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Portinari, poeta de imensidões

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Academic year: 2021

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(1)

ANA CARLA BICALHO COZENDEY

PORTINARI,

POETA DE IMENSIDÕES

Dissertação de Mestrado em História da Arte

Orientador: Guilherme Sias Barbosa Co-orientadora: Angela Ancora da Luz

Universidade Federal do Rio de Janeiro • Centro de Letras e Artes • Escola de Belas Artes

(2)

r

\

H COZENDEY,Ana Carla Bicalho

Portinari, poeta de imensidões. Rio de

Janeiro

,

UFRJ

, EBA, 1998. x,120f

.

\

Dissertação:Mestrado em História da Arte (História eCrítica da Arte)

1. Pintura 2.Cândido Portinari 3.Imaginação poética 4.Gaston Bachelard r*\

I. Universidade Federal do Riode

Janeiro

II.Título r* \ r~\ r*\ \

(3)

ANA

CARLA

BICALHO

COZENDEY

H I

PORTINARI

,

POETA

DE

IMENSIDÕES

Dissertaçãosubmetida aoCorpo Docenteda Escolade Belas Artes

da Universidade Federaldo Rio de

Janeiro

como partedos requisitos necessários

à obtençãodo grau mestre

Professor Doutor GuilhermeSias Barbosa Universidade Federal do Riode

Janeiro

Professora Doutora Ana MariaAlencar Universidade Federal do Riode

Janeiro

lïjiyjU

/

IWPJI

í

LAJO

Professora DoutoraMirian deCarvalho UniversidadeFederal do Riode

Janeiro

o

Rio de

Janeiro

Em

H

/ Ií/1998

(4)

IV

'""N,

Aos

meus

pais

(5)

'‘N

AGRADECIMENTOS

v

' \

ÀAngelaAncorada Luz, que meorientouem cadaetapa deste trabalho.

Ao Projeto Portinari,que meforneceu subsídios aolongode todoocursodomestrado. Aos meusamigos, juntoaosquais ossonhos ficam mais bonitos

.

Ao grupoCladestino deArteEducação,que tem por vocaçãoa poesiaeaimaginaçãoarteira. r\

\

(6)

/“S

RESUMO

V I

PORTINARI, POETA DE IMENSIDõES

Destaca

-

se na obra do pintor Cândido Portinari a poesia como uma marcaque reúnea sua grandevariação de técnicas e tendências estilísticas, tomando-se o termo poesia de

formaabrangente,como umfenômenoquepodesedarnasdiversasartes.Comosupor

-te metodológico da fenomenologiade Gaston Bachelard, que valoriza a funçãodaima

-ginação material, imaginação ligada aos quatro elementos fundamentais: água, terra,

fogoear, adissertação vaiaoencontroda imaginaçãopoéticadopintor,criadora deima

-gens poéticas fortemente ligadas à matéria terrestre. Acompanhando

-

se essas imagens,

chega-seàvivênciade umaespacialidadeque combinaexpansãoeconcentração equese

define comocentral na poética de Portinari

.

Na relaçãoentre osespaçosexteriores eos

interioresintensificados,descobre-sea imensidão.

(7)

ABSTRACT

V i l

PORTINARI, THE POET OF VASTNESS

In the work of the painter Cândido Portinari, poetry, ifone takes the term in the wide

senseofaphenomenonwhich maybeappliedtodifferentart-forms,isevidentasamark that uniteshisgreat range of techniqueand stylistictendencies.With themethodologi

-cal support of Gaston Bachelard’s phenomenology, emphasizing material imagination linkedto thefour basic elements ofwater,earth,fire andair, the dissertationapproaches

the poeticimagination of the painterwhich creates poetic images stronglylinked to the

earth. Following these images, one experiencesa senseof spaceexpandingand concen

-trating,whichmaybe definedascentral toPortinari’spoetry. In therelationshipbetween the intensified externaland internalspaces, vastness isencountered

.

(8)

' 'S

LISTA

DE

ILUSTRA

çõ

ES vin

-

'•'

N

Ilustração 1

-

Circo•1933•óleo/tela•60x73 cm•Coleção particular -MG ••Fonte:

cromodoProjetoPortinari.

Ilustração2

-

0lavradordecafé•1934 •óleo/tela•100x81 cmCol.MuseudeArtedeSão PauloAssisChateaubriand

-

SP••Fonte:cromodoProjeto Portinari

.

Ilustração3

-

Café1935•óleo/tela •130x195cm•Col.Museu Nacional de Belas-Artes

-RJ

••Fonte:cromodo Projeto Portinari.

Ilustração4

-

Retirantes•1936•óleo/tela•73x60cm•Institutode Estudos Brasileiros da

USP,Col.MáriodeAndrade

-

SP••Fonte:MUSEU DEARTE DE SÃO PAULO. Portinari:

retrospectiva.SãoPaulo:1997,p.55

.

Ilustração5

-

Gado •1938•afresco•280x246cm •Col. PalácioGustavoCapanema -

RJ

••Fonte: FABRIS,Annateresa. CândidoPortinari.São Paulo: Editorada Universidade de São

Paulo,1996,p.78

.

Ilustração6

-

Espantalhoe boiempaisagem•1940•óleo/tela80x100 cmCol.particular

-

SP••Fonte:MARTINS, Luís. Portinari.SãoPaulo: Gráficos Brunner,1972,p

.

55.

Ilustração7

-

Conchasehipocampos •1941

45•painel de azulejos•990x1510cm •Col

.

PalácioGustavoCapanema -

RJ

••Fonte: FABRIS, Annateresa.CândidoPortinari.São Paulo:

Editora daUniversidade deSãoPaulo, 1996,p. 158.

Ilustração8

-

0 sacrifíciode Abraão1943•têmpera/tela•200x150 cmCol. Museu de

Artede São Paulo AssisChateaubriand

-

SP••Fonte:cromodo ProjetoPortinari.

Ilustração 9

-

Família de retirantes1944•óleo/tela•190x180cm •Col.MuseudeArte deSãoPauloAssisChateaubriand - SP••Fonte:FABRIS,Annateresa. Cândido Portinari.São

Paulo: Editora daUniversidade de SãoPaulo,1996, p.111

.

Ilustração 10

-

Primeira Missa no Brasil•1948•têmpera/tela

266x598cm Col.Banco

Boavista

-

RJ

••Fonte:cromodo Projeto Portinari.

Ilustração 11

-

Colheita do CaféI960•óleo/madeira•229x260.5 cm•Col.Bancode

(9)

SUM

á

RIO IX

1

-

INTRODUçãO

2

-

PORTINARI EM BREVE VISÃO GERAL" Seleçãodasobras

2.1

-

ClRCO

2.2

-

OLAVRADOR DE CAFÉ

2.3-CAFé

2.4

-

RETIRANTES

2.5-GADO

2.6

-

ESPANTALHOE BOIEMPAISAGEM

1 8 13 14 15 '

-

NV 15 16 17 18 2.7

-

CONCHASEHIPOCAMPOS 19 2 . 8

-

0SACRIFÍCIO DEABRAÃO

20

2.9

-

FAMíLIADE RETIRANTES 2.10- PRIMEIRAMISSANOBRASIL 2 . 1 1-COLHEITADO CAFé

3

-

APOéTICA DEBACHELARD "Metodologia 4

-

DIãLOGOENTREPORTINARI EBACHELARD

Diretrizesparaaplicaçãoda metodologia

. .

. .

5

-

MERGULHANDOEM IMAGENS" Leiturasdasobras

5.1-CIRCO 5.2

-

OLAVRADORDECAFé 5.3-CAFé 5.4

-

RETIRANTES 21 22 25 30 39 39 44 49 53 5

-

5-GADO 57

5.6

-

ESPANTALHOE BOI EMPAISAGEM 5.7-CONCHASEHIPOCAMPOS 5 . 8

-

0SACRIFíCIO DEABRAãO

5.9-FAMíLIADERETIRANTES

5.10-PRIMEIRA MISSANOBRASIL 5.11-COLHEITADO CAFé

6- 0 POETA DE IMENSIDõES" Espacialidadepoética emPortinari

7- CONCLUSãO

8-REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS 9 -ILUSTRAçõES 60 65 70 74 77 82 90 104 107 1 1 0

(10)

X

Fantasmanãoexiste

.

Sóexiste umacoisasobrenatural: Apoesia,ou oamor,éo mesmo

.

Eomundosóvive

Quandoligaachave:

Estachaveé oamor

.

.

.

(11)

r \

1

!

INTRODU

çã

O

Há, emnossaconfrontação com omundo,umaânsiade controleque,dominadosos

ele-mentos instáveis, nos permita gozar da tranqiiilidade de uma acomodação ilusoriamen

-te

protegida

das surpresas. Com a crença de atingirmos a verdade absoluta dos fatos,

construímoscertezas inabaláveise gostamos igualmente de acreditar que nossa palavra pode ser totalmente objetiva, dotada de uma significação inquestionável, que passe adianteaverdadealcançada

.

Assim, acomunicaçãotranscorrerianamaisperfeitaharmo

-nia, sem dúvidas ou contradições, negando

-

se umacomplexidade própria às relações.

Asrelações, porém,asseguram exatamenteaimpossibilidade de coincidência plena

entreinformação einterpretação, jáquea participaçãodo sujeito imprimeambigíiida -des a essa troca, que não se trata de uma troca de dados entre máquinas (que ainda

nestecaso podeocasionar erros e incompatibilidades de leituras)

.

Tambémoreal e sua

codificação não devem ser consideradoscomo uma mesma coisa, pois, na verdade, é vã a tentativa de apreendermos em rótulos definitivos, em signos limitados, oeterna

-mente mutável

.

Dessa maneira, todos os nossos modos de percepção e expressão comportam bre

-chas,espaçosparaaapariçãodoinesperado,indeterminaçõescondizentescom aimpos -sibilidade de uma apreensão e representação objetivas da realidade

.

Mas, de qualquer forma,deum modogeral nos utilizamos das linguagenscoma pretensãodeobjetivida -de, precisandosignificadose mantendo ossignificanteso mais possível limitados tritivos. Um procedimento inevitável,mas que mereceum estadode atençãoquanto a

sua relatividade.

Destaca

-

se,então, um campo ondesãovalorizadas sugestõesoutras queas advindas do pensamentolineareondeseassumeo papeldecriaçãodo homem,com a conseqiien

-teevidenciaçãoda imprecisão daslinguagens, nãovistas mais como um absoluto, já que

(12)

-relativas aossujeitosem ação e transformação no mundo: aarte.Em especial,a artedo !2

nosso século abriu espaço à liberdade de experimentação, se tornando, assim, uma área privilegiada paraosurgimento do novo, paraa dinamização e flexibilização dos concei

-tosestabelecidos,sendoque,com certeza,ela não sedesenvolve nestecaminho indepen -dentemente dopensamento e daculturacomo um todo.

A históriada arte, disciplinaque pretendesedefrontar com o fatoartístico, atrela

-se, portanto,aoestudo de processoe momento históricos, mas não podedesconsiderar

asingularidadedeseuobjeto,queremete também à potencialidade humana detransitar

em umaoutraesfera diferente da histórica.Fazemos nossas as palavras deMirceaEliade, queaoavaliaraatuaçãodo historiador dasreligiõesnosdá um bom argumentoemdefe

-sa da amplitude de atuação do historiador das artes, considerando

-

se que, em nosso pontode vista, também este último

lidacom fatosque, embora históricos, revelam um comportamentoque

vai muito além doscomportamentos históricosdoser humano. Se é ver

-dade queohomem sempreseencontrainseridonuma ‘situação’,nem por isso essa situação é sempre histórica, ou seja, unicamente condicionada

pelo momento histórico contemporâneo. O homem integral conhece

outrassituaçõesalém desuacondiçãohistórica.Conhece, porexemplo,o

estado desonho,oudedevaneio,ouoda melancoliaoudodesprendimen

-to,ou da contemplaçãoestética,oudaevasãoetc.

etodosessesestados

nãosão‘históricos,embora sejam, paraaexistência humana, tãoautênti -coseimportantesquanto asua situaçãohistórica.1

o

Dentrodessaótica,tomaremosparanossotrabalho umaabordagemquebuscaráevi

-denciara açãode uma dessas potencialidades humanas que não selimitam aocondicio

-namentohistórico:aimaginaçãopoética

.

Nãoqueareflexãosobreesteaspectotenha sido

um interesse apriorístico, mas um tema que emergiu do contato com nosso objeto de pesquisa,aobrado pintor Cândido Portinari.

Pintorjátãodebatido, Portinari nosreservou um campodedescobertas, pois,assim

como convém às manifestações artísticas, sua obra permanece aberta às mais diversas incursões. Ao pesquisá-la amplamente, uma força interna, a nosso ver n

(13)

-mente ressaltada pelosestudosexistentessobreo pintor, pareciaseentrelaçar pelos bra- !3

ços dos diferentes quadros, reunindoo que muitas vezes aparentava dispersão, aproxi -mando diferentes técnicas e tendências

.

Acreditamos que seria próprio chamar esta

força de

poesia.

Comofim de demonstrar queessaforça éde fatorelevante,pois quese tratade uma

constante naobra de Portinari,organizamosnocapítulo2 umaseleçãode trabalhosque dá umaideia detrajetóriaartística,indicandoas maisimportantes manifestaçõesdo

pin-tor através de exemplos característicos dos principais grupos de soluções pictóricas por O conjunto assim constituído nos serviria de

(

f S

ele experimentadas ao longo dos anos

.

suporte paraa reflexãoquequeríamosempreendersobreaobra do pintor de formaglo

-bal,não noslimitandoarecortesdeterminados

.

Parabem justificar nossasescolhas,deti

-'•v

apresentarcada obra selecionada, apontandosuasignificação na trajetória de Portinari e mostrando que constituiam um grupo realmente abrangente, portanto

adequadoaservir como nossomaterial de trabalho

.

Vislumbrado oconjunto, podíamos partir paraoenfoqueespecífico que pretendímosestabelecer,abordando a poesia como

o traçode uniãoentreasdiferentes obras apresentadas

.

Mas como tratar de poesia em pintura, comodemonstraralgo tãovago e inapreen

-sível, comodela nosaproximar, sabendo quea simples aplicação de conceitos racionais

seria insuficiente? É no seiodestas questões quesurge nossa opção metodológica, trazi

-da pelo teórico que descobrimos como viabilizador de nossas intenções de reflexão: o

filósofo Gaston Bachelard.

Éimportante deixar claroqueao tratarmosde poesiaestamos nosvalendodo termo

deforma abrangente, considerando-acomo a essência de um fenômenohumano

,

o fenô

-meno poético, que é oriundo da imaginação poética e que pode ser encontrado nas

diversasartese não só na literatura, área a queo termoé maiscomumente relacionado.

Desta forma, o trabalho de Bachelard, que procura acompanhar a ação da imaginação poética, mesmo se baseando principalmente em exemplos literários, fornece-nos um

aporte para irmos ao encontro da imaginação poética do pintor Portinari

.

O próprio Bachelard, apesar de construir sua filosofiada imaginação em cimada literatura, nãose

(14)
(15)

apoiaríamos para nosso intento.Com estepropósito,definimos,em linhas gerais, open

-samentodeBachelard sobrea imaginação poéticae sua propostadeabordagemdesta por

meiodeuma fenomenologiada imaginação.Bachelardvêomundo da imaginação como

um mundode devaneio, ondesedestaca uma imaginaçãomaterial(ligadaaosquatroele

-mentosfundamentais:água, terra, fogoear) que agenabase da imaginaçãopoética.Esta última,que tem uma intenção específica dese expressar, organiza-se em imagens poéti

-cas, meionoquala imaginaçãodocriador podese revelar paranós

.

Eé neste ponto que

seencaixaafenomenologia da imaginaçãode Bachelard, propondo umarelaçãoimedia

-tacomasimagenspoéticasquepossibiliteoencontrocom aimaginaçãoem ação,encon

-troquesósedá plenamente pela disponibilizaçãoda imaginaçãodo fruidor.

Sintetizando em seus ângulos principais esse pensamento que seria nosso guia na condução do trabalho, podíamos partir para um direcionamento mais aproximado ao

nosso objetodeestudoe, portanto, realizamos nocapítulo4 um primeirocontatoentre

PortinarieBachelard

.

Poreste contatoapontamosapresençadaimaginaçãomaterialem Portinari e a sua predileção pela matéria terrestre

.

Descobrindo com Bachelard dois movimentos da imaginaçãoterrestre, o deextroversão/expansãoe odeintroversão/con

-centração,constatamosqueapoesiadePortinari transitavaespecialmenteentre estesdois pólos imaginários, configurando-se por uma espacialidade que buscaríamos evidenciar

nasobras.Propondo

-

nosacircular porentreasimagens poéticasligadasàimaginaçãoda

matéria terrestre, pretenderíamos principalmenteconduzir oleitora descobrir, habitan

-docoma imaginação,osespaçosexpansivoseosconcentrados.Para tanto,delimitamos

neste capítulo os aspectos configuradores primordiais que, anexando formas e cores a

sonhos,nosconduziriamàexpansão eàconcentração. Porestecaminho poderíamostra

-zer à luz o ponto que destacamos como central para nossa dissertação: a espacialidade poética em Portinari.

Assim, com o foco para a leitura das obras demarcado, estabelecidas as diretrizes paraaaplicaçãoda metodologia,estávamos prontosparaomergulhoqueefetuamos no

capítulo5. Do mesmomodocomo Bachelard não buscoua imaginação poética navida pessoal dos poetas,mas nos poemas, também nósalmejamos atingira poesia do pintor

5

(16)

A

em suas pinturas, pois se a imaginação poética produz imagens poéticas, estas são os documentossobre os quais devemos nos debruçar

.

Faz-se necessário,então, quesubli -nhemos umadelimitaçãode nosso trabalho,oqual, não pretendeu desenvolver investi

-gações sobre a composição das obras como um todo, mas agir na conscientização das imagens poéticas.

Defrontando

-

noscom as pinturas umaa uma,empenhamo-nosem nosabrir a suas

manifestações poéticas,guiados pelasdiretrizesdefinidas nocapítuloanterior,diretrizes queprimam pelaflexibilidade,emvirtudeda própriametodologiaqueasengendrou.De acordo com as propostas metodológicas adotadas não seria legítimo nos lançarmos às

obras por meio de uma leitura esquemática

.

Por isso, procuramos estabelecer com elas uma relação, relaçãoque nospediu umaatitude amorosae não violenta

.

Se tentássemos

arrancar,aqualquercusto,coisasdascoisas, teríamos a nossasensibilidadeembrutecida, deixando

-

a enrijecida e incapaz da percepçãosutil e da fruição criativa

.

Prisioneiros de pré

-

conceitos,encarcerados numacelaa nosimpediros vôosdaimaginação,falharíamos

numa obsédanteeagressivatarefa de decifração,sendo, por fim, devorados

.

Énestesen

-tido que nãocabe o termo interpretação, massim, adesãoe amplificação

,

ao nos referir

-mosanossosprocedimentosfrenteàsimagens poéticasvislumbradasnasobras

.

Nãoqui

-semos traduzir a poesia, quisemos aumentar as imagens experimentadas, ressaltá-las,

sobrecarregando-ascom mais imagensque comelase coadunam.

Convém,ainda, indicarmosoeventual reforçoque pedimosa palavrasde Portinari, sejaem narrativasondeseresgatamsonhos ou mesmoem poemas,aosquaissededicou nos últimosanosdesua vida, tendo sido lançadosem um livroqueos reuniu postuma

-mente. Nãoé nossa intençãosubstituir uma coisa pela outra, pintura e literatura, mas aproximar imagens poéticasque vêm da imaginaçãode um mesmo ser eque, portanto, podem demonstrar certa tendência deseu imaginário

.

Aomergulhar naspinturas, pudemos iraos poucosdemonstrando que,defato, uma espacialidade poética era por elas veiculada. Então, chegado o capítulo 6, restava apro-fundar este tema.Apontadasas relações da imaginaçãoda matéria terrestrecom aespa

-cialidade poética em Portinari, vislumbramos, nesta última, uma dinâmica imaginária

6

(17)

em que intimidadee imensidão são oelo invisível que une os espaçosexpansivos eos espaçosconcentrados, visíveis nasobras. Edaí pudemos concluirque o pintor de“tem -peramento terrestre” sesobressai, finalmente, como um pintor-poeta de imensidões.

A partir dessa primeira apresentação da dissertação,com uma visão

global

decomo

ela se desenvolverá, sigamos agora para o confronto mais detalhado com cada uma de suas partes, tendo em mente queesta é apenas uma entre tantas possibilidadesde apre

-ciaçãoda obrade Portinari. A nossa terá o propósitodeparticipar desuasimagens para

além de uma

significa

ção imediata, indo ao encontrodo mundo de devaneio que elas

evocam. A poesianosconduzirá parao algoamaisdo queé representadonastelas

.

Antes de fecharmos esta introdução devemos esclarecer a dinâmica de consulta às

ilustraçõesdotrabalho.Localizadasaofinal do volume,elas foram posicionadasem pági -nasduplasque, abertas, possibilitamqueailustraçãoconsultadafiquesempre aoladodo

texto, independentemente da página em queeste seencontre. Por meio desse dispositi

-vo valorizamoso contatocom as obras, facilitandoseu acesso aqualquer momento em que o texto a elas se remeta

.

Isto porque julgamos ser essencial que o leitor tenha uma relação visual com elas, ainda que limitada, já que se fará através de reproduções. Chamamos aatenção paraofato de que algumas observações feitas ao longodo traba

-lho talvez não possamser precisamente notadas nas reproduções, pois nasceram direta

-mentedo encontrocom a obra mesma

.

Mas, cremosque demaneira geral as reprodu

-ções serãorealmente um suporteeficaz

.

7

NOTA:

ELIADE,Mircea. Imagensesímbolos:ensaiosobreosimbolismomágico-religioso

.

São Paulo:Martins Fontes,1996,

(18)

2

!

PORTINARI

EM BREVE VIS

ã

O GERAL

"

Sele

çã

o

das obras

Procuramos, neste capítulo, delimitar um breve roteiro que, oferecendo um panorama genérico da obra de Cândido Portinari, certamente não esgota, mas apontaalgumas de

suas mais importantes manifestações

.

Selecionamos exemplos característicos de certos

grupos de soluções por eleexperimentadas, pontosde confluência,síntese de caminhos trilhadosoumomentos privilegiadosde germinação,de onde partem outrosdesenvolvi

-mentos.Apesar de almejarmos nos aproximar do trabalho de Portinari demaneira glo -balé importantesalientarmos,entretanto,quenossaseleçãonão considerou a produção

de desenhos, retratos,florese ilustrações de livros, por nãoconstituirem o núcleo prin

-cipal da obraem questão, apresentandoaspectos e motivações particulares.

Paraorganizar nossaseleção tomamos por base um grande númerode estudosexis

-tentessobre oartista, pelosquais pudemoselaborar alguma noçãode trajetóriado pin

-tor. Dentre as fontesconsultadas em nossa pesquisadevemos destacar cinco que muito

nosvaleram porfocalizar a obra da Portinari com bastanteabrangência e profundidade crítica,ainda quecom abordagens diferentes

.

Sãoelas: Portinari,pintorsociale Cândido Portinari

,

de Annateresa Fabris; Dos muraisde Portinariaos

espa

çosde Brasília

,

deMario Pedrosa; A

querela

doBrasil

,

de Carlos Zilioe CândidoPortinari

,

de MáriodeAndrade

.

1 Após uma rápida apresentaçãodo pintorem suarelação com a profissão,apontare

-mos,então,em linhas bem gerais, o seu desenvolvimento profissional a partir das obras selecionadas, asquais farão ocorpo de nosso trabalho.

Inicia-se nosanos30a produçãosignificativade Cândido Portinari, nascidonuma fazenda de café da cidade do interior paulista, Brodósqui, em 29 de dezembro de 1903. Filhode imigrantes italianos, vive em meioaos trabalhadores rurais, mas jádes -ponta desde cedo seu interesse artístico, procurando atividades

desenvolver

.

que o pudesse

(19)

Norastrodesua vocação,segue paraoRiode

Janeiro

aosquinzeanosdeidadee, após !9 uma tentativa frustrada, ingressa em 1921 na Escola Nacional de Belas

-

Artes. Em 1928 ganhaoprémiode viagemàEuropaeaté1930viveráemParis, tendovisitadoa Inglaterra,

Itália eEspanha. É entãoquequestionaráa limitaçãodesua formaçãoacadêmica, nãosó

pela descobertadas vanguardas francesas,masaté mesmoda tradiçãorenascentista

.

Envolvido na pesquisa e observação, vivendo um momento de transição, o artista não podia, como erao hábito dos premiados, produzir intensamente, dando continui

-dade exclusivamente a sua formação acadêmica

.

Apenas três naturezas-mortas voltarão na sua bagagem material

.

Quantoàespiritual, além daquiloque traria nos olhos, viria com umarenovada predisposição,avivadasua ligação radical com a terra brasileira. Por

comparação econtraste, fica evidenciadaaespecificidade da cultura brasileira, a impor

-tânciadevalorizá

-

la eaconstatação da impregnaçãodestaem sua sensibilidade

.

Em 1931, de voltaao Riode

Janeiro

,Portinari jáencontra uma base modernaesta

-belecida.Vivendoaexplosãomodernista,quandoaquestãodostemaséaltamentevalo

-rizada, vinculada especialmente ao nacionalismo, participa principalmente do

segundo

momento,ondeumatemáticasocialseimpõecom maisvigor. Deseus temas,excetuan

-do-se o religioso, a grande maioria se refere à realidade brasileira, constituindo

-

se um repertórioiconográficoondese manifestam tiposesituaçõesespecíficaseabsolutamen

-te particulares, distanciando

-

se de qualquer modelo estrangeiro. A busca das origens e

desrecalque das culturas formadoras do nacional é um dos impulsosdessa arte preocu

-padacom aautenticidade

.

Assim, aorigem dopintorseconfundecom aorigem dopaís

e a paisagem interiorana (representada particularmente por sua cidade natal) e o tipo popular, caracterizadosem seu despojamento, compõem um dos principais coloridos a

preencherem suas telas

.

Portinari produziu com grandeintensidade, numa pesquisa de formas, cores e técnicas que melhor se adequassem à sua pretendida expressão

.

Como afirmou CarlosZílio,

Asorigensformaisdeseuestilo envolvem diversas influências.Há,por exem

(20)

disso,ainfluênciadealgunsartistasda Escola de Paris,doMuralismomexi

-cano,do Quattrocento italianoedosensinamentosdaEscolade Belas-Artes.2

10

Assim, várias expressões passam por suas mãos e aos poucos se vão definindo as

característicasdesua pintura, tanto no estiloquanto na temática, que, noentanto, car -regará sempre a marca de uma procura ativa. Em busca da pintura, o processo de assi

-milaçãodeinfluênciassedá sempre pela experimentação.É precisoentender comamão

.

Paraotrabalhadorconsciente,oatoéomeio privilegiadoondeareflexãoacontece unida

àação, num movimento detrocascontínuasquegera novassoluções.Numauniãoindis -solúveldeartista eartesão,esse trabalhadorcônsciodoofício,lidacom aartecomoeter

-na descoberta.Descoberta dos meios que possam desvelar oartista. Entregue àsensibi -lidadequecaptasegredos pairando noar que todosrespiram,oartista inspirae expiraa poesia, sopro que dará vida a seus elementos picturais, enquanto que, como artesão, transpira a pesquisa técnica, o domínio dos processos que participarão da génese dos novosmundos prestes aexplodirem na tela.Estaé a proposta de Portinari:

Eucompreendo(...)anecessidade dequeoartistarealizeum laborcons -tante, ininterrupto. O trabalho regular é indispensável e serve para lhe depurarasensibilidade, vitalizarossurtosdeenergiacriadora,acentuara

originalidadeeaeficiênciadosseusmeiosdeexpressão. Pelo trabalho,ele faz um apelo a si mesmo e vai penetrando, devassando, exprimindo

melhor o mundo interior. Um pintor imóvel pode estar em transe, em

angústia; é possível que todoele sangre noesforçodo sonho. Mas oque

contestoéque, sem apráticaconstante, tenhaagilidadedescritiva,avisão sintética, comque possa plasmar em traços lúcidose definitivos, as suas

inquietudesmaisprofundas.3

Trabalho e devaneiose destacam, então, como atitudes básica do pintor que, pela

constanteexperimentação, busca trazer à tona ossonhos profundos do mundo interior

.

A esterespeito,Annateresa Fabris resume algumas proposições de Mário de Andrade:

Oartistaeoartesãoimbricam-se nele,levando

-

oaexperimentartodosos

(21)

semseesquecer, noentanto, deemprestar a suasexperiências umsentido

poético próprio, de conferira todaselas aquela qualidade que Máriode

Andrade denomina instintiva humanidade,4

1 1

Pesquisando e incorporando diversas contribuições estilísticas, Portinari constitui

umaobraamplae múltipla, rica na técnica e naexpressão, que não pode,ésemprebom lembrar, ser dissociada deseu momentoeespaçohistóricos. Aarte brasileira do período modernista,noqual seinsereo pintor,esteve intimamente ligadaa questões nacionalis

-tas, como jáapontamosacima. Nesseestágio de desenvolvimento de nossaarte,a neces

-sidade derepresentação na pintura aindasefaziapresentecomoum códigode valora ser

explorado, tomado pelos artistas como base para atuar

.

A representação vem ligada ao

tema, o que define um aspecto literário de brasilidadeem nossa arte moderna, contra

-riamente às tendências européias de vanguarda (onde os artistas brasileiros buscavam subsídios para umarenovaçãoestética), cujocaráter internacionalseafirmava naexpres

-sãoartística

.

Portinari assume para suaarte a representatividadee a figuração, salvo raras incur

-sões no abstracionismo total

.

Vinculando seu percurso, do início ao fim, aos temas

nacionais,sente-seàvontadepor tratar deassuntosquelhe diziam respeito,fazendo uso

de um marcado realismo, ainda que não no sentidoestrito do termo. O desenho segu

-ro, detalhistaousintético, sempre forte, captade modogeral,em suas formas construí

-das, a essência das formasvistas. Não falaríamos, entretando, de imitação, posto que o pintor não faz uso de associação restritamente naturalista da imagem, as figuras apare

-cendo, portanto, de forma acomportarem maisdoque uma narrativa fechada

.

Se pro

-curouretratar umarealidade quegostariade veicular, sempreabriuespaço emsuasobras para a manifestação dos sonhos que se movem por trás das formas, ou melhor, que sonham nasformas

.

Podemosconstatar, naverdade,queo pintor utilizouos temas para dizer algo de seu mundo íntimo

.

Ele quis, sim, narrar, mas deu um tom pessoal

narrativae, mais doque isso,soubequeo mais profundoviria pelas tintasda poesia. As

formas precisavam tremer.

a sua

(22)

r\

A~\

Realismoe devaneio reunidos,constitui

-

se aarte dePortinari

.

Num diálogoentrea i 12

artequese

pretendia

brasileira,a queeraensinada naEscolaea quesefazia naEuropa,

sedesenvolve uma nova, sempre temperada

pelo

instintodo pintor

.

Eseu instintocolo

-ca força nas telas

.

Descreve, narra, faz poesia, com força

.

E joga

.

Entre a realidade das formas que perambulam pela vida e os sonhos profundos, se tensionam as cordas do jogo

.

As peças do jogo são as da pintura e é com elasque o pintor estará sempre num

embate, em constante pesquisa,buscando finalmente a expressão

.

E é com a variedade

destaexpressãoque buscaremos agoraestabelecer umcontato

.

Passeandopor algumas de

suasobras,aí, sim,sermos

apresentados

aopintor.Aindaquede umamaneira precáriae

artificial, através de reproduções, vê

-

lo com nossos próprios olhos, em uma sintética

aproximaçãocomsuaobraanós legada.Obraàqualopintordedicousuavidaatéofim, em 1962.

Mesmo não sendoa proposta de nossadissertação umaanáliseseqiiencial ou avalia

-çãode trajetória,dedicaremo

-

nos,aseguir,àapresentação esituaçãodas obras seleciona

-das,asquais,dispostasem ordem cronológica, podem dar umaleveidéia do percursodo pintor. Não pretendemos descrever detalhadamente as obras e destrinchar a fundo as

composições, vistoque nosso contatomais aprofundadocom elas se dará mais a frente,

no capítulo5,sob o pontode vistaespecificado para nosso trabalho

.

Portanto, gostaría

-mosapenasde,neste momento,chamaraatençãoparaaspeculiaridadesquedemonstram

que nossosexemplossão representantesdeexperiências distintas. Lembremos que nossa seleçãoalmejou basicamenteaabrangência.Exatamentepor issoelafoierigidaem primei

-rocapítulo,antesmesmodametodologia,visto que nãoseconstituiu apartir dametodo

-logia, aocontrário,foi umcorpoorganizado por outrosprincípios,corpoqueteráofim detestar nossa hipótesedeformabastanteglobal,aplicando,aí sim, ametodologia

.

Os princípios definidores da seleção vêm de análises das linguagens de Portinari, postoqueesteéocampoonde eledemonstraadiversificaçãodemomentosdesuaarte

.

Como principais pontos norteadores para nossas análises, tomamos os aspectos da

forma,cor eespaço, considerando quesão pontos fundamentaisaqueopintordirecio

-na suas pesquisas relativas à linguagem

.

Ao lado destes dados, acrescentamos algumas

(23)

observações relativasà técnica,quando nos pareceu queestas também sinalizavam opções marcantes de experiências do pintor. E, ainda,sabendo

-

seque a arte de Portinari não se

constrói sozinha, apontamos a conversa que ela realiza com diferentes movimentos esti

-lísticos para sua constituição, abstendo

-

nos, contudo, de uma avaliação deseu papel no

curso dasartes plásticas brasileiras, jáque istonãoseinclui em nossosobjetivos

.

Procuramos, sobretudo, acentuar diferenciações significativas entre os exemplos, as

quais, porsua vez,caracterizam-secomosemelhançascomoutrosgrupos detelas da pro

-dução do pintor. Para retirar essas onze obras de seus respectivos grupos, levamos em

consideração o fato delas realmente terem boa representatividade quanto às soluções experimentadas na fase a que pertencem, odestaque queelas têm recebidos pelos pes

-quisadores (principalmente oscitados no in ício docapítulo) e, inclusive, o fato de pin

-çarem temas efiguraçõesrecorrentes na obra dePortinaricomo um todo.

13

fi s

2.1

-

CIRCO (ilustração 1)

Uma primeira fase da trajetória do pintor têm sido denominada de fase marrom,

vistoquenelasedestacaa predominânciadestacor,quevem paraastelasatravésde uma

pincelada macia. Nesta fasese incluem as quatro primeiras obras aqui apresentadas, as

quais,além de pontosaproximativos,apresentam também distinçõesimportantes

.

Centrado inicialmenteno resgatedememóriasinfantis, Portinari procuraencontrar

a sua cidade natal. A tela Circo

,

por exemplo, insere

-

se nas pinturasde Brodósqui

,

onde predomina o trabalho espacial da paisagem, que em sua infinitude

abriga

, como um cenário onírico, a infância de seu tempo. Ainda que diretamente referenciada ao seu povoado, aespacialidade da tela podeser relacionadacomada pinturaMetafísicade De Chirico, que cria amplas profundidades vazias e silenciosas

.

Certamente a pintura de Portinari em muitose distancia da Metafísica, mas em suas intenções elasse tocam em alguns pontos, especialmente na “escolha do originário

,

em detrimento do original”5A pintura não precisa abandonar códigos do passado, poisoquese está buscando nãoé a novidade pela novidade, mas antes, valores eternos, que só ossonhos podem traduzir

.

(24)
(25)

-2.3

-

CAFé (ilustração 3)

A tela Café marca a trajetóriade Portinari como consagração, pois foi premiada na ExposiçãoInternacional de Pintura doInstitutoCarnegiedePittsburgh (EUA),e como

momento de passagem, já que apontava como próximo passo a concretização de uma vocaçãomuralista quevinhase revelando.

Nesta telao pintorelabora com maior complexidade o trabalho com a plasticidade

que tendeao monumental,deixando manifesto um desejodeseexpandir para alémdas limitações do quadro decavalete

.

Um transbordamento perpassa a tela pela construção e

pela

tensãodo movimentocontidonasformas que incham.Os personagensseaparen

-tam aolavrador da tela anterior,com seus grandesvolumes torneados em contrastantes

claro

-

escuro, porémagora com acabamentos maissintéticos, assim comobastantesinté

-ticossãotambém osoutroselementos dacena.Ainda quemanipulea simplificaçãofor

-mal,criando estruturaeritmo, Portinari não cairá nunca no puro formalismo, poisque procura sempre sentir os temas por dentro, cunhando

-

os com uma sentimentalidade

particular.

Para a elaboração da maior complexidade da trama de Café

,

o pintor entrelaça o grande número de personagensem variadas atitudese os articulacom a paisagem,espa

-lhando

-

os em todasuaextensão

.

Os personagens aqui interagemcom a paisagem eesta, porsua vez,torna

-

se maisconcreta,dotada de umasolidez correspondenteàmonumen

-talidadegeral

.

15

o

''N

2.4

-

R ETIRANTES (ilustração 4)

Temosnesta tela uma combinaçãodesolideze indeterminaçãodasformas naconfi

-guraçãodos personagens. Ogrupoquese recorta nitidamentenoespaço, através de um desenho de contornos precisos que limitam massas corpóreas robustas, apresenta, por

outrolado, internamente,formasdissolvidas,como algumasmãos,edetalhamentossim

-plificados, comoalgunsrostos,relembrando, neste novo momentoem quea monumen

-talidadeé predominante, o vagoque pincelara as crianças de Circo

.

Mesmo os volumes

alternamentresedefinirem plenamente“por passagens expressivas da luz à sombra” 6,

(26)

seconstituirem por pastas de tinta em quea pincelada fica marcada.Aliás, a matéria da i 16

tinta é, de um modogeral, mais valorizada em sua materialidade do que nosexemplos

anteriores.A tinta não seestica apenas para definir formas,ou ainda representar outras matérias, e também nãocria textura por simplesdeterminação formal, como as peque

-nasví

rgulas

querecobrem o Lavrador

,

masantes,busca a textura na evidenciaçãodesua

própria matéria pastosa, acrescida de efeitos de aspereza.

O grupo de personagensassim constituídosecontrapõe aofundoquesegueao infi -nito,ebasicamente porestacontraposição sedeterminaacena.A paisagem ésimplifica

-da nasfaixasdecorque criamcéu eterra,caracterizando-se umfundo indistintoquesur -girá emdiversos momentos da obra do pintor,quando ele sonhacom grandesáreasdes

-povoadas

.

Em meio ao deserto, os personagens se agrupam por um equilíbrio clássico, num

arranjo piramidal, solução bastante típica do Renascimento. Eentão verificamoscomo

o pintor modernista, que faz a tinta sair de sua discrição, pode ser também clássico, inclusive criando,dentro da imprecisão,detalhamentoscomo obrilho noscabelos,efei

-tode aspectorenascentista

.

Mesmo sendoogrupo central o protagonista da composição, não poderíamosdei

-xar de chamar a atenção,ainda, para os outroselementos queaparecem em cena, visto quenãosãomerosacidentes doacaso, maselementosque fazem partedo imagináriodo pintor, tendo uma freqtiência assídua em sua obra: as aves voando, as pedrinhas, a moringaeobaú

.

2.5

-

GADO (ilustração 5)

Apartir de1936, o poderosomodelado dePortinari,iráenfim disporde umasuper -fície paraseexpandir com generosidade, iniciando-se na pintura muralem umasérie de afrescos para o Ministério da Educação, com tema referente aos ciclos económicos do Brasil, dentreosquais selecionamos opainel Gado

.

Em incontáveisestudos, paralelamenteà pesquisatécnicadonovomaterial,o pintor detalha figuras para compor a sua própriavisãodotema. Quando partepara o trabalho /""N

(27)

definitivo na parede, o tema perde um pouco desua importância, em favor da formali

-zaçãoecolorido doselementos, quese combinam para criar umaestrutura.O naturalis

-mopresente nosestudosganha simplificações geometrizantes,emesmoocolorido,dife

-renciando-se de nossos exemplos anteriores, se desprende de um naturalismo restrito.

Aumentando-se, no conjunto dos painéis, a gama de cores que predominavam na fase

marrom,mantém-se, entretanto, olargo uso dos tons terrosos.

Em Gadopodemos perceber um aprofundamentonas experiências com a matéria da

tinta,queseafigura como umamatériavibrante

.

Ao trabalharoafresco Portinariaprovei

-taa aspereza da parede, deixando

-

a transparecer, fazendo uma combinaçãoda pincelada suave com aaspereza.Notamos tambémcomoascorespreenchemasuperfície quasecomo manchas, oquedemonstra umareduçãodotorneamentodos volumes peloclaro

-

escuroe, portanto, um certosentido de planificação, queérelacionadoàconstruçãoespacial.

Aexecução dos painéisabrange um período em queoestilo do pintor vai se modi

-ficando, incorporando influências cubistas, manifestadas especialmente pelo recortedo

espaço por planos,ainda que o seu espaço não pretenda ser o espaço cubista, o que se

evidencia especialmentepela manutençãodo afastamento dasfigurase do tectonismo

.

A prática muralista dePortinari temsido também relacionadaao movimento mura

-lista mexicano, seja pela grandiloqiiência, seja pelo resgate da tradição renascentista

.

Mas, apesar de pontos comuns, não se deve vincular o encaminhamento da obra de Portinari estritamente aomovimento mexicano, como nos alerta Mario Pedrosa: “Pela própriaevolução interiordesuaartese podever quefoi por assim dizer organicamente,

à medida que os problemas de técnica e de estética iam amadurecendo nele, que

Portinarichegou ao problemadomural.

17

”7

2.6

-

ESPANTALHO E B O I E M P A I S A G E M (ilustração 6)

De volta aocavalete,apósiniciadaagrandeaventuradomural, Portinari parece

que-rer respirar ares mais livres

.

Diante de um trabalho em queo assunto externo lhe era

imposto, parece ter a necessidade de, mergulhandoem temasmais pessoaise aomesmo

(28)

Nesse momento, o pintor se vale de um gesto maissolto que gera pinceladas rápi- ! 18

das

.

Por esta maneira eledá um novo tipo de acabamentoàssuperfícies,as quaiscriam formasinacabadas,edefineumavivalinhanegraquesedestaca doscontornose se

movi-menta em curvas enérgicas, com resultadosde cunhocaligráfico.

Vemos nesta tela o personagem muito evocado no período, o espantalho, que na

infância impressionara o pintor equese inclui nas suas imagens deapreço, freqiientan -dosua obra em diferentes momentos. Fazendo fundo a ele, temos o espaçosimplesde

Retirantes

,

queaquisetorna preponderante,sobressaindo porsi mesmo,como acontecia

com oespaço em Circo

,

sendo queaênfase agorarecai na indiferenciação e na lumino

-sidademágica doencontrodecéu eterra,queseesticam em tintas maislisas

.

Uma espa-cialidadequeremeteatelas surrealistas,com maior proximidadeaTanguy,apontandoo clima fantásticoque perpassaaobra.Diferentemente do Surrealismo,entretanto, não se constituiem Espantalhoumaprofundamentonoirracional,já queoselementosapresen

-tados, ainda quesimbólicos, nãoestãodecididamente deslocados de sua

liga

ção com o

real

.

Mesmoocolorido utilizado,excetonosefeitos de transparência,énatural, reforçan

-doovínculoestreitocom o referente,oque, nestecaso, não seconfiguracomo um anta

-gonismo aoSurrealismo, poiseste estevesempre presoao referente.

2.7

-

CONCHAS E H I P OCAMPOS {ilustração7)

Uma nova oportunidadede realização mural surgeaPortinari por um convite para

produzir, em azulejos, dois painéis de vastíssimas proporções, localizados no térreo do

Ministério da Educação. O maior deles, Conchas e hipocampos

,

recobre uma parte da

superfície lateral de um dos blocos do conjuntoarquitetônicodoMinistério,sendoesta

superfícievoltada paraa rua.

Novamente defronteaos muros, Portinari édesta vezsolicitado pelo desafiode tra

-balharcom umatécnicadiversadasquemanipulouatéentão. A peça,executada

lejos,ausentaa mãodo pintor do acabamentofinal, que, nestecaso,planejamasnãofaz. A experiênciamarcaria também, porsugestãodospropositores do projeto, uma incursão do pintor no monocromatismo, queseresolve pelavariaçãoem cimados tons deazul.

(29)

-/'"A

Acentuando-se adiferençacom osoutrostrabalhos dePortinari,dois pontos sedes

-tacamcomoprimordiais,sendoum delesaconstruçãodeumalinguagememinentemen

-teabstrata, jáqueasfigurassãousadas demaneiradecorativa

.

Elimina

-

sequalquer tipo denarrativae,paracomporadecoração,organiza

-

se

figuras

seriadas,simplificadasaseus

traços mais geraisesituadasem meioaformas abstratas

.

Distanciando

-

seenormemente

dosgrandesvolumes torneados, aobra,contudo,aindaconserva algumasugestão volu

-métrica pelossombreadosdas conchas. Masoplanoé realmenteo recurso prioritário e

atéalinha ganha umavidaespecial,como vemos navastaforma ondulante ondeela vive

sem representar,existindo porsisó,apenaslinha,semnenhum preenchimentoda super

-fície queela delimita

.

Ooutropontodiferenciador de Conchase

hipocampos

éo rompimentocomailusão

de profundidade pela perspectiva, repercutindo em novassínteses compositivas

.

Vários

planos em diferentes tons de azul se espalham pela composição, criando um jogo de transparências que dá àobra umsentidodeaprofundamento.Planosque também con

-firmam amobilidadegeraldopainel,oqual,estandoaoar livre,parecealmejarse inte

-grar aele.

19

2.8

-

O S A C R I FÍ C I O D E ABRAãO (ilustração 8)

Em 1942, voltandoao Brasil de umaestadia nos Estados Unidos, Portinari desen

-volve trabalhos com forte inspiração no Picasso de Guernica

.

Adramaticidadeenergéti

-ca que povoa então suas pinturas não pode, porém, ser considerada como decorrência exclusiva do impacto picassiano,mas, conjuntamente,de um impactoaindamaior:oda

guerra

.

Portinariéconvidadonessa épocaarealizaroitopainéisparaaRádioTupide São

Paulo,sobre temasbíblicos.Vemos aqui, como um exemplodasérie, opainel Osacrifi

-cio de Abraão

,

umaobra praticamentemonocromática,compostaporgradaçõesdopreto

em cinzas e por um leveocresujo.

A inquietação já vinha tomandoconta doartista esuas formas contidas comoque

(30)

Adeformaçãocontrolada dos anos30 transforma

-

se em desarticulaçãona

Strie Bíblica, na qual Portinari tentadefinir um novocaminhoexpressio -nista, eivado de elementoscubistas.Seorigor clássicodadécada anterior

édeixadode lado,énecessário,noentanto, não pensaroconjuntoapenas

nostermosdapresençadePicasso.Osachadospicassianos,patentessobre

-tudo no usodagrisalha,de umadeformação pronunciada, nacriaçãode

umespaçoabstrato, integram

-

se com a procura deuma monumentalida -depeculiar (...).8

20

Monumentalidadeque toma novos aspectos, pois queodomínioatéentãoatingido

é

questionado

e omovimentosefaz maisdramático;aforçaliberadacavaastelasou ser

-penteiaem pincéiscarregadosde tinta escura. A linha,que vimos irganhando destaque

desde Espantalho,agora definequase por sisóos possantes personagens degrandes for

-mascaligráficase,aomesmo tempoquegritanomovimento instável destes personagens, ela brinca na transparência e noludismoda planificação.

A planificaçãodo espaço é construída pela abstração, queo agitaem recortes dinâ

-micos, mas não atinge a mesma coerênciade Conchas ehipocampos, visto que o pintor conservaalgum tectonismo

pela

basedos personagenseostroncosdeitadose,além disso,

matémcertarepresentaçãodeaprofundamentoatravésdoselementos queseafastamgra

-dativamente.

Gostaríamos de apontar, ainda, infiltrada entre as inclinações expressionistas e

cubistas dopainel, apresençadeChagall.Quandoadesarticulaçãotomacontada obra ela possibilita a aparição doanimal flutuante, certamente com significaçãosimbólica relativaao tema, o que não impede, contudo, que ela nos remeta às figuras voadoras o

O

^

o

de Chagall

.

2.9

-

FAM íL I A D E R E T I R A N T E S {ilustração9)

Com a forte movimentação da Série Bíblica já contida, mantém

-

se em Família de retirantesa profunda tensão trágica, afirmando-se oexpressionismoqueantesdeformara

(31)
(32)

luzes cuidadosamente arranjadas dão o clima doevento, fugindo a uma possível repre

-

!22

sentação naturalista de um cenário tropical.

Portinarisolucionaa composiçãocom umanovaediferente experiênciade conjuga

-çãoentre planificaçãodoespaço etectonismo.Com a presençaexplícitadoespaço cúbi

-co,os recortesgeométricos assumem mais um caráterdecorativoe lúdico,valendo-sede

transparênciaseinterpenetrações.O fundo,entretanto, planifica

-

serealmente,quebran

-do o ponto de vista da janela que se abre ao infinito, criando

-

se uma ideia de palco. Natureza transformada em palco, afirma

-

se um colorido vibrante e um tanto artificial, onde amatériaespessae os traçosvigorososcontinuam dramaticamente presentes

.

O painelsinalizaoencaminhamento queopintor daráa suaobra,cadavezmaisliga -da à abstração geométrica. Mas, como coloca Mario Pedrosa, mantém

-

se evidentes no

painel as inclinações pessoais do pintor: “ (• • •) o amor das belas cores, das largas áreas

coloridas,das harmonias felizes, à Bonnard, dosgrandes espaços,das poderosas figuras

modeladas, damatériarica.”10

2.11

-

COLHEITA D O C A Fé (ilustração 11)

Ocultivodocafé,com seustrabalhadores,maisuma vezaparecesobopinceldaque -le que sonhava ter nascido em um pé de café. Porém agora seus personagens estão, de

certaforma,subjugados a umaorientaçãode forteapelo formalista,ondecoresem for

-masgeométricassão personagenstãofortesquantoos trabalhadores,apesar dequeestes

conservem ainda um caráter manifesto

.

Os corpos,entretanto, jáhaviam mesmoperdidoem definitivoa suaexuberância,os volumes reduzidos tantona formaquantonadefiniçãovolumétrica pelo claro-escuro.As

cores, por sua vez,amenizam oclima tenso deoutras épocas, alegram oambiente, mas

participam,com suadelicadeza,dafragilidade adquirida.Parecequeopintor busca

forto em soluções menos pesadasesedeixa tocar pelo apelo dascores vivas transforma

-dasem formas geométricas, coresque já vinham renovandoo brilho desuapaletadesde a viajem a Israel,em 1956.A própria linhaqueantesse fizera tão vigorosa, agora surge bem maisdiscreta

.

''•"N

O

con

(33)

Tudoconcorre para oaspecto mais formalista que a obra de Portinari vai tomando !23 em sua fase final, vinculando

-

se cada vez mais a uma dinâmica abstracionista, em que

desponta uma tendência maior àsimplificação do fundoe a uma menor profundidade

das composições. Em Colheita do café o espaço é todo geometrizado, constatando

-

se,

ainda assim, a presença do chão. Vale também ressaltar que, mesmo buscando a expe

-riência abstracionista,o pintor não seentregou a ela radicalmente, pois queconsidera a

figuraçãocomo um códigode grandevalor para ele.

Nestasucintaexposição procuramos justificar aescolhadasobras com que trabalha

-remos, vistoque esta nãosefez aleatoriamente, massim com o propósitode podermos

vivenciar momentosbem variados da pinturade Portinari. Comesteintuito foram esta

-belecidas algumas relaçõese paralelosentrediferentes momentose apontados prováveis

influências eestímulosrecebidos pelo pintor. Adespeito dasvárias influênciasquesofreu

atravésdesuas pesquisas, gostaríamosde ressaltar, porém, aquelasque tocam maisdire

-tamente no foco de nosso trabalho, a poesia, e que aparecem em nomes como De

Chirico, Chagall e

Tanguy

. Não tendo sido um “adepto” da pintura Metafísica ou do Surrealismo, Portinari não sedeteve em abraçar as “ causas” destes movimentos, nãofoi

afundo em suas conseqiiências,mas identificou-se com o queelas tinham de proposta veiculadora de sonhoe poesia

.

Endossando nossa colocação, Antônio Bento nos infor

-ma que “ era comum Portinari dizer que tinha predileção pelos artista plásticos que se

expressavam atravésde umalinguagem ligadaao lirismoouà fantasia popular

.

Daí,dessas inclinaçõesmanifestasdo pintor,retiramos umreforço paranossasobser

-vaçõesdequeexisteumaconduta poética aacompanharsuas maisdiferentesexpressões

.

Em arteessencialmente figurativa,de base realista, uma energia vigorosa e imprégnante

ultrapassa a narrativa. Desponta, a nosso ver, a força da poesia, oferecendo-nos um

mundoonde ossonhos matizam os dadosdo real apresentados.

Para abordarmos sob essa ótica o trabalho de Portinari, iremos, então, buscar em Bachelard aorientação parauma novaaproximaçãocom este nossocampo de

investiga-/"'S

/

-

'S

'S

(34)

ção

.

Estase farásobreofiocondutor da imaginação, na imediatez doencontrocom as

imagens poéticas, procurando revelaroqueofilósofo definecomo “ o primeiro compro -missode umaobra”12,compromisso que

sevincula muitodiretamenteàs zonasobscuras

domundo interior doartista,ocampodos devaneios.

24

NOTAS:

1 FABRIS,Annateresa.Portinari

, pintor sociaLSãoPaulo:Perspectiva/Editora da Universidade de SãoPaulo,1990

.

.Cândido Portinari.São paulo:Editora da Universidade de SãoPaulo,1996.

PEDROSA,Mario.Dos murais de Portinariaosespaçosde Brasília

.

SãoPaulo:Perspectiva,1981. ZILIO,Carlos.Aquerelado Brasil.RiodeJaneiro:FUNARTE,1982.

ANDRADE,Máriode.CândidoPortinari.Revista do Património HistóricoeArtísticoNacional Rio de

Janeiro, v.20,p.64-93,1984.

2ZILIO,op.cit.,

p.91

.

3PORTINARI,Cândido,in “ Como

trabalhamesonhamos nossospintores”.OGlobo.RiodeJaneiro,13nov.1934.

4FABRIS,

op.cit,1996,p

.

154. 5DE FUSCO,Renato.Históriada

artecontemporânea.Lisboa:Editorial Presença,1988,p.179.

6FABRIS,op.cit.,1990,p

.

lll

.

7PEDROSA,

op.cit,p.12. 8FABRIS,op.cit.,1996,

p.105)

9BENTO,Antonio.Portinari.Rio

deJaneiro:Leo Christiano Editorial,1980,p.340.

10PEDROSA,

op.cit.,p. 33. 11BENTO,

op.dt.,p.60.

12

(35)

/"““N

3

!

A

PO

é

TICA DE

BACHELARD

"

Metodologia

Sea pintura já oferece intimeras resistências a um estudo meramente objetivo, a poesia

em pintura exigirá uma aproximação muito particular, que pretenderá abrir caminhos para a adesão de todos aqueles que puderem ser tocados por ela

.

Ainda assim, muitas poderiam ser asdiretrizes de abordagem, valorizando-se umou outroaspectodiferente,

pautando

-

sepordiferentes registros.Cadaabordagemsegue inclinações pessoaise talvez

amaior chancedesucesso nosresultadosadvenhadaharmoniaentreoobjeto escolhido,

o enfoque particular e ametodologia

.

Dessa maneira, alcançando uma coerência inter

-na,a pesquisa pode, como um instrumento afinado, melhor transmitir oque o pesqui

-sador tem aanunciar sobreoobjeto pesquisado.

Foi nessesentidoqueacreditamosser estimulante colocar Portinari e Bachelard em

contato, por nos parecerqueeles“diziam” coisas que poderiam se somar

,

num resultado

multiplicador

.

As telasdePortinari nosdescortinaram um mundoque, intrigante,solici

-tava um maior impulso paravivê

-

lomaisafundo. A energia jádesprendida nos primei

-rosmergulhosde reconhecimento nos moveuem direçãoàs páginas de Bachelard, neste

momentoainda apenascom asuspeitade queelas poderiam nosajudar, e, boa foi asur -presa, aopercebermosqueelasnosdevolviam comveemência às telas,então com odese

-jado

impulso reforçado

.

Desta forma, aceitamossugestõesde Bachelard,contaminamo

-nosdesuaenormepesquisa nocampoda poesia e nosvalemos desuafenomenologia da imaginação para buscar iluminar a magia quese mistura nas tintas

.

Gaston Bachelard,filósofo francês, viveu nos anosde1884a

1962

.Aquelesque têm sededicadoaoestudo desuaobra,costumam apontar neladuas linhas de reflexão

opos-tas. Aolado de um

Bachelard diurno, fascinado pela interminável aventura declarificação e correção de conceitos, formulador de um novo racionalismo

aberto

.

(36)

setorial, dinâmico, militante-, existe,com igual forçaeriqueza,comple

-mentarmente,um Bachelardnoturno,inovadorda concepçãode

imagina-ção,explorador dodevaneio,exímiomergulhadornasprofundezas abissais

daarte,amanteda poesia(...)'

26

ÉesteBachelardnoturnoquem iráressaltar afunçãodo devaneiocomobase da ima-ginaçãoartística

.

Devaneio, momentode solidão,aprofundamento num mundoíntimo

onde tudo está constantemente por ser descoberto e redescoberto, criado e recriado,

ondecadasonhador podedar livrecursoàsinclinaçõespessoais,com oconfortodehabi

-tar um espaçofeito sob medida

.

ParaBachelard2,odevaneiosedistinguedo sonho

noturnoespecialmente pela presen-ça possível daconsciência no primeiro.Odevaneio prepara umestadode desprendimen

-toqueabreosujeito parao novo, paraosmundos possíveis idealizados pela imaginação, diferentes da limitação do pré-estabelecido

.

Ativada a imaginação, ela passa a namorar

dados do real, não pretendendodisfarçar orealcom máscarasdivertidas, masantes,reve -lá-lo

.

Esta revelaçãocertamente nãosedará pela reprodução mentaldo percebido,jáque

a imaginação não sedetém na aparência dascoisas e não tem a intençãode sintetizar a

realidadeemconceitos;as imagens,os produtos daimaginação,sãodiferentes das ideias

.

Avida das imagensé,deoutromodo,alimentada pela matériaquealimentaasformas

.

A

matéria das coisas provoca a imaginação, pois é aí que esta se depara com a vida do

mundo,aquiloqueestá emconstantemovimento,oquenãoestá pronto,oferecendo,por isto, resistência esolicitando a intervenção

.

O sonhador não pode, portanto, ficarinerte

frenteàmatéria, tendo umaatitude de recepção passiva peloolharque captaasuperfície dasformas, paraproduzir posteriormenteuma cópiadovisto. Ele agirá nosentidodeuma

adesão, umacolhimentoativo, impulsionadopelavontade deintegração comomundoe

dese tornarcolaborador na criação, criando realidadesqueaumentam o real, imaginan

-doa matéria, enxergando além do já dito, o jásabido, o aparente,aparentementeclaro,

unívoco e definido, ganhando novos olhos, de olhar penetrante e sonhador

.

Um

olhar que,ao penetrar nascoisas, aprofunda

-

se também em si próprio, pois, “aosonhar

com a virtudesecreta dassubstâncias,sonhamoscom nosso sersecreto”3

.

S\~

(37)

Pode

-

se compreender, então, a supremacia que Bachelard concede à imaginação material nosprocessos decriaçãoartística, em detrimento daconsagradaimaginaçãofor

-mal. Enquanto esta

privilegia

o papel do olhar em relaçãoaos outros sentidos ese fixa na aparência acabada das coisas, a outra se vale de todos os sentidos para imaginar a

materialidade.Superando um vínculo restritivo com a percepção, a imaginação material garantemais autonomiaaoseu poder decriação, não selimitandoacopiar ousignificar,

mas,aocontrário, desempenhando um verdadeira funçãode irrealidade

.

Desta forma, pela açãodaimaginaçãomaterialseinstala um“mundo intermediário, onde se confundem devaneio e realidade”4, formando

-

se uma realidade pl

ástica, uma

massa apta agerminar pérolas.Odevaneio,então,buscaseu destinoedesejaseexprimir, de formaque alcance outrossonhadores, deformaquetambém dêaenxergar mais pro

-fundamente

.

A poesia aparece aí com a função de ordenação dos valores oníricos, e

temos, assim, odevaneio poéticoou imaginação poética,imaginando imagens poéticas,

imagenscriadas já comimpulsosde expressão, mesmoquetalvez nemalcancem seufim

último, pois aindadependerãodosucessonotrabalho precioso queosonhador empreen

-derá com a linguagem eleita paradar corpo a umaobra de arte.

Vemos,então,queodevaneio,tratado inicialmenteapenascomouma distensãodoser, aoreceberaadjetivaçãode poédcotornou

-

seumdevaneioprodutor de obras.Umdevaneio que,tendo sido, por meioda imaginaçãomaterial, mobilizadopela matéria e tendo medi

-tado sobreanaturezadascoisas,encontrou

-

secom asforçascósmicaselementares. “Assim,

oselementos, o

fogo

,aágua, oar e a terra,que durantetanto temposerviramaosfilósofos

para pensar magnificamenteo universo,permanecem princípios dacriaçãoartística”5.

Esses elementos sãode absoluta importância na filosofia da imaginação de Gaston Bachelard. Podemos considerá-loscomorealidadesoníricaselementares,matériasfunda -mentais que polarizamsonhos básicosdoser humano,osquais,sublimados pelaativida

-deartística, atingem oestatuto de obra de arte.Então, sonhos devôo, de peso, de flui

-dez, deintimidade, de expansão,decalma,de agressão,de queda, decrescimento, entre

tantosoutros materializados nos elementos, saem doseu estado de puro devaneio para, pelo devaneio poético, como linguagem nova virem à luz

.

(38)

Nacriaçãodestesnovos mundosquesãoasobras de arteas mãos hábeis e disponí

-

! 28

veisde umartistaserãoasveiculadorasdo devaneio poético

.

Oartista,“aceitandoasoli

-citaçãoda imaginaçãodoselementos”6, dásuacontribui

ção pessoal, pois “cada psiquis

-motransmitesuas própriascaracterísticasaumaimagemfundamental”7

.

Elemanipulaa

complexidade dos dados da imaginação,culturaise técnicos paraa constituiçãode uma

obra, a formação de um todoque ponha a

linguagem

e o espectador em movimento, abalandoosseus automatismos, numdesdobramentodo impulso criador primeiro.

Aobraé,finalmente,onossocontatocomasimagens doartistaeelaexisteindepen

-dente dequalquer tipode contextualização,isto é, ela não é construída independente

-mente docontexto,massuaexistência éindiscutível,depois de realizada elaestáaípara quem quiserabsorvê

-

la. Epor maisquesetentesituar ouelucidar uma obra, nenhuma

causapode jamais preverasimagens poéticas emsuanovidade,quechegamaté nós e sur

-tem efeitos sem qualquer explicação prévia do criador, demonstrando seu poder de comunicação, desde quese tenhaacesso àlinguagem utilizada

.

Bachelard, noseuinteresse pelas imagens poéticas, ressaltandoo papelda imagina

-çãomaterial,sugere umaabordagem quevá em direção ao núcleo palpitantedas ima

-gens,em direção àforçadecriaçãoqueelascomportam

.

“Aimagem poética, aconteci

-mentodologos,épara nós pessoalmenteinovadora

.

J

á nãoa tomamoscomo um ‘obje

-to’

.

Sentimos queaatitude‘objetiva docríticoabafaa ‘repercussão’,rejeita, por princí

-pio, essa profundidadeondedeve ter seu ponto de partidaofenômeno poético primi

-tivo”8

.

Assim,

atravésde umareflexão ingénua, desprovidosaomáximode preconceitos

e censuras, poderíamos alcançar o n úcleo,as imagens em si, as imagens fundamentais

que, renovadas pela atuação do artista, ganham novo poder de nos conquistar. Este

enfoque visa a uma tentativa de participação no fenômeno da criação no instante em queeleacontece,pelarecriaçãodo momentode explosãoda imagem poética

.

Pelaade

-são apaixonada ao criado, o receptor da obra se torna também um criador, ou, pelo menos, beneficia-sedaenergiaestimulantequesedesprendeda forçadeinovação,dina

-mizadora da obra poética, sem se chegar, entretanto, ao problema da composição da

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