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O princípio do contraditório no inquérito policial: por um sistema processual penal efetivamente acusatório

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

DANIELSON FELIPE REX

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL: POR UM SISTEMA PROCESSUAL PENAL EFETIVAMENTE ACUSATÓRIO

Santa Rosa (RS) 2016

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DANIELSON FELIPE REX

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL: POR UM SISTEMA PROCESSUAL PENAL EFETIVAMENTE ACUSATÓRIO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ- Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Santa Rosa (RS) 2016

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Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada.

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AGRADECIMENTOS

A meus pais, que sempre estiveram presentes e me incentivaram com apoio e confiança nessa jornada acadêmica.

A meu orientador Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, com sua dedicação e disponibilidade, me guiando pelos caminhos do conhecimento.

A minha namorada, que me incentivou com apoio e confiança durante a trajetória de desenvolvimento deste trabalho, meu muito obrigado.

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“Esse feixe de mecanismos está enquadrado dentro da moderna visão do processo penal de partes, cuja proximidade – senão verdadeira assimilação – com a matriz acusatória tem como uma de suas características fundamentais a condição do suspeito enquanto sujeito de direitos e não objeto da persecução, isso demonstrado na fase preparatória.” Fauzi Hassan Choukr.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise da aplicação do princípio do contraditório no inquérito policial, à luz de um sistema puramente acusatório. Aborda os principais sistemas processuais presentes no processo penal, em especial os sistemas que vigeram no Brasil, relatando a sua evolução histórica. Analisa os conflitos doutrinários e jurisprudenciais sobre o presente tema. Faz uma breve análise da Constituição Federal de 1988, do Código de Processo Penal de 1941 e do Estatuto do Advogado. Nessa perspectiva, analisa em que medida o contraditório em sede de inquérito policial, no processo penal brasileiro, pode contribuir para a consolidação de um modelo de processo típico de um sistema acusatório. Por fim, quanto ao método de pesquisa, esta será hipotético dedutivo, a qual utiliza no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, com o objetivo de construir uma reflexão crítica sobre o presente tema.

Palavras-Chave: Princípio do contraditório. Fase extrajudicial. Sistema processual acusatório.

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ABSTRACT

This final paper analyzes the enforcement of the contradictory principle in a police inquiry, based in an accusatory system. Address to the main procedural system in the criminal proceedings, especially the current Brazilian system, relating its historic development. Evaluate the doctrinaire and jurisprudential conflicts about the present theme. Briefly assay the Federal Constitution of 1998, Code of Criminal Procedure of 1941 and the Lawyer Statute. In this perspective, analyzes how the contradictory, in the Brazilian system, may contribute to the consolidation of a typical accusatory process model. To conclude, regarding the research method, it is a hypothetical deductive, which uses in its delimitation the data collect in bibliography available in physics and online tools with the objective of construct a critical reflection about the present theme.

Key-words: Contradictory Principle. Extrajudicial phase. Accusatory procedural system.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ... 11

1.1 O sistema inquisitivo e suas características ... 12

1.2 O sistema acusatório e suas características ... 17

1.3 O sistema processual penal adotado pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código de Processo Penal brasileiro ... 20

2 O INQUÉRITO POLICIAL E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ... 28

2.1 A inquisitorialidade no inquérito policial à luz do Código de Processo Penal brasileiro ... 28

2.2 A aplicação do princípio do contraditório ao inquérito policial no processo penal brasileiro: prós e contras doutrinários e jurisprudenciais ... 31

2.3 O princípio do contraditório no inquérito policial brasileiro como condição de possibilidade para a consolidação de um sistema processual penal efetivamente acusatório ... 37

CONCLUSÃO ... 43

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da possibilidade do princípio do contraditório ser empregado de forma plena nas investigações criminais realizadas pelos delegados de polícia. Esse estudo busca demonstrar que o sistema processual penal adotado pela Constituição Federal de 1988, ou seja, o acusatório pode e necessita ser adequado ao inquérito policial.

Desde a promulgação da vigente Constituição Federal de 1988, os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais ganharam novas diretrizes sobre este tema. Novas interpretações foram realizadas de tal modo que uma minoria acredita que o contraditório está presente no inquérito policial.

O vigente Código de Processo Penal de 1941 perdeu forças, pois este era baseado em um sistema inquisitorial rígido. Pois bem, a Constituição Federal de 1988 se adequou à nova perspectiva da sociedade, buscando formar um Estado realmente democrático.

Ante o exposto, o sistema acusatório foi empregado no sistema processual penal brasileiro. Entretanto, conforme será demonstrado no transcorrer do trabalho, grande maioria dos juristas brasileiros não contemplam o sistema acusatório ao inquérito policial, pois acreditam que este é regido ainda por um sistema inquisitivo.

Assim, buscar-se-á analisar a real situação do inquérito policial no Brasil, com o objetivo de demonstrar que o princípio do contraditório deve ser enquadrado de forma plena para surgir um sistema processual penal puramente acusatório.

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Como objetivos específicos, a presente pesquisa busca: a) analisar os sistemas processuais penais inquisitivo e acusatório, a fim de identificar qual o modelo albergado pelo processo penal brasileiro; b) verificar quais são as principais controvérsias entre o princípio do contraditório e o inquérito policial; e c) mostrar que é possível integrar o princípio do contraditório ao inquérito policial no ordenamento processual penal brasileiro.

O método empregado na pesquisa foi o de abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos: a) seleção de bibliografia e documentos a fins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes de corroborar ou refutar as hipóteses levantadas e que atinja os objetivos propostos na pesquisa; b) leitura e fichamento do material selecionado; c) reflexão crítica sobre o material selecionado; e d) exposição dos resultados obtidos nesta pesquisa.

Quanto à estrutura, o trabalho encontra-se dividido em dois capítulos. No primeiro, faz-se uma abordagem do sistema inquisitivo, com sua evolução histórica e suas características. Segue uma análise do sistema acusatório, com sua evolução histórica e suas características. Também é analisado o sistema processual penal que foi adotado pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código de Processo Penal de 1941, como forma de introduzir a forma que esse sistema processual foi evoluindo no Brasil. Já no segundo capítulo é analisada mais profundamente a inquisitorialidade presente no Código de Processo Penal brasileiro, mais especificamente no inquérito policial. Também são investigados os divergentes posicionamentos doutrinários e jurisprudências, em relação à aplicação do contraditório ao inquérito policial no processo penal brasileiro. Por fim, debater-se-á o principio do contraditório no inquérito policial como condição de possibilidade de consolidação de um sistema processual penal efetivamente acusatório.

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1 OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

O sistema processual penal adotado varia de acordo com a realidade social e política de cada Estado. Portanto, pode-se dizer que “[...] é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto.” (RANGEL, 2010, p. 49).

Ana Flávia Messa (2014) complementa este conceito afirmando que o sistema processual penal é um conjunto de características do processo penal que reflete a estrutura política do Estado, de acordo com seu momento histórico. Ainda, devem-se respeitar alguns direitos e garantias fundamentais dos cidadãos quando introduzir algum dos sistemas processuais.

Contudo, o conceito de sistema processual penal não se confunde com o conceito de sistema penal, como se pode ver na obra de Zaffaroni e Pierangeli (2001, p. 70, grifo do autor), o qual conceitua este como o

[...] controle social punitivo institucionalizado, que na prática abarca a partir de quando se detecta ou supõe detectar-se uma suspeita de delito até que se impõe e executa uma pena, pressupondo uma atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, a atuação dos funcionários e define os casos e condições para esta atuação.

Aury Lopes Jr (2012, p. 116) aduz que “[...] o Direito penal não tem realidade concreta fora do processo penal, sendo as regras do processo que realizam diretamente o poder penal do Estado.” Nesse contexto, é que surgiram os sistemas processuais penais, os quais se adaptam com a realidade social de cada Estado.

Assim, no presente capítulo serão abordados os dois principais sistemas processuais penais, ou seja, o sistema inquisitivo e acusatório, bem como seus conceitos e características reproduzidos em importantes obras doutrinárias. Após, será analisado o sistema processual penal adotado atualmente pelo Brasil, à luz da Constituição Federal de 1988 e do Código de Processo Penal de 1941.

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1.1 O sistema inquisitivo e suas características

A nomenclatura inquisitivo deriva do latim inquisitivus, ou seja, relativo à inquisição, a qual é sinônima de averiguar e indagar. Pode-se dizer que esse sistema inquisitivo é um princípio característico do direito processual histórico.

Segundo Aury Lopes Jr (2012, p. 121), “até o século XII, predominava o sistema acusatório, não existindo processos sem acusador legítimo e idôneo.” Contudo, os interesses políticos e sociais da época, bem como o medo da punição do crime ser aplicada por particulares, acabaram por transformar esse sistema para o inquisitório.

Ainda, Aury Lopes Jr (2012, p. 123, grifo do autor) afirma que inicialmente o sistema inquisitório foi adotado pela Igreja, a qual, no século XIII, instituiu “[...] o Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício, para reprimir a heresia e tudo que fosse contrário ou que pudesse criar dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica.”

Por sua vez, Paulo Rangel (2010, p. 50) aduz que “o sistema inquisitivo surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito canônico, passando a ser adotado em quase todas as legislações europeias dos séculos XVI, XVII e XVIII”, como na Itália, Espanha, Alemanha e França. Neste último país, para que o imputado confessasse o crime, aplicavam-se meios de tortura, não oportunizando nenhum meio de defesa a ele.

Rangel (2010, p. 50) assevera que “o cerne de tal sistema era a reivindicação que o Estado fazia para si do poder de reprimir a prática dos delitos, não sendo mais admissível que tal repressão fosse encomendada ou delegada aos particulares.” Portanto, para garantir uma melhor defesa social é que as funções de acusar e julgar se concentravam nas mãos do juiz, não podendo mais a sociedade resolver seus conflitos particularmente.

Contudo, o sistema inquisitivo não integrou uma defesa social plena ao imputado, pois não contemplou os princípios do contraditório e da ampla de defesa. Portanto, esse sistema é “[...] um processo judicial em que podem estar reunidas na pessoa do juiz as funções de acusar, defender e julgar.” (AVENA, 2011, p. 11).

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Bonfim (2010, p. 60) aduz que “[...] em verdade, não há acusador nem acusado, mas somente o juiz (o inquisidor), que investiga e julga, e o objeto de sua atividade (o inquirido).” Por isso, pode-se dizer que se confundem as funções do acusador e do julgador em uma mesma pessoa.

De acordo com De Lima (2011, p. 3), “essa concentração de poderes nas mãos do juiz compromete, invariavelmente, sua imparcialidade. De fato, há uma nítida incompatibilidade entre as funções de acusar e julgar”, pois o juiz, logicamente, já teria seu julgamento definido ao acusar o réu.

Para Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 4):

no processo inquisitório, o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa probatória, tendo liberdade para determinar de ofício a colheita de provas, seja no curso das investigações, seja no curso do processo penal, independentemente de sua proposição pela acusação ou pelo acusado. A gestão das provas estava concentrada, assim, nas mãos do juiz, que, a partir da prova do fato e tomando como parâmetro a lei, podia chegar à conclusão que desejasse.

Capez (2012, p. 85) esclarece que “o réu é visto nesse sistema como mero objeto da persecução”, não podendo se defender ou acompanhar o andamento das investigações. O indiciado só terá uma certeza: que sofrerá ou não uma sanção.

Assim, de acordo com Rangel (2010), o juiz tem uma convicção formada quando inicia a investigação, não se baseando nas provas trazidas pelo acusado. Portanto, o sistema inquisitivo caracteriza-se como: um processo sigiloso (secreto); não comporta nenhuma garantia (nem contraditório nem a ampla defesa ao acusado); um sistema de prova tarifada; e as funções de acusar, defender e julgar se concentram nas mãos do juiz, que de ofício iniciará a acusação.

Conforme observa Fernando da Costa Tourinho Filho (2010), no processo de tipo inquisitório

[...] não há o contraditório, e por isso mesmo inexistem as regras da igualdade e liberdade processuais. As funções de acusar, defender e julgar encontram-se enfeixadas numa só pessoa: o Juiz. É ele quem inicia, de

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ofício, o processo, quem recolhe as provas e, a final, profere a decisão, podendo, no curso do processo, submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito. Nenhuma garantia se confere ao acusado. Este aparece um uma situação de tal subordinação que se transfigura e se transmuda em objeto do processo e não em sujeito de direito.

Por sua vez, Bonfim (2010) assevera que o sistema inquisitivo é considerado primitivo, pois prejudica o exercício de defesa do acusado. Ainda, caracteriza esse sistema como escrito, mediato, disperso e sigiloso.

Além das características citadas, De Lima (2011) afirma que o sistema inquisitivo é rigoroso e que o juiz pode proceder a uma completa investigação do fato criminoso, não garantindo nenhum direito ao acusado. Esse teria direito apenas a confessar o delito e, para isso, se utilizava meios de tortura.

Avena (2011, p. 11) esclarece que “o acusado, praticamente, não possui garantias no decorrer do processo criminal (ampla defesa, contraditório, devido processo legal etc), o que dá margem a excessos processuais.” O que se pode concluir é que não importa o que aconteça no decorrer da investigação, o interesse coletivo deve prevalecer nesse sistema, o qual seria a punição do acusado. (TÁVORA, ALENCAR, 2011).

Nesse norte, é que se deve notar que o sistema inquisitivo está presente na investigação criminal brasileira. Mesmo com o advento da Constituição Federal de 1988 o inquérito policial continua sendo utilizado em quase todas as investigações policiais.

O inquérito policial foi instituído no Brasil pelo Decreto nº. 4.824 de 22 de novembro de 1871 (BRASIL), o qual, em seu art. 42, determina que “o inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o desdobramento do fato criminoso, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices [...].” Nesse pensamento, Bonfim (2010, p. 136) conceitua o inquérito policial

como o procedimento administrativo, preparatório e inquisitivo, presidido pela autoridade policial, e constituído por um complexo de diligências realizadas pela polícia, no exercício da função judiciária, com vistas à apuração de uma infração penal e à identificação de seus autores.

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Para Mossin (2010) o inquérito é uma investigação feita pela polícia, ou seja, uma instrução provisória, antecedente à propositura da ação penal. Sendo a primeira fase da persecutio criminis, o inquérito caracteriza-se como informatio delicti, o qual busca a produção de provas testemunhais, documentais e periciais para encontrar o autor do delito, e instruir uma futura ação penal.

Ainda, Mossin (2010) aduz que o inquérito policial tem a função de polícia judiciária, e como não demonstra caráter processual, afirma ser um procedimento administrativo. Portanto, é um conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para apuração de quem seria o autor do crime.

A polícia judiciária é quem realiza o inquérito policial, como dispõe o art. 4º, caput, do Código de Processo Penal de 1941 (BRASIL): “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.”

Aury Lopes Jr (2001, p. 57, grifo do autor) também segue esse entendimento, ao afirmar que:

o sistema de investigação preliminar policial caracteriza-se por encarregar à Polícia Judiciária o poder de mando sobre os atos destinados a investigar os fatos e a suposta autoria, apontados na notitia criminis ou através de qualquer outra fonte de informação.

Essa polícia tem uma função repressiva, já que ela “atua após a prática do crime e busca, através do inquérito policial, colher elementos que sirvam de base para o ajuizamento da ação penal contra seu autor.” (PRADO, 2009, p. 45). Por isso atua como órgão auxiliar para eventual ação penal ajuizada posteriormente.

O art. 144, § 1º, IV e § 4º da Constituição Federal de 1988 dispõe que a polícia federal e as polícias civis, através de seus delegados de polícia, possuem a função de polícia judiciária. Veja-se a seguir:

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Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...]

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: [...]

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. [...]

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Nessa perspectiva, o inquérito policial tem como características, segundo Rangel (2010), ser um procedimento discricionário, no qual o delegado de polícia tem liberdade para apurar o fato, dentro da lei; sigiloso, pois a divulgação das diligências frustraria a investigação do crime; unidirecional, tendo como único objetivo a apuração dos fatos da investigação; sistemático, onde todas as provas devem ser documentadas e colocadas em uma ordem cronológica de como ocorreram os fatos; formal, ou seja, escrito ou datilografado; e principalmente inquisitorial, onde o delegado de polícia investigará o fato da forma que melhor lhe aprouver.

Rangel (2010, p. 95) afirma que “o caráter inquisitivo do inquérito faz com que seja impossível dar ao investigado o direito de defesa, pois ele não está sendo acusado de nada, mas, sim, sendo objeto de uma pesquisa feita pela autoridade policial.”

Bonfim (2012, p. 114) também se posiciona nesse sentido, aduzindo que o inquérito policial não “[...] está sujeito ao princípio do contraditório ou da ampla defesa. O suspeito ou indiciado apresenta-se apenas como objeto da atividade investigatória, resguardados, contudo, seus direitos e garantias individuais.” Sendo assim, o inquérito é mero procedimento informativo para futuro ajuizamento de uma ação penal.

Portanto, pode-se observar que o sistema inquisitivo está claramente presente na atual legislação brasileira, especificamente no procedimento do inquérito policial. Contudo, esse sistema não está inserido de forma absoluta, como nos séculos XVI, XVII e XVIII, pois o indiciado tem algumas garantias dentro da investigação criminal, as quais serão abordadas de forma específica no decorrer do trabalho.

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1.2 O sistema acusatório e suas características

O sistema acusatório surgiu no direito grego e romano, no qual o particular não seria mais titular da acusação. Segundo De Lima (2011, p. 6), esse sistema

[...] vigorou durante quase toda a Antiguidade grega e romana, bem como na Idade Média, nos domínios do direito germano. A partir do século XIII entra em declínio, passando a ter prevalência o sistema inquisitivo. Atualmente, o processo penal inglês é aquele que mais se aproxima de um sistema acusatório puro.

Rangel (2010) ressalta que no século XIV, na França, surgiram os procuradores do rei, os quais tinham a tarefa de ajuizar à ação penal, e a partir de então se originou o Ministério Público, titular da ação penal pública. Desse modo, o juiz não iniciava mais de ofício a acusação penal, como ocorria no sistema inquisitivo.

O sistema acusatório resguarda garantias fundamentais ao acusado, o qual responderá à ação penal por meio de um devido processo legal. Pode-se observar que nesse sistema as partes podem produzir as provas que acharem necessárias para acusar ou defender-se, atribuindo o contraditório e a ampla defesa a elas.

Avena (2011, p. 10) discorre que o sistema acusatório tem essa nomenclatura porque “ninguém poderá ser chamado a juízo sem que haja uma acusação, por meio da qual o fato imputado seja narrado com todas as suas circunstâncias.” Dessa acusação, o réu tem direito de se manifestar, alegando o que lhe couber de fato.

Por outro lado, Paulo Rangel (2010) entende que o juiz é imparcial na acusação, manifestando-se somente quando provocado pelo autor. E que deste sistema surgiram três sujeitos processuais distintos (juiz, autor e réu), os quais podem ser chamados de actum trium personarum.

Ainda, Avena (2011, p. 11) aduz que o sistema acusatório também comporta a garantia da isonomia processual, ou seja,

[...] que acusação e defesa devem estar em posição de equilíbrio no processo, sendo-lhes asseguradas idênticas oportunidades de intervenção e igual

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possibilidade de acesso aos meios pelos quais poderão demonstrar a verdade do que alegam.

Em relação à iniciativa probatória, De Lima (2011) relata que no sistema acusatório o juiz não tem o poder de determinar a produção de provas, pois ele tem que ser imparcial. Portanto, a regra é que as partes devem produzir as provas que couberem, e excepcionalmente, quando não há outro meio, o juiz poderá, no decorrer do processo, determinar a realização de provas.

De Lima (2011) afirma que a produção de provas é função das partes, garantindo a elas direitos e garantias fundamentais. Ainda, aduz que o sistema acusatório é diferente do sistema inquisitivo, pois aquele se caracteriza por um processo de partes, no qual elas constroem, por meio de suas provas, a solução para o caso. Também, discorre que as funções de acusar, defender e julgar são atribuições de sujeitos distintos, no qual o acusado passa a ser um sujeito de direitos.

Por sua vez, Avena (2011, p. 10) reafirma que a produção de provas é de incumbência das partes, “descabendo ao juiz substituir-se a elas no intuito de buscar a comprovação de fatos que, apesar de articulados, não tenham sido demonstrados pelos interessados.”

Portanto, o sistema acusatório, com base nos seus traços históricos, caracteriza-se, segundo Fernando da Costa Tourinho Filho (2010, p. 119-120, grifo do autor), como:

[...] a) o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite uma publicidade restrita ou especial); d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, e logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo (ne procedat judex ex

officio); e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do

contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois “non debet licere actori, quod reo non permittitur”; g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, em geral, cabe ao Ministério Público. Mas não desnatura o processo acusatório o permitir-se ao ofendido ou ao seu representante o jus accusationis [...].

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possuí nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra.

Nesse sentido, Paulo Rangel (2010) aponta como características principais do sistema acusatório: a separação das funções de acusar, julgar e defender; a publicidade dos atos processuais (a exceção é que determinados atos podem ser sigilosos); o contraditório e a ampla defesa integram toda a ação penal; o juiz tem livre convencimento para julgar de acordo com as provas dos autos e; o juiz é imparcial.

Além das características já citadas, Mossin (2010) complementa o entendimento acima relatando que nesse sistema o julgamento é jeito por jurados ou órgãos judiciários imparciais e a sentença faz coisa julgada. Também aduz que em regra o acusado responde o processo em liberdade, e em alguns casos é possível à prisão preventiva.

Por sua vez, Ishida (2009, p. 20) ressalta que as separações das funções na acusação garantem ao acusado a igualdade de armas, no qual “[...] o réu é tratado como sujeito e não como objeto da relação.” Ainda, a oralidade pode ou não ser adotada no sistema acusatório, bem como o juiz deve ser imparcial, seguindo a persuasão racional.

Portanto, a diferença entre o sistema inquisitório do acusatório é que

[...] o modelo acusatório reflete a posição de igualdade dos sujeitos, cabendo exclusivamente às partes a produção do material probatório e sempre observando os princípios do contraditório, da ampla defesa, da publicidade e do dever de motivação das decisões judiciais. Portanto, além da separação das funções de acusar, defender e julgar, o traço peculiar mais importante do sistema acusatório é que o juiz não é, por excelência, o gestor da prova. (DE LIMA, 2011, p. 45).

Mossin (2010, p. 3) pondera que é requisito do sistema acusatório “[...] a existência da ação penal como instrumento provocador da jurisdição, separando, consequentemente, a titularidade para a persecução criminal e a competência para o julgamento.” Sendo assim, a atividade do juiz se subordina à iniciativa das partes.

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Nesse sentido, o Ministério Público, em regra, tem a função de iniciar a ação penal, ajuizando uma denúncia. Contudo, ter-se-á uma exceção a esta regra, na qual o particular pode iniciar a ação penal, através do ajuizamento de uma queixa-crime, na qual deverá ter defensor constituído.

Assim, pode-se dizer que no sistema acusatório as partes estão em par de igualdade, as quais podem produzir livremente (dentro dos limites da lei) suas provas na busca da verdade processual sobre os fatos. Portanto, é um sistema que recepciona várias garantias fundamentais ao acusado, principalmente o direito ao contraditório e a ampla defesa, ao contrário do sistema inquisitório.

1.3 O sistema processual penal adotado pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código de Processo Penal brasileiro

A partir da conceituação dos sistemas processuais, pode-se afirmar que o sistema processual penal adotado no Brasil é o acusatório. A Constituição Federal de 1988 e o Código de Processo Penal de 1941 recepcionaram esse sistema, pois este é o mais adequado para um Estado Democrático.

Para Avena (2011, p. 15), o sistema acusatório está presente em várias normas da CF,

[...] em especial aquelas que referem a obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX) e as garantias da isonomia processual (art. 5º, I), do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), do devido processo legal (art. 5º, LIV), do contraditório, da ampla defesa (art. 5º, LV) e da presunção de inocência (art. 5º, LVII).

Nucci (2010), por sua vez, aduz que o sistema penal adotado no Brasil é o misto, pois é registo por um Código Penal de 1941, o qual tem características do sistema inquisitivo. Posteriormente então surgiu a Constituição Federal de 1988, a qual introduziu princípios do sistema acusatório. Assim, o CPP e CF estão em vigor, evidenciando, no entendimento do autor, o sistema misto.

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Bonfim (2010) também defende esse posicionamento ao aludir que o sistema penal brasileiro se divide em duas partes, no qual o inquérito policial é a primeira parte (inquisitório), e a ação penal é a segunda parte (acusatório). Da junção dessas duas partes se forma o sistema misto, que vai da fase extrajudicial à judicial.

Ainda, em relação ao sistema misto, Bonfim (2010, p. 63) discorre que:

[...] a manutenção, aliás, de nosso sistema, preservando a existência do inquérito policial como uma “instrução provisória”, atende por outro lado à própria garantia do acusado de se ver protegido contra juízos errôneos e precipitados que poderiam se constituir caso se adotasse uma ação penal sem a prévia investigação, ou seja, aquela em que houvesse uma “unidade de instrução” (inexistência de inquérito, vigendo o contraditório desde o início), a pretexto de celeridade ou respeito ao contraditório.

Avena (2011, p. 15, grifo do autor) ressalta que os seguidores dessa corrente (de que o sistema penal brasileiro é o misto) afirmam que a Constituição Federal de 1988 manteve algumas características do sistema inquisitivo, como por exemplo, o juiz pode “[...] produzir provas ex officio, prevista genericamente no art. 156 do CPP e ratificada em várias outras disposições do mesmo Código e da legislação complementar.”

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (BRASIL).

Contudo, o entendimento majoritário dos doutrinadores é que o sistema acusatório é o vigente no Brasil. Além disso, a Constituição Federal é a norma maior, a qual deve ser seguida por todos, e é posterior ao Código de Processo Penal. Portanto, tudo leva a crer que o processo penal brasileiro é acusatório, dentro dos vários princípios garantidos ao acusado dentro da ação, os quais se verão com o seguir do trabalho.

Conforme Ishida (2009) esclarece, o sistema acusatório vige no processo penal brasileiro. Pois o inquérito policial, mesmo tendo característica inquisitiva, é apenas um

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procedimento administrativo (investigatório). Já o processo penal em si tem característica acusatória.

Eugênio Pacelli de Oliveira (2011, p. 13) segue esse mesmo pensamento ao afirmar que:

[...] no que se refere à fase investigativa, convém lembrar que a definição de um sistema processual há de limitar-se ao exame do processo, isto é, da atuação do juiz no curso do processo. E porque, decididamente, inquérito policial não é processo, misto não será o sistema processual, ao menos sob tal fundamentação.

Ainda, na investigação criminal o indiciado não pode ser condenado, pois este não tem o direito de se defender plenamente, bem como o inquérito policial (inquisitivo) serve para investigar o autor do crime, sem ter a autoridade policial autonomia para julgar o indiciado. Assim, o cidadão somente poderá ser processado e condenado judicialmente quando houver sido cumprido o devido processo legal, ou seja, respondido uma ação penal.

Além disso, Oliveira (2011, p. 14) discorre que não se pode “[...] aceitar condenações fundadas em provas produzidas unicamente na fase de investigações. A violação ao contraditório e à ampla defesa seria manifesta.” Contudo, há provas produzidas no inquérito policial que não podem ser repetidas no processo, e assim, podem ser utilizadas, conforme destaca o art. 155, caput do CPP.

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Sob esse viés, Ishida (2009) aduz que no sistema acusatório, o Estado tem o jus puniendi (aplica a pena), e é por meio do processo que se resolverá o conflito. Também afirma que o direito processual penal é regulado por princípios essenciais ao acusado, bem como que o direito de punir o réu é exclusivo do Estado.

Contudo, Tourinho Filho (2010, p. 124, grifo do autor) afirma que o Brasil não adotou um sistema acusatório puro, “[...] mas um sistema acusatório com laivos de inquisitivo, tantos

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são os poderes conferidos àquele cuja função é julgar com imparcialidade a lide, mantendo-se equidistante das partes.” Ainda, ressalta que o juiz pode

[...] requisitar abertura de inquérito (art. 5º, II, do CPP). Decretar de ofício prisão preventiva (art. 311 do CPP); conceder habeas corpus de ofício (art. 654, § 2º, do CPP); ser destinatário da representação (art. 39 do CPP); ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes (art. 156, I, do CPP); determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante (art. 156, II, do CPP); ouvir outras testemunhas além as indicadas pelas partes (art. 209 do CPP) e, inclusive, as referidas pelas testemunhas (§1º do art. 209 do CPP) etc.

Távora e Alencar (2011, p. 43, grifo do autor) também seguem entendimento, ao ressaltarem que:

[...] não adotamos um sistema acusatório puro, e sim o não ortodoxo, pois o magistrado não é um espectador estático na persecução, tendo, ainda que excepcionalmente, iniciativa probatória, e podendo, de outra banda, conceder habeas corpus de ofício e decretar prisão preventiva, bem como ordenar e modificar medidas cautelares. É essa também a linha expressamente afirmada pela relatoria da Comissão do Projeto de Código de Processo Penal, sugerindo uma leitura não radical do princípio acusatório.

Outrossim, Távora e Alencar (2011) aduzem que mesmo que o sistema inquisitivo esteja presente no inquérito policial, este se trata apenas de uma fase pré-processual, ou seja, uma fase investigatória para apurar quem é o autor do crime. Portanto, o sistema acusatório é o vigente no Brasil, por meio da interpretação do Código de Processo Penal de 1941, à luz da Constituição Federal de 1988.

Assim, o sistema acusatório é, segundo Capez e Colnago (2009), o sistema processual penal adotado no Brasil, e nessa perspectiva é que se devem analisar alguns princípios fundamentais desse sistema presentes na Constituição Federal. Vejam-se a seguir os principais princípios do processo penal.

Inicialmente analisar-se-á o princípio do contraditório, que está expresso no art. 5º, LV da CF (BRASIL) e, segundo Antonio Scarance Fernandes (2002), é a necessidade que o acusado tem do direito a informação e reação no processo penal. Nucci (2010, p. 84), por sua

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vez, aduz que o contraditório “quer dizer que a toda alegação fática ou apresentação de prova, feita no processo por uma das partes, tem o adversário o direito de se manifestar [...].”

Do mesmo modo, o princípio da ampla defesa também está expresso no art. 5º, LV da CF (BRASIL), o qual, segundo Nucci (2010, p. 82) é o direito do acusado “[...] se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação.” Távora e Alencar (2011) complementam este conceito afirmando que existem dois tipos de defesa ao acusado: a defesa técnica (feita por defensor) e a autodefesa (feita pelo próprio réu).

No princípio da verdade real, segundo Capez e Colnago (2009), o juiz deve investigar os fatos e analisá-los conforme realmente aconteceram, podendo determinar diligências probatórias quando necessário (art. 156, I e II, do CPP). Ainda, Távora e Alencar (2011, p. 60), afirmam que o juiz deve buscar uma verdade aproximada, “[...] extraída de um processo pautado no devido procedimento, respeitando-se o contraditório, a ampla defesa, a paridade de armas e conduzido por magistrado imparcial.”

O princípio do devido processo legal está contido no art. 5º, LIV da CF (BRASIL), o qual, segundo Antonio Scarance Fernandes (2002), insere-se no processo penal para garantir ao acusado à igualdade, o contraditório, a publicidade, o direito à prova, o prazo, procedimentos e o princípio da proporcionalidade. Portanto, este princípio decorre de uma série de direitos ao réu.

Capez e Colnago (2009) asseveram que o princípio da oficialidade expressa que o titular da ação penal é um órgão público, ou seja, o Ministério Público. As exceções a esta regra seriam a ação penal privada subsidiária da pública e a ação penal privada promovida pelo ofendido.

Távora e Alencar (2011, p. 62), afirmam que “a publicidade dos atos processuais é a regra”, de acordo com o princípio da publicidade. “Todavia, o sigilo é admissível quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem [...]”, conforme art. 5º, LX da CF (BRASIL).

O princípio do promotor natural está expresso no art. 5º, LIII da CF (BRASIL), o qual garante ao acusado ser processado por autoridade competente, ou seja, o Ministério Público

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(em regra). Segundo Antonio Scarance Fernandes (2002, p. 246), “[...] não pode o acusado ser processado senão por aquela autoridade que, antes do fato, tinha atribuições para acusá-lo.”

Nucci (2010, p. 81) conceitua o princípio da presunção de inocência, afirmando que “[...] todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença condenatória, com trânsito em julgado.” Este princípio está contido no art. 5º, LVII da CF (BRASIL), e visa garantir que à acusação caberá o ônus da prova.

O princípio da indisponibilidade, segundo Capez e Colnago (2009, p. 18), está presente no processo penal, pois “[...] o Ministério Público, após ter proposto a ação penal pública, dela não poderá desistir (art. 42 do CPP), nem do recurso, por ele interposto (art. 576 do CPP).” Contudo, este não se aplica na ação penal privada e quando houver a suspensão condicional do processo, bem como a transação penal (Lei nº 9.099/95).

Já o princípio do favor rei aduz que “a dúvida sempre milita em favor do acusado (in dubio pro reo). Em verdade, na ponderação entre o direito de punir do Estado e o status libertatis do imputado, este último deve prevalecer.” (AVENA, 2011, p. 67). Portanto, se o juiz tiver dúvidas quanto à autoria e materialidade do crime, deverá absolver o acusado.

O art. 5º, incisos LIII e XXXVII da CF (BRASIL), expressa o princípio do juiz natural, o qual, segundo Antonio Scarance Fernandes (2002, p. 128), é a garantia da existência da atividade jurisdicional. Portanto, neste princípio, “[...] além de o julgamento da causa dever ser incumbência do juiz natural, perante este deve também ser instaurado e desenvolvido o processo.”

O princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos está previsto no art. 5º, LVI da CF (BRASIL), o qual dispõe que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.” Prado (2009) afirma que somente as provas obtidas em conformidade com a lei poderão ser usadas na condenação do réu. O art. 157 do CPP dispõe sobre as provas ilícitas.

Aury Lopes Jr (2012) aduz que no princípio da imparcialidade do juiz, este se deve manter longe da iniciativa probatória, para não ter uma conduta inquisitória no processo. Por sua vez, Prado (2009) lista uma série de garantias do juiz presentes no art. 95, I, II e III da CF

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(BRASIL), as quais seriam: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Estas garantias buscam assegurar a independência do juiz, o qual decidirá o processo penal com seu livre consentimento.

Por fim, o princípio do duplo grau de jurisdição, no qual “[...] o acusado e acusador têm o direito de postular aos tribunais superiores o reexame da matéria que foi objeto de decisão no âmbito do processo.” (PRADO, 2009, p. 31). Este princípio está prevista no art. 102, II, a e III da Constituição Federal.

Deste modo, com base nos princípios acima, é que o sistema acusatório vige no ordenamento processual penal brasileiro, por meio da ação penal. Tourinho Filho (2010, p. 355, v. I) conceitua a ação penal como

[...] o direito de se invocar a garantia jurisdicional. Uma vez que o Estado impediu o fazer justiça com as próprias mãos – e proibição que se estende a ele próprio -, surgiu para os particulares e, inclusive, para o próprio Estado o direito de se dirigirem aos órgãos incumbidos da administração da justiça, pedindo o julgamento de uma pretensão.

Por sua vez, Capez (2012, p. 155) define ação penal como

[...] o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. É também o direito subjetivo do Estado-Administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo, com a consequente satisfação da pretensão punitiva.

Portanto, a ação penal pode se dividir em: ação penal pública incondicionada, na qual o Ministério Público promoverá a denúncia sem que haja manifestação da vontade da vítima ou outro qualquer; ação penal pública condicionada, na qual o Ministério Público precisa da representação da vítima ou da requisição do Ministro da Justiça para propor a denúncia; e ação penal privada, na qual o particular (vítima ou seu representante legal) tem o direito de propor a queixa, por meio de um defensor. O art. 24, caput e 30 do Código de Processo Penal (BRASIL) regulamentam os três tipos de ações penais cabíveis.

Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do

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Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.

Ressalta-se assim, que na ação penal o acusado tem todos os meios possíveis para se defender, pois segue exigências próprias e princípios constitucionais, em especial o princípio do contraditório, o qual garante a parte acusada participar intensamente no processo, podendo se manifestar, alegar e provar o que achar de direito. Sendo, portanto umas das características fundamentais desse sistema acusatório. Desta forma, nota-se que o sistema acusatório está claramente presente no ordenamento penal brasileiro.

Assim, é que se conclui que o sistema processual penal acusatório foi o adotado no Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988. A seguir, será realizada uma pesquisa aprofundada sobre o possível enquadramento do princípio do contraditório no inquérito policial brasileiro, à luz de um sistema puramente acusatório, de forma a explorar os vários posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.

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2 O INQUÉRITO POLICIAL E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

No presente capítulo abordar-se-ão as raízes do sistema inquisitivo implantado no inquérito policial, sob o viés do Código de Processo Penal brasileiro de 1941, bem como sua posterior relativização com o surgimento da Constituição Federal de 1988, a qual trouxe a discussão entre doutrinadores e na própria jurisprudência de se o modelo inquisitivo está ou não presente no ordenamento processual brasileiro, uma vez que nitidamente optou o legislador constitucional por um delineamento acusatório do processo penal.

Por fim, mostrar-se-á que o sistema acusatório implantado com o advento da Constituição Federal de 1988 só será efetivamente consolidado com a implantação do princípio do contraditório no inquérito policial.

2.1 A inquisitorialidade no inquérito policial à luz do Código de Processo Penal brasileiro

O inquérito policial no Brasil, sob o viés do Código de Processo Penal de 1941, é regido pelo sistema inquisitivo, com forma “sigilosa e não contraditória, figurando a pessoa do suspeito ou indiciado como mero objeto da investigação.” (BONFIM, 2010, p. 62).

Pode-se deduzir que o inquérito policial foi mantido no ordenamento brasileiro, pois detém alguns aspectos positivos, tais como: economia de recursos financeiros pelo Estado; celeridade na realização do procedimento investigatório; e a polícia está presente em todo o território brasileiro, o que não acontece em relação aos juízes e promotores. Aury Lopes Jr (2001, p. 58) afirma que:

esse foi o argumento do legislador brasileiro de 1941 para justificar a permanência do inquérito policial, pois, segundo o pensamento da época, era o modelo mais adequado à realidade e às grandes dimensões territoriais de nosso país. Naquele momento, foi rechaçada a instrução preliminar judicial pela impossibilidade de que o juiz de instrução pudesse atuar de forma rápida nos mais remotos povoados, que, naquela época, exigiam vários dias de viagem.

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Outrossim, segundo Eugênio Pacelli de Oliveira (2011, p. 5), o Código de Processo Penal brasileiro de 1941 surgiu inspirado no regime fascista processual italiano da década de 1930, com

bases notoriamente autoritárias, por razões óbvias e de origem. E nem poderia ser de outro modo, a julgar pelo paradigma escolhido e justificado, por escrito e expressamente, pelo responsável pelo anteprojeto de lei, Ministro Francisco Campos.

Ainda, Oliveira (2011) aduz que o originário Código de Processo Penal de 1941 tem as seguintes características: caso ocorra prisão em flagrante o acusado é considerado potencialmente culpado; a tutela da segurança pública é superior à liberdade do indivíduo; há prática autoritária e abusiva do poder público para buscar a verdade real; e o interrogatório do réu é um meio de prova (não de defesa), sem a intervenção das partes.

De acordo com Oliveira (2011, p. 332), no perfil traçado pelo Código de Processo Penal de 1941 no inquérito policial era permitida “a iniciativa acusatória ao próprio juiz, além de se reservar a estes amplos poderes probatórios, inclusive como atividade substitutiva da atuação do Ministério Público.” Como já expresso anteriormente no primeiro capítulo, o modelo adequado ao CPP de 1941 foi o puramente inquisitivo.

Fernando Capez (2012, p. 119) afirma que se evidencia

a natureza inquisitiva do procedimento o art. 107 do Código de Processo Penal, proibindo arguição de suspeição das autoridades policiais, e o art. 14, que permite à autoridade policial indeferir qualquer diligência requerida pelo ofendido ou indiciado (exceto o exame de corpo de delito, à vista do disposto no art. 184).

Assim, para alguns doutrinadores, há no ordenamento processual penal “uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e a uma instrução preparatória, e uma fase final, na qual se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório.” (CAPEZ e COLNAGO, 2009, p. 23).

Ishida (2009, p. 43, grifo do autor) aduz que o inquérito policial brasileiro segue os moldes do sistema inquisitivo, no qual este é o “início e base para a formação da opinio delicti

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do Ministério Público.” Ainda, complementa afirmando que a palavra “inquirir significa perguntar, indagar.”

Portanto, destaca-se que a inquisitorialidade presente no inquérito policial no Brasil não segue os moldes iniciais, no qual a figura de acusar, defender e julgar se confundiam em uma única pessoa. E sim, um modelo um pouco mais aprimorado, no qual doutrinadores afirmam que o inquérito policial é apenas um elemento informativo para uma futura ação penal.

Nesse sentido, Aury Lopes Jr (2001, p. 64) preceitua que:

atualmente, o panorama mudou e o modelo atual não permite o juiz instrutor seja considerado como um puro inquisidor (no sentido histórico), principalmente porque não ele acusa. Não se admitem processos de ofício e o Ministério Público divide a titularidade da ação penal com os particulares, conforme as particularidades de cada país. Tampouco julga a causa que instruiu.

Por sua vez, Ishida (2009, p. 43, grifo do autor) afirma que ao final do inquérito policial. “a autoridade policial faz o relatório, que é o resumo das diligências efetuadas, sem menção de qualquer opinião pessoal da autoridade policial”, confirmando o acima exposto.

O artigo 4º “caput” e o artigo 12 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) ressaltam a finalidade do inquérito policial, ao disporem, respectivamente:

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. [...]

Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.

Aury Lopes Jr (2001, p. 57) destaca que:

[...] nesse sistema a polícia não é um mero auxiliar, senão o titular (verdadeiro diretor da instrução preliminar), com autonomia para dizer as formas e os meios empregados na investigação e, inclusive, não se pode afirmar que existia uma subordinação funcional em relação aos juízes e promotores.

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Outrossim, pela análise do citado artigo 12 do Código de Processo Penal, nota-se que o inquérito policial não precisará acompanhar obrigatoriamente a denúncia ou a queixa, desde que estas tenham elementos suficientes para caracterizar a materialidade do crime ou da autoria do delito. Assim, o Código de Processo Penal abrangeu a inquisitorialidade no inquérito policial, pois alguns doutrinadores acreditam que este é uma mera peça informativa.

Na prática das investigações criminais, pode-se notar a presença da inquisitorialidade quanto ao sigilo nas investigações, que é diferente do sigilo dos autos. Ishida (2009, p. 45) explica que

[...] o “sigilo das investigações” é aquele observado nos atos investigatórios (ex.: buscas, oitivas de testemunhas etc.). Pode ser oposto, em princípio, a quem quer que seja, exceto ao Poder Judiciário e MP. O advogado tem o direito de saber o que já foi feito, mas não de saber o que está sendo feito ou será feito (não pode participar das investigações).

Assim, o inquérito policial ainda segue os passos de um modelo inquisitivo, mesmo porque o próprio Código de Processo Penal vigente no Brasil garante esses traços em nosso ordenamento. Ainda, são bastante conflitantes os entendimentos dos doutrinadores e da jurisprudência no sentido de se chegar a um modelo processual ideal, pois alguns continuam apoiando o inquérito policial à luz do sistema inquisitivo e outros acreditam que se deve adequar o inquérito policial ao sistema acusatório, a fim de garantir o devido processo legal ao indiciado.

2.2 A aplicação do princípio do contraditório ao inquérito policial no processo penal brasileiro: prós e contras doutrinários e jurisprudenciais

Os doutrinadores e a jurisprudência têm diferentes entendimentos em relação à aplicação do princípio do contraditório na investigação criminal. A grande maioria afirma não ser possível a utilização desse princípio no inquérito, enquanto que uma pequena parte acredita ser indispensável a sua consolidação nos sistema processual penal atual.

A grande divergência existe em razão do contido no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal de 1988, o qual expressa que o contraditório deve ser observado tanto no

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processo administrativo como no judicial. Portanto, gerou-se margem para vários entendimentos.

Dentre esses posicionamentos divergentes está aquele segundo o qual o inquérito policial não recepciona o princípio do contraditório, pois a fase investigativa não seria um processo administrativo, e sim, um procedimento administrativo, no qual não há acusado e muito menos juiz. Sendo assim, uma mera peça informativa para a ação penal.

Fernando Capez e Rodrigo Colnago (2009, p. 41) seguem este entendimento ao aduzirem que o inquérito policial

consiste na não aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa na fase investigatória. Fundamenta-se no fato de que no inquérito ainda não existe acusação e, sem acusação, não há que se falar em defesa. Desse modo, a título de exemplo, a autoridade policial pode indeferir a realização de qualquer diligência solicitada pelo indiciado, salvo o exame de corpo de delito (art. 14 do CPP); além do que, proíbe-se a arguição de suspeição das autoridades policiais.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 34.262/RS (2012/0229715-9), preferido pelo Ministro Relator Nefi Cordeiro, da Sexta Turma, ocorrido na data de 03/03/2016, também segue esse entendimento1. Ainda, segue abaixo outro julgado nesse sentido:

1

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INQUÉRITO

POLICIAL. PROCEDIMENTO MERAMENTE INFORMATIVO. DISPENSABILIDADE DO

CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. MINISTÉRIO PÚBLICO. NÃO VINCULAÇÃO ÀS

CONCLUSÕES DA AUTORIDADE POLICIAL. POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO DE

DILIGÊNCIAS AO PODER JUDICIÁRIO. VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DO MATERIAL FÁTICO-PROBATÓRIO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Possíveis nulidades ocorridas no inquérito policial não são aptas a macular o processo criminal, por se tratar de expediente meramente informativo, prescindível, inclusive, para o oferecimento da denúncia. Precedentes. 2. A jurisprudência consolidou entendimento quanto ao fato de que o Ministério Público não está adstrito às conclusões firmadas pela autoridade policial, por ser o dominus litis. Precedente. 3. O poder requisitório conferido ao Ministério Público pelo art. 129 da Constituição Federal não impede o requerimento de diligências ao Poder Judiciário, desde que demonstre a incapacidade de sua realização por meios próprios. Precedentes. (REsp n. 820.862/SC, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 2/10/2006). 4. É cediço que o inquérito policial

é peça meramente informativa, de modo que o exercício do contraditório e da ampla defesa, garantias que tornam devido o processo legal, não subsistem no âmbito do procedimento administrativo inquisitorial. Precedentes. (RHC 57.812/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 22/10/2015). 5.

Inadmissível o exame do material fático-probatório da ação penal na via estreita do habeas corpus. 6. Recurso ordinário improvido. (BRASIL, 2016, grifo nosso).

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PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 216-A C/C ART. 69, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PROMOTOR DE JUSTIÇA LICENCIADO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESNECESSIDADE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO NA INVESTIGAÇÃO. NÃO APLICAÇÃO. REPRESENTAÇÃO CRIMINAL. INFORMALIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. [...] 2. Não se assegura, no âmbito de inquérito policial ou procedimento

investigatório, o exercício da ampla defesa - como direito de arrazoar e provar - ou de contraditório, pois procedimento administrativo-inquisitorial destinado à simples reunião de certeza da materialidade e indícios de autoria, como suporte de seriedade à acusação penal. [...] 5.

Não conhecidas, por supressão de instância, as teses de inexistência de delegação de poderes ao Promotor de Justiça que conduziu o procedimento investigatório e de invalidade do depoimento da testemunha Miguel Ângelo do Vale Sampaio, assim como de instauração da investigação sem a existência da manifestação das vítimas. 6. Habeas corpus não conhecido. (BRASIL, 2016, grifo nosso).

No julgamento do Habeas Corpus nº 326170-BA (2015/0133660-4) acima citado, pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o Relator Ministro Nefi Cordeiro, em parte do seu voto (p. 9), aduziu que no “procedimento investigatório criminal, não há direito de defesa (como direito de arrazoar e provar) ou de contraditório. Desnecessária, pois, a pretendida notificação ao investigado.” Assim, fica claramente demonstrado que não é assegurado o exercício do contraditório na investigação criminal, consoante jurisprudência da própria Corte.

Norberto Avena (2011) também segue esse posicionamento, pois aduz que o inquérito policial serve para juntar informações necessárias para comprovar a autoria e materialidade do crime, não havendo contraditório. Paulo Rangel (2010, p. 19) complementa esse pensamento ao afirmar que:

o inquérito policial, assim, não passa de mero expediente administrativo, que visa apurar a prática de uma infração penal com a delimitação da autoria e as circunstâncias em que a mesma ocorrera, sem o escopo de infligir pena a quem seja objeto desta investigação. Assim, o caráter inquisitorial afasta, do inquérito policial, o princípio do contraditório.

Portanto, alguns doutrinadores que seguem este pensamento acreditam que o sistema processual penal brasileiro é misto. Afirmam que com o advento da Constituição Federal de 1988 o sistema processual penal brasileiro sofreu uma considerável alteração, com o

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surgimento de um sistema processual misto, tanto inquisitório (no inquérito policial) como acusatório (no processo penal).

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande Do Sul, na Apelação Crime Nº 70067641688, julgada em 31/03/2016, relatou que enquanto o Código de Processo Penal de 1941 não se declare em desconformidade com a Constituição Federal de 1988, o sistema processual penal será o misto, ou seja, acusatório e inquisitório. Outrossim, ainda relata que a cada alteração legislativa vem se observando a introdução do caráter acusatório na investigação criminal.

Contudo, para a minoria dos doutrinadores a inquisitorialidade no inquérito policial está ultrapassada, pois “é considerado primitivo, já que o acusado é privado do contraditório, prejudicando-lhe o exercício da defesa.” (BONFIM, 2010, p. 60).

Nesse contexto, é que o princípio do contraditório está sendo analisado profundamente para ser enquadrado na investigação policial realizada pelos delegados de polícia. Apesar do entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência de que o princípio do contraditório não se aplica à investigação policial, o Superior Tribunal Federal começa a posicionar-se em alguns julgados de modo diverso, no sentido de garantir aos indiciados o contraditório nos inquéritos policiais2.

Antonio Scarance Fernandes (2002, p. 68) também defende esse posicionamento, ao afirmar que:

há, sem dúvida, necessidade de se admitir a atuação da defesa na investigação, ainda que não se exija o contraditório, ou seja, ainda que não se imponha a necessidade de prévia intimação dos atos a serem realizados. Não se trata de defesa ampla, mas limitada ao resguardo dos interesses mais relevantes do suspeito, como o requerimento de diligências, o pedido de liberdade provisória, de relaxamento de flagrante, a impetração de habeas corpus.

2

HC n. 92599/BA: O Ministro relator Gilmar Mendes, em 18/03/2008, deferiu o pedido liminar determinando a juntada de expedientes no inquérito policial em trâmite perante o STJ, permitindo assim, o amplo acesso do advogado a elementos documentados no inquérito policial (BRASIL, 2008).

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Outrossim, surgiu, posteriormente ao Código Penal Brasileiro e a Constituição Federal, o Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/94, que em seu art. 7º, incisos XIII e XIV, esclarecem que:

Art. 7º São direitos do advogado:

XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;

XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. (BRASIL, 1994).

Já em 2009, foi aprovada a Súmula Vinculante 14 pelo STF que reforça o estabelecido no art. 7º, XIII e XIV da Lei 8.906/94, a qual dispõe:

Súmula Vinculante 14 - É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado pelo órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. (BRASIL, 2009).

Com a aprovação da Súmula 14 do STF, o princípio do contraditório ganhou mais força no inquérito policial, pois o indiciado pode se defender com mais eficácia dentro das provas produzidas pelo delegado, sem ser prejudicado posteriormente, ou seja, um mínimo de contraditório está presente na investigação policial.

Contudo, em relação à Súmula Vinculante 14 do STF, Fernando Capez e Rodrigo Colnago (2009, p. 44) afirmam que:

a Súmula não reconhece de forma absoluta esse direito do advogado, resistindo algumas restrições, tais como: a) o advogado somente acessará os autos no interesse de seu cliente; b) os elementos de prova devem dizer respeito ao direito de defesa; e c) o exame restringe-se às provas já documentadas.

Portanto, não se está falando em garantir um contraditório pleno, pois isto atrapalharia nas investigações realizadas pelo delegado de polícia, mas sim da “existência de um

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contraditório mínimo, que de forma concreta garantisse a comunicação e a participação do sujeito em determinados atos.” (LOPES JR, 2001, p. 251).

Cristiano Weber (2009, p. 80) também tem esse entendimento ao afirmar que:

ao falar em direito de defesa no inquérito policial, logo se pensa num contraditório pleno, em que o advogado do investigado estará a par de todos os atos investigados que estão acontecendo. Mas, não é assim que se deve pensar. Certo sigilo é necessário para os atos iniciais do inquérito policial (os atos investigatórios), pois, caso contrário, não haveria necessidade deste.

Destarte, trata-se de um contraditório diferido, exercido de forma mais restrita, o qual “é realizado somente após terem sido realizados todas as produções de prova que se entenderam necessárias. Aí pode o advogado debater e fazer requerimentos.” (WEBER, 2009, p. 84). Esse foi o posicionamento do Relator Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do Inquérito 2.266, pelo Supremo Tribunal Federal, que ocorreu na data de 26/05/20113.

Dentre as garantias mínimas do contraditório presente na investigação policial, Aury Lopes Jr. (2001) sustenta que: deverá o indiciado ser comunicado imediatamente da existência de uma imputação, constando um breve relato dos fatos e que tem o direito de comparecer acompanhado de um advogado; o indiciado tem direito de silêncio, o que não lhe causa qualquer consequência jurídica, bem como pode indicar provas e solicitar diligências; cada ato da investigação terá um segredo interno com duração razoável, o qual findo será público ao indiciado; o indiciado pode participar na produção antecipada de provas, bem como apresentar quesitos e ter acesso ao resultado nas provas técnicas irrepetíveis; terá uma fase intermediária contraditória, onde será feito uma pré-admissibilidade da acusação; e as provas tenham um valor probatório limitado nos atos da investigação, não podendo ser excluídas.

3 "O inquérito não possui contraditório, mas as medidas invasivas deferidas judicialmente devem se submeter a

esse princípio, e a sua subtração acarreta nulidade. Obviamente não é possível falar-se em contraditório absoluto quando se trata de medidas invasivas e redutoras da privacidade. Ao investigado não é dado conhecer previamente - sequer de forma concomitante - os fundamentos da medida que lhe restringe a privacidade. Intimar o investigado da decisão de quebra de sigilo telefônico tornaria inócua a decisão. Contudo, isso não significa a ineficácia do princípio do contraditório. Com efeito, cessada a medida, e reunidas as provas colhidas por esse meio, o investigado deve ter acesso ao que foi produzido, nos termos da Súmula Vinculante nº 14. Os fundamentos da decisão que deferiu a escuta telefônica, além das decisões posteriores que mantiveram o monitoramento devem estar acessíveis à parte investigada no momento de análise da denúncia e não podem ser subtraídas da Corte, que se vê tolhida na sua função de apreciar a existência de justa causa da ação penal. Trata-se de um contraditório diferido, que permite ao cidadão exercer um controle sobre as invasões de privacidade operadas pelo Estado." (BRASIL, 2011).

Referências

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