligando devido a problemas técnicos operacionais: além da qualidade ser ruim, havia trocas e atrasos nas entregas dos serviços. Passamos cerca de quatro meses aguardando uma nova licitação que foi vencida por um pequeno laboratório de um município vizinho (Jaguariúna/SP). No momento de renovação de contrato, o laboratório deixou de preencher algum critério burocrático que o fez perder a licitação para outro laboratório, em Curitiba (Paraná). Desde então, os cinco profissionais que fazem parte do serviço de prótese do município de Campinas, cada qual em seu respectivo distrito, vêm tendo graves problemas o que gerou movimentos instituintes8 diversos em busca de soluções e que,

posteriormente serão discutidos. Estas discussões vão permear o decorrer de todo nosso trabalho.

8Instituintes provém do conceito de Instituição proposto por René Lourau no desenvolvimento da AI, o

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CAPÍTULO II: A Clínica do Cuidado: Subjetividade e Bucalidade

Sempre realizei uma clínica um pouco diferente daquela que me foi ensinada na graduação. Academicamente aprendemos que primeiro se realiza a anamnese, depois preenchemos a ficha clínica, depois realizamos o exame clínico e finalmente o tratamento dos dentes e estruturas adjacentes. As disciplinas que compõem o curso de formação em odontologia fornecem referências necessárias (Anatomia, Fisiologia, Patologia...) para compreensão da doença, voltadas para a clínica dos cirurgiões dentistas. Mas as novas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação da Área da Saúde já vêm apontando para outras necessidades, a fim de iniciar algumas mudanças na formação da prática hegemônica tecnicista dos profissionais., propondo uma maior aproximação às necessidades da população.

No SUS, segundo Barros e Botazzo (2011)33, a rotina clínica ainda permanece assim, (...)

“centrada no tratamento efetuado como linha de produção: o dentista recebe os usuários com cavitações e raízes residuais e os libera com restaurações e suturas. Curetam-se cavidades e restauram-se dentes. Os usuários entram mudos e saem calados ”. Mas, minha trajetória profissional e implicação me tornavam “diferente” de outros profissionais dentistas formados nesta linha hegemônica. Gostava e ainda gosto de conversar com os pacientes antes de qualquer outra atividade, ouvir suas histórias que muitas vezes não parecem (num primeiro momento) estar relacionadas à doença que será tratada, pensar junto com eles que alternativas teríamos além daquelas “padronizadas”, protocolares... Indago a possibilidade de discutir uma clínica como elemento potente de compreensão do adoecimento (da doença) daquela pessoa (paciente) e reflito sobre possibilidades de intervenções além do limite do diagnóstico/terapêutica do caso, bem além dos sinais e sintomas patológicos. Os porquês daquele problema, daquela doença, daquela alteração, sempre me incomodaram. Nunca consegui contar as cáries e simplesmente restaurá-las.... Barros e Botazzo (2011)33 afirmam que a prática profissional tradicional não é suficiente para a

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realização de uma clínica comprometida com a promoção da saúde e a afirmação da vida. Principalmente se pensarmos que saúde e doença não possuem os mesmos sentidos/significados para todos os indivíduos. Scliar (2007)34 afirma que saúde e doença dependem da época, do lugar,

da classe social, de valores individuais, das concepções científicas, religiosas e filosóficas de cada época, conforme visto na Introdução deste trabalho.

O paradigma reducionista das práticas de saúde, inclusive das práticas odontológicas, vem sendo questionado, pois tem demonstrado pouca resolutividade sob as reais necessidades dos problemas de saúde de boa parte da população. Emerge uma necessidade de se propor outros caminhos para se pensar e fazer saúde, afetando nos modos como os serviços estão organizados (Campos, 20036; Luz, 200935; Merhy, 200936).

Segundo Allison, Locker e Feine (1997)37, desde a década de 80, tem sido crescente a

discussão em torno da qualidade de vida relacionada à saúde. Diversos estudos apontam a qualidade de vida como fenômeno dinâmico e complexo, não sendo apenas consequência de indicadores objetivos, mas também contando com aspectos subjetivos, ou seja, qualidade de vida está ligada aos elementos subjetivos e objetivos da vida, das escolhas de cada ser humano.

Várias alterações na saúde bucal têm causado impacto na qualidade de vida de crianças, adolescentes, adultos e idosos. Esta qualidade de vida está relacionada com aspectos de vida cotidiana que podem (ou não) se alterar devido a doenças bucais em termos de frequência, gravidade ou duração, na percepção do indivíduo sobre sua vida em geral. (Bendo et al, 2014)38.

Tem havido uma crescente preocupação em investigar a repercussão de problemas bucais na qualidade de vida das pessoas, relacionando-os às limitações funcionais, bem-estar emocional e bem-estar social.

Barros e Botazzo (2011)33 afirmam que para o cuidado em saúde bucal é necessário que se

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encontros na clínica que conferem sentido à intervenção, seja ela qual for. Um acolhimento, anamnese e escuta bem conduzidos podem ser responsáveis por 85% do diagnóstico na clínica, liberando 10% para o exame físico e apenas 5% para exames complementares.

Guattari, em sua obra “Caosmose” (1992, p.11)39, afirma que a subjetividade é plural e

polifônica e que há pelo menos três tipos de problemas que nos incitam a ampliar a definição de subjetividade de modo a ultrapassar a oposição clássica entre sujeito e sociedade e através disto, rever o modelo do Inconsciente, são eles: “... a irrupção de fatores subjetivos no primeiro plano da atualidade histórica, o desenvolvimento maciço de produções maquínicas de subjetividade e, em último lugar, o recente destaque de aspectos etológicos e ecológicos relativos à subjetividade humana.”

Ainda segundo este autor, os fatores subjetivos sempre tiveram lugar importante ao longo da história, mas, atualmente, estão na iminência de desempenhar papel preponderante desde que foram assumidos pela mídia de alcance mundial. Ele acredita que “as máquinas tecnológicas de informação e comunicação operam no núcleo da subjetividade humana, não apenas no seio das suas memórias, da sua Inteligência, mas também da sua sensibilidade, dos seus afetos, dos seus fantasmas inconscientes.” (Guattari, 1992. p.14)39

Finalmente, este autor acredita que em certos contextos sociais a subjetividade se individua: “uma pessoa, tida como responsável por si mesma, se posiciona em meio a relações de alteridade regidas por usos familiares, costumes locais, leis jurídicas...Em outras condições, a subjetividade se faz coletiva, o que não significa que ela se torne por isso exclusivamente social. ” (Guattari, 1992. p.19 e 20)39.

Para este autor a subjetividade não é fabricada apenas através das fases psicogenéticas da psicanálise ou através do inconsciente, mas também pelas máquinas sociais e pela mídia. Ou seja, de maneira geral cada indivíduo ou cada grupo social veicula seu próprio sistema de modelização da subjetividade.

(35)

Através desta lógica, um acontecimento qualquer que poderia passar despercebido por alguém, pode tornar-se a chave para desencadear um “ritornelo complexo” (terminologia usada pelo autor), que poderá modificar o comportamento imediato do paciente/usuário, abrindo-lhe novos campos de visão.

Simonetti (2016)40, define subjetividade relacionando-a à forma como uma pessoa

experimenta as coisas em sua própria mente e com base em sentimentos ou opiniões ao invés de fatos.

Sabe-se que a estética dental exerce efeito direto sobre a auto estima do indivíduo, principalmente se relacionada à aceitação social. O acometimento dos dentes anteriores por cárie, traumatismo, doença periodontal, ou fluorose severa pode gerar influência na qualidade de vida. O desconforto físico, causado principalmente por dor, e o psicológico, causado pela dificuldade de sorrir, podem afetar diretamente o convívio social (Bendo et al, 2014)38.

Problemas estéticos provocam desconforto, constrangimento ao sorrir e dificuldades de relacionamento, repercutindo no bem-estar físico e emocional da pessoa. Um estudo de coorte na Nova Zelândia, realizado por Lawrence et al, em 200841, concluiu que pacientes edentados relatam

maior dificuldade em pronunciar palavras e alteração de paladar, além de sentirem-se constrangidos, irritados, com dificuldade de relaxar e de realizar suas tarefas diárias.

Portanto, os pacientes necessitam de uma abordagem que vá além do exame físico. Sendo assim, a atenção do cirurgião dentista deve estar voltada para outros problemas que não sejam exclusivamente os problemas bucais mais prevalentes, como cárie e doença periodontal.

Bendo et al (2014)38 afirmam que todo atendimento deve apoiar-se na visão holística, isto é,

olhar o indivíduo como um todo, a fim de que se possa enxergar outros problemas e que estes não passem despercebidos.

(36)

Guattari (1992, p.35)39 propõe um descentramento da questão do sujeito para o da

subjetividade:

O sujeito, tradicionalmente, foi concebido como essência última da individuação, como pura apreensão pré-reflexiva, vazia, do mundo, como foco da sensibilidade, da expressividade, unificador dos estados de consciência. Com a subjetividade (como foi conceituada por Guattari), será dada, antes, ênfase a instância fundadora da intencionalidade. Trata-se de tomar a relação entre o sujeito e o objeto pelo meio, e de fazer passar ao primeiro plano a instância que se exprime. A partir daí se recolocará a questão do Conteúdo. Este participa da subjetividade, dando consistência à qualidade ontológica da Expressão.

Parte-se do pressuposto de que as pessoas processam diferentes significações acerca das diversas dimensões por elas vividas, variando com a experiência pessoal e com o contexto sócio-histórico específico no qual estão inseridas.

Conclui-se que tentar compreender a forma como as pessoas dão sentido aos diferentes aspectos de suas realidades é muito complexo.

Por isto mesmo é que a desconsideração da subjetividade e da experiência de vida do paciente implica numa série de consequências negativas para o relacionamento profissional-paciente, conforme dito por Traverso-Yépez e Morais, 200442.

Desta forma, as práticas relacionadas com ao processo saúde-doença, longe de se reduzirem a evidências orgânicas e objetivas, estão intimamente relacionadas as características de cada contexto social e também com a forma como as pessoas experimentam subjetivamente esses estados, conforme dito por Traverso-Yépez e Morais (2004, p.81)42:

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O interessante é perceber, porém, que nas práticas cotidianas do atual sistema de saúde, baseado no modelo biomédico, hegemônico, continua-se negligenciando essa complexidade ao enfocar a doença e desconsiderar o valor da experiência subjetiva do paciente, além da permanente interdependência entre os condicionantes biológicos, psicossociais, culturais e ambientais relacionados ao processo saúde-doença.

A subjetividade é aqui considerada como o modo pelo qual as pessoas reagem/interagem com as condições de suas vidas, suas histórias e de suas famílias, além de sua classe e de sua cultura. (Souza, 2004)43

Entendemos aqui por subjetividade, sujeitos em produção, fazendo-se. Concordamos com Souza (2003, p.41)44:

Foucault convida-nos a sair das concepções filosóficas de sujeito-essência para sujeito-forma. A produção histórica de sujeitos-formas que se modulam e são modulados num permanente sendo. Aquilo que está na ordem da produção do sujeito, não mais como origem e invariante e sim como resultante de um processo de modelagem e remodelagem, historicamente regulado. O que existe então são formas de subjetivação. A subjetividade é, pois, múltipla e plural, perdendo qualquer fixidez no seu ser.

Franco e Merhy (2013)45 partem do pressuposto de que trabalhadores de uma mesma equipe

podem agir de formas distintas na produção do cuidado, de maneiras diferentes, mesmo estando sob a mesma diretriz normativa. Ao contrário de alguns profissionais, há aqueles que possuem o desejo (grifo meu) como força motriz, constitutivo de subjetividades que os torna sujeitos protagonistas por excelência em processos de mudança.

Segundo Deleuze e Guattari (1972)46 desejo aqui “é da ordem da produção e qualquer

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inconsciente e é energia produtiva e, portanto, propulsora da construção da realidade social pelo sujeito. Assim não se pode garantir que a formação acadêmica seja a responsável única pela maneira hegemônica e tecnicista de se fazer odontologia, levando alguns profissionais a enfatizarem apenas as questões estéticas.

Segundo Bendo et al, (2014)38, existe consenso sobre a importância da aparência física em

nossa sociedade atual. Alterações significativas podem implicar em impactos emocionais, prejudicando a autoestima e repercutindo em relacionamentos pessoais e sociais.

Observa-se, portanto, que há grande complexidade na relação entre alterações bucais e a subjetividade. Portanto, não se pode tratar apenas a “doença aparente” ou apenas resolver as questões estéticas.

Franco e Merhy (2013)45 propõe uma abordagem que abrange acolhimento e vínculo, a fim de

que o profissional reconheça a subjetividade dos pacientes. Acreditam que desta forma se dá o trabalho vivo em ato na saúde e, assim, pode ser exposto como micropolítica e lugar estratégico de mudanças.

Percebe-se que o modo de produção do cuidado se revela, de forma eficaz no âmbito de sua micropolítica, se houver um método que seja capaz de verificar o dinâmico e complexo modo operativo de cada trabalhador na sua ação cotidiana, inclusive sua produção subjetiva em ato, que produz cuidado em saúde, e ao mesmo tempo, produz o próprio trabalhador enquanto sujeito no mundo. (Franco e Merhy, 2013, p.152)45

Barros e Botazzo (2011)33 afirmaram que escuta e diálogo não são dons e que a capacidade

de dialogar é essencial ao processo de cuidado, exigindo disposição e técnica para escuta do outro e de seus saberes. Estas habilidades de comunicação e raciocínio clínico são de dimensão relacional,

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logo são tecnologias leves (Merhy, 2002)47 que têm por objetivo acolher o usuário e interferir na

evolução do sofrimento do mesmo, restabelecendo a homeostase corporal e produzindo vínculo.

Para romper com os conceitos nosológicos desta Odontologia que vêm orientando os cursos de graduação hegemonicamente com centramento dentário e operatória como priori do diagnóstico e da terapêutica, Barros e Botazzo (2011)33 sugerem que se utilizem outros referenciais

teórico-metodológicos, como o da bucalidade.

A bucalidade é entendida como expressão dos trabalhos sociais que a boca humana realiza, mostrando, portanto, que a boca não se encontra isolada, mas sim dentro de um corpo, que é resultado do biológico, psíquico e afetivo. Esse termo estabelece as relações da cavidade bucal e sua articulação com a vida das pessoas que vai muito além das funções atribuídas à boca e a seus órgãos, tais como a linguagem e a mastigação.

Todos os mamíferos, do ponto de vista biológico, possuem um órgão para alimentação, a boca, com estruturas anatômicas a saber, língua, dentes, glândulas, ossos, músculos, entre outras, mas apenas os da espécie humana exercem outras funções além da manducação (mastigação): a erótica e a linguagem. (Botazzo, 200048. 200849. 201350)

O termo “bucalidade” amplia o conceito de “boca” que geralmente é visto apenas como um órgão da fala e para a alimentação. Esta terminologia é uma alternativa para uma nova compreensão da boca e da saúde bucal, quando buscamos trazê-la para a clínica.

É a partir do entendimento sobre a saúde como um estado de equilíbrio instável determinado social e subjetivamente por um homo sapiens, da ressignificação das funções sociais da boca, da compreensão do adoecimento buco-dentário e da constituição do caso clínico na anamnese que se estabelecerá uma outra posição para a clínica. Barros e Botazzo (2011, p.4347)33.

(40)

Devido a isto, o estudo dos dentes e da boca apenas como órgãos funcionais não é suficiente para explicar a complexa trama de desejos, prazeres e sentimentos que estão envolvidos com este órgão. Botazzo afirma que, para tanto, é necessário ver a boca em movimento com o mundo e, foi neste sentido que o autor elaborou este conceito de bucalidade, a fim de ampliar a compreensão da complexidade existente neste território, chamado de boca humana

.

(...) a despeito de que seja uma região formada por vísceras (músculos, língua, glândulas, dentes, mucosas), e a despeito de que cada uma delas tenha uma fisiologia própria, os trabalhos que realizam expressam sinergia funcional, em separado nada podem. Diferentemente de outros órgãos ou regiões do corpo, as funções da boca humana são socialmente definidas. Qualquer um dos seus trabalhos expressam ligação com a cultura e com o psiquismo. Isto é evidente. As permissões ou as autorizações éticas para tais usos são, portanto, variáveis historicamente e segundo modelos de sociabilidade próprios de cada sociedade e em dado momento de sua organização. Pode-se falar numa psicogênese e numa sócia gênese bucal. Só por este motivo a boca humana estaria fortemente articulada ao processo civilizador. (Botazzo, 201151, p.2 e 3)

Assim, é possível encontrar outros sentidos e significados que extrapolam aquelas funções privilegiadas nos manuais de anatomia e fisiologia (Botazzo, 200048, 200849, 201350), pois apenas a

ciência cartesiana não é capaz de compreender todos os sentidos da boca. Disciplinas das Ciências Humanas como Sociologia, Psicologia, Filosofia, dentre outras são necessárias para formação de um profissional que vai lidar com seres humanos e não apenas com órgãos isolados e fora do corpo.

As doenças bucais podem afetar a alimentação, o sono, a fala, a comunicação, a bucalidade, a interação social e a autoestima das pessoas, acarretando dificuldades nas suas atividades diárias e trazendo prejuízos à qualidade de vida.

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