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Imprensa, sociabilidade e educação : as ações de Fernando de Azevedo em defesa da hegemonia do escolanovismo (1917 a 1961)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MARCOS PEREIRA COELHO

IMPRENSA, SOCIABILIDADE E EDUCAÇÃO: AS AÇÕES

DE FERNANDO DE AZEVEDO EM DEFESA DA

HEGEMONIA DO ESCOLANOVISMO (1917 a 1961)

CAMPINAS

2016

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MARCOS PEREIRA COELHO

IMPRENSA, SOCIABILIDADE E EDUCAÇÃO: AS AÇÕES

DE FERNANDO DE AZEVEDO EM DEFESA DA

HEGEMONIA DO ESCOLANOVISMO (1917 a 1961)

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Educação, na área de concentração de Filosofia e História da Educação.

Orientador: Dr. Sérgio Eduardo Montes Castanho.

O arquivo digital corresponde à versão final da tese defendida pelo aluno Marcos Pereira Coelho, e orientada pelo Prof. Dr. Sérgio Eduardo Montes Castanho.

CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

IMPRENSA, SOCIABILIDADE E EDUCAÇÃO: AS AÇÕES

DE FERNANDO DE AZEVEDO EM DEFESA DA

HEGEMONIA DO ESCOLANOVISMO (1917 a 1961)

Autor : Marcos Pereira Coelho

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dr. Sérgio Eduardo Montes Castanho (Orientador) Prof. Dr. José Luís Sanfelice

Profª Drª Mara Regina Martins Jacomeli Prof. Dr. Célio Juvenal Costa

Prof. Dr. Oriomar Skalinski Júnior

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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No presente a mente, o corpo é diferente E o passado é uma roupa que não nos serve mais (Belchior)

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Dedico este trabalho aos meus pais. Agradeço ao meu orientador Sérgio Castanho pela disponibilidade na orientação, ao grupo de pesquisa HISTEDBR e a todos(as) que colaboraram de alguma forma para a realização da pesquisa.

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RESUMO

Esta tese teve como objetivo analisar o papel desempenhado por Fernando de Azevedo (1894 - 1974), entre os anos de 1917 e 1961, para a construção da hegemonia da pedagogia nova no Brasil. Para tanto, foram investigadas as suas ações na sociedade civil, no âmbito da imprensa, no interior da rede de sociabilidade da qual participou e se estabeleceu como liderança, bem como a relação desses aspectos com a sua atividade de reformador da educação. Os critérios para a delimitação temporal deste trabalho foram o início da sua carreira como professor e jornalista (1917), a sua aposentadoria na USP e a aprovação da LDB em 1961. A análise da trajetória intelectual de Azevedo considerou o contexto em que o autor viveu, a sua concepção de sociedade e educação e as estratégias protagonizadas por ele na divulgação e circulação dos princípios escolanovistas. O intelectual foi fundamental na elaboração e circulação de documentos basilares na história da educação brasileira, além de ter atuado diretamente na administração pública. Conduziu a elaboração do Inquérito de 1926 para o Jornal O Estado de São Paulo, atuou como reformador da instrução pública entre 1927 e 1930, período em que ocupou o cargo de diretor da instrução pública no Distrito Federal, e foi o redator dos Manifestos de 1932 e 1959. A pesquisa em questão teve um caráter bibliográfico e documental. Foram selecionadas como fontes os artigos publicados por Azevedo na imprensa, as entrevistas concedidas, as correspondências trocadas com intelectuais da sua época, suas obras acadêmicas e a sua autobiografia. Como instrumentos conceituais para análise do objeto deste trabalho, foram empregadas as categorias de hegemonia e a função dos intelectuais no interior do bloco histórico na organização da cultura. Além desses, a categoria rede de sociabilidade intelectual foi importante para analisar as relações do grupo de intelectuais vinculados ao escolanovismo, quando as mesmas evidenciavam aspectos sociais e culturais relevantes. O projeto de renovação da educação tinha por objetivo regenerar a sociedade e a cultura brasileira a partir da instrução púbica, em vistas de formar o indivíduo para que o mesmo se inserisse de modo produtivo em uma sociedade capitalista em constante mudança. Com isso, Fernando de Azevedo realizou, no período delimitado, um trabalho decisivo para que o escolanovismo se tornasse hegemônico. A pedagogia nova influenciou a própria pedagogia tradicional que, sem abandonar seus objetivos religiosos, passou também por um processo renovação em seus métodos, além da clara presença da mesma na educação brasileira entre os anos de 1947 e 1961.

Palavras Chave: Educação; História da Educação; Fernando de Azevedo; Escola Nova; Imprensa.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze the role played by Fernando de Azevedo (1894 - 1974), between 1917 and 1961 for the hegemony construction of the new pedagogy in Brazil. To this, were investigated his actions in civil society, in the press, in the sociability network in which he participated and established himself as leader, as well as the relationship of these aspects with his activity of education reformist. The criteria for the temporal boundaries of this work were the beginning of his career as a teacher and journalist (1917), his retirement at USP and the approval of LDB in 1961. The analysis of Azevedo’s intellectual history considered the context in which the author lived, his conception of society and education and strategies played by him in the dissemination and circulation of the New School principles. The intellectual was very important in the elaboration and circulation of basic documents in the history of Brazilian education, besides, he worked directly in public administration. He led the development of the 1926 inquiry for O Estado de São Paulo newspaper, he worked as a reformer of public education between 1927 and 1930, period that he served as a director of public education in the Federal District and was the editor of the Manifests from 1932 and 1959. The research had a bibliographical and documentary character. Were selected as source the articles published by Azevedo in the press, interviews, exchanged mails with intellectuals of his time, his academic work and his autobiography. As conceptual tools for analyzing the object of this work, were used the categories of hegemony and the role of intellectuals in the historical bloc in the culture organization. In addition to these, the network category of intellectual sociability was important to analyze the group of intellectuals related to the New School, when they evidenced relevant social and cultural aspects. The education renovation project aimed to regenerate the society and the Brazilian culture from pubic education, to form the individuals so that they could productively enter in a capitalist society constantly changing. Thus, Fernando de Azevedo held in defined period, a key work for the New School to become hegemonic. The new pedagogy influenced the very traditional pedagogy that, without abandoning their religious goals, also went through a renewal process in its methods, besides the clear presence of the same in Brazilian education between 1947 and 1961.

Keywords: Education; History of Education; Fernando de Azevedo; New School; Press.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ... 10

2. O CONTEXTO BRASILEIRO E A DISPUTA PELA HEGEMONIA NO ÂMBITO EDUCACIONAL (1917 – 1961) ... 21 2.1. A crise na Primeira República e a crítica dos intelectuais à estrutura coronelista da política brasileira ... 21 2.2. A Era Vargas, o Nacional Desenvolvimentismo e luta pela hegemonia no campo educacional: a educação como potência regeneradora da sociedade ... 42

3. A CONCEPÇÃO EDUCACIONAL DE FERNANDO DE AZEVEDO ... 71 4. A TRAJETÓRIA DE FERNANDO DE AZEVEDO E O PAPEL DA IMPRENSA E DA SOCIABILIDADE EM SUAS AÇÕES INTELECTUAIS: ... 89 4.1 - Formação, o trabalho na imprensa e a consolidação como especialista em

educação. ... 89 4.2 A reforma educacional do Distrito Federal (1927 -1930) e a utilização da imprensa como estratégia para o convencimento. ... 107

5. AS AÇÕES DE AZEVEDO NA REDAÇÃO DOS MANIFESTOS E NA

FUNDAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ... 123

6. CONCLUSÃO ... 155

7. REFERÊNCIAS ... 160

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1. INTRODUÇÃO

A educação ocupa lugar de destaque entre as preocupações humanas. Os homens, em cada época histórica, desenvolvem práticas e ideais educativos diversos e procuram meios para efetivá-los. Nesse sentido, a natureza social do homem relaciona-se com esse fenômeno igualmente social que se entende como processo educativo (FIGUEIRA, 1995). É sob essa perspectiva que se analisam as ações intelectuais do educador Fernando de Azevedo no campo educacional em defesa da hegemonia da Escola Nova entre os anos de 1917 e 1961.

Fernando de Azevedo nasceu em 02 de abril de 1894 em São Gonçalo de Sapucaí, MG, terceiro filho de Francisco Eugênio de Azevedo e Sara Lemos de Almeida. Seu pai era de família abastada, no entanto, a fortuna paulatinamente foi perdida, o que levou a família a passar por dificuldades. O educador realizou os estudos secundários no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, e, nesse período, a situação econômica da família já não era mais confortável, o que exigiu sacrifícios para sua educação. O Colégio Anchieta funcionava em regime de internato e recebia os filhos das famílias consideradas importantes da região Centro-Sul ou mesmo da região Norte do Brasil. O colégio confessional pertencia à Companhia de Jesus e em sua autobiografia Azevedo o relembra de maneira positiva.

Antes de terminar os exames do sexto ano do ginásio, Azevedo partiu para Campanha, cidade do Sul de Minas Gerais, a fim de ingressar na vida religiosa. Nessa cidade, a missão da Companhia de Jesus mantinha uma Casa de Noviciado e de estudos, destinada à formação de padres jesuítas e foi ali que o educador iniciou a sua vida religiosa. O noviciado era uma fase de adaptação, experiência e estudos pela qual o jovem interessado na vida religiosa deveria passar antes de ser consagrado padre. Nesse ambiente, o jovem iniciante era acompanhado por algum noviço já experimentado, conhecido como “Anjo da Guarda”, que cuidava de conformá-lo aos princípios da companhia e da vida em comum. No caso de Azevedo, o noviço destacado pelo padre-superior para acompanhá-lo nos deveres, hábitos da instituição e nas práticas religiosas foi Leonel Franca1, que se tornaria um

dos mais influentes padres jesuítas do país.

1 Leonel Franca nasceu em 06 de janeiro de 1893 em São Gabriel, Rio Grande do Sul e faleceu em 03 de setembro de 1948. Após seus estudos no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, ingressou na Companhia de

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Azevedo cumpriu o período de dois anos estabelecidos para o noviciado e permaneceu na vida religiosa por outros três anos, porém não chegou a ser ordenado padre. Nesse período de vida religiosa, iniciado com a conclusão do noviciado, o educador assinalou que cumprira todos os votos religiosos que orientavam as práticas na companhia. E dos votos de pobreza, castidade e obediência, Azevedo considerou que o último fora o mais difícil de ser cumprido “(...) devido a meu espírito de independência até à rebeldia” (1971, p. 25). Segundo ele, a dificuldade em cumprir os votos despertou os primeiros questionamentos sobre sua vocação e, mais tarde, concorreria para que abandonasse a vida sacerdotal.

Próximo ao término do ‘retoricado’, seus superiores mostraram interesse em enviá-lo a Roma para os estudos de filosofia na Universidade Gregoriana. Tal interesse coincidiu com o agravamento da crise de consciência sobre a sua vocação: questionava se teria condições de seguir na vida sacerdotal com a disciplina exigida de uma ordem como a Companhia de Jesus. Frente a esse dilema, Azevedo optou por levar a sua crise moral e espiritual ao seu confessor e ao padre superior. Foi lhe recomendado pelo padre superior um retiro espiritual de 40 dias na residência dos jesuítas em Itaici - SP, para que refletisse sobre seu futuro na companhia. O retiro não foi suficiente para que tomasse a decisão e, então, foi lhe determinado que fosse para o Colégio São Luís, em Itu, SP, onde lecionaria por um ano e meio como escolástico.

A experiência foi considerada positiva por Azevedo: ajudou-o na decisão de abandonar a vida religiosa e a refinar sua prática no magistério. Terminado o prazo de um ano, Azevedo solicitou sua demissão na Companhia de Jesus: “Passava então, muito jovem, de um mundo de recolhimento, disciplina, obediência

Jesus. Em 1910 iniciou o curso de letras e em 1912 viajou á Roma para cursar filosofia na Universidade Gregoriana. Voltou ao Brasil em 1915 onde atuou como professor até 1920, ano em que retornou à Roma para estudar teologia. Em 1923 foi ordenado sacerdote, e, no mesmo ano que publicou “A Igreja, a Reforma e a Civilização.” Em 1924 doutorou-se em Filosofia e Teologia e em 1925 completou o último ano da formação jesuítica, denominada “Terceira Provação. Transferiu-se definitivamente para o Rio de Janeiro em 1927. Em 1939 o Concílio Plenário dos Bispos do Brasil resolveu criar a Universidade Católica do Brasil, no Rio de Janeiro. O então Cardeal Arcebispo do Estado, Dom Sebastião Leme, atribuiu a Leonel Franca a missão de estruturar a Universidade. Em outubro de 1940 um decreto Presidencial criou as "Faculdades Católicas" que teve como como seu Reitor o próprio Pe. Franca. Leonel Franca ocupou o cargo de reitor até a sua morte (FPLF, Disponível em: <http://www.fplf.org.br/fplf_franca.asp>).

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e imposições à própria natureza, para um mundo de liberdade em que passaria a ser senhor de mim mesmo” (AZEVEDO, 1971, p.31).

Após abandonar a vida religiosa, Fernando de Azevedo tentou fixar-se no Rio de Janeiro, onde tentou seguir carreira no Itamarati e disputar uma vaga na Escola Naval. Azevedo justificou sua predileção por tais carreiras, salientando que sentia atração pelo desconhecido, por viagens a países distantes e pelo gosto por debates sobre os problemas nacionais e internacionais. No caso específico da carreira na Marinha, o seu gosto por comandar, o “(...) exercício da autoridade, com risco de vida, em batalhas ou em situações difíceis e perigosas. (...) sentia, desde menino, uma atração irresistível para a luta e o perigo” (AZEVEDO, 1971, p. 31 e 32). No entanto ambas as tentativas mostraram-se inviáveis: no caso do Itamarati, de acordo com Azevedo (1971), importava à época o patrocínio político para ocupar o cargo pretendido, e, quanto à Escola Naval, a preferência era sempre dos filhos dos oficiais da Armada.

Diante do insucesso nas tentativas de seguir carreira na diplomacia ou na Armada, Azevedo matriculou-se na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, e, antes de concluir o curso, transferiu-o para a de Belo Horizonte. E foi nesse período, entre os anos de 1914 e 1917, que principiou suas atividades no magistério e no jornalismo. A partir de então, o educador desenvolveria ações recorrentes em defesa de um modelo de educação pública e o faria na imprensa, na ocupação de cargos administrativos e no interior da sua rede de sociabilidade.

A escolha do período (1917 a 1961) coincide com o início do trabalho de Fernando de Azevedo como jornalista no Correio Paulistano e sua aposentadoria na USP. No decorrer desse período, além de trabalhar formalmente como jornalista entre os anos de 1917 e 1926, o educador se manteve próximo da imprensa no decorrer da sua vida pública e exerceu forte liderança no meio intelectual. Em 1917, tornou-se colunista do jornal Correio Paulistano e escreveu semanalmente sobre história, educação e literatura. Entre os anos de 1923 e 1927 foi redator do Jornal O Estado de São Paulo e organizou, para o jornal, em 1926, o inquérito sobre a instrução pública no Estado, que deflagrou uma forte campanha por uma nova política educacional (IEB, 2008).

Escreveu, ainda, diversos artigos para jornais como Folha da Manhã, O Globo, Jornal do Brasil, A Pátria, O Jornal e o Diário de São Paulo. Além das

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atividades na imprensa foi o responsável pela reforma educacional no Distrito Federal entre os anos de 1927 e 1930, redator do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, desempenhou papel importante na fundação da Universidade de São Paulo em 1934 e na redação do Manifesto ao Povo e ao Governo, em 1959.

Sobre o período delimitado, e especialmente as três primeiras décadas do século XX, o mesmo foi marcado por uma intensificação dos debates educacionais e uma efervescência política que, em seu momento mais expressivo, resultaram na Revolução de 1930 e na posterior elaboração do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Em ambos os casos, percebe-se a defesa dos valores típicos das sociedades industriais, marcados por propostas regeneracionais da cultura, da política e da economia brasileira (MONARCHA, 1990). Segundo Capelato (1980), a imprensa do período em questão tomou a função de formadora de consciência da população letrada, especialmente o jornal O Estado de São Paulo, órgão em que Azevedo desenvolveu a maior parte das suas ações referentes à educação.

As ações de Azevedo nos veículos de comunicação em que trabalhou serviram, também, para ampliar sua rede de sociabilidade ao lhe ser facilitado o contato com políticos situacionistas no período da Primeira República, além de colocá-lo em contato com personalidades que protagonizariam a cena política nos primeiros anos pós-Revolução de 1930. Tais contatos viabilizaram o convite do presidente da República e do prefeito do Distrito Federal para que Azevedo assumisse o cargo de diretor-geral da instrução pública, em 1927, além de favorecer as articulações para a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934 (SAVIANI, 2007).

Diante do exposto, o problema de pesquisa proposto na tese refere-se às ações de Fernando de Azevedo em vista da hegemonia da pedagogia nova. Para o trabalho, procurou-se analisar a trajetória intelectual do autor de modo a destacar a sua atuação no âmbito da cultura para além do campo especializado da educação, sem dele prescindi-lo. Azevedo protagonizou alguns dos momentos basilares da história da educação brasileira e que foram selecionados para as análises realizadas. Portanto, a intenção é desvelar como as suas ações se articularam e concorreram para que o mesmo desempenhasse e fosse reconhecido como liderança entre os intelectuais escolanovistas. A abordagem tem o propósito de

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analisar a história intelectual de Azevedo sem, no entanto, desconsiderar a totalidade na qual o autor se inseria e que lhe permitiu compreender o momento histórico a partir da sua perspectiva de classe.

Entende-se que as análises articuladas das ações intelectuais de Azevedo no âmbito da imprensa, das redes de sociabilidades, e sem desconsiderar a totalidade na qual esses fenômenos ocorreram, contribuem para o campo da história da educação brasileira. A diversidade de fontes e as peculiaridades das ações intelectuais do educador podem colaborar para o entendimento da complexidade que marcou os projetos educativos, dirigidos à sociedade no século XX. Dessa forma, os jornais, os manifestos e as correspondências se configuram como fontes documentais que trazem em suas páginas o "calor" dos debates e estratégias de convencimento diferentes de obras acadêmicas, uma vez que se dirigem a um público amplo.

Do ponto de vista metodológico, o campo da história da educação no século XX foi caracterizado pela multiplicidade de abordagens. Nesse sentido, destaca-se que a elaboração das ferramentas necessárias às investigações da história cultural e seu desenvolvimento no século XX não se deram de maneira homogênea. Ao analisar as abordagens presentes na historiografia, Castanho (2010) observa no interior da pluralidade que caracteriza o campo duas grandes tendências: as abordagens contextualistas e as textualistas:

Denomino as primeiras contextualistas porque, de uma maneira ou de outra, referem às ideias ao contexto social em que são geradas, e as segundas, textualistas, porque preocupadas sobretudo com a “economia interna” do mundo ideal tal como se manifesta no texto que é seu suporte (CASTANHO, 2010, p. 82).

As afirmações acima apontam para uma distinção fundamental, de modo que para esta tese adotou-se uma abordagem contextualista, ou seja, na pesquisa foi considerado o contexto político e socioeconômico em que as ações de Azevedo foram realizadas. Todavia se faz necessário salientar que a relação entre as ações do autor e o contexto em que as mesmas se desenvolveram não foi analisada de maneira determinista. Entende-se:

[...] não que toda história seja cultural, como pretendem os que a tomam em sentido substantivo, como sinônimo de “a” história, mas em sentido adjetivo, que admite a possibilidade de uma história do

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âmbito da cultura com relativa autonomia. Que fique bem claro: relativa autonomia (CASTANHO, 2010, p.86,).

Estabelecida a cultura como um elemento simbólico importante para a compreensão histórica, ressalta-se que foram tomados como referencial as categorias intelectuais, sociabilidade e hegemonia. É a partir do entendimento de Antônio Gramsci que se analisam as ações do intelectual Fernando Azevedo na organização da cultura, observando-se a vinculação do educador brasileiro à burguesia industrial em ascensão no período. Assim, entende-se que

Cada grupo social, nascendo do terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político [...] (GRAMSCI, 1979, p.3).

De acordo com Castanho (2010), as contribuições de Gramsci para os estudos referentes à maneira como os grupos especializados atuam em nível superestrutural, no caso os intelectuais, constituem-se em um dos momentos mais instigantes da obra do pensador italiano. A difusão da ideologia da classe dirigente exige uma estruturação material cujos objetivos se caracterizam pela manutenção, defesa e desenvolvimento da teoria para população em geral. Nesse sentido, Portelli (2002) informa que, para Gramsci, os meios de comunicação são considerados instrumentos fundamentais no processo de conquista da hegemonia por meio da influência na sociedade:

A instituição máxima da sociedade civil é a imprensa e a edição. Gramsci dedica grande atenção a essa nova instituição, que ele considera como a mais dinâmica da sociedade civil, mas que nem por isso deixa de cumprir, dentro dela, uma função ideológica determinada [...] A imprensa e a edição, assim como a organização escolar, assumem papel essencial, pois são as únicas abranger totalmente o domínio da ideologia (livros e revistas científicas, políticas, literárias...) e seus degraus (livros e diários para a ‘elite’, para a vulgarização popular) (PORTELLI, 2002, p. 29).

No campo da sociedade civil2, a luta pela hegemonia é bastante extensa e

difusa, expressando-se de maneira implícita nas manifestações artísticas, no direito,

2 Na composição do bloco histórico, Gramsci observa um conjunto complexo de superestruturas e destaca duas esferas consideradas fundamentais: a que compõe a sociedade política e a que caracteriza a sociedade civil. No primeiro caso, o autor italiano identifica o agrupamento do aparelho

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na economia, enfim, em todas as manifestações da vida individual e coletiva. Nesse caleidoscópio ideológico são essenciais as ideologias orgânicas, ou seja, as que se vinculam a uma classe fundamental de forma que ultrapassem a base econômica dessa classe e propaguem-se sobre as demais atividades do grupo dirigente. Tal grupo, por sua vez, favorece a criação e o estabelecimento de intelectuais especializados em aspectos diversos da ideologia: a economia, as ciências, a arte, entre outros. Apesar da aparente independência e diversidade desses aspectos ideológicos, estes se configuram como partes do todo fundado na concepção de mundo da classe fundamental no interior do bloco histórico (PORTELLI, 2002, p. 21). Gramsci considera necessária a formação de um bloco histórico, de uma ligação orgânica entre a estrutura e a superestrutura. Tal organicidade define-se no movimento superestrutural do bloco histórico até os limites de desenvolvimento da estrutura. E essa vinculação orgânica não se desenvolve espontaneamente, mas é assegurada por uma camada social específica e que tem a função de dar forma à superestrutura no bloco histórico: os intelectuais.

O problema proposto por Gramsci sobre o papel dos intelectuais no bloco histórico é importante para o pesquisador que trabalha com a história cultural em uma perspectiva materialista. O autor italiano questiona se: “(...) os intelectuais são um grupo autônomo e independente, ou cada grupo social tem uma sua própria categoria especializada de intelectuais?” (GRAMSCI, 2011, p. 15). Nesse sentido, esclarece que a característica fundamental da hegemonia da classe dirigente situa-se em situa-seu monopólio intelectual e na atração que os intelectuais promovem nas outras camadas de intelectuais3. Essa atração conflui para a criação de um bloco

ideológico que cimenta as camadas intelectuais à classe dirigente. Nesse contexto, ainda que a primazia econômica seja uma condição necessária para o desenvolvimento e organização de um bloco ideológico, é preciso, também, que a classe dirigente desenvolva uma política consistente para os intelectuais.

do Estado. Já o conceito de sociedade civil representa a direção intelectual e moral de determinado sistema social (PORTELLI, 2002, p. 17).

3Cada modo de produção produz um tipo específico de intelectuais. O desenvolvimento do capitalismo e da produção industrial produziu intelectuais que compunham um quadro técnico especializado nas ciências aplicadas. Esses intelectuais orgânicos, vinculados à classe fundamental, do novo bloco histórico opõem se aos antigos intelectuais denominados por Gramsci como “tradicionais”. Nesse processo de luta pela hegemonia, os antigos intelectuais (tradicionais) são suprimidos ou absorvidos pela classe fundamental. Isso fica evidente nos intelectuais que compunham o Clero e estavam organicamente vinculados à aristocracia fundiária. Nesse processo, a luta entre os intelectuais orgânicos da burguesia e os tradicionais caracterizava-se pela disputa da hegemonia sobre o bloco histórico. (PORTELLI, 2002).

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Os intelectuais, portanto, são as células vivas da sociedade civil: são eles que elaboram a ideologia da classe dominante, possibilitando, assim, consciência de seu papel e a transformam em “concepção de mundo” que impregna todo o corpo social. No nível da difusão da ideologia, os intelectuais são os encarregados de animar e gerir a estrutura ideológica da classe dominante no seio das organizações da sociedade civil (igrejas, sistema escolar, sindicatos, partidos) e de seu material de difusão (mass media). Funcionários da sociedade civil, os intelectuais são igualmente os agentes da sociedade política, encarregados da gestão do aparelho de Estado (PORTELLI, 2002). É o exercício dessas funções que possibilita a unidade da classe fundamental e a sua hegemonia no interior do bloco histórico4.

No Brasil, a utilização da imprensa como fonte para pesquisa histórica é relativamente recente. A tradição dominante no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, oriunda do positivismo, hierarquizava os documentos que poderiam servir na busca pela verdade histórica. Em vista disso, os jornais e as revistas foram relegados a segundo plano enquanto fontes por serem considerados pouco adequados para a recuperação do passado. Os registros fragmentários do presente, realizados em meio a interesses, compromissos e paixões, eram vistos como impedimentos para a reconstrução histórica (LUCA ,2005).

Sem se desconsiderar as questões historiográficas próprias do trabalho com tais fontes, como o seu caráter cotidiano, imediatista e os interesses que movem a prática dos órgãos de imprensa, considera-se que as mesmas, quando analisadas no contexto social, econômico e político em que foram produzidas, podem enriquecer a compreensão histórica. Entende-se que, ao dirigir-se à população, o produtor do texto jornalístico intervém diretamente na formação da consciência, uma vez que a própria imprensa tem caráter educativo (CAPELATO, 1980). Isso porque o jornal, especialmente no período delimitado, centraliza as opiniões da elite intelectual do país sem prescindir do papel a ser desempenhado pelos leitores na sociedade. E, particularmente sobre o objeto desta pesquisa, é importante mencionar que Azevedo manteve-se sempre próximo à imprensa e, por vezes, diretamente vinculado a ela. Portanto, no desenvolvimento do problema

4 O bloco histórico é a articulação interna de uma situação histórica específica e dinâmica que evolui e se constrói em torno de um sistema hegemônico próprio da classe fundamental e que atua também no enfrentamento das crises. No entanto, o vínculo orgânico entre os intelectuais e a classe que eles representam não é mecanicamente determinado.

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proposto na tese, é fundamental abordar a sua relação e os textos produzidos para os diversos jornais do país.

Além disso, a abordagem do problema na tese considera que havia diferenças significativas entre os reformadores, entre os quais, Azevedo, e os intelectuais católicos. A questão tem sido motivo de debates entre os historiadores da educação. Carvalho (1998) questionou essa dicotomia do ponto de vista ideológico e atribuiu essa interpretação às ações de Fernando de Azevedo que teriam definido a escrita da história da educação nas décadas seguintes. Essa influência teria provocado “constrangimentos teóricos”, o que denota a perspectiva que somente os trabalhos realizados a partir desses questionamentos estariam de fato coerentes.

Ainda que a questão historiográfica não seja o objetivo da tese, é importante destacar que no tratamento do problema proposto a abordagem histórica foi fundamental. Em um período complexo em que havia divergências entre as elites decadentes, as oligarquias e a burguesia industrial que se fortalecia, ainda que os escolanovistas e os católicos grupos não tivessem em perspectiva uma transformação radical da sociedade, eles possuem diferenças quanto ao entendimento e às proposições educacionais no país. Além disso, tal abordagem tanto na tese quanto para outros pesquisadores, especialmente os vinculados ao grupo HISTEDBR, procura demonstrar o movimento histórico a partir das contradições e situar o objeto de análise a partir desses elementos.

Entende-se que as ações de Azevedo não tinham caráter revolucionário, mas objetivavam repensar a sociedade e a educação a partir das novas configurações do capitalismo e, nesse sentido, expressavam contradições. Ele era progressista, ao criticar um Brasil rural, coronelista em que não havia uma preocupação sistemática com a educação das massas, e conservador por lutar por um modelo de educação que se voltava para a manutenção do sistema capitalista.

Portanto, ao questionar a legitimidade da produção historiográfica que interpreta o movimento escolanovista a partir dessa totalidade, Carvalho (1998) destaca o “conservadorismo” de Azevedo e afirma que isso não o diferenciava substancialmente dos católicos. O objetivo, portanto, na tese não é “refundar” a interpretação histórica, negando as contradições da sua época e que estão expressas nas ações do educador em questão, mas, compreendê-lo dentro a

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totalidade histórica e destacar o seu papel em vista da hegemonia da pedagogia nova.

Desse modo, na pesquisa considerou-se o papel desempenhando por Azevedo na organização da cultura e, para isso, além da atuação na imprensa, abordou-se a inserção do educador nas redes de sociabilidade intelectual. O uso do conceito de “sociabilidade” está presente em vários campos das ciências socais, como a antropologia, a sociologia e a educação. Entende-se que as redes são importantes para se compreender a dinâmica dos intelectuais em determinado campo, como é o caso da educação. As redes de sociabilidade podem se organizar em torno de associações, órgãos de imprensa ou ainda pelo estreitamento de laços pessoais e profissionais. De modo que, como afirma Serinelli (2003, p.250), “A atração e a amizade e, ao contrário, a hostilidade e a rivalidade, a ruptura, a briga e o rancor desempenham igualmente um papel às vezes decisivo (...)” na composição dos debates culturais. E, com a intenção de se compreender a importância dessas relações, utilizaram-se, também, como fontes, as correspondências trocadas entre Azevedo e outros intelectuais importantes da época, como Cecília Meireles, Paschoal Lemme. A prática de troca correspondências foi comum no meio intelectual do país, especialmente na primeira metade do século XX.

Em vista da sistematização das análises, a tese foi organizada em cinco seções. Na primeira, foi analisado o contexto social, econômico e político do período delimitado. Procurou-se apresentar as características da república nascente e a permanência dos aspectos típicas do Império e que permaneceram no contexto republicano. Essa abordagem foi importante para a compreensão dos debates intelectuais a respeito da reorganização da sociedade e da educação em vista da modernização da República. Desse modo, ainda na primeira seção, traçou-se um panorama dos embates intelectuais na disputa pela hegemonia das propostas pedagógicas e organizacionais da educação pública, sobretudo entre liberais e católicos.

Na segunda seção, analisou-se a concepção educacional de Fernando de Azevedo. Abordou-se o modo como o educador entendeu o Brasil do período e, a partir de então, contribuiu para a formulação de uma proposta educacional. Dessa maneira, a intenção foi demonstrar como as suas propostas derivavam de uma concepção de sociedade que coincidia com as mudanças do capitalismo da época.

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A intenção do autor era formar a população para uma inserção produtiva no capitalismo sem descartar as peculiaridades do país.

A terceira seção abordou a trajetória de Fernando de Azevedo com o objetivo de compreender a sua inserção no campo educacional e na imprensa. As análises demonstram como a articulação do trabalho como educador e o papel desempenhado na imprensa concorreram para ele ser visto como uma liderança no interior da sua rede de sociabilidade. A combinação desses elementos foi fundamental para que Azevedo fosse indicado para o cargo de diretor na instrução pública no Distrito Federal em 1927. Uma vez no cargo, o educador liderou a reforma da educação, em acordo com a pedagogia nova, e que seria basilar na história da educação brasileira.

Já na última seção, deu-se continuidade à trajetória intelectual do educador com ênfase nas suas ações em relação ao Manifesto de 1932, à fundação da Universidade de São Paulo e à redação do Manifesto de 1959. É importante sublinhar que nos dois últimos capítulos a intenção foi analisar o papel de Azevedo na disputa pela hegemonia da Escola Nova entre os anos de 1917 e 1961, ano em que se aposentou como professor na USP. Em vista disso, as análises desenvolvidas demonstraram como a diversidade das suas ações, na imprensa, na educação, e no interior da sua rede de sociabilidade, no decorrer das primeiras décadas do século XX, concorreram para que se consolidasse como uma liderança importante para a hegemonia da pedagogia nova.

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2. O CONTEXTO BRASILEIRO E A DISPUTA PELA

HEGEMONIA NO ÂMBITO EDUCACIONAL (1917 – 1961)

2.1. A crise na Primeira República e a crítica dos intelectuais à estrutura coronelista da política brasileira

A Proclamação da República, em 1889, e as mudanças decorrentes da nova configuração política não significaram uma transformação radical dos fundamentos sociopolíticos e econômicos do país. Se, por um lado, o processo histórico que resultou no regime republicano foi decorrente das transformações no âmbito da economia e da circulação das ideias liberais no período, por outro, algumas características presentes na estrutura da sociedade imperial permaneceram e foram objetos de crítica dos intelectuais, sobretudo nas décadas de 1920 e 1930. O debate sobre o aperfeiçoamento do regime republicano manteve-se nas décadas seguintes e, ainda hoje, mostra-se presente nas discussões educacionais.

Os intelectuais brasileiros nas décadas posteriores a 1889 consideravam que a república estava degenerada. E esse entendimento foi compartilhado por pensadores vinculados a diversas ideologias5, de modo que a busca da regeneração

da sociedade pela via educacional tornou-se um fundamento para a ação intelectual nas sociedades civil e política. Nesse sentido, a primeira parte do capítulo trata da estrutura da sociedade brasileira do período delimitado na tese. E a segunda parte analisa as disputas entre as vertentes intelectuais que disputavam a hegemonia dos projetos educacionais. Entende-se que essa contextualização é importante para o entendimento da história intelectual de Fernando de Azevedo.

Ao se examinar os fatores que concorreram para a Proclamação da República em 1889, encontram-se aspectos sociais, econômicos e geográficos, essenciais para a “nova” formatação política do país. Desse modo, Fausto (2006) considerou que o fim do tráfico negreiro, a chegada dos imigrantes europeus e a expansão da cafeicultura nos anos de 1870 alteraram significativamente a economia brasileira e acirraram a crise política que levou ao fim da monarquia. A esses fatores juntou-se a realocação do suporte geográfico da economia nacional do Nordeste

5Na historiografia educacional brasileira, a ideia de regeneração era compartilhada por intelectuais católicos e liberais. Ainda que, em última instância, o reformismo e a manutenção da ordem fossem os objetivos últimos dos dois grupos, esses intelectuais diferenciavam-se por seus métodos e proposições (CURY, 1986) como se demonstra na segunda parte deste capítulo.

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açucareiro para a região Centro-Sul do país, que passou a ter sua base produtiva estruturada na cafeicultura voltada à exportação. Esse deslocamento só foi possível, entre outros fatores, pelas características climáticas e do solo, encontradas na região.

Esse processo de reorganização econômica inseriu-se em um contexto internacional em que, a partir da Revolução Industrial, acentuaram-se as relações comerciais entre os países centrais do capitalismo e os periféricos. As exportações dos países do hemisfério sul se ampliaram, principalmente as de produtos oriundos do setor primário da economia, para os Estados Unidos e Europa; ao mesmo tempo, houve um aumento na importação de produtos industrializados do Norte (HOBSBAWN, 1994). Entre os produtos que tiveram aumento de demanda nas economias mais desenvolvidas, destacam-se o café, o fumo e o cacau, o que levou ao aumento exponencial na produção. No caso do Brasil, a inserção do país na divisão internacional do trabalho no final do império e durante a República Velha se deu, especialmente, pela cafeicultura. Nesse setor da atividade produtiva mundial o país não possuía concorrentes6 que colocassem em xeque a sua capacidade de

produção e exportação.

A produção cafeeira movimentou, além do setor agrícola, a atividade industrial e a de serviços, além de concorrer para a migração em massa no país. Isso porque o suprimento da demanda do mercado internacional requereu uma ampliação dos investimentos econômicos e a reestruturação da força de trabalho, tanto para o cultivo quanto para o escoamento dos produtos. Nesse contexto, os investimentos britânicos na região possibilitaram a estruturação ferroviária, condição para o escoamento da produção. A ferrovia que ligava Jundiaí a Santos, a São Paulo Railway, entrou em funcionamento em 1867 e facilitou a exportação dos grãos para os Estados Unidos e Europa. Os efeitos da implantação da infraestrutura para a atividade cafeeira, como foi o caso das estradas de ferro, extrapolaram a utilidade imediata de escoamento da produção e possibilitaram o processo de desenvolvimento da urbanização e da industrialização no país. Na circunvizinhança das estações ferroviárias se estruturaram importantes núcleos urbanos, necessários para a manutenção mecânica das locomotivas, comércio de peças e insumos

6 Segundo Fausto (2006), o principal concorrente do Brasil na produção de café era a Indonésia, mas o país asiático era muito afastado dos principais mercados, o que dificultava sua inserção nos mercados europeu e norte-americano.

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agrícolas que influenciaram a configuração urbana do país:

No conjunto, enquanto a população brasileira cresceu a uma taxa média de 2,5% ao ano no período de 1872 a 1890, a população das cidades de 50.000 ou mais habitantes cresceu a 3,7, e as demais de 100.000, a 3,1(FAUSTO, 2006, p. 22).

Além dos fatores mencionados, outro elemento fundamental para o desenvolvimento da cafeicultura em São Paulo foi a emergência do trabalho livre. Apesar de a produção nas fazendas do Oeste paulista contar com a força de trabalho escrava, os proprietários da região perceberam, nas últimas décadas do império, que o sistema escravista perdia forças frente à repressão do tráfico internacional de escravos e às lutas dos negros no país em defesa da liberdade. Nesse contexto, o trabalho livre foi paulatinamente testado na região de São Paulo até a sua total implantação a partir de 1888, com a libertação dos escravos e o estímulo à vinda dos imigrantes:

[...] Esta antevisão dos novos tempos deu aos empresários da região uma enorme vantagem sobre os seus colegas [...] várias tentativas de trabalho livre iam sendo ensaiadas até lograr forma definitiva, com a imigração em massa dos colonos europeus, a partir de meados dos anos 80. (FAUSTO, 2006, p. 218, 219).

Segundo Saviani (2007), tais ações significaram, conjuntamente, o germe das modernas atividades industriais no país e compuseram a base econômica dos questionamentos quanto à legitimidade e à eficácia do regime imperial na organização e condução da política no país. Não por acaso, foi justamente no dinâmico Oeste paulista, mais precisamente em Itu, que aconteceu a assembleia de criação do Partido Republicano Paulista7, em 1873, partido que desempenharia

papel importante na proclamação da República em 1889 (SAVIANI, 2007).

Ainda sobre essas transformações, Holanda (1985) argumentou que o arcabouço institucional do império mostrava-se incapaz de acompanhar as transformações econômicas e sociais em curso. Além desse descompasso, a circulação das ideias republicanas, presentes no país desde o início do século XIX,

7O Partido Republicano Paulista foi fundado em uma convenção em Itu no ano de 1873. Em sua maioria, seus integrantes eram homens de posses que tinham negócios na região Oeste de São Paulo. O programa político do PRP defendia o princípio federativo e a autonomia das províncias. Já no que se refere à substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, manteve uma linha dúbia sobre a questão até às vésperas da abolição, e, segundo Kugelmas (1986, p. 31), essa postura devia-se à “(...) preocupação em não perder suas bases de apoio rural em razão da escravidão”.

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tornou-se mais vigorosa com a fundação do PRP. Foi a partir daí que, conforme Costa (2006), a fração de classe representada pelo partido buscou impor-se efetivamente à nação por meio da constituição de um programa político.

Somava-se a esses fatores o descontentamento dos paulistas frente à baixa representatividade de São Paulo8 nas instituições políticas do império. A

centralização político-administrativa, presente no regime imperial, representava para os cafeicultores e industriais, sobretudo os de São Paulo, entrave ao desenvolvimento econômico. Dessa forma, a autonomia das províncias, expressa na defesa do federalismo, foi a principal bandeira dos paulistas que objetivavam favorecer a ascensão econômica da província e, portanto, de seus negócios (CASALECCHI, 1987). Como resposta à crescente agitação republicana em São Paulo, a monarquia optou por ampliar a neutralização política da Província, temendo que a participação dos paulistas em instituições importantes pudesse colaborar para a desestabilização do regime (HOLANDA, 1985).

Além desses fatores, havia o descontentamento dos militares com o governo imperial. O Exército, que adquirira maior visibilidade no meio social após a Guerra do Paraguai, considerava que não era devidamente reconhecido pelo governo imperial9. O Partido Republicano aproximou-se dos militares, e nesse

contexto de recrudescimento dos embates entre o Exército e a monarquia, em 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca comandou as tropas que tomaram o quartel-general do Rio de Janeiro e, no mesmo dia, estruturou-se o governo provisório.

Nos anos iniciais da república, a produção e a exportação do café continuaram a crescer. O rápido crescimento deveu-se à contínua ampliação da demanda no mercado externo e à irregularidade da oferta: uma colheita abundante era sucedida por outras inferiores, pelo esgotamento da planta, e esses dois fatores, conjugados, colaboraram para as sucessivas altas nos preços do produto no crescente mercado externo. Diante da condição favorável, o plantio aumentou e, em

8 Costa (2006) afirma que, no ano da queda da monarquia, o império contava com 59 senadores, e apenas três eram paulistas. Na representação da Câmara dos Deputados, a média entre 1868 e 1889 foi de nove deputados paulistas, enquanto Estados como Minas Gerais, Bahia e Pernambuco contavam com 20, 24 e 13, respectivamente. Além disso, dos 71 presidentes da província de São Paulo que governaram no período monárquico, 43 vieram de outros Estados e, entre 1852 e 1860, entre os dez governadores que presidiram a província, apenas um era paulista.

9Sobre a aproximação dos republicanos e militares, ver: SODRÉ, N. W. História militar do Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.

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1901, o Estado de São Paulo contava com aproximadamente 520 milhões de pés com mais de quatro anos e 135 milhões com menos de quatro anos. Nesse contexto, a hegemonia da burguesia cafeeira estruturou-se sob dois aspectos fundamentais: no plano nacional, verificaram-se o predomínio na organização da economia e da política e, ao mesmo tempo, a dependência em relação aos mercados internacionais, no plano externo (FAUSTO, 2006)

O primeiro aspecto ajudou a definir internamente as relações entre essa burguesia e os setores a ela subordinados, ou seja, a aceitação por parte das outras frações de classe de que os interesses da burguesia cafeeira coincidiam com os interesses gerais da nação e, portanto, a defesa de princípios políticos adequados a uma nova realidade social: “(...) A República colocou-se então como a alternativa concreta de estabelecer uma ação através do Estado que assegurasse a ampliação e a reprodução do capital” (SALLES, 1985, s/p). Já o segundo elemento “(...) transforma a hegemonia interna em subordinação no plano internacional e condiciona a própria forma que assume esta hegemonia, no interior do país” (FAUSTO, 2006, p. 215).

Com a proclamação da república, e em vista das condições anteriormente mencionadas, a burguesia cafeeira procurou estabelecer sua hegemonia por meio da promulgação da Constituição em 1891. A primeira constituição republicana adotou a República Federativa como modelo e a denominação Estados em substituição a “Províncias”. A Carta Magna estabeleceu ampla autonomia aos Estados e, assim, atendeu aos anseios dos poderes locais: a Carta possibilitou a realização de empréstimos no exterior pelos Estados, a organização de forças militares próprias e, na distribuição de rendas, assegurou a arrecadação dos “(...) impostos de exportação aos Estados-membros, garantindo assim a receita das unidades maiores e em especial as de São Paulo” (FAUSTO, 2006, p. 221). Tais medidas favoreceram os dois principais grupos oligárquicos do país que se estruturavam em Minas Gerais e em São Paulo.

As oligarquias partilhavam pontos de interesses comuns, mas isso não significou ausência de conflitos ou uma identidade política plena entre as forças regionais. Politicamente, a oligarquia paulista aliou-se à mineira e foram hegemônicas frente às outras forças regionais; no entanto essa aliança não foi sempre harmônica: em alguns momentos, os conflitos foram tão acentuados que

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Fausto (2006) considera problemático referir-se aos empresários mineiros e paulistas como partidários dos mesmos interesses. As motivações dos conflitos podem ser encontradas na força da economia e na identificação entre a classe dominante e o aparelho do Estado em São Paulo. Destarte, apesar dos desentendimentos, entre 1989 e 1930, dos 11 presidentes eleitos no país, seis eram paulistas e três, mineiros. E, mesmo quando o eleito era de outro Estado, as articulações de paulistas e mineiros se faziam presentes. Essa política de alternância na indicação de candidatos à presidência ficou conhecida na historiografia como Política do Café com Leite, em uma alusão aos principais produtos produzidos em São Paulo e Minas, respectivamente.

Desse modo, o poder das oligarquias mineiras e paulistas influenciava diretamente a política nacional. Essa forma de fazer política que permeou a Primeira República ficou conhecida na historiografia como coronelismo e caracterizou-se pelo exercício do poder local ou regional por grandes proprietários rurais. Em suas regiões específicas, estes exerciam o controle sobre a população votante, o ‘voto de cabresto’, e as fraudes eleitorais. Ações locais como essas se vinculavam diretamente aos interesses do poder central, de modo que por meio de constantes trocas de favores os coronéis obtinham benesses, como verbas federais, e garantiam sua influência com a população local na sucessão do poder político em nível federal. Assim, as eleições não configuravam um momento de escolha, mas de barganha, em que o indivíduo votava em determinado candidato em troca de um benefício recebido ou a receber.

As origens dessas práticas remontam ao império e persistiram na Primeira República como a principal característica do exercício do poder10. A designação

marcial (coronel), atribuída aos chefes locais, adveio dos títulos da Guarda Nacional, criada após a independência de Portugal. Os chefes locais mais prestigiados ocupavam nessa guarda os postos mais elevados, denominados “coronéis”. Com a

10O sistema coronelista, além de mantido, foi aperfeiçoado por meio da “política dos governadores”. Por meio dessa forma de fazer política, instituída pelo Presidente Campo Sales, o governo federal e as forças regionais apoiavam-se mutuamente. O apoio e o suporte do presidente da República aos candidatos oficiais nas eleições estaduais eram retribuídos pelo apoio dos governadores ao seu indicado nas eleições presidenciais. O funcionamento dessa política dependia da coerção dos coronéis sobre o eleitorado regional e do controle da “Comissão de Verificação”, responsável pela oficialização dos resultados das urnas e pela diplomação dos eleitos. Assim, essa política permitiu o agrupamento em âmbito nacional das forças regionais oriundas do coronelismo (NAGLE, 2009).

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instauração da república, a Guarda Nacional foi extinta, contudo “(...) persistiu a denominação de ‘coronel’, outorgada espontaneamente pela população àqueles que pareciam deter entre suas mãos grandes parcelas do poder econômico e político” (FAUSTO, 2006, p. 173).

Além disso, durante o império a administração política dos municípios brasileiros era comumente transmitida por herança11. E, apesar de a Constituição de

1891 ter outorgado o direito de voto a todo brasileiro alfabetizado, o exercício desse direito não extinguiu as práticas coronelistas. O eleitorado podia, em tese, votar livremente e exercer o direito de escolha dos candidatos que exerceriam o poder político, no entanto a garantia legal e o alargamento da base eleitoral não resultaram na independência dos eleitores. O que se viu foram recorrentes eleições dos apadrinhados políticos de grandes proprietários rurais, garantidas por meio do controle da população votante e da fraude eleitoral:

Verificou-se desde logo que a extensão do direito de voto a todo cidadão alfabetizado não fez mais do que aumentar o número de eleitores rurais ou citadinos, que continuaram obedecendo aos mandões políticos já existentes. A base da antiga estrutura eleitora se alargara, porém os Chefes políticos locais e regionais se mantiveram praticamente os mesmo, e continuaram elegendo para as câmaras, para as Presidências dos Estados, para o Senado, seus parentes, seus aliados, seus apaziguados, seus protegidos (FAUSTO, 1997, p. 172).

O coronel era o referencial para se conhecer a distribuição dos indivíduos no meio social. Era o elemento aglutinador que se definia, especificamente, pelo poder político exercido; sua influência era medida pela quantidade de votos de que dispunha no momento das eleições. E foi com essa forma de organização do poder que as oligarquias e a sua influência nos destinos políticos mantiveram-se durante todo o período da Primeira República.

Apesar dessa influência, a crise no sistema oligárquico tornou-se mais evidente na década de 1920. Os problemas decorrentes da superprodução do café, os crescentes conflitos entre as oligarquias mineira e paulista, o desenvolvimento urbano e as novas demandas oriundas desse processo colocaram em xeque a alternância de poder entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais e resultaram

11 Fausto (2006) afirma que essa transmissão não era legalmente regulamentada e acontecia de maneira informal.

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na ascensão de Getúlio Vargas ao poder e sua manutenção pelos 15 anos seguintes a 1930. Na verdade, como será analisado nas páginas seguintes, o descontentamento da oligarquia mineira frente à paulista favoreceu, politicamente, um rearranjo entre as oligarquias insatisfeitas, os militares e as oligarquias gaúchas e que possibilitaram a chamada Revolução de 1930.

Portanto, a crise que resultou no fim da Primeira República teve fundamentos econômicos, políticos e sociais. A administração e o escoamento da produção foram paulatinamente assumidos por empresas internacionais, o que tornou o preço do café mais suscetível às oscilações do mercado. Além disso, verificou-se o aceleramento do desenvolvimento industrial e da ampliação da classe média e dos trabalhadores urbanos no país. Esses fatores, associados, concorreram para o enfraquecimento político dos coronéis e colocaram novas demandas para o país, especialmente no que se refere à educação.

O modelo de financiamento e comercialização do café, que já dependia do mercado externo, passou a depender administrativamente de empresas estrangeiras, as chamadas Casas Comissárias12. Esses fatores, aliados à

superprodução no decorrer da década de 1920 e à crise internacional, acentuaram a baixa nos preços do produto e a elevação dos lucros dos grupos internacionais. É importante sublinhar que a crise que culminou com a Grande Depressão de 1929 teve os EUA como o principal país envolvido, o que provocou uma diminuição abrupta nas importações do país. Entre os anos de 1929 e 1932, as importações norte-americanas caíram em torno de 70% e afetaram sobremaneira países exportadores de produtos primários, como o Brasil com o café (HOBSBAWN, 1994).

Os sinais da superprodução do café no Brasil apareceram ainda na década de 1910. Nesse cenário foram implementadas as primeiras medidas pelo

12Diante da precária organização bancária do país, os fazendeiros recorriam aos comissários para financiar a expansão da produção cafeeira e a posterior colocação do produto no mercado. Esses comissários, por seu turno, mantinham negócios no Rio de Janeiro e em Santos e representavam a ligação entre os produtores e os centros maiores. Além de receber e vender o café no mercado internacional, os comissários supriam os produtores com bens de consumos provenientes das cidades e, por esses trabalhos, recebiam parte da produção. Essa situação foi, paulatinamente, substituída pela participação de grupos externos, que passaram a atuar na exportação do café. Esse processo iniciou-se na década de 1870, com a oferta regular de linhas de transporte marítimo e a implantação do cabo submarino que possibilitaram ligações telegráficas entre o Brasil e o continente europeu. Dessa forma, informações a respeito das oscilações do mercado mundial tornavam-se acessíveis rapidamente e diminuíam-se os riscos de prejuízos. Juntos, esses fatores possibilitaram que as empresas estrangeiras detivessem o controle do comércio de exportação do Porto de Santos e colaboraram para o acirramento da crise no final de 1920 (FAUSTO, 2006).

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governo federal com o objetivo de arrefecer os efeitos da produção além da demanda do mercado. A intervenção governamental tinha por meta garantir a lucratividade da economia cafeeira em um momento em que os grandes produtores influenciavam decisivamente a condução política do país13. É importante destacar

que os anos que antecederam a crise foram de expansão da produção e das taxas de lucros da economia cafeeira, o que possibilitou a ampliação da atividade industrial no país.

Portanto, os altos lucros conseguidos na produção ajudaram a dinamizar outros setores da economia, como foi o caso da indústria. Isso se deu porque os produtores reinvestiram os lucros em infraestrutura para ampliar ainda mais a produção e a comercialização do produto. Essas ações, aliadas à presença dos imigrantes em São Paulo, colaboraram para o desenvolvimento industrial da província.

Os estrangeiros que aqui aportaram eram, em sua maioria, jovens, alfabetizados, dotados de experiência no trabalho assalariado, frequentemente oriundos das cidades e conhecedores de habilidades manuais, necessárias à manufatura. Por outro lado, essas características colaboraram para a marginalização de parte da força de trabalho nacional e o aumento dos problemas sociais. Isso porque a força de trabalho nacional não era vista em condições de concorrer no mercado de trabalho urbano com os imigrantes que chegavam e, muitas vezes, possuíam alguma experiência no trabalho que desenvolveriam aqui. Sobre isso, Fausto (1997) informa que

Nas áreas do café se concentrou uma mão-de-obra diligente, autodirigida e adaptável. Sem embargo disso, o seu aparecimento foi tragicamente desarmonizador, visto que os libertos e quase todo o resto da classe trabalhadora nativa estavam despreparados para competir e, como à elite não interessava destinar parte dos seus ganhos à melhoria do capital humano nativo, a maioria deles viu-se marginalizada pelo fluxo imigrante (p. 279).

13 "O segundo Plano de Valorização do Café (1917 – 1918) teve seu sucesso ampliado graças à forte geada de 1918, que fez os preços de 1918 – 1919 dispararem (...). A crise internacional de 1910 – 1922 derrubaria de novo os preços (...). Esses resultados positivos induziram a cafeicultura paulista a uma atitude ainda mais ousada: entre 1924-26, formula o Plano de Defesa Permanente do Café. Comparada com 1918, sua capacidade produtiva se elevara, ao final da década, em 50%. As super safras de 27/28 e de 29/30 (...) precipitaram a crise que antecipa a mundial de outubro de 1929" (CANO, 2012, p. 902).

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Portanto, em seu conjunto, o que se observou foi um rápido desenvolvimento decorrente das atividades cafeeiras. A consequência direta desse dinamismo, expresso no aumento de postos de trabalho nos setores de transporte, comércio e do funcionalismo público, foi um crescimento maior das cidades em relação à população do país em geral. E nesses espaços urbanos, além do crescimento do proletariado, estruturou-se uma pequena burguesia consumidora de bens de consumo em geral. Em suma, entre a última década do século XIX e a primeira do século XX, o crescimento da economia cafeeira em São Paulo favoreceu uma crescente diversificação capitalista (CANO, 2012).

Dessa forma, a produção manufatureira no Brasil tornou-se responsável por uma parte substancial do consumo interno após a abolição da escravidão. Nas décadas anteriores a economia brasileira fundamentava-se basicamente no fornecimento de matérias primas e gêneros alimentícios ao mercado internacional, enquanto o consumo dos produtos manufaturados era suprido pela importação dos países centrais. Por um longo período, a economia nacional beneficiou-se da disponibilidade de seus recursos naturais, mas, por outro lado, a expansão e a diversificação das indústrias manuais do país foram limitadas pela produção escravista. Esse panorama alterou-se com o acirramento da crise do café no final da década de 1920 e a ampliação da participação da indústria no mercado do país. Portanto, é válido reafirmar que a emergência do trabalho livre, importante para a expansão da cafeicultura em São Paulo, foi, também, fundamental para o desenvolvimento da indústria no país (FAUSTO, 2007).

Nesse contexto de fortalecimento da burguesia industrial, a luta de classes no país se deu em dois planos: entre os proprietários e não proprietários e entre a própria classe dominante (oligárquica) na década de 1920. Os custos com a economia agroexportadora, operacionalizados por empresas estrangeiras, diminuíram os lucros e suscitaram intervenções governamentais em favor dos cafeicultores. As medidas intervencionistas representaram novas onerações para o Estado, de modo que “O valor gerado pela economia agroexportadora acabou por destinar-se substancialmente a pagar os custos da intermediação comercial e financeira externa, a que chegara o sistema econômico" (FAUSTO, 2007, p. 451). Nesse sentido, a economia agroexportadora que, inicialmente, favorecera o desenvolvimento da indústria passou a dificultar seu avanço e, nessa conjuntura, os

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interesses das classes dominantes tornaram-se conflituosos.

E, apesar dos esforços governamentais, no decorrer dos anos de 1920 a política voltada à proteção do preço do café tornou-se insustentável. A superprodução era tamanha que as ações para a retirada de parte da produção do mercado pelo governo, e que garantia os lucros aos produtores, tornaram-se impraticáveis. O fracasso da iniciativa intervencionista decorreu especialmente pela crise internacional de 1929, que limitou substancialmente a possibilidade de financiamentos para a compra dos estoques encalhados. Além disso, o nível dos estoques cresceu exponencialmente e tornou-se evidente que jamais seriam distribuídos (ROMANELLI, 1997).

Nesse contexto de declínio da economia cafeeira e de ampliação da atividade industrial verificou-se o acirramento da divisão social do trabalho. A consequência direta desse processo foi a diversificação das funções especializadas e que passaram a ser supridas pelas novas camadas socais. Em síntese, esse foi um período propício para a ampliação das profissões liberais e para o aumento quantitativo do proletariado. E, principalmente a partir de 1920, a massa de trabalhadores urbanos que nas décadas anteriores apresentava um fraco nível reivindicatório e baixo grau de coordenação de interesses classistas, tornou-se ideologicamente contestadora (NAGLE, 2009). Apesar dessas características, os movimentos contestatórios não emergiram abruptamente. Ao contrário, foram consequências das novas contradições postas e do acúmulo de experiência das décadas precedentes. Do início da república até a década de 1920, as lutas operárias possuíam um caráter ideologicamente confuso, porém fecundo na mobilização de forças:

Daí a importância que tiveram as escaramuças, os movimentos grevistas, as comemorações operárias, os comícios (...), juntamente com jornais, revistas e folhetos escritos na ocasião, desde que serviram para tornar a atividade mais coesa e ampla (NAGLE, 2009, p. 47).

Os movimentos operários, no campo das ideias contra-hegemônicas, foram influenciados pelo anarquismo nas duas primeiras décadas do século XX. Os principais líderes do anarco-sindicalismo eram estrangeiros, sobretudo italianos e espanhóis. A preocupação maior desses movimentos, inspirados no anarquismo, era a ação social voltada para a beneficência e para os socorros mútuos (NAGLE,

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