• Nenhum resultado encontrado

Direitos humanos, desenvolvimento e liberdade: uma análise para além dos aspectos econômicos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Direitos humanos, desenvolvimento e liberdade: uma análise para além dos aspectos econômicos"

Copied!
99
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

TIAGO GRIEBELER DA SILVA

DIREITOS HUMANOS, DESENVOLVIMENTO E LIBERDADE: UMA ANÁLISE PARA ALÉM DOS ASPECTOS ECONÔMICOS

Ijuí (RS) 2015

(2)

TIAGO GRIEBELER DA SILVA

DIREITOS HUMANOS, DESENVOLVIMENTO E LIBERDADE: UMA ANÁLISE PARA ALÉM DOS ASPECTOS ECONÔMICOS

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI.

Orientadora: Dra. Elenise Felzke Schonardie

Ijuí (RS) 2015

(3)

Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879

S586d Silva, Tiago Griebeler da.

Direitos humanos, desenvolvimento e liberdade: uma análise para além dos aspectos econômicos / Tiago Griebeler da Silva. - Ijuí, 2015. -

99 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

"Orientadora: Prof. Dra. Elenise Felzke Schonardie".

1. Direitos humanos. 2. Desenvolvimento econômico sustentável. 3. Liberdade. I. Schonardie, Elenise Felzke. II. Título. III. Título: Uma análise além dos aspectos econômicos.

(4)

0 UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

Programa de Pós-Graduação em Direito Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

DIREITOS HUMANOS, DESENVOLVIMENTO E LIBERDADE: UMA ANÁLISE PARA ALÉM DOS ASPECTOS ECONÔMICOS

elaborada por

TIAGO GRIEBELER DA SILVA

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Profª. Drª. Elenise Felzke Schonardie: __________________________________ Prof. Dr. Neuro José Zambam: ________________________________________ Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin: _______________________________________

(5)

1

Dedico este trabalho à minha noiva Maryá, pelo tempo que deixamos de estar juntos, e aos meus pais, que sempre apontaram a educação como essência para o desenvolvimento de uma pessoa.

(6)

2 AGRADECIMENTOS

Agradeço carinhosamente a minha orientadora, professora Doutora Elenise Felzke Schonardie, por todo o apoio, incentivo e pela motivação passada para conclusão deste trabalho. Lhe agradeço imensamente por não deixar de me acompanhar, por compreender e auxiliar a superar as minhas dificuldades e os meus contratempos, por confiar em mim e na minha capacidade, repassando responsabilidades e conhecimentos que ajudaram a organizar a minha forma de pensar e compreender as relações do homem.

Aos professores do Mestrado em Direito da UNIJUÍ, por colaborarem imensamente na minha formação, e na forma como interpreto os Direitos Humanos. Agradeço ainda aos demais colaboradores do Programa de Pós-Graduação da UNIJUÍ (Mestrado em Direito), e aos meus eternos colegas de mestrado pelo companheirismo e pelas ajudas nos momentos de incompreensão.

Aos meus pais, Luiz Carlos e Elaine, que me ensinaram desde pequeno a valorizar todas as coisas, dentre elas a educação. Obrigado pela presença, pelo carinho, pelo amor e por todas as conversas que fizeram e fazem de mim um ser humano humilde e com amor ao próximo.

À minha família, e à minha vovó Selma pelo ótimo almoço de toda quinta-feira.

Aos meus sogros, Magno e Dirce, pelo apoio e pelas palavras de entusiasmo que sempre me dedicaram. Desde o início desta jornada vocês acreditaram e apostaram em mim, e em razão da confiança de vocês espero nunca desapontá-los.

À confiança que vejo nos olhos da minha cunhadinha Mylena. Sou grato a toda a energia positiva que você me passa, e espero que eu possa lhe ajudar nos caminhos que você trilhará a partir da sua formação no ensino médio.

A todo o amor, carinho e companheirismo da minha namorada, noiva e futura esposa Maryá. Obrigado por todos os momentos perfeitos que passamos juntos até aqui. Nosso casamento está próximo, nossos planos de vida a dois estão apenas começando a se materializar, mas

(7)

3 neste momento preciso apenas lhe agradecer por estar ao meu lado, e por compreender a minha ausência e a minha distância enquanto me dedicava ao Mestrado. Te amo Maryá.

Aos meus amigos que sempre me incentivaram a realizar este trabalho, e entenderam as indisponibilidades durante este período de estudo.

Aos meus colegas de trabalho, Diego, Jocasta, Saul, Caroline e Débora, pelas oportunidades que me ausentei para continuar meus estudos; e aos meus empregadores do Grupo Becker, Sr. Eleonor Oscar Becker e Eleonor Oscar Becker Junior, por todo apoio e auxílio para a realização deste meu sonho.

A todas as pessoas que colaboraram, de todas as formas, para realização deste trabalho e que acreditam em alguma forma de desenvolvimento.

E finalmente agradeço a Deus e a Nossa Senhora Aparecida, que permitiram que tudo isso acontecesse, ao longo da minha vida, e estão junto comigo repassando toda a energia positiva que necessito para vencer.

(8)

4

"O desenvolvimento do Estado passa prioritariamente pelo desenvolvimento do homem, de seu cidadão, de seus direitos fundamentais. Sem ele, o mero avanço econômico pouco significará, ou fará sentido para poucos"

(9)

5 RESUMO

A presente dissertação versa sobre direitos humanos, desenvolvimento e liberdade através de uma análise que não se restringe aos aspectos econômicos. Tem por objetivo demonstrar que o desenvolvimento, em toda a gama de dimensões que integram a sua conceituação, sejam elas econômicas, sociais ou culturais, pode conduzir à melhoria das condições de vida sem violar os direitos humanos, ou seja, tendo o desenvolvimento como ferramenta de acesso do ser humano a uma condição digna e de liberdade. Primeiramente o estudo aborda a relação entre os direitos humanos e o direito ao desenvolvimento, por meio de uma demonstração histórica do reconhecimento dos direitos humanos, e sua evolução até a afirmação do direito ao desenvolvimento dentre os direitos humanos, na década de 1980. Na sequência, apresenta o direito ao desenvolvimento e os princípios positivados que a ordem jurídica mundial reconhece sobre ele, inclusive com sua previsão no direito brasileiro, apontando as formas de implementações viáveis para a garantia deste direito. Em um terceiro momento, o trabalho discute o modelo de desenvolvimento sustentável como uma forma de manutenção ou propulsão do desenvolvimento econômico e, principalmente, do desenvolvimento social, operando como modificação de melhoria da qualidade de vida do indivíduo e das sociedades em desenvolvimento. Substancialmente o desenvolvimento econômico cria e disponibiliza tecnologia e melhores condições de vida ao homem, entretanto este desenvolvimento, estrito, não é totalmente satisfatório por não proporcionar o livre acesso da sociedade a esses benefícios. Conclui, então, que o direito ao desenvolvimento somente conduzirá à liberdade, à dignidade humana, e à melhores condições de vida, se abranger todas as suas dimensões e fomentar os direitos humanos, porque somente assim viabilizará que a pessoa tenha capacidade, condições e alternativas para realização de suas escolhas, com a garantia de todos os seus direitos.

Palavras-chave: Crescimento; Desenvolvimento; Dignidade humana; Direitos humanos; Liberdade; Sustentável.

(10)

6 ABSTRACT

This dissertation deals with human rights, development and freedom through an analysis that is not restricted to economic aspects. Aims to demonstrate that the development, across the range of dimensions that are part of its concept, whether economic, social or cultural, can lead to improved living conditions without violating human rights, that is, with development as access tool of humans to a worthy and free condition. First, the study addresses the relationship between human rights and the right to development, through a historical demonstration of the recognition of human rights, and its evolution to the affirmation of the right to development from human rights, in the 1980s. Following, exhibits the right to development and the positivist principles that the global legal system recognizes about him, including his prediction in Brazilian law, pointing out the ways of viable implementations to guarantee this right. In a third step, the paper discusses the model of sustainable development as a way to maintain or propel the economic development and, above all, social development, operating as quality improvement modification of life of individuals and societies in development. Substantially economic development creates and provides technology and better conditions of life to man, however this development, strict, is not entirely satisfactory for not providing to the society free access to these benefits. Concludes that the right to development will only lead to freedom, human dignity, and better living conditions, if will include all its dimensions and to promote human rights, because only in this way will enable the person acquires capacity, conditions and alternatives for carrying out their choices with the guarantee of all their rights.

(11)

7 SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 08

2 DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO ... 11

2.1 A caracterização dos direitos humanos na contemporaneidade... 11

2.2 Dimensões conceituais de desenvolvimento ... 20

2.3 O direito ao desenvolvimento ... 28

3 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NO ESTADO CONTEMPORÂNEO ... 36

3.1 A sistematização do direito ao desenvolvimento ... 36

3.2 O direito ao desenvolvimento no direito brasileiro ... 46

3.3 O modelo de desenvolvimento e crescimento econômico ... 54

4 DESENVOLVIMENTO, LIBERDADE E DIREITOS HUMANOS ... 60

4.1 O desenvolvimento econômico e o desenvolvimento sustentável ... 63

4.2 O desenvolvimento social e cultural e a dimensão econômica de desenvolvimento ... 69

4.3 Liberdade: uma condição para o desenvolvimento ... 73

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 84

(12)

8 1 INTRODUÇÃO

Com freqüência, ao tratar do tema crescimento econômico, muitas pessoas o relacionam com "progresso", mas, alguns, acabam até mesmo o considerando como sinônimo de desenvolvimento. E aí é que se comente um grande erro, pois ao buscar a definição ideológica da expressão crescimento econômico, percebemos crescimento como o acumulo material, como um modo de acumulo de valores, que é muito defendido pelo capitalismo liberal. Em muitos casos, e na grande maioria das vezes, esse acumulo material e de valores não é distribuído uniformemente para todas as camadas da sociedade, nem mesmo a metade da população do planeta tem essa oportunidade, e acaba acarretando prejuízos sociais, culturais e, também ambientais generalizados, por exemplo, colocando a vida dos seres humanos em risco, e as margens da degradação. Isso, por sua vez, nada tem haver com desenvolvimento.

Diante desta divergência houve a escolha do presente estudo sobre o direito ao desenvolvimento, mais precisamente levando em conta a perspectiva de manutenção do modelo economia capitalista. Definitivamente este levantamento não foi fácil, ainda menos quando é apresentado para uma sociedade que defende uma melhor e mais adequada condição de vida digna aos seres humanos, desconsiderando o acúmulo de capital.

Ocorre que, se formos parar para observar o real cenário global que nos está disposto, não conseguiremos identificar soluções ou movimentos sociais que, pacificamente, serão fortes o suficiente para mudar as condições de calamidade da grande maioria da civilização humana. O ataque direto, imediato e indistinto à pobreza e às misérias, na tentativa de comparação das condições sociais, e equilíbrio na distribuição de renda, por exemplo, teria grande possibilidade de acarretar um conflito de classes, que, ao final, como já pode ser visto em outras oportunidades, ocasionaria mais guerras e mais sofrimentos, logicamente, à população mais pobre. Por outro lado, é necessário levar em consideração que em nenhum momento da história se falou tanto em defesa dos direitos humanos, manutenção da dignidade da pessoa humana, multiculturalismo e globalização. Inúmeras são as propostas de melhoria das condições de vida do homem.

Nesse norte, levando em consideração o atual cenário apresentado pela economia e pelos direitos humanos que estão expostos na sociedade, em outras palavras, diante de regras e condições de vida que dificilmente serão alteradas em favor de classes menos favorecidas e de menor poder, mas não escondendo a real necessidade de atendimento das civilizações em

(13)

9 desenvolvimento, busca-se através do presente estudo demonstrar formas de desenvolvimento social, cultural e ambiental, mantendo-se uma relação harmoniosa com o modelo econômico capitalismo. Nessa senda, o estudo buscará demonstrar que o desenvolvimento, em toda a gama de dimensões que integram a sua conceituação, sejam elas sociais; culturais; e, até mesmo, econômicas; pode explorar as melhores faces do crescimento econômico e do acumulo de valores, utilizando-os como instrumentos para proporção de melhores condições de vida, sem violar direitos humanos. Para tanto, serão relacionados os direitos humanos com o direito ao desenvolvimento, considerando o direito ao desenvolvimento como condição indispensável para a dignidade da pessoa humana.

Para desenvolvimento da temática, o trabalho foi dividido em três capítulos.

No primeiro capítulo é realizado o levantamento histórico sobre a afirmação e transformação do direito ao desenvolvimento, bem como sinalizada a mudança da definição econômica de desenvolvimento para um conceito com enfoques sociais e culturais. Conforme as obras de Adam Smith e David Ricardo até as primeiras décadas do século XX o desenvolvimento era estritamente ligado ao acúmulo de capital e produção, fomentado e defendido pelo liberalismo econômico. Posteriormente, a partir das lições de Karl Marx, e concomitantemente com o fim da Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento passou a angariar definições sociais, culturais e políticas mais significativas, até o ponto de ser considerado, na década de 1980, como um direito humano, ratificado pelas maiores nações do ocidente.

No segundo capítulo estão arroladas as principais normatizações tratando sobre o direito ao desenvolvimento, bem como a evolução positivista sobre o tema, até o ápice encontrado com a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, em 1986. Além disso é também demonstrada a previsão do direito ao desenvolvimento nos dispositivos de lei brasileiras, destacando-se a ligação do direito ao desenvolvimento com o desenvolvimento econômico e a Constituição Federal do Brasil.

Ao tratar do terceiro e último capítulo deste trabalho, o direito ao desenvolvimento é explorado em suas principais dimensões, relacionando entre si as dimensões sociais, culturais e econômicas de desenvolvimento. O capítulo faz uma análise do desenvolvimento sustentável, e do consumo desenfreado de recursos naturais, e acaba demonstrando que se faz necessária uma mudança estrutural da sociedade, com a formação de um ambiente democrático, cultural, e de paz, e que tenha como referência maior a busca da realização da justiça. Segundo as contribuições de Amartya Sen antes de se poder falar em

(14)

10 desenvolvimento, em primeiro lugar, deve ser alçado a pessoa humana ao centro do universo, como verdadeiro agente e beneficiário do desenvolvimento, para que tenha liberdade.

Para elaborar o presente estudo foi utilizado o método hipotético-dedutivo. Assim, a partir da afirmação de uma premissa basilar – que há uma relação direta entre as dimensões de desenvolvimento, incluindo a econômica, e a possibilidade de concretização dos direitos humanos – foram construídos conjuntos de informações que estão dispostos aleatoriamente no trabalho para apresentação das considerações finais. O método de abordagem foi o da pesquisa bibliográfica, com a consulta a livros, artigos, periódicos e preceitos legais, a fim que responder: - Pode ser alcançado o desenvolvimento, em seus aspectos sociais, culturais e econômicos, melhorando a qualidade de vida da pessoa, sem agredir os direitos básicos do ser humano, como um verdadeiro expoente de liberdade?

(15)

11 2 DIREITOS HUMANOS E DESENVOLVIMENTO

Ao tratarmos sobre a palavra desenvolvimento, a primeira palavra que relacionamos, na imensa maioria das vezes, é "econômico". Dificilmente alguém faz a ligação direta entre desenvolvimento e cultura, ou desenvolvimento e social; mas é exatamente isso que demos analisar. A necessidade de haver um desenvolvimento social e cultural, e sua proteção, para que possa a vir a existir, posteriormente, um desenvolvimento econômico.

Mas antes de prosseguir com a explanação é de se questionar: - O que pode ser considerado direitos humanos?

2.1 A caracterização dos direitos humanos na contemporaneidade

A relevante atenção destinada ao tema direitos humanos se faz presente há longa data nos estudos jurídicos e sociais daqueles que estão preocupados com a qualificação da vida quotidiana dos indivíduos e dos grupos sociais. Tanto essa afirmação é incontestável que cada vez mais se está fomentando a produção de estudos e normas técnicas que visam a proteção dos direitos humanos.

De forma gradativa, coincidindo em parte com a própria evolução histórica do Estado, os discursos sobre os direitos humanos passaram a ocupar a pauta de reuniões e atas de encontros de sociólogos, filósofos, politólogos, dentre outros estudiosos, e sempre englobando assuntos diversificados, acolhidos na condição de novas garantias aos indivíduos. Agora, adentramos no século XXI com pelo menos três gerações de direitos, considerados, do homem, e uma quarta geração emergente, ampliando, ainda mais, a gama de proteção e manutenção de garantias ao ser humano.

Essa resposta não é tão simples de ser sintetizada quanto parece, e para demonstrar sua complexidade cita-se a conclusão obtida por Boaventura de Souza Santos (1997, p. 30):

Na forma como são agora predominantemente entendidos, os direitos humanos são uma espécie de esperanto que dificilmente poderá tornar-se linguagem quotidiana da dignidade humana nas diferentes regiões do globo. Compete à hermenêutica diatópica proposta neste artigo transformá-los numa política cosmopolita que ligue em rede línguas nativas de emancipação, tornando-as mutuamente inteligíveis e traduzíveis.

(16)

12 Fábio Konder Comparato (2008, p. 11) buscou ser mais objetivo em suas palavras, especificando o conteúdo englobado pelos direitos humanos como algo inerente da condição humana, do intelecto do homem:

Em suma, é a partir do período axial que o ser humano passa a ser considerado, pela primeira vez na História, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes.

Recentemente, fazendo uma co-relação do surgimento dos direitos humanos com a publicação de grandes romances de meados do séc. XVIII, Lynn Hunt (2009, p. 24), assim descreveu:

Os direitos humanos são difíceis de determinar porque sua definição, e na verdade a sua própria existência, depende tanto das emoções quanto da razão. A reivindicação de auto-evidência se baseia em última análise num apelo emocional: ela é convincente se ressoa dentro de cada indivíduo. Além disso, temos muita certeza de que um direito humano está em questão quando nos sentimos horrorizados pela sua violação.

Podemos ver que a definição de direitos humanos vem sendo feita de modo vago e não satisfatório, ainda mais quando se busca um fundamento absoluto, único. Norberto Bobbio (2004) é extremamente taxativo quando aponta a vulnerabilidade de uma definição de direitos humanos, afirmando que as definições são tautológicas, sem apresentar um elemento característico; vazias, ao não apontar nenhum conteúdo e apenas tratando do estatuto desejado; e telelógicas, quando as definições até tratam do conteúdo dos direitos, mas introduzem termos avaliativos interpretáveis diversificadamente. Continuando, BOBBIO (2004) explana que além de mal definidos os direitos humanos são variáveis, onde o elenco de direitos já se modificou ao longo dos anos e continua se modificando, bem como a classe dos direitos humanos é heterogênea, uma vez que são poucos os direitos considerados fundamentais que não concorrem com outros direitos também considerados fundamentais. Concluindo sua explanação radical sobre o tema, o Autor aponta uma antinomia nos direitos humanos, pois todas as declarações recentes consistem em liberdade e poderes, sem se dar conta que a realização integral da liberdade, por exemplo, impede a realização integral do poder, ou vice-versa.

Mas deixando de lado a discussão quanto a fundamentação dos direitos humanos, é de se pensar além: - Para que serviria o fundamento absoluto sobre direitos humanos? E, caso

(17)

13 fundamentado, este conceito seria capaz de conseguir de forma mais rápida, e eficiente, o reconhecimento e a realização dos direitos humanos?

Essa é uma pergunta que BOBBIO (2004) também faz, e esclarece que o maior problema não é justificar os direitos humanos, mas sim protegê-los. Nessa linha de pensamento o Autor então conclui:

Nossa tarefa, hoje, é muito mais modesta, embora também mais difícil. Não se trata de encontrar o fundamento absoluto [...], mas de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis. Mas também essa busca dos fundamentos possíveis [...] não terá nenhuma importância histórica se não for acompanhada pelo estudo das condições, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado. (BOBBIO, 2004, p. 23-24).

O que se percebe, translucidamente, entre a leitura de BOBBIO (2004) e HUNT (2009) é que os direitos humanos são mutáveis, que se adéquam a cada circunstância de acordo com diferentes fatores que se fazem presentes naquele determinado espaço de tempo e lugar. Com o decurso deste lapso, e com a aproximação das sociedades através das transposições de barreiras, os direitos humanos acabam identificando as diferenças, e porque não dizer as carências das sociedades, o que acaba inicializando um processo para manutenção e busca de condições simétricas dentre os seres humanos.

Efetivamente, de todas as definições que foram arroladas até o momento, pode ser retirada uma similaridade nos conceitos quando salientada a difusão dos direitos humanos para regrar, orientar, a vida coletiva, a vida do homem na sociedade. E isto começou gradativamente, aos poucos, desde que o homem se entendeu como ser vivo, nascente de um ventre livre, passando à busca de iguais direitos, agindo e interagindo para poder viver com o outro em espírito de fraternidade e dignidade.

Apenas para assinalar na história esse momento de grande mudança, o filósofo alemão Karl Jaspers (1949), aponta o período axial1 (ou era axial) como sendo o ponto de nascimento espiritual do homem, onde se realizou de maneira mais notável, para toda a humanidade em geral, o mais rico desabrochar do ser humano. O Autor aponta, a partir do período axial, o nascer da qualidade humana sem se impor como uma evidência empírica, com o encontro para todos os povos de um quadro comum, permitindo a cada um melhor compreender sua realidade histórica. Este eixo da história parece situar-se entre 500 a.C. no desenvolvimento

1 "The axial age, the middle os the first millennium B.C., saw dramatic cultural changes in several societies

(18)

14 espiritual que aconteceu entre 800 e 200 anos antes de Cristo, surgindo o homem que é conhecido até hoje.

Corroborando, o Autor COMPARATO (2008, p. 11) também reconhece no período axial o momento em que o ser humano passou a ser racional quanto a sua existência:

[...] é a partir do período axial que, pela primeira vez na História, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes.

Ocorre que, como bem salientou BOBBIO (2004), os direitos humanos variam com o passar dos anos e acabam se adequando, ou perfectibilizando, a cada condição social, de acordo com a própria evolução da sociedade. Para Hannah Arendt (1979), os direitos humanos não podem ser considerados apenas um dado, pois, na realidade, são construções do próprio ser humano que está em constante reforma. Desta forma, para melhor arrolar os direitos humanos passou-se a classificar os direitos humanos conforme suas gerações.

O primeiro autor a utilizar o termo gerações foi Karel Vasak2 (apud Eva Brems, 2001), na aula inaugural proferida em Estrasburgo, no ano de 1979, sob o título Pour les droits de l’homme de la troisième génération: les droits de solidarieté (tradução livre: Pelos direitos do homem da terceira geração: os direitos de solidariedade). Na oportunidade, conforme Sérgio Resende de Barros (2014), Vasak ocupava o cargo de Diretor da Divisão de Direitos do Homem e da Paz da UNESCO, e tanto em virtude da sua posição institucional quanto da bem definida subdivisão que fez dos direitos humanos em consonância com o lema da Revolução Francesa: liberdade, fraternidade e solidariedade3; sua palestra teve grande repercussão, alastrando-se o modismo de dividir os direitos humanos em gerações de direitos.

De acordo com o paradigma criado por Karel Vasak, os direitos humanos considerados de primeira geração correspondem aos direitos de liberdade – civis e políticos – demonstrados no século XVIII. As manifestações que caracterizam esta geração, ou dimensão como preferem chamar alguns autores, podem ser encontradas tanto na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, quanto na Constituição dos Estados Unidos da

2 VAZAK, Karel. For the third generation of human rights: The righs of solidarity. Inalgural Lecture to the

Tenty Study Session of the Internation Institute of human righs, Strasbourg, 1979; e VASAK, Karrel. Pour les

droits de l’homme de la troisième génération: les droits de solidarieté, Revue des droits de l’Homme, 1979.

3 Muitos autores trabalham este tema considerando mais gerações de direitos humanos, entretanto, para este trabalho será levado em consideração o sistema de Karel Vasak, findando na terceira geração de direitos humanos.

(19)

15 América de 1787, e representam claros confrontos do indivíduo contra seu governante. Para Celso Lafer (1998), os direitos humanos de primeira geração são o reflexo da insatisfação dos governados com a realidade política, econômica e social da época, resultando nas afirmações dos direitos de indivíduos contra o poder soberano do Estado. Na mesma linha COMPARATO (2008, p. 53-54) especificou:

As declarações de direitos norte-americanos, juntamente com a Declaração francesa de 1789, representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as organizações religiosas [...].

Mas, em contrapartida a essa ascensão do indivíduo na História, a perda da proteção familiar, estamental ou religiosa, tornou-o muito mais vulnerável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca, a segurança da legalidade, com a garantia da igualdade de todos perante a lei. Mas essa isonomia cedo revelou-se uma pomposa inutilidade para a legião crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas empresas capitalistas [...].

O resultado dessa atomização social, como não poderia deixar de ser, foi a brutal pauperização das massas proletárias, já na primeira metade do século XIX. Ela acabou, afinal, por suscitar a indignação dos espíritos bem formados e a provocar a indispensável organização da classe trabalhadora [...].

O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX.

O artigo 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, declarados solenemente na França em 26 de agosto de 1789, já trazia que "A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão". Logo, os direitos civis e políticos embasaram a concepção liberal clássica, naturalista, presente nestes direitos humanos de primeira geração, e segundo LAFER (1998, p. 126) tais direitos “se baseiam numa clara demarcação entre Estado e não-Estado, fundamentada no contratualismo de inspiração individualista. São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que precedem o contrato social”.

Os direitos de primeira geração foram considerados de grande importância para Claude Lefort (1991), fundamentais para a democracia contemporânea. Esses direitos tinham por objetivo evitar a intervenção do Estado na liberdade do indivíduo, correspondendo a uma não intervenção do Estado, uma atividade negativa, mas que para Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p.54) representou, também, uma positivação das reivindicações burguesas:

Os direitos humanos fundamentais da primeira dimensão encontram suas raízes especialmente na doutrina Iluminista e Jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII (nomes como Hobbes, Locke, Rousseau e Kant), segundo a qual, a finalidade

(20)

16 precípua do Estado consiste na realização da liberdade do indivíduo, bem como nas revoluções políticas do final do século XVIII, que marcaram o início da positivação das reivindicações burguesas nas primeiras constituições escritas no mundo.

A segunda geração, por sua vez, não sucedeu a primeira geração de direitos, conforme sintetiza Jorge Miranda (2002). Ao contrário disso, a segunda geração representou um acréscimo4, uma evolução de prerrogativas e garantias ao homem, sem possibilitar retrocesso ou mutação. A segunda geração correspondia aos direitos sociais, culturais e econômicos – as relações do indivíduo com o meio social dos séculos XIX e XX.

De acordo com LAFER (1998), os direitos sociais exigiam a intervenção do Estado de forma positiva, para que pudessem ser concretizados, deixando-se de considerar o indivíduo singular, para considerar grupos de sujeitos (famílias, minorias étnicas ou até mesmo religiosas). Os direitos humanos de segunda geração, sociais, econômicos e culturais são direitos fundados nos princípios da igualdade e com alcance positivo, pois são direitos que impõem, determinam ou exigem do Estado uma ação positiva, através de uma efetiva garantia e eficácia do direito prestacional. LAFER (1998, p. 127) define esses direitos como:

[...] direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade. Tais direitos – como o direito ao trabalho, à saúde, à educação – têm como sujeito passivo o Estado, porque [...] foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los. O titular desse direito, no entanto, continua sendo, como nos direitos de primeira geração, o homem na sua individualidade.

Esclarecendo ainda mais esta ideia de passagem da não intervenção do Estado, prevista na primeira geração dos direitos humanos; para uma intervenção positiva de garantia pelo Estado, na segunda geração dos direitos humanos, impende citar Oswaldo Giacoia Junior (2008). Para o autor, é na segunda geração dos direitos humanos que a titularidade dos direitos, até então genericamente destinada ao "homem", passa para um plano de titularidade voltada aos grupos sociais (trabalhadores, idosos, deficientes, consumidores, por exemplo):

A segunda geração dos direitos humanos, com titularidade centrada na pessoa social, é constituída pelos direitos econômicos, sociais e culturais, cuja positivação resulta tanto dos imperativos de justiça social surgidos no curso do desenvolvimento do capitalismo industrial, na passagem do século XIX para o XX – com sua exigência de igualdade concreta em contrapartida ao formalismo jurídico característico da conquista dos direitos civis – quanto dos movimentos políticos que levaram ao socialismo real, e da influência moral e política exercida pela doutrina social da Igreja Católica. (GIACOIA JUNIOR, 2008, p. 271).

4 Nesse ínterim é de se ressaltar Gilmar Antonio Bedin (2003, p. 125), ao afirmar que “pode-se falar em uma evolução expansiva dos direitos humanos, como se fosse uma história sem fim, em que sempre é possível, de tempo em tempo, acrescentar-se um conjunto novo de direitos”.

(21)

17 Historicamente, aos olhos de Antônio Carlos Wolkmer (2010), nos direitos humanos de segunda geração estão presentes os reflexos do processo de industrialização e os graves impasses socioeconômicos que açoitaram a sociedade ocidental entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX. E isto fica confirmado por COMPARATO (2008)5, a partir do momento que o Autor observa que os direitos humanos de segunda geração foram positivados nas Constituições francesas liberais de 1791 e 1793, ampliados e reafirmados pela Constituição francesa de 1848, carta política esta que correspondeu com a consciência da população, verdadeira interessada na efetivação de tais direitos em face dos problemas resultantes da revolução industrial e a condição dos operários.

Eric Hobsbawm (1995) já assinalava a revolução mundial deflagrada por guerras e conflitos, com a humanidade chegando ao ponto de se autofragilizar, criando riscos à si própria. E diante dessa força motriz é que surge a terceira geração de direitos humanos, os direitos de solidariedade, ligados ao direito e a um meio ambiente saudável.

Deflagrado no período pós Segunda Guerra Mundial, estes direitos fundamentais foram assimilados por Paulo Bonavides (2001, p. 569):

Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Tais direitos de solidariedade, também conhecidos como direitos da fraternidade, caracterizam-se pela sua titularidade de amplitude maior que a coletiva. Tratam-se, pois, de direitos difusos, destinados para toda a humanidade, independentemente da nacionalidade, consoante ensinamento de Fernando Barcellos de Almeida (1996), fomentados em favor da parte hipossuficiente, em que os titulares são sujeitos indeterminados. Coincidentemente, o período de reconhecimento destes direitos se deu juntamente com o processo de internacionalização dos direitos humanos, o que soa de forma uníssona com os ensinamentos de SARLET (1998, p. 50-51):

5 "[...] No início de 1848 - o ano do Manifesto Comunista - um furioso vendaval político varreu a Europa Ocidental, ameaçando deitar por terra, em pouco tempo, o edifício conservador e imperial, que o Congresso de Viena erigira em 1815. [...] Na França, o descontentamento do operariado urbano com os excessos capitalistas do reinado de Luís Felipe de Orléans, instalado no trono desde 1830, foi singularmente reforçado pelo agravamento da fome no campo, em conseqüência da desastrosa colheita de 1846-47. [...]" (COMPARATO, 2008, p.147).

(22)

18 [...] trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. […] Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. Cuida-se na verdade do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.

O que se tem a vista é que a partir da aprovação da Declaração Universal de 1948 houve o acolhimento de uma concepção contemporânea de direitos humanos, e, para Flávia Piovesan (2002), isto se deu, em grande parte, por meio da difusão do Direito Internacio nal dos Direitos Humanos e a publicação de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos fundamentais. Nas palavras de BOBBIO (2004, p. 30), "os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais".

Eis, então, nesta terceira geração, um sistema progressivo de implementação dos direitos fundamentais, que, na visão de GIACOIA JUNIOR (2008), partem de uma definição inicial abstrata do “homem” como “cidadão” (primeira geração), passando pelos direitos sociais de segunda geração conferidos a determinadas categorias, para então retornar, na forma dos direitos de solidariedade de terceira geração, a uma titularidade universal (direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, ao patrimônio genético da humanidade).

Numa terceira geração, surgem os direitos coletivos, de solidariedade ou de titularidade difusa, sendo também o momento histórico em que predomina a tendência à internacionalização dos direitos humanos. Ocorre, então, a positivação, tanto no plano das constituições dos Estados nacionais, quanto principalmente naquele do direito internacional público, da proteção aos direitos que concernem solidariamente à humanidade. Por exemplo, aqueles ligados à paz, ao desenvolvimento, à conservação do meio ambiente, ao desenvolvimento sustentado, ao patrimônio genético, ameaçados pelas conseqüências indesejáveis do extraordinário progresso e da extensão planetária da técno-ciência, sobre cuja dinâmica se assenta a configuração atual da sociedade, tanto no âmbito da produção e circulação de bens, como naquele do consumo e lazer. (GIACOIA JUNIOR, 2008, ps. 271/272).

GIACOIA JUNIOR (2008) constata a existência de uma linha de evolução progressiva dos direitos humanos, que leva até a sua internacionalização, recolocando a tarefa de repensar

(23)

19 os laços entre "homem" e "cidadão" em uma nova ordem jurídico mundial, desta feita no âmbito do direito internacional público, garantindo o respeito universal à dignidade da pessoa. Este ato de repensar, rever, também foi citado por Antônio Augusto Cançado Trindade (1991) e BOBBIO (2004, p. 51):

Mesmo hoje, quando o inteiro decurso histórico da humanidade parece ameaçado de morte, há zonas de luz que até o mais convicto dos pessimistas não pode ignorar: a abolição da escravidão, a supressão em muitos países dos suplícios que outrora acompanhavam a pena de morte e da própria pena de morte. É nessa zona de luz que coloco, em primeiro lugar, juntamente com os movimentos ecológicos e pacifistas, o interesse crescente de movimentos, partidos e governos, pela afirmação, reconhecimento e proteção dos direitos do homem.

Ao tratar dos direitos humanos de terceira geração, LAFER (1998) reconhece-os, principalmente, inseridos nas sociedades subdesenvolvidas que buscavam, através de negociações, uma nova ordem econômica mundial. Este direitos não são de um indivíduo em sua singularidade, mas sim de grupos humanos, nações, povos, famílias, que necessitavam de proteção ao direito de desenvolvimento.

Neste lapso temporal, em que se colocam alinhavadas as relações entre direitos humanos difusos de terceira geração, globalização, internacionalização e multiculturalismo, é que podemos perceber as primeiras previsões do direito ao desenvolvimento dentre os direitos humanos fundamentais. Para Fernando Antônio Amaral Cardia (2005) foi exatamente na década de sessenta que desabrolharam as primeiras identificações do direito ao desenvolvimento, carregando uma característica de ferramenta de regulação da interação cooperada de áreas da economia, superando as diferenças entre as nações.

[...] o direito ao desenvolvimento implica a existência de um dever de cooperar para a concretização de um desenvolvimento humano, levando-se em conta o exercício efetivo das liberdades fundamentais, direitos civis e políticos, direitos sociais, econômicos e culturais. Sem preferências, sem exclusão, com base na complementaridade e indivisibilidade dos direitos humanos. (CARDIA, 2005, p. 64).

Ao tratar do alcance do direito ao desenvolvimento, PIOVESAN (2002), utilizando-se das palavras de Celso Lafer6, constatou que muitas das batalhas travadas nos direitos humanos se deram em razão das polaridades Leste/Oeste e Norte/Sul, com batalhas ideológicas entre os

6 Texto produzido para o II Colóquio Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, Brasil, 2002. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flaviapiovesan/piovesan_direito_ao_desenvolvimento.pdf. Acessado em 22/12/2014.

(24)

20 direitos civis e políticos (herança liberal, defendida pelos Estados Unidos), e os direitos econômicos, sociais e culturais (herança do socialista, defendida pela antiga União Soviética). E neste diapasão Celso Lafer (apud PIOVESAN, 2002, p. 05) percebeu o “empenho do Terceiro Mundo de elaborar uma identidade cultural própria, propondo direitos de identidade cultural coletiva, como o direito ao desenvolvimento”.

2.2 Dimensões conceituais de desenvolvimento

Como podemos ver até o momento, a dimensão do termo desenvolvimento aqui tratado não carrega cunho exclusivamente econômico. Muito mais do que isto, a nossa intenção é demonstrar as plenitudes das definições de desenvolvimento como verdadeiro instrumento de efetivação dos direitos humanos.

De fato, quando se busca a definição de desenvolvimento muitos esbarram na primeira linha de pensamente que surge, fazendo referência ao crescimento econômico. Na visão de Amartya Sen (2010) esta é uma interpretação restrita de desenvolvimento, que se limita a identificar o desenvolvimento a partir do Produto Interno Bruto, do aumento da renda e de outras facetas econômicas, quando, na verdade, o desenvolvimento pode ser visto como um mecanismo que aumenta a liberdade das pessoas.

Demonstrando esta perspectiva de desenvolvimento econômico, Ignacy Sachs (2004, p. 01) referiu:

Para os fundamentalistas do mercado, eles implicitamente consideram desenvolvimento como um conceito redundante. Na sua visão, o desenvolvimento ocorrerá como resultado natural do crescimento econômico graças ao efeito em cascata. Não há necessidade de uma teoria sobre desenvolvimento. Já é suficiente a aplicação da disciplina economia moderna, a histórica e universalmente válida. (tradução livre)7.

Ocorre que era exatamente esta visão de desenvolvimento, relacionado ao poder econômico, que se tinha até meados do século XX.

Desconsiderando a época do mercantilismo, e já a partir dos primeiros ensinamentos de Adam Smith, principalmente da primeira versão da obra "Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações", de 1776, era possível identificar que o crescimento econômico

7 “As for the market fundamentalists, they implicitly consider development as a redundant concept. In their view,

development will occur as a natural result of economic growth thanks to the trickle down effect. There is no need for development theory. It is enough to apply modern economics, an ahistorical and universally valid discipline”.

(25)

21 aparecia como a principal preocupação para o desenvolvimento das nações. Na realidade, para o Adam Smith (2001), o desenvolvimento de uma nação somente seriam possíveis através do crescimento econômico, do acumulo de capital e da divisão do trabalho.

Há época de seus estudos, SMITH (2001) interpretava que o mercado era supostamente movido pelo próprio interesse do usuário ativo, através de uma “mão invisível” que o orientava e que acarretava, mesmo que incondicionalmente, o bem-estar coletivo. Na sua visão8, quando uma pessoa buscava o seu próprio bem, acabava realizando, indiretamente, a satisfação do outro, e, por conseguinte, ditava as condições do mercado. Foi este o início da organização política e econômica do liberalismo econômico clássico.

O desenvolvimento econômico livre e ilimitado defendido por SMITH (2001), que figurava como verdadeiro poder econômico, e agia por meio da divisão do trabalho, seria capaz de provocar a redução dos custos de produção e a queda dos preços das mercadorias. O progresso das fábricas, por outro lado, ocasionaria o crescimento dos ganhos dos empregados, pela crescente procura de mão-de-obra, viabilizando que cada um alcançasse seu próprio objetivo. Entretanto, estas perspectivas não se realizaram plenamente.

Para SMITH (2001) a industrialização, equânime a dos países considerados de Primeiro Mundo, seria capaz de gerar desenvolvimento, todavia em países pobres a industrialização nem ao menos ocorreu, e em nações "em desenvolvimento" - como no Brasil, o progresso da indústria não foi capaz de gerar nem sinais do desenvolvimento social pretendido, depreciando, assim, a ideia de Smith.

A parte, é de se alertar que não há qualquer interesse neste trabalho em contestar a obra e participação de Adam Smith para a economia. Ao contrário disso, o que se salienta, apenas, é que no deslinde de sua tese o Autor não considerou a desvalorização da mão-de-obra em face da mecanização industrial, e, consequentemente, a grande onda de desemprego, miséria e não desenvolvimento que veio com ela. Na própria introdução da obra de SMITH (2001) foi assinalado que autores como David Ricardo e Karl Marx não coadunavam a teoria do desenvolvimento ilimitado da economia defendida por SMITH (2001).

Em seu horizonte, Karl Marx (2002) observava que a usurpação capitalista da economia acabava mercantilizando, basicamente, o próprio trabalho, diminuindo drasticamente o bem-estar social ao reprimir o potencial e a liberdade dos trabalhadores. Logo, o desenvolvimento, por Marx, só viria a partir de uma valoração do próprio trabalho

8 “Não é da benevolência do açougueiro, cervejeiro ou padeiro que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação por seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca lhes falamos de nossas necessidades, mas das vantagens deles”. (SMITH, 2001, p. 25).

(26)

22 realizado, o que se daria através das lutas de classes e mediante revolução - no caso comunista.

Sintetizando a diferença entre as perspectivas de Smith e Marx, impende citar a observação feita por SEN (1989, p. s/nº), relacionando o bem-estar dentre alguns predicados do desenvolvimento:

A linha de raciocínio desenvolvida aqui baseia-se na avaliação da mudança social em termos do enriquecimento da vida humana dela resultante. A qualidade da vida humana, contudo, é em si mesma uma questão muito complexa. O enfoque utilizado aqui, às vezes denominado "enfoque da capacidade", concebe a vida humana como um conjunto de "atividades" e de "modos de ser" que poderemos denominar "efetivações" (functionings) — e relaciona o julgamento sobre a qualidade da vida à avaliação da capacidade de funcionar ou de desempenhar funções. Tentei, em outro trabalho, explorar esse enfoque em maior detalhe, tanto conceitualmente como em termos de suas implicações empíricas. As raízes desse enfoque estão em Adam Smith e Karl Marx, remontando mesmo a Aristóteles.

[...]

Entre os autores clássicos da economia política, tanto Adam Smith quanto Karl Marx discutem explicitamente a importância da efetivação e a capacidade para tanto como determinantes do bem-estar. O enfoque de Marx relaciona-se estreitamente à análise aristotélica (e ao que parece foi diretamente influenciado por ela). Com efeito, uma parte importante do programa marxista de reformulação dos fundamentos da economia política claramente diz respeito à concepção do sucesso da vida humana em termos de cumprimento das atividades humanas necessárias. Nos termos do próprio Marx: "em lugar da riqueza e da pobreza da economia política, veremos surgir o rico ser humano e a rica necessidade humana. O rico ser humano é simultaneamente o ser humano que necessita de uma totalidade de atividades vitais — o ser humano em quem a auto-realização existe como necessidade interior".

Destarte, para MARX (2010) o capitalismo faria com que o trabalhador renunciasse a própria vida, as suas carências, pois estaria impossibilitado de ter o acesso a tudo aquilo que lhe satisfaz, ou, até mesmo, afastado do exercícios de suas próprias capacidades, em função do acumulo de capital9. O capitalismo diminui "a carência do trabalhador a mais necessária e mais miserável subsistência da vida física", pois "o homem não tem nenhuma outra carência, nem de atividade, nem de fruição"; o especialista econômico (capitalista) "calcula a vida (existência) mais escassa possível como norma e, precisamente, como norma universal: universal porque vigente para a massa dos homens" (MARX, 2010, p. 141).

Logo, concatenando as observações de MARX (2010), chega-se a conclusão de que a mudança no paradigma econômico do cenário mundial só viria através de uma revolução universal, que realizasse a substituição da ideologia de cada indivíduo. Tratando a

9 "Cada homem especula sobre como criar no outro uma nova carência, a fim de forçá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo em nova sujeição e induzi-lo a um novo modo de fruição e, por isso, de ruína econômica. Cada qual procura criar uma força essencial estranha sobre o outro, para encontrar aí a satisfação de sua própria carência egoísta". (MARX, 2010, p. 139).

(27)

23 universalidade de modo real e concreto, relacionando o indivíduo singular com a totalidade social, Karl Marx e Friedrich Engels (2007, p. 422) definem:

[...] o desenvolvimento de um indivíduo é condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros, com os quais ele se encontra em intercurso direto e indireto, e que as diferentes gerações, recebendo das anteriores as forças produtivas e as formas de intercâmbio que foram acumuladas, são elas determinadas em suas próprias relações mútuas. Em poucas palavras, é evidente que um desenvolvimento sucede e que a história de um indivíduo singular não pode ser de modo algum apartada da história dos indivíduos precedentes e contemporâneos, mas sim é determinada por ela.

O desenvolvimento e o bem-estar defendidos por MARX (2002) dão lampejos de que a interpretação estritamente econômica e capitalista de desenvolvimento deixava de ser unanimidade. Exemplo disto foi a Revolução Russa de 1917, e o surgimento do novo movimento denominado socialismo, que em razão de sua própria ideologia (socialista e anti-capitalista) passa a realizar uma interpretação de desenvolvimento voltada ao próprio valor do trabalho, conforme sinaliza Odete Maria de Oliveira (2005), em que se verifica o enfoque no trabalho e na mão-de-obra, aumentando o direito do proletariado até alcançar uma condição absoluta de poder sobre os meios de produção e distribuição de renda.

No cenário internacional apontado por HOBSBAWM (1999), instantaneamente com fim da Primeira Grande Guerra os Estados Unidos da América (EUA) se postaram em posição de extremada força comercial para com os países aliados da Europa, uma vez que estes se encontravam destruídos pelo conflito. Esta supremacia norte-americana perdurou até em torno de 1926, período em que o EUA vivia o badalado “modo de vida americano”, com grande poder aquisitivo, consumo e mercado aberto para externalizar sua produção. Contudo, a partir de 1927, de acordo com os ensinamentos de Antonio José Avelãs Nunes (2011), a história liberal e de sucesso sem precedentes dos Estados Unidos passou a ser outra.

A partir de 1927, recuperados da Grande Guerra, os países Europeus passaram a participar mais ativamente do mercado, acarretando, dentre outros fatores que não são consenso até hoje, a Grande Depressão de 1929, e com ela veio a queda do liberalismo econômico. Esse estado crítico permaneceu nos ares do planeta até o fim da Segunda Guerra Mundial.

Ocorre que após o término da 2ª Guerra Mundial, o liberalismo não retornou ao comando do poder econômico; assim como não o fez o socialismo promovido pelo Império Russo. Com o fim da Segunda Grande Guerra deu-se início ao conhecido Estado do bem-estar

(28)

24 social, ou Welfare State10, que foi marcado pela intervenção do Estado em setores como a educação, a segurança, a previdência social, dentre outros que são considerados de suma importância para a manutenção e organização do Estado soberano.

Neste ínterim Mônica Souza (2011, p. 75) apontou com maestria:

É a Crise de 1929 que inicia o estudo sistemático das questões sociais, desemprego, fome e educação como fatores importantes na avaliação de políticas econômicas internas, que certamente surtem efeitos além das fronteiras dos Estados. O que realmente é vital na relação entre a Crise de 1929 e a temática do desenvolvimento é a necessidade de regulamentação do sistema econômico internacional a partir da cooperação. Ao final da I Guerra, as potências clássicas (França, Alemanha e Inglaterra) estavam fragilizadas econômica e militarmente, mas França e Inglaterra ainda mantinham a esperança no sistema realista de equilíbrio de poder nas relações internacionais. Franceses e ingleses tencionavam manter-se como grandes potências, mas conduziam suas economias de forma individualizada. Mas uma estratégia global de cooperação parecia inevitável, e a criação Liga das Nações é um pálido esforço neste sentido.

Dessa forma deixou-se de lado a imagem do Estado mínimo decorrente do liberalismo capitalista, para a imagem de um Estado intervencionista, com nova reestruturação. Para Lenio Luiz Streck (2010) o papel intervencionista do Estado decorreu das diversas inconsistências que se apresentaram no modelo liberal, como as implicações na proletarização em decorrência da revolução industrial e a alteração paradigmática da liberdade negativa para a liberdade positiva ou liberdades sociais; exigindo a organização da economia pelo Estado em face, também, da destruição do mercado natural com a segunda guerra. Essas políticas econômicas foram teorizadas por John Maynard Keynes (1985), em sua obra clássica: Teoria Geral do Emprego.

Fazendo uma ligação ao fordismo, mas sintetizando o pensamento de Keynes, Bob Jessop (1993, p. 09) aponta com exatidão:

Em termos abstratos, os objetivos distintos do welfare state keynesiano sobre a reprodução econômica e social eram promover o pleno emprego em uma economia nacional relativamente fechada, principalmente por meio do gerenciamento do lado da demanda, e generalizar normas de consumo de massa por meio de direitos de bem-estar e novas formas de consumo coletivo. (tradução livre)11.

10 Na interpretação de Fernando Augusto M. Mattos (1997), foi através do Welfare State que os trabalhadores, mesmo desempregados, adquiriram direitos de auferir rendimentos, participando assim do mercado de consumo, e gerando desenvolvimento.

11 "In abstract terms the distinctive objectives of the Keynesian welfare state regarding economic and social

reproduction were to promote full employment in a relatively closed national economy primarily through demand-side management, and to generalize norms of mass consumption through welfare rights and new forms of collective consumption".

(29)

25 Vê-se, claramente, que as ideias desenvolvidas por Keynes apontam que o crescimento econômico, voltado ao acumulo de capital (daqueles poucos que são capazes deste acumulo)12, não é capaz de igualar os anseios de muitos, pois, inevitavelmente, não viabiliza que os mais pobres, por exemplo, alcancem melhores condições de vida. O liberalismo não seria capaz de gerar o bem-estar social. Para tanto, seria necessário existir mais cooperação internacional, através de economias globalizadas, e com o desenvolvimento sendo uma ferramenta de mais dimensões, não apenas econômica. Neste contexto, para José Eli da Veiga (2005, p. 19), é que aflora a consideração do bem-estar em consonância com o desenvolvimento:

Até o inicio dos anos 1960, não se sentiu muito a necessidade de distinguir desenvolvimento de crescimento econômico, pois as poucas nações desenvolvidas eram as que se haviam tornado ricas pela industrialização. De outro lado, os países que haviam permanecido subdesenvolvidos eram os pobres, nos quais o processo de industrializados era incipiente ou nem havia começado. Todavia, foram surgindo evidências de que o intenso crescimento econômico ocorrido durante a década de 1950 em diversos países semi-industrializados não se traduziu necessariamente em maior acesso de populações pobres a bens materiais e culturais, como ocorrera nos países considerados desenvolvidos. A começar pelo acesso à saúde, e à educação. Foi assim que surgiu o intenso debate internacional sobre o sentido do vocábulo desenvolvimento.

A ambiguidade na definição de desenvolvimento é grande. Seja para economia, para política ou para o direito e a biologia, o termo desenvolvimento é empregado sem temor, das mais variadas formas, se adaptando aos mais diferentes enfoques. Por se tratar de um conceito difuso, na visão de SACHS (apud Dieter Rugard Siedenberg, 2003), o desgaste do termo é tanto que já poderia até morrer. No entanto, quem sabe em razão dessa sua própria mutabilidade é que o termo perdura até hoje, com vitalidade e força para alçar à comoção do povo até no mais simplório dos pronunciamentos.

Nesse diapasão de reformulação ou nova interpretação do tema desenvolvimento, que DIETER (2003, p. 15) se pronuncia em franca similaridade ao pensamento de Veiga (2005):

Do ponto de vista epistêmico-sistemático, a discussão não avançou na mesma proporção, e a partir de meados da década de 70, o substantivo desenvolvimento começou a ser associado com maior freqüência a adjetivos como humano, social, eco- e sustentável (Brasseul, 1989; Sachs, 1986; Brundland, 1987; Coy; Kohlhepp,

12 Essa diferença básica entre crescimento econômico e desenvolvimento fica resolvida com a distinção feita por Schumpeter (1997, p.85), ao afirmar que “nem o mero crescimento da economia, representado pelo aumento da população e da riqueza, será designado aqui como um processo do desenvolvimento”. Com estas palavras, e no decorrer de sua obra, o Autor demonstra que o crescimento econômico faz parte de uma combinação de forças (materiais e imateriais), que em uma caminhada solo não é capaz de subsistir, sendo necessário, por exemplo, a participação do empreendedor para manter o crescimento, e então gerar o desenvolvimento do complexo social.

(30)

26 1998), reconfigurando mais uma vez o conceito e estabelecendo relações até então ignoradas, como a relação entre desenvolvimento e meio ambiente, desenvolvimento e a governança global, ou ainda, desenvolvimento e os modelos de médio alcance. Em função disso, o termo voltou a ocupar um lugar de destaque nas políticas públicas, na academia, na mídia e em projetos de diferentes grupos e organizações.

Efetivamente na década de 70 o estado de bem-estar não foi suficiente para regularizar a condição econômica disposta no globo, emergindo uma crise que atacou todas as nações. Houve o aumento da inflação, elevação das dívidas e, consequentemente, o fim do crescimento das economias. A economia mostrou-se incapacitada no atendimento à crescente demanda social e o elevado custo da manutenção dos benefícios concedidos, criando condições favoráveis a revanche dos liberais contrários aos intervencionismo do Estado13. Desta forma, contrariando ao estado de bem-estar social ressurgiu o liberalismo, com nova denominação, qual seja neoliberalismo, e criticando com veemência o papel até então exercido pelo Estado.

Contudo, parafraseando DIETER (2003), o termo desenvolvimento não se esvaiu! Mesmo sob o "comando econômico" do neoliberalismo, com ataque ao sistema intervencionista do Estado, o jurista senegalês Keba M’Baye, quando da aula inaugural ministrada no Instituto Internacional dos Direitos do Homem de Estrasburgo, em 1972, assegurou a tese de que o direito ao desenvolvimento constitui um direito humano, e não um relapso de condição da economia. Segundo esclarecimentos de BONAVIDES (2001), essa visão foi posteriormente ratificada na Resolução n. 4, de 21 de fevereiro de 1977, pela qual a Organização das Nações Unidas orientou a UNESCO a elaborar estudos específicos a respeito do tema14. A partir dessa noção de direito ao desenvolvimento como direito humano foi que Karel Vasak assimilou e contribuiu para a consolidação da teoria dos direitos humanos de terceira geração.

Citando Keba M’Baye, BONAVIDES (2001, p. 523) afirma que “o direito ao desenvolvimento diz respeito tanto a Estados como a indivíduos [...]; relativamente a indivíduos ele se traduz numa pretensão ao trabalho, à saúde e à alimentação adequada”.

13 Conforme bem identificado por Zygmunt Bauman (1999), a rede capitalista que embasa o neoliberalismo produz, consequentemente, a fragmentação do poder estatal, resultando daí o esquecimento dos ideais de liberdade e democracia, incompatíveis com o projeto neoliberal. Essa minimização da interferência do Estado acabada produzindo supostos gravames aos direitos fundamentais, uma vez que a desregulamentação gera benefícios para uns e prejuízo para outros, prejudicando nesse caso, supostamente, aqueles que anteriormente eram protegidos pelas regulações (trabalhadores, pequenas e medias empresas, as minorias, etc.), conforme refere GRAU (2014).

14 O Autor aponta que o formulador do direito ao desenvolvimento era denominado Etiene-R. M’baya, ao invés de Keba M’Baye, quando objeto de uma aula inaugural do Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem em 1972.

(31)

27 A partir desses preâmbulos cita-se a elaboração do reconhecido direito ao desenvolvimento de SEN (2010, p. 76-77):

O objetivo do desenvolvimento relaciona-se à avaliação das liberdades reais desfrutadas pelas pessoas. As capacidades individuais dependem crucialmente, entre outras coisas, de disposições econômicas, sociais e políticas.

[...] as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas - dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas. São papéis de sustentação, e não de entrega sob encomenda.

Há de citar, neste momento, que as dimensões dos direitos humanos, assim como a sua própria definição, não são exclusivas e taxativas. Existem autores que classificam os direitos humanos em quatro15 ou até cinco geração16, porem, para realização do presente estudo mencionou-se a classificação de forma sucinta até a terceira geração, apenas para fins de alocação temporal, buscando demonstrar a evolução do reconhecimento dos direitos humanos. Assim foram surgindo as primeiras classificações do direito ao desenvolvimento como um direito humano.

Podemos observar que o desenvolvimento não figura como uma ferramenta única dos mercados de capitais, mas sim como um propulsor do desempenho estatal econômico e, principalmente, social. Gilmar Antonio Bedin (2003, p. 132) esclarece com precisão o que vem a ser discutido dentre os direitos humanos ao desenvolvimento:

Em sua conferência, afirmou Keba M’Baye que, “... para os povos, o direito ao desenvolvimento é primeiramente o direito deles de dispor deles mesmos [de autodeterminar-se segundo a sua consciência; portanto, é o direito] a escolher suas próprias sociedades e seus estilos de vida.” (apud Delgado, 2001, p. 87) Em consequência, pode-se perceber que o direito ao desenvolvimento é mais amplo do que o direito ao crescimento econômico, configurando-se num direito que busca viabilizar a expansão das liberdades reais (Sen, 2000). Por isso, o direito ao desenvolvimento requer que “se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos...” [...].

Colaborando com a continuação do estudo se faz imperioso salutar o conceito de desenvolvimento formulado pelo Nobel Amartya Sen (2010, p. 55), qual seja o desenvolvimento como “um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam”.

15 Bobio (2004) e Bedin (2003).

Referências

Documentos relacionados

A Psicologia, por sua vez, seguiu sua trajetória também modificando sua visão de homem e fugindo do paradigma da ciência clássica. Ampliou sua atuação para além da

Essa obra reduzida; necessidade de alta reutilização ocorre apenas quando se tem uma demanda Sequência definida de tarefas: locação, montagem constante e uma tipologia habitacional

livro, abordando a questão da “fusão”, do diálogo entre o cinema e a educação recorrendo para o efeito ao filme “o caso farewell” como principal recurso de

Local de realização da avaliação: Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação - EAPE , endereço : SGAS 907 - Brasília/DF. Estamos à disposição

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

Resumo: A interação entre as interfaces do sistema solo-estrutura tem a finalidade de assegurar a durabilidade, estabilidade e funcionalidade da obra durante sua

Algumas sementes e castanhas vão ficar só nessa etapa de hidratação pois já passaram por um processo térmico no caso de algumas castanhas e nozes, outras sementes descascadas

Os ativos não circulantes classificados como disponível para venda são mensurados pelo menor montante entre o seu custo contábil e o seu valor justo, líquido das despesas com a