• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA MESTRADO EM EDUCAÇÃO E CULTURA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA MESTRADO EM EDUCAÇÃO E CULTURA"

Copied!
201
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO E CULTURA

AGRUPAMENTO VERTICAL:

uma discussão com educadores sobre a sua contribuição para o

desenvolvimento da criança pré-escolar

ROSANA LINS ALVES DA CUNHA

(2)

ROSANA LINS ALVES DA CUNHA

AGRUPAMENTO VERTICAL:

uma discussão com educadores sobre a sua contribuição para o

desenvolvimento da criança pré-escolar

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade

do Estado de Santa Catarina, como exigência parcial para

obtenção do título de Mestre em Educação e Cultura, sob

orientação da Profa. Dra. Gersolina Antonia de Avelar Lamy.

(3)

ROSANA LINS ALVES DA CUNHA

AGRUPAMENTO VERTICAL: uma discussão com educadores sobre a sua

contribuição para o desenvolvimento da criança pré-escolar.

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre, no Curso de

Mestrado em Educação e Cultura da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Comissão Julgadora:

Orientador: Profa. Dra. Gersolina

Universidade do Estado de Santa Catarina

Co-orientador: Prof.

Prof.

(4)

“É necessário que todas as crianças possam mergulhar seus olhos na alegria da imaginação, ser fadas e reis, poetas e operários, e possam pintar suas secretas e invioláveis paisagens com as cores do arco-íris, pois elas trazem consigo o caminho das estrelas.”

(5)

DEDICATÓRIA

À professora Maria Cunha, minha mãe, E ao professor Luiz Henrique, meu pai, Que com justiça e dignidade

(6)

AGRADECIMENTOS

À professora Gersolina Lamy, pela orientação comprometida e sábia, pela amizade incondicional, pelos caminhos que juntas percorremos e pelos inúmeros bate-papos e reflexões sobre a criança.

À querida Iolanda (Io), que desde os meus sete anos segurou todas as “barras”, minhas e de meus filhos.

À Meire, que primeiro estendeu suas mãos para mim em Florianópolis e indicou os caminhos...

Ao quarteto de amigas de Brasília, solidárias, fiéis e indispensáveis nas decisões de fazer o curso e mudar para Florianópolis: Kátia, Márcia, Rita e Zózima.

Aos amigos de todas as horas, bravos e responsáveis por momento e lanches deliciosos e importantes discussões: Darlene, Fernando, Manoel e Tânia, esta última por ter emprestado seus profícuos conhecimentos de informática para a organização do trabalho.

Aos colegas de mestrado com os quais compartilhei encontros muito agradáveis e churrascos inesquecíveis: Clóvis, Leila, Mara, Maria Izabel, Maria Vilma, Nara, Paulo, Rosane, Suzana e Vanessa.

À professora Terezinha Volpato, primeira coordenadora do curso de Mestrado em Educação e Cultura da UDESC, pela leitura minuciosa de meus trabalhos e pelas orientações positivas.

À professora Maria José, que, ao me encantar com suas aulas, me fez aterrizar de alguns sonhos e por ter sido sempre companheira de seus alunos.

Ao professor Selvino Assman, pela disponibilidade de sua sabedoria e sua solidariedade com o meu incipiente “saber”, e por seu companheirismo em relação a nossa turma.

Ao professor César Nunes, pelas aulas imperdíveis e pela compreensão dos fatos da vida.

À Noeli, Sandra e Vilma, sem as quais, com dedicação e competência, o Curso de Mestrado não poderia caminhar. À Cris, que fez as revisões iniciais, intermediárias e final, pela paciência e disposição.

À professora Júlia Chaves, presença iluminada em minha vida e, que, ao aceitar desafios, despertou-me o desejo de vivê-los; e por ter aberto as portas de sua escola, INDI/Bibia, para

(7)

“Ora, a educação de Emílio tem um só objetivo: formar um homem livre, capaz de se defender contra todos os

constrangimentos... Os pais fracos, que cedem a todos os pedidos do filho, longe de fazer dele um ser livre, submetem-no às suas fantasias e mais tarde às suas paixões. O mais grave não é que eles próprios se tornem escravos do filho, o pior é que fazem dele um escravo.”

(8)

SUMÁRIO

RESUMO ... 15

ABSTRACT ... 16

INTRODUÇÃO ... 17

1 CONTEXTO E METODOLOGIA ... 1.1 O AGRUPAMENTO VERTICAL: SUA HISTÓRIA EM BRASÍLIA ... 1.2 METODOLOGIA ... 1.2.1 O INDI/Bibia e a turma do agrupamento vertical ...

31 31 43 52

2 EXISTE UMA HISTÓRIA DA HISTÓRIA ... 61

3 OS EDUCADORES DO AGRUPAMENTO VERTICAL ... 3.1 AS FAMÍLIAS ... 3.2 A PROFESSORA E SUA TURMA ... 3.3 OS CAMPOS DE OBSERVAÇÃO DO AGRUPAMENTO VERTICAL ... 3.3.1 A escolha ... 3.3.2 A linguagem no agrupamento vertical ... 3.3.3 As relações sociais e suas atuações no agrupamento vertical ...

85 85 89 95 95 97 112

4 A DISCUSSÃO DA PRÁTICA ... 4.1 SAÍDA DE CASA E CHEGADA À ESCOLA: PEQUENAS HISTÓRIAS,

GRANDES ACONTECIMENTOS ... 142

142

5 LIMITES E AUTONOMIA DE UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA

CENTRADA NA HISTÓRIA DE VIDA DA CRIANÇA PRÉ-ESCOLAR .... 171

BIBLIOGRAFIA ... 191

(9)

RESUMO

(10)

ABSTRACT

(11)

INTRODUÇÃO

Relatar nesta pesquisa minha experiência com agrupamento vertical, sabendo

que, ainda hoje, esta forma de agrupar crianças em idade pré-escolar não faz parte do

ideário pedagógico brasileiro, possibilita meu retorno a períodos muito importantes de

minha vida, tanto profissional como pessoal.

O que procuro esclarecer são as etapas percorridas para clarear o ponto de

partida e o fio condutor de um tema ainda pouco conhecido no contexto educacional

brasileiro, do ponto de vista da implantação formal1, de modelos alternativos, como também

apresentar questionamentos que surgem das observações relatadas nas entrevistas e da ação

rotineira com as crianças.

O agrupamento vertical na pré-escola2 caracteriza-se pela formação de turmas

que agrupam crianças em faixas etárias distintas, compreendidas entre zero a seis anos

1

Para a autora, o sentido de formal no texto diz respeito ao reconhecimento por parte dos órgãos do governo,

responsáveis pela política de atendimento à criança de zero a seis anos, de programas alternativos e que se enquadrem como oficiais.

2

MEC: Política de Educação Infantil (1994), critérios para faixa etária, onde: creche – criança de 0 a 6 anos e pré-escola – crianças de 4 a 6 anos. A educação infantil será oferecida em: creches ou entidades equivalentes, para crianças de até 3 anos de idade; pré-escolas, para crianças de 4 a 6 anos de idade (art. 30/I/II da LDB).

“As instituições de atendimento e educação das crianças pequenas possuem historicamente denominações diversas. A lei aponta para uma unificação designando como creches as que atendem crianças de 0 a 3 anos e pré-escolas as que atendem crianças de 4 a 6 anos. Serão entretanto respeitadas outras denominações e mesmo outras formas de atendimento sobretudo para crianças até 3 anos de idade.” (Carmem Maria Craidy – UFRGS)

Maria Malta Campos et ali. Creches e pré-escolas no Brasil. p. 126. “Apesar dos termos creches e pré-escolas serem

consagrados tanto pela população e pela prática como pela própria Constituição, na medida em que eles carregam significados comprometedores dos princípios hoje definidos, julga-se interessante ir tentando introduzir um conceito mais amplo como ‘educação infantil’ para designar as instituições de atendimento à criança.”

(12)

aproximadamente. Na pesquisa em questão, a turma de pré-escola acompanhada é composta

de crianças com idade de dois até cinco anos, sendo atendidas por uma professora e uma

auxiliar de classe, durante um período de quatro horas diárias. No decorrer desta exposição,

apresento com mais detalhes quanto à escolha do tema e suas implicações.

Como esclarecimento, a expressão educadores no título desse trabalho, se refere

aos adultos que participam do processo educacional das crianças, além de professores e

auxiliares, tais como os pais, os familiares e outros agentes da ação pedagógica. Quanto a

outra expressão, contribuição, apresenta a hipótese de que o agrupamento vertical

participa de alguma forma e com determinados resultados, nos campos que investigo, do

desenvolvimento da criança pré-escolar e que serão mostrados durante o decorrer do

trabalho. A discussão sobre o agrupamento vertical propõe ampliar o leque de trocas de

idéias sobre alternativas de atendimento à criança pré-escolar em nossa sociedade.

Ao partir do princípio de que o agrupamento vertical segue uma dinâmica que

existe no contexto familiar da maioria das crianças, tenho então, em minha pesquisa, o

cuidado de, ao trabalhar a análise dos dados, não negligenciar variáveis tais como: a

oportunidade de vivenciar, dentro de uma proposta pedagógica mais flexível, momentos

prazerosos, produtivos ou ainda que sejam, mais sofridos segundo Teixeira,O hábito de

aprender diretamente da própria vida, e fazer com que as condições da vida sejam tais que

todos aprendam no processo de viver, é o produto mais rico que pode a escola alcançar”3.

A discussão de uma nova forma de agrupar crianças em idade pré-escolar, no

caso o agrupamento vertical, desafia a investigar duas linhas de sustentação teórica e isto

significa relacionar meu ponto de vista, minha percepção acerca do desenvolvimento da

criança de zero a seis anos e minha experiência prática de vinte e cinco anos, com

discussões de Rousseau, teoria de Piaget, influência de Dewey na educação contemporânea,

3

(13)

pesquisa da professora Heloísa Marinho4 com crianças brasileiras e com resultados obtidos

por trabalhos desenvolvidos pelas professoras Maria Cunha5, Maria de Lourdes Pereira da

Silva6 e Júlia Maria Passarinho Chaves7, em suas escolas. Ao buscar a fundamentação para

que, posteriormente, outros estudos surjam, procuro colaborar na procura de alguns

esclarecimentos que contribuam para dirimir dúvidas e desafiar certezas no entendimento e

na tentativa de acerto nas formas de atendimento à criança pré-escolar.

Por um lado, ter em minha bagagem profissional uma certa experiência, ajuda,

pois faz fluir em meus pensamentos, inúmeros momentos e passagens que são observações

importantes. Por outro, observo que obstáculos significativos em minhas reflexões, como a

aceitação desta forma de agrupar crianças em nossa prática pedagógica formal, tendo que,

obrigatoriamente, envolver em sinergia família e escola, despertam a necessidade de me

policiar e me aprofundar em aspectos que não podem ser negligenciados, em especial, a

preparação do professor para lidar com o espontâneo, com o planejamento construído, por

4

Heloísa Marinho. Uma das mentoras do método natural de alfabetização, Chefe do Centro de Estudos e Pesquisas Helena Antipoff, Diretora do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, fundadora do Instituto Heloísa Marinho voltado para a pesquisa em educação infantil no Brasil. Autora da primeira escala de desenvolvimento para ser aplicada por professores brasileiros e que fundamentou a confecção do cartão “Caminho da Saúde”, utilizado em todos os postos de saúde do país, através do Ministério da Saúde/UNICEF, autora dos livros: Vida, educação, leitura, O currículo por atividades no jardim de infância, Vida e educação no jardim de infância, colaboradora de John Dewey, dentre outros títulos.

5

Maria Lins Alves da Cunha. Técnica em Educação Pré-Escolar, formada pelo Colégio Bennett, fundadora da escola Recanto Infantil no Rio de Janeiro, Diretora do Colégio Jacobina, RJ, Coordenadora Nacional dos Projetos do INAN (Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição), fundadora da regional de Brasília da OMEP (Organização Mundial para Educação Pré-Escolar), consultora dos programas de creche do Ministério da Saúde, do Programa de Educação Infantil do Ministério da Educação, do Ministério da Previdência e Ação Social, da LBA (Legião Brasileira de Assistência), dos programas de implantação de creches executados por vinte estados brasileiros, palestrante internacional dentre outros títulos. Nos meses de julho e dezembro de 1997 e março, abril, maio e junho de 1998, realizei, com a professora Maria Cunha, as entrevistas que serão citadas muitas vezes durante este trabalho. Para não ficar repetitiva a citação, farei a referência da seguinte maneira: entrevista citada.

6

Professora Maria de Lourdes Pereira da Silva é uma das mentoras do método natural de alfabetização e que iniciou o agrupamento vertical com o nome de grupo família, em sua experiência na Bahia e em Mangaratiba, Rio de Janeiro. É coordenadora da creche da Universidade Santa Úrsula também no Rio de Janeiro e foi professora do Colégio Jacobina, RJ. Seu trabalho forneceu subsídios para a publicação da tese de Gilda Rizzo. 7

(14)

ele e seus alunos, e com a possibilidade de acontecer uma aceleração da prontidão da

criança para determinadas aquisições, leitura e escrita, por exemplo.

Um outro dado que surge nas observações e que será citado, mas sem maiores

aprofundamentos, é a dinâmica de funcionamento do agrupamento vertical em relação à

atuação do professor com seu aluno. Uma das questões que se destaca é: se seria este um

indicativo para que as atividades psicopedagógicas aconteçam. O que nos apresenta o

professor, em sua fala, é que este movimento é ampliado e renovado seguidamente ao se

agruparem crianças em idades diferentes. Ele fica disponível para atender, com

tranqüilidade e atenção, a todo o grupo.

O agrupamento vertical praticado na escola em que a pesquisa foi realizada,

INDI/Bibia8 em Brasília, DF e da qual fui psicóloga da pré-escola durante sete anos, tem a

Pedagogia da Interação Expressiva9 como norteadora do roteiro pedagógico de suas ações.

O convívio entre as crianças e os professores tem uma dinâmica flexível, livre e uma

organização construída pelo grupo e não anteriormente imposta, por regras desconhecidas

pelos alunos. O movimento dos alunos e dos professores tem um ritmo cadenciado pelo

prazer de participar do que é planejado, junto e paulatinamente.

Num debate mais amplo, fica o questionamento de como se comportaria o

agrupamento vertical em uma proposta educacional mais tradicional. Tal pergunta segue

como sugestão para estudos mais aprofundados em outra extensão.

No capítulo 1, apresento como se processou a decisão da professora Júlia em

implantar o agrupamento vertical no INDI/Bibia, os atropelos e conquistas desta iniciativa,

8

INDI/Bibia: Instituto Natural de Desenvolvimento Infantil: Pré-Escola Tia Bibia, Brasília, DF, dirigida pela professora Júlia Maria Passarinho Chaves.

9

(15)

bem como discorro sobre a problemática da pesquisa e sua metodologia, a opção pela

aplicação da pesquisa etnográfica, o trabalho de entrevista e de observação, os instrumentos

de pesquisa, assim como a análise e sistematização dos dados. Algumas pinceladas são

dadas por mim ao recordar o meu começo na escola e como foi sendo semeada entre os

educadores, com maior destaque para professores e pais, a confiança nessa nova forma de

agrupar crianças pré-escolares, uma vez que, para eles, em sua maioria, a Pedagogia da

Interação Expressiva já estava relativamente assimilada.

Uma abordagem histórica da pré-escola, no contexto da educação brasileira, é

apresentada neste trabalho, no capítulo 2, com a intenção, em primeiro lugar, de relatar

como surgiu o meu interesse pela pré-escola, através de uma homenagem explícita à

contribuição do trabalho realizado pela professora Maria Cunhano cenário da educação

infantil no Brasil e no reconhecimento pela sua luta pelo direito da criança de aprender

brincando e de aprender a viver a liberdade. Em segundo lugar, a intenção é de reforçar o

registro de que a pré-escola quando passa a ter alguma existência no sentido formal de

atendimento, continua relegada a um plano que se pode afirmar ser insignificante, diante da

imensidão do país e da gravidade e amplitude do problema. Ao apresentar esta caminhada,

descobre-se que uma construção precisa ser erguida e que o alicerce ainda não está em

condições de sustentar as responsabilidades e as ações. A pré-escola é, sim, um problema

candente da educação básica brasileira, se a considerarmos como o início do que desejamos

para nossa criança em termos de atendimento que ultrapasse as ações da família, a partir do

momento em que se detecta a gestação.

Ao traçar um histórico da pré-escola brasileira, caminho dentro das perspectivas

e necessidades desse nível de ensino no qual está inserido o agrupamento vertical. Neste

espaço, justifico a necessidade, que se apresenta para mim, revisitar a história da pré-escola.

(16)

tradição que existe em Santa Catarina e, em especial, na cidade de Florianópolis, no campo

da educação, e o contraste com Brasília, cidade onde se dá a pesquisa e que apresenta uma

pedagogia de ponta, sem vínculos tradicionais, com estrutura física mais espaçosa e

educacional mais aberta.

A presença de Rousseau e seu Emílio ou da Educação, também no capítulo 2 do

trabalho, se justifica pela afinidade gratificante que se forma entre o autor, a minha prática,

a minha idéia de educação pré-escolar e a proposta pedagógica da escola pesquisada. Cada

vez que me reporto ao seu texto, sinto uma renovação riquíssima de meus ideais, porque

alguém pensou na importância da criança e sua aprendizagem e no respeito ao professor,

com muita autenticidade e esperança, numa época em que abordar temas como o do Emílio

era uma atitude de desafio e renovação. Nesta citação fica clara a colaboração de

Rousseau10, ainda tão atual:

Há um excesso de rigor e um excesso de indulgência, e ambos devem ser evitados. Se deixardes as crianças sofrerem, exporeis sua saúde, sua vida; torná-las-eis efetivamente miseráveis; se lhes poupardes com demasiada solicitude toda a espécie de mal-estar, preparar-lhes-eis grandes misérias; vós as tornais delicadas, sensíveis; vós as retirais de sua condição de homens, à qual retornarão apesar de vós. Para não as expordes a alguns males da natureza, forjais os males que ela não lhes deu. Dirme-eis que caio no caso daqueles maus pais aos quais censurava por sacrificarem a felicidade dos filhos em consideração a um tempo distante que pode não chegar jamais.

O agrupamento vertical instituído, na experiência, objeto desse estudo, através

da Pedagogia da Interação Expressiva tem seu fundamento teórico, ao que me parece, no

movimento da Escola Nova11 por terem destaque na Psicopedagogia da instituição

focalizada. Seus pressupostos são os mesmos daquele movimento, ao:

10

Emílio ou da Educação. p. 80. 11

(17)

Fundamentar o ato pedagógico na ação, na atividade da criança... fruto certamente de uma renovação geral que valorizava a auto-formação e a atividade espontânea da criança. A teoria da Escola Nova propunha que a educação fosse instigadora da mudança social e, ao mesmo tempo, se transformasse porque a sociedade estava em mudança. Dewey foi o primeiro a formular o novo ideal pedagógico, afirmando que o ensino deveria dar-se pela ação (learning by doing) e não pela instrução. Para ele, a educação continuamente reconstruía a experiência concreta, ativa, produtiva, de cada um.

A análise se deterá aos aspectos do desenvolvimento infantil relacionada às

intervenções que a convivência entre crianças de idades distintas entre dois e cinco anos

promovem nos campos da linguagem, pois, “sem a linguagem, as operações permaneceriam

individuais e ignorariam, em conseqüência, esta regularização que resulta da troca

interindividual e da cooperação” como diz Piaget12: as relações sociais e suas atuações onde

coação, “que representa uma etapa obrigatória e necessária da socialização da

criança”, e cooperação “necessária para o desenvolvimento das operações mentais e

que tem nas relações entre crianças o ponto de partida para o seu início, porque não

há hierarquias prestabelecidas entre as crianças”13, introduzem a formação de estruturas

relacionadas que prefiguram que o agrupamento vertical parte de uma relação visceral já

existente na família; a dinâmica do cotidiano quanto a autonomia, segurança, resolução de

conflitos e dificuldades e a discussão e aplicação de limites enriquecida pela pesquisa de

Marinho14 ao buscar um roteiro pedagógico que mudasse o paradigma “que exigia de todos

os alunos de uma classe a mesma tarefa, a mesma lição, superior ao alcance dos menos

capazes e sem interesse de novidades para os mais inteligentes”; e da contestação veemente

de Dewey”15 em relação às escolas que pregavam a obediência e submissão de seus alunos

em detrimento da iniciativa, originalidade e cooperação direcionados à atividade pessoal do

aluno:

12

Seis estudos de Psicologia. p. 92. 13

LA TAILLE, Yves de. Teorias psicogenéticas em discussão. p. 20. 14

A linguagem na idade pré-escolar. p. 52. 15

(18)

À imposição de cima para baixo, opõe-se à expressão e cultivo da individualidade; à disciplina externa, opõe-se a atividade livre; a aprender por livros e professores, aprender por experiência; à aquisição por exercício e treino de habilidades e técnicas isoladas, a sua aquisição como meios para atingir fins que respondem a apelos diretos e vitais do aluno; à preparação para um futuro mais ou menos remoto põe-se a aproveitar-se ao máximo das oportunidades do presente; a fins e conhecimentos estáticos opõe-se a tomada de contato com um mundo em mudança.

O encontro com os teóricos se dá, formalmente, a partir do capítulo 3. De Piaget

começo com a citação do autor Yves de La Taille16.

Durante a fase pré-operatória, algumas características ainda limitam a possibilidade de a criança estabelecer trocas intelectuais equilibradas. Falta-lhe em primeiro lugar, a capacidade de aderir a uma escala comum de referência, condição necessária ao verdadeiro diálogo. Em segundo lugar, a criança pré-operatória não conserva necessariamente, durante uma conversa, as definições que ela mesma deu e as afirmações que ela mesma fez. Finalmente, a criança pequena tem extrema dificuldade em se colocar no ponto de vista do outro, fato que a impede de estabelecer relações de reciprocidade.

É interessante, dentro desta afirmação, observar que no convívio diário de

crianças de idades diferentes e ocupando um espaço comum, ou seja, a sala de aula, o

parque e outras dependências do ambiente escolar, numa situação diferente do agrupamento

horizontal – crianças da mesma idade formando uma turma de alunos – algumas respostas

se apresentem muito ricas, no que se refere à capacidade de se colocar no lugar do outro, no

interesse pelas atividades de grupo e na resolução de conflitos, decorrentes das próprias

características de dificuldade de repartir e de sentir o que suas respostas e atitudes

desencadeiam. Num quadro como este, o conceito de coação, que por si só já reforça o

egocentrismo que na faixa etária da criança pré-escolar é acentuado, encontra no adulto, a

responsabilidade em estar atento quando “aplica, ele próprio, suas sanções, ‘difusas’

(repreensão) ou ‘organizadas’ (punições), em conformidade com as regras da

16

(19)

responsabilidade objetiva”17. Qual a intervenção que Piaget discute ao lidarmos com

relações e atuações sociais? Como a linguagem identifica a absorção das inferências e se

mostra quanto a desenvoltura e ao enriquecimento no convívio entre crianças de idades

diferentes?

Um outro conceito entra, obrigatoriamente, neste debate ao tentar aprofundar o

conhecimento que temos da aceitação e digestão de regras e valores do cotidiano para a

criança pré-escolar. Temos a cooperação que “pressupõe a coordenação das operações de

dois ou mais sujeitos. Agora, não há mais assimetria, imposição, repetição, crença, etc. Há

discussão, troca de pontos de vista, controle mútuo dos argumentos e das provas”18. Como

são as respostas do agrupamento vertical neste espaço para o exercício democrático das

relações de cooperação?

Marinho faz parte da discussão deste trabalho, por ser pioneira em pesquisas

sobre o desenvolvimento da linguagem da criança pré-escolar brasileira e por ter pesquisado

e lutado para que a escola se tornasse realmente um lugar onde a aprendizagem fosse

prazerosa e enriquecedora, colocando o lúdico em papel de destaque como recurso para o

envolvimento do interesse da criança em novas descobertas.

Quanto a Dewey, sua presença no corpo do trabalho se faz indispensável para

fechar o círculo que envolve o agrupamento vertical no enredo da Escola Nova. São

argumentos fundantes que demonstram o resultado da aplicação de ofertas diversificadas no

aprendizado. O ensino cristalizado, que apresenta um roteiro pedagógico envolto no

imobilismo, que não aceita o imprevisto, a descoberta espontânea, a curiosidade e que

embota as investidas em novas experiências, torna-se foco de estudo e investigação, deste

17

PIAGET, Jean. O julgamento moral da criança. p. 116. 18

(20)

educador que acima de tudo, preserva o valor da liberdade e do significado de aprender,

conhecendo e entendendo.

As questões que trago para discussão, e que despertam inquietações, constatam

um denominador comum, qual seja: a preocupação com o gradativo desaparecimento do

brincar para crianças na faixa etária de zero a seis anos. Este dado vem demonstrando que

estão sendo afetadas as oportunidades de aprendizagem lúdica, as relações afetivas

familiares e também as que certamente envolvem o ambiente escolar. O lúdico é um traço

essencial em toda a dinâmica do comportamento humano. Faz parte das necessidades

básicas do corpo e da mente e, por ser espontâneo, torna-se essencial. Este valioso aliado ao

criar corpo, transforma-se em recursos para a didática escolar ao atender e trabalhar

expectativas e desejos físicos, afetivos, cognitivos, biológicos e sociais da criança e do

adulto que lida com ela.

Ariés19 nos lembra, que:

Na antigüidade, as crianças participavam, tanto quanto os adultos, das mesmas festas, dos mesmos ritos e mesmas brincadeiras. Nessa época, o trabalho não ocupava tanto tempo do dia e nem tinha o mesmo valor existencial que lhe atribuímos neste último século. A participação de toda a comunidade, sem discriminação de idade nos jogos e divertimentos era um dos principais meios de que dispunha a sociedade para estreitar seus laços coletivos e para se sentir unida.

No agrupamento vertical, a questão do brincar também é foco de atenção porque

a relação lúdica que se estabelece entre crianças de idades diferentes fala por si só,

independente da intensidade dos conflitos e dos acertos. Os recursos materiais devem

existir, mas isto não significa que sejam determinantes ou fundamentais no ritmo em que as

trocas acontecem. As descobertas podem ser muito ricas e em campos variados de

19

(21)

observação como o da linguagem, do desenvolvimento motor, social, emocional e

cognitivo. Segundo Wajskop20 quando coloca que:

A brincadeira poderá configurar-se como espaço de diagnóstico dos interesses e necessidades infantis e de transformar em espaço de experimentação e estabilização de conhecimentos e afetos, por meio das interações entre criança e adultos, possibilitando a criação de um vínculo com o trabalho nas diferentes áreas de conhecimento.

Este movimento amplia o leque de investigação quanto às trocas da criança mais

nova com a mais velha e vice-versa.

No estudo em questão, procuro manter uma postura equânime, o que requer

grande esforço pelo fato de ter vivido a experiência e acreditar nela. Porém, a lucidez nas

observações torna-se fundamental e toda e qualquer querela que surja deve ser computada

para investigações posteriores. Uma visão que considero importante em não perder de vista,

no andamento da análise dos dados obtidos e das investidas teóricas, é que o ser humano

não é estático e sofre a influência de inúmeras variáveis, mesclando o que já existe em

códigos hereditários com as experiências que vivencia no ambiente que o cerca. São trocas

que existem por intermédio de histórias próprias de cada indivíduo, desde o momento de sua

fecundação. Como novo membro de um grupo social ao qual está intimamente ligado,

modifica rotinas, demonstra necessidades, provoca a re-introdução de valores e atitudes até

então negligenciados e revolve sentimentos, através de sua existência física e das suas

exigências afetivas e biológicas. Conforme vai se desenvolvendo, a tendência é ocupar mais

espaços físicos, afetivos e sociais, pela própria necessidade de expansão para introjetar

conquistas e resolver conflitos. Esta dinâmica liame é essencial para a vida mental da

criança porque abaliza a significação, as experiências e as percepções. Como ilustra

Rossetti e Vitória21, ao citar Vygotsky e Wallon:

20

O brincar na educação infantil. p. 68. 21

(22)

O bebê humano tem seu desenvolvimento mediado pelo outro que interage com ele e organiza o ambiente e as experiências a que tem acesso, conforme as concepções sobre o desenvolvimento e habilidades infantis, próprias de sua cultura. Assim, os comportamentos, os conhecimentos, a linguagem e a própria criança enquanto sujeito são construídos em parceria com outros indivíduos dentro de uma determinada cultura (VYGOTSKY, 1984; WALLON, 1966). A criança estabelece uma intensa relação afetiva com esses outros indivíduos, que lhe provêem segurança para conhecer o mundo e explorar novas situações. Em nossa cultura, esses parceiros mais estáveis e constantes são inicialmente os pais, em geral, a mãe, embora possam se estabelecer relacionamentos afetivos com a avó, os irmãos, tios, babá e amigos.

A consciência do processo de pensar (metacognição) e a consciência de nossas

emoções (meta estado de espírito)22 são também, aspectos fundamentais da aptidão

emocional, que podem e devem ser trabalhados e estruturados durante a idade pré-escolar.

A aprendizagem e a maturação têm profunda significação para o desenvolvimento

emocional da criança, um dos pontos-chaves na abordagem do trabalho desenvolvido no

INDI, em Brasília, DF, sobre o agrupamento vertical.

Afinal, a criança é como um elástico, se for puxada, responde. Mas chega um

dia em que a pressão destes movimentos é muito intensa, levando o elástico a se arrebentar

e, ao se encurtar, com certeza vai precisar refazer o caminho de determinadas etapas.

“Falando especificamente do AV, é de não deixar que o menor receba um excesso de

estimulação, porque a gente sabe mesmo que a criança, aquela comparação do elástico, ela

vai tentar te responder e ela não dá conta lá na frente”23. O processo de estruturas

sucessivamente construídas, segundo Piaget, é desenvolvido através de estágios em

seqüência, como um encadeamento em “espiral ascendente”, que estabelecem trocas entre o

meio interno e externo cuja miríade de respostas são interferentes no processo de

desenvolvimento da criança.

22

GOLEMAN, Daniel. Inteligência emocional. p. 60. 23

(23)

A colocação do agrupamento vertical dentro do contexto da pré-escola como cita

Jobim24:

Na concepção difundida pelos educadores modernos, a pré-escola se constitui no lugar onde a criança tem oportunidade de desenvolver certas operações mentais, expandir sua sensibilidade e criatividade, desenvolver habilidades psicomotoras específicas, ampliar seu vocabulário, ampliar seu relacionamento social e conviver com valores morais diferentes dos da sua família. A aquisição desses conhecimentos acontece no desenvolvimento das mais diversas atividades que têm como contexto à importância do papel do “jogo” na aprendizagem da criança.

é um dos caminhos do trabalho. A ação e a atuação do agrupamento vertical verificadas

através dos resultados, poderão seguir inconteste ou as lacunas surgirão como grandes

dúvidas?

O que representa no desenvolvimento da criança a dinâmica que o agrupamento

vertical prefigura ao franquear o espaço à criança para que se coloque em vários papéis de

sua experiência de vida? Sua participação social é ou não facilitada? O ritmo e o ensaio

nesta forma de agrupar, que é a história de se viver esse processo em nossa própria família,

são contatos e trocas no circuito social renovadas em diversas situações e níveis, tanto de

estudar, quanto de obediência, respeito, aceitação e prazer. Essas trocas são traduzidas em

informações que se constituem em alicerces na postura diante dos fatos e acontecimentos da

vida?

Anísio Teixeira25 coloca que: “a escola fez, assim, algo muito mais importante,

pois passa a ser a instituição por excelência, onde se forma o homem racional, o homem

independente, o homem democrático”.

No capítulo 4, apresento uma discussão com alguns indicativos trazidos pela

prática psicopedagógica e por opiniões que possam ampliar o horizonte de questionamentos.

24

Pré-escola: em busca de suas funções. p. 74. 25

(24)

Algumas questões e preocupações fazem parte permanente das investigações acerca do

agrupamento vertical e são registradas e discutidas neste capítulo, tais como a indagação

quanto a uma possível aceleração das respostas a cada etapa de desenvolvimento, o que não

significa saltá-las; o despertar de inquisições para as quais o adulto não está preparado para

acatar e responder e o preparo muito especial no que diz respeito ao espaço para que as

manifestações emocionais da criança aconteçam e possam ser trabalhadas e atendidas.

No capítulo 5, as considerações finais são apresentadas para futuros estudos e

debates, com vistas a inserir a exploração do tema sobre o agrupamento vertical em

questões mais amplas que contribuam como indicativo para mais uma alternativa de

atendimento à criança pré-escolar sem com isso pretender colocá-lo como um processo

pronto, muito pelo contrário, deve ser sempre, a qualquer momento, revisitado e discutido.

Neste tema novo, quase desconhecido, resguardar e priorizar o respeito pela

dignidade na infância e pela liberdade na aprendizagem, é condição sine qua non que se

(25)

CAPÍTULO 1

CONTEXTO E METODOLOGIA

1.1 O AGRUPAMENTO VERTICAL: SUA HISTÓRIA EM BRASÍLIA

Uma construção pedagógica na capital planejada

A discussão sobre as propostas pedagógicas que se dirigissem de fato à

população infantil, tomando a cultura1 de origem das crianças como bandeira para o

patrocínio de seu desenvolvimento e como esteios importantes para a aquisição de novos

conhecimentos, já fazia parte dos encontros e debates de educadores brasileiros, que

influenciados por ações de estudiosos estrangeiros, dentre eles Dewey e Piaget, buscavam

nos idos das décadas de 30, 40 e 50, disseminar uma nova concepção de ver a criança, em

especial, a pré-escolar, como alguém específico, diferente do adulto, que possui

características determinadas e que precisa, portanto, de ações pedagógicas que atendam essa

diversidade e que ampliem os horizontes de capacitação. Heloisa Marinho, a partir de

contatos com Dewey (afinal, é sua discípula) e Maria Cunha com O’Neil, que desenvolvia

sua experiência da liberdade sem medo, em Summerhill, buscam a coexistência de

pensamento e ações nas metodologias e nas propostas curriculares onde:

Reconhecer a criança como ser pensante, capaz de avaliar e ser avaliada, lúcida para participar da construção de seu aprendizado e de ter no professor um companheiro/mediador para suas descobertas, dúvidas e

1

(26)

anseios, é ponto crucial de uma proposta pedagógica que pretende formar um outro aluno e capacitar um outro tipo de professor2 como cita a professora Maria Cunha.

Alguns anos mais tarde, uma grande coincidência de datas, pois a professora

Júlia Chaves nasce no Pará, no mesmo dia em que a professora Maria Cunha inaugura sua

primeira escola no Rio de Janeiro, com o nome de Recanto Infantil! Por volta do final da

década de 70, as duas professoras são apresentadas e, a partir de então, uma afinidade de

idéias começa a ser estabelecida.

Em sua entrevista, a professora Júlia coloca como surgiu a proposta do

agrupamento vertical, o qual chama de AV e relata os encontros que colaboraram para que

assumisse o desafio:

O AV surgiu, digo, de dois nomes, vertentes. Uma foi a linha da Lourdes que fazia um trabalho na Romão Duarte3 e fazia na Bahia, que era uma forma de agrupamento um pouquinho diferente da forma de agrupamento que a gente aqui estruturou. Ela trabalhava com no mínimo dois níveis etários na mesma sala. Ela falava dos ganhos especialmente nos campos da linguagem, social e na riqueza que era a troca de aprendizagem. Aquilo nos encantou. Nós já tínhamos uma tendência, nós já vínhamos fazendo isso na escola, mas sem uma estruturação definida que seria o AV. A Lourdes, com dois níveis etários, eram alguns momentos de mistura de faixa etária, não era uma coisa completa como foi quando nós viemos para cá, que montamos salas adequadas para isso. Tínhamos algumas atividades que a gente viu que estava dando muito certo. Quando viemos para cá resolvemos fazer os três níveis etários para dar um equilíbrio na turma, para não ficar pontos de extremos de idade no mesmo grupo, o que neutralizaria bastante, seria uma coluna do meio... Redefinimos com o nome de AV, a Lourdes sempre chamou de grupo família a essa proposta de integração com a rotina pedagógica. Achávamos que era uma maneira de agrupar os alunos dentro de uma rotina de tarefas acadêmicas que verticalizava etariamente e também, aproveitamos nesta época e verticalizamos a filosofia como um todo, abrindo até a oitava série e mantendo algumas linhas da filosofia como jogos, a ludicidade, a emocionalidade.4

2

Entrevista citada. 3

Fundação Romão de Matos Duarte, Rio de Janeiro. Abrigo para crianças e adolescentes abandonados por sua família e também em processo de adoção. A professora Maria Cunha também desenvolveu trabalhos nesta instituição. A fundação ficou historicamente conhecida por ter a “roda”, recurso que as moças que não queriam ser identificadas como mães solteiras, utilizavam para deixar seu filho na instituição em total anonimato. A criança era colocada no compartimento que circulava para fora da parede e ao acionar o controle, a roda girava e um funcionário recolhia o bebê do outro lado.

4

(27)

Para esclarecimento, em conversa telefônica no mês de março de 1997, com

Fúlvia Rosemberg, na Fundação Carlos Chagas, solicitei orientação bibliográfica sobre

agrupamento vertical na pré-escola tal como o desenvolvido em Brasília e a informação que

obtive é de que o que existe nos registros, são os agrupamentos que, mesmo referendados

pelos órgãos governamentais e enquadrados em muitos casos na formalidade do caráter

escolar, a nomenclatura que utilizam caminha pelo sentido de agrupamentos familiares.

Essa referência contempla iniciativas implantadas em alguns países da Europa, mas que se

intitulam de outra maneira e não como agrupamento vertical. Eles realmente verticalizam a

forma de agrupar por idade ou por interesse, como é o caso de algumas experiências

realizadas na França e também em regiões norte americanas, porém o nome pelo qual

atendem, normalmente é o de família agregada, ou família substituta ou grupo-família. A

professora Maria de Lourdes, também em conversa telefônica em 1996, esclareceu-me, que

o seu interesse pelo agrupamento vertical surgiu de vários contatos e visitas realizadas

quando de suas idas à Europa, em especial à Inglaterra. A partir de algumas experiências

inglesas e da troca de idéias com profissionais daquele país, foi se delineando a idéia do

projeto que gostaria de desenvolver com crianças em idade pré-escolar e que recebeu o

nome de grupo família. Colocou-me, ainda, que a professora Júlia era a única de seu

conhecimento, que tinha conseguido implantar o agrupamento vertical em uma escola e que

a sua tentativa de introduzi-lo na creche da Universidade, onde trabalha como coordenadora,

não vingou, principalmente pela reação dos pais, que consideraram a experiência excêntrica

e extravagante. Pessoalmente, encontrei-me com a professora Fátima Guerra, especializada

em educação pré-escolar, professora da Universidade de Brasília, que colocou, também, a

dificuldade de bibliografia específica do tema em questão, por se denominar de diversas

maneiras e por ser uma experiência antiga do ponto de vista informal, mas quase

(28)

lançado na Internet, sobre o assunto e um livro, da literatura psicológica americana recente,

que cito na bibliografia, nos quais aborda alguns aspectos da formação de grupos de

crianças de idades diferentes atendidos na escola.

Ainda em Brasília, concomitante ao desenrolar da experiência do INDI/Bibia, a

creche da fundação Visconde de Cabo Frio, que atendia a filhos de funcionários do

Itamaraty, desenvolvia um atendimento semelhante, mas sem inseri-lo na Pedagogia da

Interação Expressiva. A orientação pedagógica para a estruturação do espaço e o

treinamento dos professores e atendentes foi realizada pela equipe da

OMEP5/Brasil/Brasília, que também prestava consultoria ao Programa de Creches

Domiciliares do Distrito Federal e que acompanhava um agrupamento vertical espontâneo,

por se tratar de atendimento domiciliar a crianças de zero a seis anos. Não é do meu

conhecimento se houve continuidade, estando apenas a par de que o estabelecimento foi

vendido para uma das psicólogas que lá trabalhavam.6

A ilustração com os depoimentos da diretora sobre a apresentação vertical visa a

enriquecer as passagens da trajetória desta experiência na qual se baseia a pesquisa.

A história foi a seguinte: conheci Maria Cunha, me apaixonei pela postura dela, pelo trabalho. Na época, acredito que ela por mim, que era super idealista, jovem e aí ela me convidou para trabalhar com ela, formando aqui, estruturando a OMEP em Brasília. Nós começamos a montar, dentro de um trabalho com crianças com um tipo de carência e eu estava na época com a idéia de elaborar o colégio. Eu tinha recém começado com a estrutura do colégio que eu queria que fosse diferenciado. Eu sabia que ele seria revolucionário mesmo, porque nós confrontamos, aqui, com regras educacionais absolutamente tradicionais, algumas até arcaicas, mas que era padrão de todo mundo, tanto da sociedade, quanto dos educadores. Então, foi para romper com isso, com alguma coisa que não se tinha resultados definidos e garantidos em Brasília... A Maria quando soube que eu tinha esta filosofia como objetivo, a criança mais atuante, tem voz, tem espaço, ela viu, conheceu o colégio, e me conheceu. Ela fez a ponte com a Lourdes, ela me apresentou a Lourdes. Ela disse: olha, existe um trabalho que não é novo, que já existe há alguns anos, que nunca foi publicado, mas

5

OMEP: Organização Mundial para Educação Pré-Escolar, com representação em diversos países e em quase todos os estados brasileiros e Distrito Federal, sendo a sua presidência atual sediada por Santa Catarina. 6

(29)

é de uma pessoa cujo trabalho conheço, que eu respeito7. Aí, tive acesso a apostila.8

Aproveitar a realidade da criança no que se refere à sua estrutura familiar e

transplantá-la para a escola foi mais uma razão que colaborou para o interesse da professora

Júlia. Afinal, o agrupamento vertical dava sinais de ser mais uma possibilidade de

contribuição para realizações do desenvolvimento da criança que há muito tinha sido

descoberto pela própria comunidade. O próximo passo seria institucionalizá-lo.

O AV com os três níveis etários definidos: dois a três anos, três a quatro anos e quatro a cinco anos, nós resolvemos, também, que de cinco anos em diante, voltaria a um esquema um pouco mais equilibrado de idade e já se começava a primeira fase da alfabetização na conquista da leitura e da escrita. Chegamos a discutir se o AV deveria ir até os sete anos, antes do primeiro grau. De lá para cá, nós aprimoramos esta definição etária, distribuímos uma quantidade de crianças por nível, sete a oito crianças para cada fase, que compõem uma única sala. Resolvemos que todo o programa estaria voltado para a assistência da mistura de idades. A adequação pedagógica é uma rotina que também é trabalhada com a diversidade de propostas para atender esta diversidade de desenvolvimento de interesses, de habilidades adquiridas devido à faixa etária de cada um. Academicamente, o espaço tinha de estar definido para atender a isso. Não vejo como atender à necessidade de movimento, à liberdade de expressão, à construção, à auto-percepção na inter-relação, se não for numa proposta que não tenha diversidade de espaço, que não tenha esta flexibilidade formativa. Eu não vejo como despertar esta condição e esta experiência em outro ensino. Esta metodologia, como uma Pedagogia da Interação Expressiva9, nós também definimos toda a programação até a oitava série, mas também no AV. Os centros garantindo que estas experiências acontecessem em todos os centros, a todo o momento, dependendo do nível de cada criança. A criança é respeitada no momento que ela está, como ela é, como que ela está trabalhando, qual é o maior interesse dela.10

Neste momento da fala da diretora, encontro a ligação com o movimento da

Escola Nova, que sob diversas influências contribuiu para a justificativa do roteiro

7

Maiores informações sobre o trabalho da professora Maria de Lourdes, consultar a tese de Gilda Rizzo que, segundo a professora Júlia em sua entrevista, se antecipou à publicação do livro da referida professora. 8

Entrevista citada. 9

Pedagogia da Interação Expressiva: “privilegia as expressões natas do homem que, livres e criadoras, integram significativamente os conteúdos e experiências acadêmico-pedagógicas, qualificando a aquisição dos conhecimentos e favorecendo a formação de cidadãos mais independentes, participativos e compromissados com seus projetos de vida”, é desenvolvida no INDI/Bibia, Brasília, DF, pela professora Júlia Maria Passarinho Chaves.

10

(30)

pedagógico apresentado pela escola pesquisada. As palavras chaves são: movimento,

interesse, experiência concreta, ativa, produtiva, responsável. Para um dos pioneiros da

Escola Nova, Adolphe Ferrière11 “a função da educação seria a de manter e aumentar o

impulso de vida, ou seja, a atividade espontânea, pessoal e produtiva”. Sua crítica à escola

tradicional é a de que “ela havia substituído a alegria de viver pela inquietude, o regozijo

pela gravidade, o movimento espontâneo pela imobilidade, as risadas pelo silêncio”12. Para

Dewey13:

A educação era essencialmente processo e não produto; um processo de reconstrução e reconstituição da experiência; um processo de melhoria permanente da eficiência individual. O objetivo da educação se encontraria no próprio processo. A educação se confundiria com o próprio processo de viver.

A proximidade com o agrupamento vertical se dá quando se lança mão da

estrutura da família que faz parte do próprio processo de viver.

Outra contribuição importante é o desenvolvimento de conteúdos através de

projetos e que encontra semelhança nos trabalhos de William Heard Kilpatrick

desenvolvidos pela necessidade de métodos criativos e ágeis que atendessem ao interesse

demonstrado pela criança. Seu trabalho apresenta o método dos projetos, que poderiam ser:

“manuais, como uma construção; de descoberta, como uma excursão; de competição, como

um jogo; de comunicação, como a narração de um conto, e etc.”14. Sua preocupação com a

formação da criança e o preparo para as mudanças que a sociedade impõe encontram eco na

ação do professor com seus alunos no agrupamento vertical, porque o conteúdo é

desenvolvido através de projetos que vão se estruturando de acordo com a motivação do

grupo em relação aos temas. O professor tem permissão para desenvolver seu trabalho

11

GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. p. 142. 12

Ibid. p. 143. 13

Ibid. p. 144. 14

(31)

voltado mais para o interesse de seus alunos, proporcionando vivências imediatas e relatos

de informações básicas, obedecendo o ritmo de cada criança.

O AV tem a diversidade para o desenvolvimento, que se fala tanto em desenvolvimento da inteligência. Os desafios atendem a tudo isso, porque se fala hoje tanto numa relação de educação com uma proposta mais humanista, pois as relações absolutamente humanistas, elas são verdadeiras, são únicas, são ímpares. Elas compreendem a emocionalidade de cada circunstância que está vivendo, tirando o foco de que aquela emoção pode ser o rótulo para definir seu caráter de aprendizagem: aquele menino que é muito agitado não aprende, ou aquele que é muito parado não caminha. Tem atividades mais calmas, atividades mais agitadas, médias e que a criança pode circular por todas elas.15

Ovide Decroly também contribuiu para a Escola Nova ao defender os centros de

interesses, fundamentais para a observação da repetição de papéis e sua determinação na

história de cada criança; a atenção quanto a associação e a expressão do resultado da

aquisição de conhecimentos.

Temos um centro de dramatização, que é mais uma coisa verbal e emocional, mas ali ela está trabalhando lógica, formas, espaço, movimento, que são as outras linguagens, só que o maior enfoque é naquela área. Se ela está no centro de artes, ela está dando um enfoque maior à criatividade, ao detalhe, mas também está trabalhando a emoção, o cognitivo.16

Com Maria Montessori, a Escola Nova ganha com o lado lúdico e ativo do

aprendizado. Patto, em seus estudos sobre Montessori e a história da Casa dei Bambini,17

coloca: “Montessori é especialmente interessante porque baseia seus métodos de ensino no

interesse espontâneo da criança pela aprendizagem”. A construção de uma variedade de

jogos proporciona a iniciativa de se preparar um ambiente escolar destinado à criança,

inclusive no que se refere ao mobiliário, seu tamanho, cor, forma e mobilidade. No

INDI/Bibia, a preocupação com este aspecto se apresenta na disposição das salas, na oferta

15

Entrevista citada com a professora Júlia. 16

Ibid. 17

(32)

de materiais e na organização do ambiente. O interesse em ser social, socializadora e, ao

mesmo tempo, atender às características individuais da criança, me parece que é possível

estabelecer congruidade entre os princípios da Escola Nova e a proposta do agrupamento

vertical.

Vejo a ligação com Piaget, a partir de sua crítica à escola tradicional que ensina

a copiar e não a pensar. Para ele, o professor precisa deter o conhecimento das etapas de

desenvolvimento da criança e entender como se processa em seu pensamento a organização

do mundo real. A sua investigação sobre a construção da inteligência mostra que o papel da

ação é fundamental e que a educação deve estar a serviço da formação da inteligência ativa,

crítica e inventiva, e não apenas receber o que já existe como verdade.

A principal meta da educação é criar homens capazes de fazer coisas novas, e não simplesmente repetir o que têm feito outras gerações, ou seja, indivíduos criadores, inventores, descobridores. O educador deve despertar o interesse do educando, orientá-lo, estimular sua iniciativa e imaginação e abrir o caminho à criatividade.18

Muito importante a destacar do que apresento, até agora, é que todos que

contribuíram para que a escola mudasse, não apresentam preocupações exacerbadas de que

a pré-escola surgiu para ser a salvação da escola de primeiro grau. Emília Ferreiro19 quando

aborda a questão histórica da pré-escola e a destaca como uma tentativa de reforçar, através

da preparação antecipada, a entrada e o desempenho aguardados na etapa de escolarização,

hoje, o início do primeiro grau, constata e não avaliza, este tipo de expectativa dos pais e de

patrocínio do Estado. O que se percebe, e que é proposto, é que a escola ofereça condições

de aprendizado através da construção da criança para a vida. Não tem como separar o

conhecimento ministrado na sala de aula dos conteúdos que a vida oferece a todo o instante.

18

Apud. CHAVES, Nelson. Fome, criança e vida. 19

(33)

Vygotsky20 enriquece essa percepção ao comparecer em sua citação, com esclarecimentos

que contribuem para referendar a questão da dedicada atenção ao desenvolvimento infantil,

quando coloca: “Cada assunto tratado na escola tem sua própria relação específica com o

curso de desenvolvimento da criança, relação essa que varia à medida que a criança vai de

um estágio para o outro”.

A diretora da escola21 continua a esclarecer:

Outro aspecto que é também interessante, é o ponto filosófico no trabalho, que é essa relação com a vida, com o cotidiano, o cotidiano no sentido da rotina de vida. No AV, eles se colocam espontaneamente na relação e isso acaba aparecendo, a interferência do cotidiano, a vida. A Lourdes também diz que educação é vida, que não se pode falar em processo educacional, separando-se da própria vida.

O outro baluarte da história do trabalho com o agrupamento vertical é o

professor. Ele precisa ser trabalhado para, em primeiro lugar, identificar se gosta de criança,

ou se é apenas mais um viciado no mito de que basta ter jeito com criança, já ter “tomado

de conta dos irmãos” ou “os filhos da vizinha sempre ficam aqui em casa”, para saber lidar

com ela. A partir daí, ser capaz de incentivar a capacidade criadora de seus alunos, sem se

sentir responsável por:

Ministrar instrução formal, devendo, porém, possuir conhecimentos para continuamente alimentar o vivo interesse com que a criança naturalmente investiga o seu mundo. Não basta organizar materiais, conhecer arte, música, a natureza, a psicologia infantil. A educadora precisa amar a criança e saber educá-la para a vida pela própria vida,frisa Marinho22.

No agrupamento vertical a diretora da escola23 coloca, em sua fala, um aspecto

que por si só já diferencia em sua história e torna a sua disposição em implantá-lo uma

20

A formação social da mente. p. 102. 21

Entrevista citada. 22

Vida e educação no Jardim de Infância. p. 220. 23

(34)

relação de compromisso como educadora, ou seja, a formação de um professor crítico,

atento, ativo e importante:

...Como a gente está muito atenta, esta forma de trabalhar dá chance ao professor de atender melhor, porque não tem cinco crianças chorando, não tem todos querendo ir ao banheiro ao mesmo tempo, precisando o mesmo tipo de atenção, mais ou menos na mesma hora. Então, eu tenho chance como professor de estar com um menorzinho no colo, mas, de dar toda uma atenção para o maior, para uma questão que ele está levantando... A criança traz espontaneamente para dentro do colégio suas angústias, dificuldades, sofrimentos, bem-estar, facilidades, habilidades adquiridas. Ao mesmo tempo em que isso pode ser bem aproveitado academicamente por um dos aspectos que a gente já frisou, cuidado e atenção, é preciso estar atento, porque é você que recebe e acolhe estas circunstâncias emocionais da criança. É o professor que vai acolher. Se o professor não está aberto a perceber, se ele não trabalha o seu olhar como que ele lê esta criança, o que ela está trazendo?

Paulo Freire representa no cenário nacional um educador que propugnou pelas

novas idéias e ações pedagógicas, mas sempre recomendando que a escola e o educador

estivessem atentos porque tanto poderiam servir à educação como prática da dominação,

quanto à educação como prática da liberdade.24

É impossível sentir e apreciar alguém nessa relação concreta, se o educador e o educando nada sabem um sobre o outro, e se não se ensinam um ao outro... é impossível separar o ensino da aprendizagem... Os educadores se esquecem, por vezes, de reconhecer que ninguém passa de um lado da rua para o outro sem atravessá-la! Ninguém atinge o outro lado partindo desse mesmo lado. Não se pode chegar lá partindo de lá, mas de cá. O nível atual de meu conhecimento é o outro lado para meus alunos. Tenho de começar pelo lado oposto, o de meus alunos. Meu conhecimento é uma realidade minha, não deles. Então, tenho de começar a partir da realidade deles para trazê-los para dentro de minha realidade.25

Trabalhar os vícios trazidos da formação no magistério e da própria atuação

prática do professor que o agrupamento vertical recebe no INDI/Bibia, é mais um ponto da

história da implantação desta nova modalidade na pré-escola.

24

GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. p. 147. Ver também: FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, onde o educador explana estes conceitos.

25

(35)

Por último, tem a diretora da escola, no grupo de pais um grande desafio.

A relação dos pais no início era bem assustadora, porque primeiro não entra ninguém aqui sem que esteja muito claro que tipo de serviço que a gente oferece e qual a sua importância. Eles hoje já conseguem avaliar com a gente em reunião, assim: até que ponto tal comportamento é da turma, até que ponto é do tipo de desafio do professor, até que ponto tal comportamento é da minha filha. Eles já conseguem perceber que estas coisas ocorrem e que nem sempre elas têm que ter uma única resposta. A escola nesta relação, neste crescimento da criança, fica patente ao pai, também, estas conquistas na hora que a gente começa a mostrar para o pai qual é o valor deste agrupamento. Eles têm muitos receios, muitas questões, porque eles querem garantias palpáveis, mais concretas, de que a criança está aprendendo.26

Quando comecei o trabalho como psicóloga da pré-escola do INDI/Bibia, em

1986, foi justamente quando a escola se instalou na sede própria e, neste momento, o

agrupamento vertical foi de fato implantado. Os pais estavam muito assustados e, a

princípio, minha atuação foi como a de um pára-raios. As descargas de insatisfação, de

inconformidade com os resultados que as crianças poderiam apresentar eram mais que

elétricas, eram disparos de um grupo social que não poderia suportar a idéia de regressão

por parte de seus filhos maiores. Esclareço que este receio por parte dos pais, de o filho

retornar a uma etapa anterior, esteve muito presente nos primeiros anos do agrupamento

vertical. Os argumentos que presenciei, nos incontáveis encontros com os casais, eram as

experiências pelas quais haviam passado quando da chegada do irmão ou irmã mais nova.

A regressão no agrupamento vertical realmente acontecia, freqüentemente, e era

por mim acompanhada do ponto de vista psicoterápico. O que acontecia era uma

oportunidade espontânea de a criança trabalhar alguma etapa da vida através de vivências

que se processavam pelos seguintes motivos: a fase buscada pela criança era tão

prazerosamente usufruída, que valia a pena retornar a ela; numa outra perspectiva, algumas

lacunas permaneceram numa determinada fase que, ao ser revisitada, apresentava a

26

(36)

possibilidade de ser resgatada e, por último, ter sido uma fase de vivências muito sofridas e,

por vezes, mais angustiantes, que o retorno, através do lúdico, afastado do ambiente original

e sem as amarras que impossibilitavam a passagem para a fase seguinte, tornando-se um

recurso importante para o trato com essas lembranças.

Essas suposições fundamentam-se em observações freqüentes durante muitos

anos, nas inúmeras discussões com a diretora da escola e outros profissionais e, de certa

forma, numa leitura teórica psicopedagógica muito ampla, que não apresenta, ainda, uma

teoria específica sobre o assunto27. O interessante é que qualquer sinal de aceleração no

desenvolvimento das crianças não se constituía em sinal de perigo para seus pais, muito

pelo contrário. A satisfação em percebê-lo mais adiantado que os outros era maior do que a

preocupação com o viver cada etapa de seu desenvolvimento. Transparecia, por fim, a

cobrança de algo maior: o medo do novo.

Ao me retirar da escola no final de 1993, constatei que a aceitação do

agrupamento vertical era fato consumado e que, a partir de então, eu poderia, começar a

escrever e pesquisar sobre esta história.

27

A professora Júlia coloca em sua entrevista: “Com os mais velhos eu acho que o maior pavor é, hoje, nem tanto da regressão como foi no início do AV, mas hoje é assim: ele vai estudar preparado para ir para o pré. Os de cinco anos vão ter estímulo de quem? Eles imaginam que o estímulo é só do maior para o menor, eles não percebem que a troca entre eles, esta dialética, inclusive existe em tudo. Só numa determinação etária, a troca de experiências já é muito rica. A experiência independe da idade. Aliás, a gente vê observações ali gritantes. Quando a criança mais velha regride ou é porque ela está nesta fase gostosa, está revivendo, abriu, encontrou um espaço para se colocar, ou ela não viveu isso suficiente e ainda precisa bancar o bobo, fazer tolice. É inevitável, porque senão vira adulto bobo mesmo, ou porque está vivendo, circunstancialmente, alguma situação emocional que a leve a utilizar isso como recurso de atenção ou projeção.

(37)

1.2 METODOLOGIA

A escolha da pré-escola para realização da pesquisa foi a etapa mais fácil do

trabalho, porque ela apenas aguardou o amadurecimento das idéias e das observações com o

repertório teórico apresentado durante o curso de Mestrado em Educação e Cultura a

Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, para que eu pudesse começar a

engatinhar na tentativa de expor as minhas anotações do período de sete anos em que atuei

como psicóloga da pré-escola do INDI/Bibia e com o período da pesquisa.

No início, houve um primeiro caminho, que seria a tentativa de relacionar os

resultados que encontrássemos no agrupamento vertical realizado na escola, com a

experiência na qual trabalhei durante seis anos, do Projeto de Creches Domiciliares do

Governo do Distrito Federal. Percebi, então, que era preciso escolher e optei em escrever

apenas sobre o agrupamento vertical.

Havia também o desejo de mostrar a experiência numa escola que apresentasse

uma concepção diferente do que existia, até então, na educação pré-escolar, mas que por sua

vez fosse presciente em suas investidas, tendo a criança como o centro do trabalho. Esse

exercício, entre teoria e prática e vice-versa, encontra respaldo nas palavras de Demo28 que

apresenta uma visão da pesquisa que renova e acrescenta, o que penso em relação à

educação pré-escolar:

Uma visão mais moderna e realista de pesquisa incluirá nela sempre, tanto o movimento da teorização, quanto o da intervenção, se de fato procurar inovação. Se conhecimento é o fator crucial de inovação, para inovar é mister conhecimento inovador. Conhecimento inovador, entretanto, não se obtém pela cópia, reprodução, imitação, aula e prova, mas pela pesquisa como atitude cotidiana. Saber pensar e aprender a aprender correspondem ao compromisso de sair da mera cópia, para postar-se como capaz de construir conhecimento. E isto inclui, no mesmo processo, compreender e inovar a realidade.

28

(38)

Ao investir na busca de projetos ou registros das experiências das quais

participei, tanto como aluna, no caso da escola da professora Maria Cunha, quanto como

profissional no INDI/Bibia, constatei que não havia nada escrito. Quando entrei em contato

com as professoras, a primeira confirmou que o material de que poderia dispor, havia se

perdido num alagamento e só poderia acrescentar, às minhas recordações, dados do trabalho

através de uma entrevista. Já a diretora do INDI/Bibia forneceu-me alguns escritos e

prontificou-se a prestar os esclarecimentos necessários em entrevista, onde poderíamos,

juntas, resgatar muitas informações.

Algumas questões delimitaram o estudo e assim pude organizá-lo conforme a

fala da professora Maria Cunha:

– Como surgiu sua escola, o Recanto Infantil?

– Quais teóricos sustentavam o trabalho?

– Qual a participação dos pais?

– Quais seriam os resultados em relação ao desenvolvimento infantil, que o

trabalho da escola alcançou?

Quanto à diretora, os seguintes questionamentos foram formulados:

– um relato sobre a idéia de implantar o agrupamento vertical;

– a questão da regressão para as crianças mais velhas e do adiantamento de

fases para os menores;

– a construção dos limites: coação e cooperação;

– desenvolvimento da linguagem;

(39)

A pesquisa constituiu-se em um estudo de caso de uma escola particular de

Brasília. O levantamento de dados foi feito através da realização de entrevistas estruturadas

com a professora de turma, com a orientadora pedagógica e com os pais, pois conforme

ilustra Barros e Lehfeld29: “...trazem as questões previamente formuladas, onde o

entrevistador estabelece um roteiro prévio de perguntas”. Com a diretora pedagógica da

escola, lancei mão da entrevista não diretiva e não estruturada que, segundo as mesmas

autoras:

O entrevistador motiva e/ou estimula o entrevistado a falar sobre um determinado tema ou problema. A fala é livre e não dirigida. A entrevista é conduzida sem imposição de análise de aspectos que interessem especialmente ao pesquisador.30

Com a professora Maria Cunha, cujos encontros foram em maior número, optei

pela história de vida:

Na qual procura-se levantar opiniões e reações dos entrevistados acerca da história das suas vidas. Nas entrevistas, o pesquisador procura deixar que o pesquisado livremente reconstrua a sua vida até os dias presentes. Busca, porém, ressaltar os fatos e/ou aspectos que mais interessam para a pesquisa, conforme esclarecem Barros e Lehfeld.31

Triviños32 contribui acrescentando que:

O pesquisador qualitativo, que considera a participação do sujeito como um dos elementos de seu fazer científico, apóia-se em técnicas e métodos que reúnem caraterísticas sui generis, que ressaltam sua implicação e da pessoa que fornece as informações. Neste sentido, talvez sejam a entrevista semi-estruturada, a entrevista aberta ou livre, o questionário aberto, a observação livre, o método clínico e o método de análise de conteúdo os instrumentos mais decisivos para estudar os processos e produtos nos quais está interessado o investigador qualitativo.

29

Projeto de pesquisa: propostas metodológicas. p. 58. 30

Ibid. p. 58. 31

Ibid. p. 60. 32

(40)

Todas as entrevistas foram gravadas com autorização dos entrevistados e,

posteriormente, transcritas para análise das informações. A transcrição obedeceu a critérios

de fidedignidade. Nota-se que há uma grande diferença entre linguagem oral e linguagem

escrita.

A pesquisa conta também com anotações do meu arquivo pessoal e de minhas

observações do período em que atuei na escola, bem como registros mais recentes das

visitas que realizei em agosto de 1997. Na ocasião, completei com vídeo, o

acompanhamento direto realizado com a turma. Ao ler Demo33, constatei que relatar a

experiência com o agrupamento vertical poderia acrescentar ao meu currículo uma prática

que, de forma alguma, a Universidade oferece quando expõe suas teorias.

É vício acadêmico clássico aceitar como conhecimento adequado a mera absorção teórica, contornada cá e lá de alguns estágios. A própria extensão universitária corresponde, em última análise, à má consciência de uma instituição que sabe estar no mundo da lua e precisa demonstrar algum lugar que toca o chão... Em termos de conhecimento inovador e de pesquisa crítica e criativa, teoria e prática carecem de ser intermediadas pela habilidade de saber pensar e aprender a aprender... a prática é algo curricular, desde o primeiro semestre, permitindo testar teorias e voltar a elas.

Alguns contatos telefônicos foram mantidos com o intuito de resgatar fatos que

pudessem elucidar a trajetória do agrupamento vertical, assim como aprofundar a

contribuição bibliográfica para os fundamentos da pesquisa.

Em consonância com a coleta de dados, a imersão no cotidiano da escola e a

minha experiência anterior, optei por um modelo etnográfico conjugado à análise de

conteúdo. A escolha pela pesquisa qualitativa possibilitou que, independente dos processos

e recursos técnicos utilizados, a análise minuciosa demonstrasse que o estudo não terminaria

aqui, nas minhas conclusões. Por ter a minha interpretação como pesquisadora, ele favorece

33

Referências

Documentos relacionados

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, de 2007, e a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, instituída em 2009 foram a base

Ressalta-se que mesmo que haja uma padronização (determinada por lei) e unidades com estrutura física ideal (física, material e humana), com base nos resultados da

O capítulo I apresenta a política implantada pelo Choque de Gestão em Minas Gerais para a gestão do desempenho na Administração Pública estadual, descreve os tipos de

A presente dissertação é desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Gestão e Avaliação da Educação (PPGP) do Centro de Políticas Públicas e Avaliação

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

Inicialmente, até que as ações estejam bem delineadas, a proposta é de que seja realizada apenas uma reunião geral (Ensino Fundamental e Educação Infantil)

Para Azevedo (2013), o planejamento dos gastos das entidades públicas é de suma importância para que se obtenha a implantação das políticas públicas, mas apenas