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Ciclos econômicos: a escola austríaca como alternativa à teoria keynesiana

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Pós-Graduação Lato Sensu em “Finanças e Mercado de Capitais”

Artigo de conclusão de curso - abril de 2015

CICLOS ECONÔMICOS: A ESCOLA AUSTRÍACA COMO

ALTERNATIVA À TEORIA KEYNESIANA

Eduardo Evandro Franco

RESUMO

Após a crise de 2008, o debate sobre ciclos econômicos volta à tona. Mas o que se vê é uma discussão parcial, que sugere como causa das crises, e dessa em específico, os mesmos problemas que a causaram; relacionada, notadamente, a Teoria Geral de John M. Keynes. Se faz necessário então a apresentação de uma abordagem esquecida no debate: a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos. O objetivo desse trabalho foi, em um primeiro momento, apresentar as duas teorias econômicos, e depois, realizar uma análise empírica a respeito da crise de 2008 nos EUA, e da atual crise vivida no Brasil. A conclusão que se chega é que a teoria keynesiana é insuficiente para o entendimento da crise, e os remédios sugeridos por Keynes tendem a causar os ciclos econômicos e a agravar seus efeitos, como foi lembrado pela Escola Austríaca de Economia.

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“Homens práticos, que acreditam serem completamente isentos de qualquer influência intelectual, geralmente são os escravos de algum economista defunto.”

(John M. Keynes)

"Ideias, e somente ideias, podem iluminar a escuridão.”

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1 INTRODUÇÃO

As crises e as oscilações da economia têm se mostrado cada vez mais constantes e mais severas. Faz-se, então, necessário a busca pelo entendimento de como se originam as crises e como se deve resolvê-las. Entretanto, são poucos os economistas, políticos, jornalistas e profissionais do mercado financeiro que conseguem, tanto entender, como prever uma crise econômica.

Percebe-se, portanto, que são necessárias alternativas às teorias econômicas estudadas pelo mainstream, principalmente no que tange ao entendimento dos ciclos econômicos, que é o foco principal desse estudo.

Nesse sentido, a temática escolhida para a realização do trabalho foi a de ciclos econômicos, sendo o mesmo direcionado ao estudo da teoria econômica de Keynes e da Escola Austríaca de Economia.

Com a frequente ocorrência de crises financeiras, especialmente após a crise de 2008, o entendimento dos ciclos econômicos passou a ter um destaque maior no debate econômico. Diante desta realidade, surge a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos como alternativa à teoria keynesiana que, apesar de dominar o entendimento econômico contemporâneo, é considerada por muitos falha e insuficiente no tratamento dado ao tema.

Essa busca pelo entendimento dos ciclos econômicos se faz necessária por uma série de fatores que vão desde a otimização de ganhos no mercado de capitais passando pelo planejamento empresarial e pessoal.

A ampla maioria das informações divulgadas a respeito dos ciclos econômicos e, em especial, as referentes à crise de 2007/08, mostram um ponto em comum que é o fato da crise ter sua origem na falta de regulamentação do mercado pelo Estado. Keynesianos apontam a intervenção estatal como a solução, enquanto seguidores da Escola Austríaca de Economia apontam a intervenção estatal como causadora e geradora da crise.

Nesse contexto, o presente artigo busca responder ao seguinte problema: seria a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos válida como alternativa à economia keynesiana no que diz respeito a análise, previsão e tratamento de crises financeiras?

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O objetivo geral é analisar os ensinamentos da Escola Austríaca de Economia enquanto alternativa à economia keynesiana no tratamento de ciclos econômicos. O mesmo é complementado com a apresentação da Escola Austríaca de Economia; uma revisão da bibliografia da Escola Austríaca a respeito dos ciclos econômicos; a revisão da Teoria Geral de Keynes; e a construção de evidências empíricas que propiciem comparar as duas vertentes de pensamento.

O trabalho justifica-se pela importância no entendimento dos ciclos econômicos, considerado um assunto atual, e quando bem compreendido e aplicado, além de trazer melhores resultados para empresas e investidores, através da melhora no planejamento de produção e investimentos, tem um efeito social benéfico muito grande, evitando que as distorções econômicas gerem uma falsa sensação de prosperidade que vem, logo depois, cobrar seu alto preço. Particularmente, o tema tem grande importância haja vista a relevância que tem no mercado de capitais, podendo, inclusive, servir como apoio para estruturação de investimentos no mercado financeiro.

Para os diversos setores da economia, mercado financeiro, empresas em geral e governo, esse trabalho pretende ser uma semente plantada que chame a atenção de uma linha de pensamento praticamente ignorada no atual debate econômico.

O estudo está dividido em duas partes, além desta introdução e das considerações finais. A primeira parte apresenta a metodologia utilizada para a produção deste artigo. A segunda parte recupera elementos da teoria existente em torno do tema, pela qual se realiza o desenvolvimento da análise em busca da resposta ao problema central levantado.

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Esta parte tem como objetivo apresentar o embasamento teórico que contribui para a realização e sustentação da pesquisa, permitindo a investigação e o aprimoramento do conhecimento já adquirido.

Assim, o referencial teórico apresenta os conceitos Ciclos Econômicos. Em seguida traz o entendimento dos ciclos econômicos dentro das duas doutrinas destacadas. Por fim, faz uma análise da crise de 2008 e da história econômica recente do Brasil.

2.1 Ciclos Econômicos

Por ciclo econômico se entende a variação, ora positiva (expansão), ora negativa (contração) da atividade econômica de um país, ou de um conjunto de países, baseado na análise de variáveis econômicas relevantes, tais como produção, emprego, renda, consumo e investimento, dado que essas variáveis não se comportam de forma linear ao longo do tempo.

De Lima (2011, p. 1) ressalta que:

entender as razões do movimento ondulatório das economias de mercado e procurar precaver-se contra ele é um dos principais desafios da pesquisa macroeconômica e da formulação de políticas de estabilização.

Nessa busca pelo entendimento, surgem diferentes teorias tentando entender e explicar a causa dos ciclos econômicos (a partir de agora CE) e propor soluções. Mas, como lembra Rothbard (2012), o estudo dos ciclos econômicos deve partir de uma teoria que esteja integrada ao restante da teoria econômica geral. Portanto, diferentes teorias devem ser analisadas sob a luz dos diferentes pressupostos teóricos nas quais estão assentadas.

2.2 Escola Austríaca de Economia e a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

2.2.1 Uma introdução à Escola Austríaca

A Escola Austríaca de Economia, com base robusta nos pensadores Escolásticos, é assim chamada pelo fato de seus fundadores e membros iniciais terem nascido na Áustria. Tem seu início na figura de Carl Menger, mais precisamente no ano de 1871, quando Menger constrói a Teoria Subjetiva do Valor e a Lei da Utilidade Marginal Decrescente.

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Entusiasmado com as ideias de Menger, Eugen von Böhm-bawerk começou um longo e brilhante trabalho publicado em três volumes na obra “Capital e juro”, obra essa que lhe rendeu o convite a assumir o Ministério das Finanças austríaco em 1889. Forte crítico da obra de Karl Marx, Böhm-bawerk teve entre seus alunos de maior destaque Joseph Schumpeter e Ludwig von Mises. Mises teve, por sua vez, um importante e destacado aluno: Friedrich Hayek que recebeu o prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel no ano de 1974. Ainda entre os alunos de Mises, surge a figura de Murray Rothbard, que trouxe importantes contribuições não somente para teoria econômica como para a ciência política, e Israel Kirzner estudioso da função empresarial.

Como lembrado por Iorio (2011) a tríade básica da Escola Austríaca de Economia é a ação, o tempo e o conhecimento. Mais precisamente, o estudo da ação humana através da praxeologia, pois a economia nada mais é do que a interação de homens movidos por suas insatisfações buscando uma situação com maior nível de conforto que a atual. O tempo é, na concepção austríaca, dinâmico. O oposto à concepção estática e linear de tempo da visão newtoniana, uma vez que ao passar do tempo o homem vai acumulando experiências e conhecimentos, devido ao fato de algo novo sempre estar acontecendo, e com isso seus planos podem se alterar ou, ainda, se mostrarem errados. A questão do conhecimento, último elemento da tríade austríaca, nos remete ao fato de que o conhecimento humano detém componentes de indeterminação e de imprevisibilidade, dotando a ação humana de efeitos involuntários e que não podem ser calculados a priori, uma vez que o conhecimento é prático, disperso e tácito.

Para o correto entendimento da Escola Austríaca é necessário traçar uma comparação entre suas bases teóricas e a da escola neoclássica (predominante no estudo da Economia

Mainstream). Soto (2010) nos traz um quadro que mostra sinteticamente essas principais

diferenças:

Diferenças essenciais entre a Escola Austríaca e a Neoclássica:

Pontos de comparação Paradigma austríaco Paradigma neoclássico

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de economia (princípio essencial):

como um processo dinâmico (praxeologia).

a restrições (conceito estrito de "racionalidade").

2. Perspectiva metodológica:

Subjetivismo. Estereótipo do individualismo

metodológico (objetivista).

3. Protagonista dos processos sociais:

Empreendedor criativo. Homo economicus.

4. Possibilidade de os agentes se equivocarem a priori e natureza do ganho empresarial:

Admite-se a possibilidade de serem cometidos erros empresariais puros que poderiam ter sido evitados com maior perspicácia empresarial na percepção de oportunidades de lucro.

Não se admite que existam erros dos quais alguém possa arrepender-se, uma vez que todas as decisões passadas se racionalizam em termos de custos e benefícios. Os lucros empresariais são considerados como a renda de mais um fator de produção.

5. Concepção da informação:

O conhecimento e a informação são

subjetivos, estão dispersos e alteram-se constantemente (criatividade empresarial). Distinção radical entre conhecimento científico (objetivo) e prático (subjetivo).

Pressupõe-se a existência de informação perfeita (em termos certos ou probabilísticos), objetiva e constante a propósito de fins e de meios. Não se distingue entre conhecimento prático (empresarial) e científico.

6. Ponto de referência: Processo geral com tendência coordenadora. Não se distingue entre a micro e a macroeconomia: todos os problemas econômicos são estudados de forma inter-relacionada.

Modelo de equilíbrio (geral ou parcial). Separação entre a micro e a macroeconomia.

7. Conceito de «concorrência»:

Processo de rivalidade empresarial. Situação ou modelo de «concorrência perfeita».

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8. Conceito de custo:

Subjetivo (depende da capacidade

empresarial para descobrir novos fins alternativos).

Objetivo e constante (pode ser conhecido e medido por uma terceira parte).

9. Formalismo: Lógica verbal (abstrata e formal) que permite a consideração do tempo subjetivo e da criatividade humana.

Formalismo matemático (linguagem simbólica própria da análise de fenômenos atemporais e constantes).

10. Relação com o mundo empírico

Raciocínios apriorístico—dedutivos: Separação radical e, quando necessário, coordenação entre teoria (ciência) e história (arte). A história não pode ser utilizada para testar as teorias.

Verificação empírica das hipóteses (pelo menos retoricamente).

11. Possibilidades de previsão específica:

Impossível, uma vez que o que vai suceder no futuro depende de um conhecimento empresarial ainda não criado. Apenas são possíveis pattern

predictions de tipo qualitativo e

teórico sobre as consequências descoordenadoras do

intervencionismo.

A previsão é um objetivo que se procura de forma deliberada.

12. Responsável pela previsão:

O empresário. O analista econômico (engenheiro

social).

13. Estado atual do paradigma:

Notável renascimento nos últimos 25 anos (especialmente depois da crise do keynesianismo e da queda do socialismo real).

Situação de crise e mudança acelerada.

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"capital humano" investido: crescente dispersão e desagregação.

15. Tipo de

"capital humano" investido:

Teóricos e filósofos

multidisciplinares. Liberais radicais.

Especialistas em intervencionismo econômico (piecemeal social

engineering). Grau de compromisso

com a liberdade muito variável.

16. Contribuições mais recentes:

Análise crítica da coação institucional (socialismo e intervencionismo).

Teoria do sistema bancário livre e dos ciclos econômicos.

Teoria evolutiva das instituições (jurídicas, morais).

Teoria da função empresarial. Análise crítica do conceito de «Justiça Social».

Teoria da Escolha Pública. Análise econômica da família. Análise econômica do direito. Nova macroeconomia clássica. Teoria econômica da "informação"

(economics of information).

Novos keynesianos.

17. Posição relativa de diferentes autores:

Rothbard, Mises, Hayek, Kirzner Coase, Friedman, Becker, Samuelson, Stiglitz

2.2.2 Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Como dito por Arroyo 2010, a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (daqui em diante, TACE), pode ser considerada a condensação de todo o pensamento da Escola Austríaca; apesar de parecer uma teoria a respeito de um único fenômeno a mesma só pode ser plenamente compreendida se for estudada sob a luz de um conjunto de temas como base teórica. Por isso se faz necessário um estudo mais aprofundado, em relação ao resumo já apresentado aqui, sobre as bases de pensamento dessa escola.

Ciclos econômicos, diferentemente das flutuações econômicas, não são específicos de algum setor da economia. Ocorrem de forma geral atingindo diferentes áreas e tomam proporções enormes. Empreendedores erram de forma estapafúrdia suas previsões de demanda e seus investimentos de longo prazo. De repente, a demanda diminui; os

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investimentos, que antes eram atrativos, se mostram errados. Um período de prosperidade é encerrado e se inicia uma recessão. Mas qual é o motivo por trás de tantos erros cometidos de forma conjunta e em larga escala?

A Escola Austríaca de economia no seu entendimento sobre os ciclos econômicos acredita que algumas informações são interpretadas de forma errada pelo mercado fazendo com que os investidores e empreendedores errem em seus cálculos e tenham prejuízos. Mas, levando em conta que a essência da atividade empresarial é fazer previsões, a única forma de vários empresários errarem ao mesmo tempo é quando há alteração na oferta de moeda no mercado.

O boom se inicia no momento em que a base monetária é expandida. Para melhor entendimento, imaginemos uma economia livre de intervenção onde existe uma determinada quantidade de moeda (base monetária) a disposição. Dessa base monetária uma parte é gasta em consumo e outra é dividida entre poupança e investimento. A fatia da base monetária que cabe a cada um é definida pela preferência temporal dos agentes econômicos. A preferência temporal dos agentes revela os desejos entre satisfazer uma necessidade no presente ou no futuro: Segundo Rothbard (2012): “quanto menos elas (as pessoas) preferirem no presente, menor será sua taxa de preferência temporal, e menor, portanto, sua taxa pura de juros”. Ainda segundo Rothbard, “uma taxa mais baixa de preferência temporal será refletida em maiores proporções entre investimento e consumo, no prolongamento da estrutura de produção e formação de capital”. Assim como uma maior preferência temporal traz o efeito contrário: maior taxa de juros natural, menor proporção entre consumo e investimento e menor formação de capital. Dessa forma, a taxa de juros está sempre alinhada a preferência temporal dos agentes econômicos refletindo o desejo desses entre consumir ou adiar seu consumo.

De outra forma, analisemos como funciona a economia hoje, com um sistema bancário altamente inflacionário, através do sistema de reservas fracionadas, e com a taxa de juros determinada arbitrariamente pelo governo. Primeiramente o governo emite nova moeda se utilizando da emissão de títulos da dívida pública; tais títulos vão, em sua maioria, para o caixa dos grandes bancos comerciais que, por sua vez, multiplicam esse valor inicial se valendo do, já mencionado, sistema de reservas fracionadas. Por si só esse processo já é altamente perigoso para economia, pois ele aumenta as reservas disponíveis para empréstimos

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nos bancos o que força uma redução dos juros reais do mercado estimulando empresários e consumidores a tomar crédito. Isso se torna ainda mais danoso quando o governo intervém diminuindo as taxas de juros.

A consequência primeira do processo é de que as proporções entre investimento e consumo são alteradas artificialmente graças ao novo dinheiro posto em circulação: ao mesmo tempo em que há um aumento no consumo via aumento do crédito, há um aumento nos investimentos em bens de capital, ou de longo prazo, que são aqueles investimentos que se encontram, dentro da estrutura de produção, mais longe do consumidor final. Por isso um fato comum dos ciclos econômicos é o de que a empresas de bens de capital, geralmente, são mais vulneráveis as flutuações nas taxas de juros e oferta de moeda do que as indústrias de bens de consumo. A explicação de tal fato se dá graças ao entendimento em finanças coorporativas de que o maior custo em um projeto de investimento é o custo de capital, portanto, quando o custo de capital é reduzido os investimentos de longo prazo são estimulados.

Vejamos que se essa situação (de menores taxas de juros e maiores investimentos de longo prazo) ocorresse em um cenário livre de intervenção, ela seria consequência da baixa preferência temporal dos agentes econômicos, sendo assim, sustentável em longo prazo, uma vez que a consequência primeira seria a formação de poupança e redução natural das taxas de juros.

Consequência inevitável do processo de expansão da base monetária, a inflação surge no momento em que o dinheiro recém criado entra em circulação aumentando o preço os fatores de produção (alugueis, salários e juros) empregados nos novos investimentos. Como não houve, ou pelo menos não podemos crer que houve, uma mudança na preferência temporal, a proporção natural entre consumo e investimento tende a voltar, ou seja, os agentes econômicos vão consumir e poupar na mesma proporção de antes do início do processo, o que acarreta em redução da formação de poupança e aumento do consumo. Consequentemente, haverá um aumento do nível geral de preços e um aumento no nível de endividamento das famílias e das empresas, fato esse que se deve ao cenário convidativo de juros baixos e oferta de crédito.

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os empresários foram iludidos pela inflação do crédito bancário a investir de mais em bens de capital de ordens superiores, que só poderiam mantidos com prosperidade, por meio de preferências temporais mais baixas, e maiores poupança e investimento; assim que a inflação chega a massa do povo, a inflação se restabelece, e os investimentos empresariais nas ordens superiores revelam-se um desperdício. Os empresários foram induzidos a esse erro pela expansão do crédito e por sua interferência na taxa de juros do livre mercado.

O boom, então, se resume a uma fase de investimento equivocados. A recessão começa no momento em que a expansão de crédito cessa: ora pelo fato da inflação se tornar alarmante, ora pelo excesso de endividamento dos agentes econômicos, estando esses fatores diretamente relacionados à mudança de expectativa do mercado. Faz-se necessário lembrar que o ciclo não se dá de forma mecânica, quando os primeiros investimentos começam a se mostrarem equivocados, geralmente, as empresas se socorrem nos bancos comerciais que, por sua vez, concedem novos empréstimos e continuam a inflar a expansão monetária e creditícia até a chegada da recessão.

A recessão, apesar de dolorosa, se faz necessária para que os investimentos errados sejam liquidados. A fase de recessão (ou depressão) também pode ser chamada de fase de recuperação porque é justamente quando os investimentos errados são liquidados que a economia se reestabelece para iniciar um novo ciclo.

Um importante comentário feito por Rothbard (2012) sobre o desemprego se mostra pertinente:

o desemprego será agravado pelas muitas falências, e pelos grandes erros revelados, mas ele não precisa ser mais do que temporário. (...) O desemprego ultrapassará a fase ‘friccional’, tornando-se realmente agudo e duradouro, somente se os salários forem mantidos artificialmente altos e impedidos de cair.

Em suma, se durante o período de recessão os salários forem aumentados por alguma força além da demanda e oferta, como aumento dos salários mínimos por exemplo, o desemprego é inevitável. Quanto maior for a diferença entre valor real da mão-de-obra e valor dos salários cobrados maior será o desemprego.

2.3 A Teoria Keynesiana e os Ciclos Econômicos

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Por economia keynesiana, ou keynesianismo, se entende a teoria econômica pensada por John Mayer Keynes e consolidada na obra “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda” publicada pela primeira vez em 1936. Obra essa que resulta em um pensamento político-econômico contrário aos ideais do liberalismo econômico, ou capitalismo laissez-faire, uma vez que outorga ao Estado o direito e o dever de intervir na economia objetivando uma situação de pleno emprego.

Segundo Fernando Ferrari Filho (1991):

Como se sabe, o projeto de Keynes na Teoria Geral consiste basicamente em, por um lado, negar o sistema econômico de mercado auto equilibrante e auto regulador e, por outro, apresentar mecanismos econômicos que evitem as depressões e flutuações econômicas.

Para tanto Keynes desenvolve seu projeto a partir de três proposições teóricas: teoria da determinação da renda (propensão a consumir e multiplicador), teoria do investimento (eficácia marginal do capital) e teoria da taxa de juros (preferência pela liquidez).

2.3.1.1 Princípio da demanda efetiva

O ponto de partida da teoria de Keynes é o da demanda efetiva: o pleno emprego depende da demanda agregada e o desemprego é o resultado de uma carência de demanda agregada. Dillard (1993):

Quando o emprego aumenta, aumenta o rendimento. É um princípio fundamental que quando o rendimento real duma comunidade aumenta, aumentará também o consumo, porém menos que o rendimento. Em consequência, para que haja uma procura suficiente para manter o aumento de emprego tem que haver um aumento no investimento real igual a diferença entre o rendimento e a procura de consumo originada desse rendimento. Em outras palavras, o emprego não pode aumentar a não ser que aumente o investimento. Esta é a viga mestre do princípio da procura efetiva.

2.3.1.2 As três funções “psicológicas” de Keynes

Consumo, poupança e investimento, essas três decisões que são o cerne da atividade econômica são trabalhadas por Keynes, de forma deliberada, como agregados, ou seja, Keynes renuncia o detalhe das decisões individuais e se interessa sobre suas variações globais ao longo do tempo e por sua maior ou menor estabilidade.

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Keynes (1982) na página 243, a respeito dos ciclos econômicos nos diz o seguinte: “Visto que pensamos ter demonstrado nos capítulos anteriores o que determina o volume de emprego em qualquer momento, deduz-se, se estivermos certos, que a nossa teoria deve ser capaz de explicar o fenômeno do ciclo econômico.” Como fundamentação de sua constatação, Keynes prossegue, na mesma passagem:

Quando examinamos em detalhe qualquer exemplo concreto de ciclo econômico (...) Verifica-se, em especial, que as flutuações nas propensão a consumir, no estado de preferência pela liquidez, e na eficiência marginal do capital desempenham todos o seu papel.

Dando continuidade, Keynes sugere que todo ciclo tem sua origem nas flutuações da eficiência marginal do capital, somados a isso algumas outras variáveis pontuais de curto prazo. Dillar (1993) explica:

Keynes encontra a essência do ciclo econômico nas variáveis da taxa de investimento motivada pelas flutuações cíclicas da eficiência marginal do capital. A taxa de juros que juntamente com a eficácia marginal do capital determina a taxa de investimento, é relativamente rígida ou estável e não constitui uma força impulsora das flutuações cíclicas, se bem que atue, isto sim, como um fator vigorizador, especialmente nas crises financeiras que amiúde caracterizam o começo das etapas da depressão. De igual modo, a propensão a consumir é relativamente estável e não constitui um fator importante que explique as flutuações cíclicas. Temos assim que das três variáveis independentes que determinam o volume do emprego (a eficácia marginal do capital, a taxa de juros e a propensão a consumir) , a que desempenha papel principal nos ciclos econômicos é a eficácia marginal do capital.

Fica claro portando que na óptica de Keynes, apesar de complexo, o ciclo econômico tem uma única, e principal, fonte causadora. Entretanto, para melhor compreensão, não só da teoria de Keynes, mas do modo de pensar é preciso fazer uma análise dos demais pontos de sua obra.

2.3.1.3 Propensão a consumir

Segundo Keynes (1982), a propensão a consumir pode ser resumida como a função entre C (consumo) e Y (renda); onde para um determinado nível de renda, existe um determinado nível de consumo que se mostra relativamente estável em curto prazo. Apesar de

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tal análise poder ser aplicada tanto para indivíduos quanto para famílias, é no agregado para a comunidade que Keynes se dedica. Conforme dito por ele na página 84 da mesma obra:

O montante que a comunidade gasta em consumo depende, evidentemente: i) em parte do montante da sua renda; (ii)em parte, de outras circunstâncias objetivas que o acompanham; e (iii), em parte, das necessidades subjetivas. (...) Uma análise histórica ou uma comparação entre dois sistemas sociais de tipos diferentes deverá necessariamente levar em conta a maneira pela qual as mudanças nos fatores subjetivos podem afetar a propensão a consumir. Na continuação desta obra, porém, consideraremos os fatores subjetivos como dados e admitiremos que a propensão a consumir apenas depende das alterações nos fatores objetivos.

Como fica bastante claro, Keynes compreendia que a renda tinha somente uma parte de influência sobre o consumo da comunidade, entretanto, também, fica claro que Keynes opta por negligenciar os fatores subjetivos e se deter nos fatores objetivos, elencando seis como os principais fatores que influenciam a propensão a consumir: 1) Uma variação na unidade de salário; 2) uma variação na diferença entre renda e renda liquida; 3) variações imprevistas nos valores de capital não considerados no cálculo da renda liquida; 4) variações na taxa intertemporal de desconto, isto é, na relação de troca entre bens presentes e bens futuros; 5) variações na política fiscal; 6) Modificação nas expectativas acerca da relação entre os níveis presentes e futuros de renda. Conclui Keynes:

Chegamos, pois, à conclusão de que, em determinada situação, a propensão a consumir pode ser considerada uma função relativamente estável desde que tenhamos eliminado as variações na unidade de salário em termos de moeda. As flutuações imprevistas nos valores de capital podem modificara propensão a consumir, bem como poderão afetá-la variações substanciais na taxa de juros e na política fiscal; porém, não é provável que os outros fatores objetivos capazes de atuar sobre ela, conquanto não devem ser desprezados, tenham importância em circunstancias comuns.

Portanto Keynes acredita que se a renda não sofrer alterações a propensão a consumir tende a ser estável, apesar de também sofrer influência, em menor grau, mas não desprezível, dos demais fatores objetivos. Keynes credita, portanto, que a variação do consumo se deve, na maior parte, a variação da renda, entretanto tais agregadas não variam na mesma proporção, como explicado por Dillard (1993, p. 72-73):

O princípio fundamental de Keynes de que o consumo cresce menos do que o rendimento, quando este cresce, significa que a relação entre o acréscimo de consumo e o acréscimo de rendimento é sempre menor que um (...) A única suposição vital para a teoria de Keynes é que a quantidade de absoluta de consumo aumenta menos que a quantidade absoluta de renda, sempre que esta aumente.

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Como já foi dito, para Keynes há uma relação bem definida entre consumo e renda, bem como entre renda e investimento. E com base nessa relação, pode-se, de forma matemática, determinar quanto uma variação de renda afetaria o consumo e o investimento. Existirá, segundo o autor, uma razão definida entre qualquer aumento de renda e qualquer aumento no investimento. Dillard (1993) ajuda a esclarecer:

A relação entre a propensão marginal a consumir e o multiplicador do investimento pode ser ilustrada mediante um simples exemplo aritmético. Suponhamos que um aumento de 100 dólares na renda decorre de 90 dólares no consumo e de 10 dólares no investimento (Y=C+I ou 100=90+10).A propensão marginal a consumir, C/Y, é 90/10. O multiplicador, Y/I, é 100/10 ou 10. Podemos generalizar e dizer que o multiplicador é igual ao inverso de (1 menos a propensão marginal a consumir); e a propensão marginal a consumir é igual a unidade menor o inverso do multiplicador.

Continua a explicação expandindo o cenário para a economia de uma comunidade:

O processo em virtude do qual uma nova inversão dá origem a um aumento multiplicado da renda devido ao aumento do consumo pode ser ilustrado por um exemplo aritmético. Suponhamos que a propensão marginal a consumir é 4/5. O multiplicador será então 5. Um milhão de dólares em novo investimento levará a um aumento total de renda de 5 milhão de dólares. O desembolso inicial de um milhão de dólares para o investimento aumenta a renda dos recebedores em um milhão de dólares. Como a propensão marginal a consumir é 4/5, comente 80% deste aumento inicial de renda será gasto em consumo. Os 800 mil dólares que se gastam em consumo adicionarão, na segunda rotação, dessa quantidade a renda da comunidade, já que o gasto de uma pessoa é renda para outra. (...) Este processo, pelo qual o consumo aumenta até 80% de cada incremento de renda, prosseguirá, através de etapas sucessivas, até um limite definido, até que o aumento global da renda da comunidade seja igual a 5 vezes o investimento original.

Faz-se necessário esclarecer que a ausência de qualquer menção a poupança (S) se deve ao fato de Keynes considerar que todo investimento decorre de poupança, então I=S. Como ele mesmo explica na página 64 da Teoria Geral:

Desde que se admita que a renda seja igual ao valor da produção corrente, que o investimento corrente seja igual a parte da dita produção corrente não consumida e que a poupança seja igual ao excedente de renda sobre o consumo – sendo que tudo isto está de conformidade com o senso-comum e com o costume tradicional da grande maioria dos economistas-, a igualdade entre a poupança e o investimento é uma consequência natural.

2.3.1.5 Estado de preferência pela liquidez

Para Keynes a procura por dinheiro é uma procura pela liquidez. Existindo três grandes fatores que motivam a preferência por essa. Vamos a eles:

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a) O motivo-renda: ou motivo-transação, trata do montante de recursos usados para recebimento e o desembolso da renda. Os fatores cruciais que determinarão o tamanho desse montante serão o valor da renda e a periodicidade em que se recebe. Segundo Keynes “o conceito de velocidade-renda da moeda é estritamente apropriado apenas a este contexto”.

b) O motivo-precaução: refere-se a necessidade de manter moeda para atender a contingências inesperadas ou aproveitar oportunidade de ganho como compras vantajosas e adquirir ativos.

c) O motivo-especulação: Seguindo a linha de pensamento de Keynes, os motivos renda e precaução são relativamente constantes e derivam, basicamente, da renda. Entretanto há um motivo que faz com que uma parcela da renda não seja empregada nem no consumo nem nos investimentos: a expectativa de um aumento na taxa de juros no futuro.

Como disse Dillard (1993):

Por que haveria qualquer pessoa com um superávit de riqueza de preferir acumulá-la em forma de dinheiro e sacrificar assim o rendimento de juros que poderia auferir trocando o dinheiro por um crédito em forma de obrigação, hipoteca, etc.? Segundo Keynes a única condição essencial, sem a qual não poderia subsistir a preferência pela liquidez do dinheiro como reserva de valor é, a incerteza quanto ao futuro da taxa de juros, com o que se quer dizer a incerteza quanto ao futuro complexo de taxas de juros, sobre os créditos de diferentes extensões, que hão prevalecer no futuro.

Então, pela lógica keynesiana, quanto mais crescer a renda de uma economia maior tende ser a possibilidade de formação de reservas baseadas no motivo-especulação estando os agentes econômicos com expectativas de que as taxas de juros subirão, pois os motivo-renda e motivo-precaução são constantes. Portanto, como os agentes econômicos esperam uma alta nos juros eles optam por, nesse momento de incerteza, entesourar moeda e adiar investimentos e consumo.

2.3.1.6 Eficiência marginal do capital

O termo “eficiência”, no contexto empregado, faz referência à rentabilidade de um bem de capital; portanto, a eficácia de um bem de capital é medida pela taxa de retorno sobre seu próprio custo. Complementa o conceito Keynes (1982):

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A confusão mais importante quanto à importância e ao significado da eficiência marginal do capital advém do fato de não se ter compreendido que ela depende também da renda esperada do capital e não apenas da sua renda corrente. Isso pode ser melhor ilustrado indicando-se o efeito sobre a eficiência marginal do capital que tem a expectativa de modificações no custo prospectivo de produção, quer se esperem essas mudanças como resultado de alterações no custo do trabalho, isto é, na taxa de salário, quer de invenções e técnicas novas.

Em suma, trata-se da clássica “taxa de desconto que, aplicada à série de anuidades constituída pelos rendimentos descontados do investimento, torna o valor atual dessas unidades igual ao preço de oferta do bem de capital” conforme Keynes menciona em seu livro.

2.3.2 Os ciclos econômicos na visão de Keynes

Para Keynes os três principais fatores de sua teoria (propensão a consumir, preferência pela liquidez e eficiência marginal do capital) tem papel relevante no entendimento dos ciclos econômicos. Entende-se então que, apesar de muito complexos os ciclos, a teoria é capaz de explicar tal fenômeno. Keynes não mostra dúvida em relação à causa básica dos ciclos econômicos: “Creio que a explicação mais normal, e por vezes a essencial, da crise não é primordialmente uma alta na taxa de juros, mas um repentino colapso da eficiência marginal do capital”. Entretanto ele julga necessário incluir uma nova característica para o ciclo econômico e chama essa de fenômeno da crise:

...crise o fato de que a substituição de uma fase ascendente por outra descendente geralmente ocorre de modo repentino e violento, ao passo que, como regra, a transação de uma fase descendente para fase ascende não é tão repentina.

Ainda sobre a crise e sua relação entre as taxas de juros e a eficiência marginal do capital ele explica que o fato das taxas de juros sofrerem uma alta é um fato que agrava, e às vezes, desencadeia a crise. Mas a causa da alta das taxas de juros é consequência da maior demanda por moeda, tanto para fins de transações como para fins especulativos. Cita, também, alguns fatores psicológicos que contribuem para o aumento das taxas de juros: “Além disso, o pessimismo e a incerteza a respeito do futuro que acompanham o colapso da eficiência marginal do capital suscitam, naturalmente, um forte aumento da preferência pela liquidez e, consequentemente, uma elevação nas taxas de juros”.

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Falando sobre a fase de expansão do ciclo econômico e sua relação com a eficiência marginal do capital, Keynes diz que:

enquanto a expansão continua, a maioria dos novos investimentos oferece um rendimento corrente que não é insatisfatório. A desilusão chega porque, de repente, surgem dúvidas quanto à confiança que se pode ter no rendimento esperado, talvez porque o rendimento atual de sinais de baixa à medida que os estoques de bens duráveis produzidos recentemente aumentam regularmente.

E complementa dizendo que a queda na eficiência marginal do capital tende a afetar negativamente a propensão a consumir, e que, naturalmente, a ilusão da fase de expansão leva a produção de bens de capital que nada mais são do que desperdício de recursos.

Ao tratar da fase posterior a crise, Keynes lembra novamente da taxa de juros e dos fatores psicológicos:

Posteriormente, um declínio da taxa de juros será de grande auxílio para a recuperação e, provavelmente, uma condição necessária da mesma, mas, de momento, o colapso da eficiência marginal do capital pode ser tão completo que nenhuma redução possível da taxa de juros baste para o contrabalançar.

(...) É a volta confiança, para empregar a linguagem comum, que se afigura tão difícil de controlar numa economia de capitalismo individualista.

O autor acredita ainda que:

em condições de laissez-faire, talvez, seja impossível evitar grandes flutuações no emprego sem uma profunda mudança na psicologia do mercado de investimentos, mudança essa que não há razão para esperar que ocorra. Em conclusão acho que não se pode, com segurança, abandonar a iniciativa privada o cuidado de regular o volume corrente de investimentos.

Até esse ponto pode-se entender o que Keynes julgava ser a causa da crise: as oscilações da eficiência marginal do capital. Pode-se, também, entender que tais oscilações são inerentes a uma economia capitalista e que a alta nas taxas de juros não pode ser considerada uma causa, mas sim um agravante da fase de declínio do ciclo. A dúvida que pode surgir nesse ponto é: o que pode ser feito? Na página 249 ele sugere:

O remédio para o auge da expansão não é a alta, mas a baixa da taxa de juros! Pois aquela pode fazer perdurar o chamado auge da expansão. O verdadeiro remédio para o ciclo econômico não consiste em evitar o auge das expansões e em manter assim uma semidepressão permanente, mas em abolir as depressões e manter desde modo permanentemente um quasi-boom.

O remédio não consistiria em fazer incidir uma elevada taxa de juros, que provavelmente desanimaria alguns investimentos úteis e enfraqueceria ainda mais a propensão a consumir, mas em tomar medidas energéticas, como, por exemplo, uma

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nova distribuição dos rendimentos ou outra qualquer, a fim de estimular a propensão a consumir.

Apesar de creditar a causa da crise à eficiência marginal do capital, Keynes insiste que além de estimular os investimentos reduzindo as taxas de juros, a melhor saída para a crise é estimular o consumo:

Se é materialmente impraticável aumentar o investimento, torna-se evidente não haver outros meios de alcançar um nível maior de emprego além do de aumentar o consumo.

O remédio consistiria em tomar várias medidas capazes de aumentar a propensão a consumir através de uma redistribuição de renda ou de um processo semelhante de modo eu dado volume de emprego pudesse ser mantido com um volume de investimentos menor

Embora procurando conseguir um luxo de investimento controlado socialmente com vista a baixa progressiva a eficiência marginal do capital, estou disposto a apoiar, ao mesmo tempo, toda sorte de medidas para aumentar a propensão a consumir.

2.4 A crítica austríaca à teoria keynesiana

As principais divergências entre as teorias saltam aos olhos. Entretanto, graças ao fato da teoria keynesiana ter tido muito mais espaço no meio acadêmico e no meio político, a maioria das críticas cabidas à teoria de John M. Keynes ficaram por anos reclusas a um pequeno grupo de pensadores e estudantes. A grande mídia e a academia, por exemplo, até hoje parecem estar “imunes” as críticas feitas à Keynes. Alguns poucos veem Hayek como um crítico solitário e vencido. Após a crise de 2008 muito se tem discutido sobre os ciclos econômicos e tais discussões pendem, favoravelmente, para o lado de Keynes sem nem considerar seus críticos. Com base nesse cenário, se faz necessário e urgente que as possíveis falhas teóricas existentes na teoria keynesiana sejam mostradas e debatidas, assim como as críticas keynesianas a teoria austríaca sejam analisadas.

2.4.1 O fetiche do pleno emprego

Keynes, explicitamente, define que o resultado, ou o objetivo, de uma política econômica ideal deva ser o pleno emprego. Na realidade, defendem os austríacos, o objetivo de uma economia saudável deve ser a produtividade crescente; aumento do nível de emprego é uma consequência disso. Como Ron Paul e Lew Rockweel (2015) lembram:

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Você pode dar a alguém um "emprego" de cavar um buraco num dia e tapá-lo no dia seguinte — ou talvez o equivalente a isso, porém executado em uma escrivaninha. Mas isso não trará benefício nenhum a ninguém. Da mesma maneira, seria possível reduzir o desemprego a zero por meio de uma regressão compulsória na tecnologia: poderíamos abolir completamente o uso de caminhões e trens, e obrigar toda a carga a ser transportada de carro. Isso criaria milhões de novos empregos. Ou poderíamos também abolir o uso do carro e criar ainda mais empregos, pois agora as pessoas só poderiam transportar carga nas costas.

Em cada um desses casos, o número de empregos criados iria superar com ampla margem o número de empregos perdidos na indústria de caminhões e na automotiva. Mas fica a pergunta: essa criação de empregos por acaso nos deixou mais ricos? Por acaso aumentou o nosso bem-estar? A resposta é óbvia. Essa criação de empregos, na prática, gerou uma redução no padrão de vida de todas as pessoas.

(...) A única maneira de criar e manter empregos que não produzem realmente aquilo que o consumidor quer é utilizando o governo.

Seja por meio de subsídios diretos, seja por meio deregulaçõesque criam um cartel e proíbem a concorrência, seja por meio de tarifas de importação que criam um reserva de mercado — apenas o governo pode manter operante empresas que produzem algo que não é genuinamente demandado pelo consumidor. E, ao fazer isso, empregos são gerados. E eles podem custar muito caro.

Colocar como objetivo de uma economia saudável a criação de empregos traz consequências de médio e longo prazo que serão melhores analisadas no capítulo a respeito da chamada “nova matriz econômica”.

2.4.2 A armadilha da liquidez e as taxas de juros

Um dos maiores críticos de Keynes, com certeza, foi Murray Rothbard. Na obra “A grande depressão americana”, ele disseca a crise de 1929 e aponta os principais erros na análise keynesiana.

Os keynesianos afirmam que a preferência por liquidez pode ser persistentemente alta que as taxas de juros não cairiam o suficiente para estimular novos investimentos. Rothbard ressalta que o erro nessa interpretação é de que a taxa de juros não é formada pela preferência pela liquidez, mas sim pela preferência temporal dos agentes econômicos. Lembra, também, o fato que de que não são as taxas de juros que determinam o nível de investimentos, mas que as taxas de juros, níveis de investimentos e poupança são determinados simultaneamente pela preferência temporal. Portanto, um aumento na demanda por moeda não necessariamente elevará a taxa de juros, pois a oferta para suprir essa demanda pode vir ou de fundos consumidos anteriormente ou de fundos investidos anteriormente, ou de uma mistura dos dois que deixa inalterada a proporção entre consumo e investimento.

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Rothbard conclui que “se o aumento no entesouramento vier principalmente do consumo, um aumento na demanda monetária fará com que as taxas de juros caiam – porque as preferências temporais caíram”.

2.4.3 A TACE só é válida na hipótese de pleno emprego

Tal afirmativa, critica frequente a TACE, se mostra equivocada porque parte do princípio que a TACE pressupões pleno emprego dos fatores de produção. Segundo a crítica, os ciclos provocados por expansões artificias do crédito não ocorreriam na hipótese de desemprego. Segundo Ioirio (2013):

Como a TACE mostra claramente, expansões artificiais do crédito, isto é, não baseadas em poupança genuína, mas em moeda fantasiada de poupança, emitem sinais positivos ilusórios para o capital nos setores de ordens mais elevadas, o que atrairá investimentos de longo prazo para esses setores, mas isto só poderá acontecer durante algum tempo, porque o cabo de guerra subsequente entre consumo e investimento, dadas as preferências intertemporais, acabará por elevar a taxa de juros e mostrando a realidade dos fatos: aqueles investimentos foram malinvestments, e esse fato inescapável, ou seja, os erros cometidos anteriormente serão amplificados ao final do período de boom.

Espero ter ficado bem claro que expansões artificiais de crédito geram ciclos econômicos e isso nem de longe depende da existência ou ausência de fatores de produção desempregados!

2.4.4 A TACE pressupõe que o boom é um período de sobre investimentos

Muitos críticos gostam de dizer que no entendimento austríaco a expansão de crédito gera um aumento nos investimentos, o que caracteriza um período de sobre investimento. Na realidade, a TACE observa que durante o boom o que ocorre é um aumento no consumo dos bens de capital devido ao fato de que esses não aumentaram. Então, conforme o volume de investimentos vai aumentando maior é o consumo dos bens de capital, até o ponto em que não existirão bens disponíveis para que a estrutura de produção se complete. Tais investimentos não caracterizam sobre investimentos, mas sim “malinvestiments”, ou seja, investimentos errados. Iorio (2013) completa:

Como a oferta de bens de capital demanda mais tempo para se concretizar, empresas não podem entrar em operação porque ainda não houve tempo para a instalação de outras empresas que produzam insumos complementares para a produção das primeiras e, como escreveu Mises, "fábricas cujos produtos não podem ser vendidos porque os consumidores antes preferem comprar outros bens que, no entanto, não são produzidos em quantidades suficientes" (porque o crédito artificial estimulou

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investimentos equivocados em outras etapas do processo produtivo). Em outras palavras, o término inescapável da expansão creditícia torna visíveis erros que antes pareciam acertos!

É claro que todos veem somente os malinvestments visíveis, sem notar que isso foi provocado porque não surgiram empresas para produzirem bens complementares, bem como empresas necessárias para produzir aqueles bens de consumo que agora são mais demandados.

Mises, em Ação Humana, é bastante claro: "A classe empresarial inteira fica como que na posição de um construtor que superestima a quantidade da oferta disponível de materiais... supervisiona a construção das fundações... e só depois descobre... que não tem o material necessário para completar a estrutura. É óbvio que o erro de nosso construtor não foi um sobre investimento, mas um investimento inapropriado.

No mesmo artigo, Iorio conclui que somente um mercado livre de agressão governamental pode garantir que a estrutura de produção possa se desenvolver de forma natural ao longo do tempo.

2.4.5 O efeito multiplicador keynesiano

O efeito multiplicador de Keynes se baseia na premissa de que é o ato de gastar que torna uma sociedade rica. Derivando a equação Y=C+I, ele chega à conclusão de que quanto maior o consumo, maior a renda. Aqui logo se percebe um erro lógico na inversão de causa e consequência, que é o preço que se paga ao simplificar a ciência econômica a fórmulas matemáticas: não é um consumo maior que aumenta a renda, mas sim uma renda maior que aumenta o consumo. Vejamos o exemplo de uma única pessoa dentro da sociedade: alguém chamado José possui uma renda de R$ 1.000,00. Parte de sua renda, digamos 90%, José consome, o restante, 10%, ele poupa todos os meses.

Certamente não é o valor consumido por José que lhe torna uma pessoa mais rica, mas sim sua capacidade em gerar mais renda. Depois de passado um ano, José terá consumido R$ 10.800,00 e poupado outros R$1.200,00. Gastar 100% da renda não torna José mais rico; da mesma forma, gastar mais do que sua renda permite, através de endividamento, não somente não torna José mais rico, como o torna mais pobre devido ao fato de que ele está gerando débitos futuros que vão lhe corroer o poder de compra.

Com toda certeza, o valor consumido serviu de renda para seus fornecedores, entretanto, um aumento do consumo de José que não seja sustentado por um aumento de renda acaba por limitar sua capacidade de consumir no futuro, assim como, um aumento no consumo hoje via endividamento, não só limita como diminui a capacidade de consumir no

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futuro; esse ciclo faz com que o ganho de renda atual dos fornecedores de José não se mantenha em um futuro próximo, graças a iminente queda no consumo que está por vir. Se tal exemplo for expandido a mais agentes econômicos, facilmente se percebe que um aumento no consumo dos fornecedores de José terá o mesmo efeito: uma redução no consumo futuro, e o mesmo acontecerá com os fornecedores dos fornecedores de José.

Alguns keynesianos argumentam que com um aumento no consumo presente, os fornecedores se veem estimulados a realizarem novos investimentos, e desses novos investimentos surgem aumentos de renda que manterão o nível de consumo crescente. Tal raciocínio se faz correto se, e somente se, for admitia a hipótese de que o aumento de consumo é algo que se dá através do uso de recursos previamente acumulados (poupança) ou de crédito com base em poupança real existente. Infelizmente esse não é o caso do funcionamento atual do mercado.

Através do sistema de reservas fracionadas e da emissão de moeda sem lastro pelos Bancos Centrais ao redor do mundo, a maior parte do crédito em circulação não possui lastro algum em poupança; se mesmo assim for iniciado um processo de incentivo ao consumo e ao crédito, o que se verá é o início de um ciclo econômico como bem descreveu a TACE, onde existiram sim novos investimentos focados em atender a maior demanda atual, entretanto, logo esses investimentos se mostrarão investimentos errados, e o aparente ciclo de prosperidade se encerrará.

Alguns, ainda, argumentam que Keynes, na verdade, baseava sua teoria em um aumento de investimentos que geraria um ciclo próspero de mais investimentos e mais renda. Vejamos o que diz Bagus (2013):

O famoso "multiplicador do investimento" é uma das vítimas. Segundo esta teoria, um aumento unitário no volume de investimento de uma economia provoca ondas sucessivas de aumento da renda, cuja dimensão depende da propensão marginal a consumir ou poupar. Esta teoria requer que todos os fatores de produção estejam apresentando alguma ociosidade. Mais especificamente, para Keynes estar correto, é necessário que haja desemprego voluntário de todos os fatores de produção e que também haja capacidade ociosa nas indústrias de bens de consumo.

Vejamos. Se não houver desemprego voluntário de todos os fatores, o estímulo governamental a novos projetos de investimentos irá gerar apenas gargalos, uma vez que fatores de produção serão retirados de outros projetos mais lucrativos e direcionados para projetos artificiais. Os keynesianos concordam com isso. Se todos os tipos de fatores de produção estiverem apresentando alguma ociosidade, mas não houver mais capacidade produtiva nas indústrias de bens de consumo, então

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estímulos governamentais irão apenas elevar os preços dos bens de consumo e encurtar a estrutura de produção, tornando-a mais voltada para o presente. Os keynesianos também concordam com isso.

E, finalmente, se os dois fenômenos ocorrerem conjuntamente — isto é, se houver uma ociosidade geral dos fatores e houver folga na capacidade produtiva das indústrias de bens de consumo, que é o pressuposto da teoria de Keynes —, por que então não há um acordo voluntário entre os proprietários dos fatores de produção e os empreendedores? Keynes não respondeu a essa questão, e preferiu ir diretamente para a defesa do aumento dos gastos do governo e da inflação monetária para corrigir esta situação.

Também de forma precisa, Iorio (2013) recorre a Rothbard para mostrar como, algebricamente, tal teoria se mostra errada:

Rothbard utiliza uma paródia, obedecendo rigorosamente ao raciocínio keynesiano, para desmascarar a falácia, por reductio ad absurdum, que passo a reproduzir com pequenas alterações:

Sejam: renda agregada = Y; Renda de Jorge = J; e Renda de todos os demais habitantes do país = X, sendo Jorge um habitante desse país.

X é, então, uma função estável de Y, o que pode ser visto se plotarmos ambos em coordenadas e verificarmos que para cada Y haverá um X correspondente. Como Rothbard escreveu, esta é uma função tremendamente estável, bem mais estável do que a função consumo convencional, que não exclui o consumo de Jorge.

Se, agora, plotarmos a renda de Jorge, J, contra Y, encontraremos, ao invés de uma correlação perfeita, apenas conexões remotas entre a renda flutuante desse indivíduo e a renda agregada. Portanto, a renda de Jorge é um elemento ativo e volátil de incerteza nessa economia, enquanto o consumo de todos os demais indivíduos é passivo, estável, determinado pela renda da coletividade.

Suponhamos que a equação relevante seja:

X = 0,99999 Y Temos, então, Y = 0,99999 Y + J E, logo, 0,0001 Y = J Ou seja, Y = 100.000 J

Este número fantástico é o "multiplicador" de Jorge, muito mais potente do que o multiplicador de investimentos original.

Como admitido por Keynes, sua teoria é baseada no fato que os agregados econômicos são estáveis ao longo do tempo. A Escola Austríaca lembra que é muito perigoso analisar a economia pelo uso de agregados justamente porque esses não refletem exatamente as preferências temporais e pessoais dos diversos agentes econômicos.

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3 ANÁLISE EMPÍRICA

Com base em toda a bibliografia revisada, vamos confrontar teoria e prática.

3.1 A crise de 2008 e a TACE

A crise do subprime, que teve seu auge no ano de 2008 nos Estados Unidos e rapidamente se espalhou pelo mundo, é até hoje, sete anos depois, motivo de divergência entre economistas. Alguns alegam que ela serviu para provar como capitalismo sem regulação tende a autodestruição; outros dizem que ela mostrou que a ausência de políticas anticíclicas, pregadas por keynesianos, levou a crise. Os economistas que tem por base a escola austríaca nos dizem que esse foi, mais um, exemplo da TACE. Nas próximas linhas, será mostrada uma síntese imparcial a respeito da crise, assim como proposto por Roque (2013).

3.1.1 A anatomia da tragédia – alguns detalhes importantes

Na figura 1, podemos verificar o comportamento dos preços dos imóveis novos postos à venda. Roque (2013):

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Observa-se que a partir do início dos anos 2000 os preços aumentaram de forma exponencial, fugindo da linha imaginária que direcionava os preços a um aumento constante até entrar em colapso no ano de 2008.

Para real entendimento do motivo que fez com que os preços disparassem depois de 2000, é necessário conhecer duas empresas americanas: Federal National Mortgage Association (popularmente conhecida como Fannie Mae) e a Federal Home Loan Mortgage Corporation (popularmente conhecida como Freddie Mac). Tais empresas foram criadas pelo governo com o objetivo de dar liquidez ao sistema hipotecário americano; funcionavam assim: um banco realizava um empréstimo imobiliário e vendia esse empréstimo a Fannie Mae ou a Freddie Mac, recebendo em troca um valor superior ao valor emprestado.

Dessa forma, os bancos estavam livres do risco de inadimplência, uma vez que o risco era todo das empresas, e poderiam voltar ao mercado fazer novos empréstimos. Devido ao grande risco concentrado nessas duas organizações e a sua função social, o governo assumia o papel de garantidor das empresas, ou seja, caso as empresas (privadas) sofressem perdas, o governo era responsável por socorrê-las.

Como lembrado por Roque (2013) a participação das empresas era tão grande que em setembro de 2008, quando o governo nacionalizou ambas, elas detinham metade das hipotecas do país e quase 75% das hipotecas recentes. Roque (2013) exemplifica como se dava, na prática, o funcionamento dessas empresas:

Um americano típico, John Smith, vai a um banco qualquer e consegue um empréstimo para comprar um imóvel. Ato contínuo, este banco irá revender este empréstimo (que é um ativo) para Fannie e Freddie. Ambas terão a opção de ou manter este ativo ou revender este ativo. Na maioria das vezes, como mostram os números do parágrafo acima, elas mantinham este ativo em suas carteiras.

Porém, em vários casos, elas empacotavam estes ativos e revendiam para investidores de todo o mundo, em sua esmagadora maioria grandes conglomerados financeiros e grandes bancos de investimento.

Bear Stearns, Lehman Brothers, Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Merril Lynch, Morgan Stanley, Citibank, Bank of America eram os compradores americanos mais famosos, ao passo que Barclays, Royal Bank of Scotland e Northern Rock (Reino Unido), BNP Paribas e Société Générale (França), Credit Suisse e UBS (Suíça), e Deutsche Bank (Alemanha) eram os mais famosos compradores da Europa.

Esta prática de empacotar ativos e revendê-los é chamada de securitização. O principal problema com esta securitização é que ela misturava ativos bons (mutuários com bom histórico de crédito) com ativos ruins (mutuários sem nenhum histórico de crédito) no mesmo pacote. Logo, quem comprava um pacote contendo

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ativos bons também acabava por tabela adquirindo ativos ruins. Qualquer calote dos ativos ruins afetaria sobremaneira os balancetes destas instituições.

Outra questão de suma importância para entendimento do processo de formação da bolha é a lei denominada CRA (Community Reinvestment Act.), como dito por Roque (2013):

Trata-se de uma lei criada ainda no governo de Jimmy Carter, no final da década de 1970, e que foi plenamente revigorada no governo Clinton. Esta lei deixou os bancos à mercê de processos por discriminação caso eles não emprestassem para minorias em um volume suficientemente alto, que satisfizesse as autoridades.

De acordo com as regras do Community Reinvestment Act (CRA), se um banco quisesse fazer qualquer alteração em suas operações comerciais — fusão, abertura de uma filial, entrada em uma nova linha de negócios —, ele deveria primeiro provar aos reguladores que ele, o banco, já fez uma quantidade "suficiente" de empréstimos aos mutuários preferidos do governo — no caso, minorias e pessoas de baixa renda.

E, a partir de 1995, o governo americano passou a pressionar os bancos para que fizessem empréstimos sem que pudessem verificar critérios minimamente prudentes, como histórico de crédito do tomador de empréstimo, seu histórico de poupança e a magnitude do pagamento da hipoteca em relação à sua renda. Os bancos não podiam nem sequer verificar a renda do mutuário. Adicionalmente, o Banco Central americano havia dito aos bancos que a simples participação deste mutuário em programas de aconselhamento de crédito, muitos dos quais são financiados com fundos federais, poderia ser usada como "prova" da capacidade desse mutuário de baixa renda honrar seus pagamentos hipotecários.

Em outras palavras, os reguladores bancários federais exigiram que os bancos fizessem empréstimos ruins baseando-se em padrões de crédito inexistentes.

Percebe-se, logo, que após as medidas de incentivo a concessão de empréstimos imobiliários pelo governo, seja pelo lado de garantir as empresas Fannie e Freddie, seja pelo lado de relaxar os critérios de seleção de crédito, formava-se um cenário bastante propício e incentivador a especulação. Roque (2013) completa:

O aumento na demanda por imóveis — estimulado pelo acesso artificialmente facilitado aos financiamentos — gerou um inevitável e contínuo aumento nos preços dos imóveis. Este aumento contínuo, por sua vez, produziu o "inesperado" efeito de atrair especuladores para o mercado imobiliário. Tornou-se extremamente comum um indivíduo adquirir um empréstimo, comprar uma casa, fazer alguns aprimoramentos nesta casa e, apenas um ano depois, revendê-la a um preço muito maior, entregando a hipoteca para o novo comprador que, seis meses depois, faria a mesma coisa que seu antecessor. Ou seja, comprar um imóvel havia virado um investimento altamente rentável e de ganho certo.

Aqueles que não compravam com a intenção de revender passaram a utilizar suas casas como um caixa eletrônico: sempre que o imóvel se valorizava, o indivíduo ia ao banco e, utilizando o novo valor da sua casa como colateral, negociava um novo empréstimo para gastar em bens de consumo, como carros e televisores de plasma.

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Um arranjo como este perdura enquanto os preços dos imóveis estiverem em ascensão. Se os preços começarem a cair, duas coisas ocorrerão: a revenda do imóvel passará a dar prejuízo e o valor da hipoteca será maior do que o valor do imóvel, o que impedirá qualquer tipo de renegociação com os bancos e deixará o mutuário com um patrimônio negativo. Em suma, todo o esquema especulativo virá abaixo. E não apenas isso: dar o calote e abandonar o imóvel passará a ser a opção mais racional.

3.1.2 O boom e a formação da bolha

Após o estouro da bolha das empresas de tecnologia, também chamada de crise das

pontocom, e dos ataques terroristas do 11 de setembro de 2011, os Estados Unidos passava

por uma situação econômica muito delicada; tinha a missão de se recuperar de uma crise financeira e um atentado bárbaro sofrido. Como estratégia de estímulo a atividade econômica, o FED (Federal Reserve), que funciona como o Banco Central, resolveu diminuir os juros e, para isso, aumentou a base monetária. A figura 2, disponibilizada por Roque (2013), mostra justamente o comportamento da taxa de juros (linha azul) e da base monetária (linha vermelha):

Figura 2 - taxa básica de juros X base monetária

Nota-se que a taxa básica de juros foi reduzida de 6,5% a.a para 1% a.a e permaneceu assim até parte de 2004. Também é visível o grande incremento na base monetária, tal incremento (que se dá através dos bancos comerciais) deixou os bancos cheios de dinheiro para emprestar e com um setor, imobiliário, se destacando como o como o preferido (devido aos fatores já mencionados). O que nos traz a figura 3, que mostra

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justamente o comportamento do mercado de crédito americano. Na linha azul os valores totais de crédito concedidos no período e na linha vermelha os valores referentes ao crédito imobiliário:

Figura 3 - Crédito total X crédito imobiliário

Observamos que, entre 2000 e 2008, o volume total de crédito saltou de 3,5 trilhões de dólares para 7 trilhões de dólares, ou seja, em 8 anos o volume total de crédito aumentou em 100%. Da mesma forma, o volume destina ao crédito imobiliário passou de 1,5 trilhão de dólares para 3,5 trilhões de dólares, um aumento, proporcionalmente, maior ainda que o observado no crédito total.

Roque (2013) resume bem a situação:

Ou seja, dos US$3,5 trilhões jogados na economia, US$2 trilhões foram para o setor imobiliário. Acrescente a isso todas as medidas governamentais citadas ao longo deste artigo, e realmente não há absolutamente nenhum motivo para se estranhar a bolha imobiliária que foi formada.

Isso explica toda aquela elevação de preços observada no gráfico 1. De 1993 a 2006, os preços dos imóveis se apreciaram acentuadamente. Em alguns mercados específicos, até mesmo os preços das moradias mais simples se tornaram astronomicamente altos.

Esta subida nos preços estimulava novos investimentos em mais construções de imóveis, o que gerava um aumento na oferta de imóveis. E este aumento na oferta de imóveis viria, mais à frente, a exercer uma pressão baixista nos preços dos imóveis.

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Como a economia americana já demonstrava recuperação em relação ao período difícil do início da década e, também, preocupado com o nível de preços, em 2004 o FED optou por iniciar a redução dos estímulos. Como podemos observar na figura 4, onde temos a evolução da taxa básica de juros (linha azul) e da base monetária (linha vermelha):

Figura 4 - Taxa básica de juros X base monetária

Esse aumento na taxa básica de juros, de 1% a.a para 5,25% a.a, teve impacto nas taxas de empréstimos sobre as hipotecas, como é mostrado a seguir na figura 5:

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Figura 5 - evolução da taxa de juros para empréstimos imobiliários

Percebe-se que os juros das hipotecas com taxas ajustáveis (linha vermelha) passaram de uma mínima de 3,5% a.a em 2004 e foram para quase 6% em 2006. Enquanto a taxa das hipotecas convencionais de 30 anos (linha azul) passaram de 5,5% a.a. para quase 7% a.a.

3.1.3 O estouro da bolha

Após um período convidativo a investimentos no setor imobiliário, diversos recursos, não só monetários, foram direcionados a oferta de imóveis. Esse aumento na oferta de imóveis quando somado ao aumento nas taxas de empréstimos sobre os imóveis fez com que os preços, no final de 2006, começassem a cair. A consequência inevitável desse processo é explicada por Roque (2013):

A queda nos preços — na realidade, a percepção de que os preços não mais iriam aumentar — arrefeceu toda a atividade especulativa. Pessoas que haviam comprado imóveis para especular viram que a festa havia acabado. O que elas fizeram? Simplesmente pararam de pagar suas hipotecas. Deram o calote. Por quê? Porque elas haviam pegado empréstimos extremamente generosos, que não exigiam absolutamente nenhum pagamento de entrada. Elas simplesmente abandonaram seus imóveis. Não perderam nada.

Já outras pessoas pararam de pagar suas hipotecas simplesmente porque o aumento dos juros havia tornado impossível continuar honrando suas prestações.

Referências

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