• Nenhum resultado encontrado

Ideia de materialização de um espaço intemporal: um abrigo para pescadores nas Berlengas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Ideia de materialização de um espaço intemporal: um abrigo para pescadores nas Berlengas"

Copied!
45
0
0

Texto

(1)

Ideia de Materialização de um Espaço

Intemporal

(2)
(3)

U

NIVERSIDADE AUTÓNOMADE

L

ISBOA | TESE DE

M

ESTRADO EM

A

RQUITECTURA

J

OÃO

L

ORENA

P

ESSOA

Fevereiro

DE

2015

O

RIENTADORES:

F

RANCISCO

A

IRES

M

ATEUS,

A

RQUITECTO;

J

OAQUIM

M

ORENO,

(4)

AGRADECIMENTOS

Queria agradecer a todos aqueles que de uma forma mais ou menos presente me ajudaram a concluir estes cinco anos de curso com especial atenção aos meus pais e irmãos, aos meus colegas Miguel Esteves, Margarida Marques Pinto, Carolina Freire, João Ortigão Ramos, Maria Castilho, Adilice Sanchez, Duarte Vieira, e Fábio Fonseca, a todos os docentes, à Maria Filipe Henriques, à Arq. Paula Perestrello, aos meus amigos Miguel Amaral e André Palmela. Por tudo à Teresa Holstein.

(5)

ABSTRACT

This master's thesis focuses on the architectural design work, being the thematic basis of research - materialization of timelessness in architecture; which will supports the practical exercise of the subject, a shelter for fishermen in Berlengas. Understanding what makes a timeless space, defining and well separating the concept of timeless, from eternal, immortal and infinite, and realize through it the timelessness and the timeless space.

The specificity of the humanist content, artistic and technical timeless architecture is supported by various case studies, architectural, literary, and artistic. Its scope trigger, similar to what happens in architecture, leads us to different ways of thinking about it formation.

The approaches used are guided by the need to realize if the pre- definition of the materialization of a space that does not become submissive to the condition of time is possible. The natures of the case studies are all then applied conceptually at the time of project implementation in architecture. The aim is to develop a different approach to the exercise of architectural design on the presented theoretical foundation.

Esta tese de mestrado concentra-se no trabalho de projecto, sendo a base temática da pesquisa – uma ideia de materialização de um espaço intemporal em arquitetura; que apoia o exercício prático do tema, um abrigo para pescadores em Berlengas. Entender o que faz de um espaço um espaço intemporal, definir e separar bem os conceitos de intemporalidade, de eterno, de imortal e de infinito, e perceber a partir desse afastamento a intemporalidade e o espaço intemporal.

A especificidade do conteúdo humanista, artístico e técnico de arquitetura intemporal é suportado por vários casos de estudo, arquitetónicas, literários e artísticos. O ponto de partida, semelhante ao que acontece na arquitetura, leva-nos a pensar nas possíveis abordagens e raciocínios da sua formação.

As abordagens utilizadas são guiadas pela necessidade de perceber se a pré-definição da materialização de um espaço que não se torna submisso à condição de tempo é possível. A natureza dos casos de estudo são todos, em seguida, aplicados conceitualmente no momento de implementação do projeto na prática da arquitetura. O objectivo é desenvolver uma abordagem diferente para o exercício de projecto sobre o fundamento teórico apresentado.

(6)

Índice

Capitulo I

Introdução

Intemporal, Eterno, Imortal, Perene

1. Matéria, Espaço e Tempo

Cruzamento de tempos e cruzamento entre o natural e o artificial:

Peine del Viento

, Donostia

Momento do Corte e da intersecção do tempo – enfatização do

eterno: Monte Tindaya

Tempo Linear e Tempo Disjunto

2. (In)Utilidade da Função

Cidades escavadas: Petra vs Capadócia

3. Memoria:

Da Imaginação

Dos Sentidos

(7)

Capitulo II

Introdução

1. Situação geográfica

Distinta geologia e situação geográfica

2. História

Evolução populacional e Actividade Piscatória

Importância como reserva

3. Estratégia

Implantação

A Gruta

O Pontão

4. O corte

5. Projecto Abrigo para Pescadores

Índice de figuras

(8)

CAPITULO I

(9)

Introdução

Intemporal, eterno, imortal, perene

O tempo, em si como matéria, é, provavelmente um dos temas mais discutidos e analisados na comunidade científica, artística e filosófica, bem como assuntos de conversas quotidianas. Um enfâse dado a questões ligadas ao tempo provêm, muito provavelmente, da má significância e influência em relação ao homem.

O tempo, em si como conceito, não tem uma só significação científica absoluta.

A ausência de uma definição universal para o tempo tem origem na dificuldade de o materializar: o tempo em si é uma dimensão imaterial que é compreendida no homem através dos sentidos e da percepção mental da passagem contínua de sucessivos momentos.

Nas ciências físicas, o tempo é uma grandeza física directamente relacionada com a correcta sequência, mediante a ordem de ocorrência, de eventos naturais1.

Segundo esta leitura, o tempo pode parecer uma unidade estática. Albert Einstein, na sua teoria da Relatividade Restrita (Einstein, 1905) , revelou uma dependência de coincidência de percepções de eventos com o referencial, a partir do qual se observam os mesmos. Neste sentido, os eventos que são coincidentes quando observados a partir da origem de um referencial, não o serão em referenciais que se movimentem a velocidades consideráveis em relação ao primeiro, mesmo para observadores em referenciais estáticos em relação ao primeiro, mas distintos destes. Ou seja, não há obrigatoriedade de concordância em relação à coincidência ou não das percepções dos eventos. A teoria de Einstein retira a leitura absoluta e universal do tempo.

Intemporalidade é um conceito cujo debate começa na sua etimologia. O prefixo “in” presume a negação da restante palavra e assim a negação do tempo na sua concepção cronológica. Ou seja, não se trata de presumir que algo durará por tempo eterno, mas que se desconhece o inicio, o fim e a sucessão cronológica temporal.

Notar que, o resultado de uma procura para um sinónimo de intemporal é nulo. A palavra surge da soma de um prefixo e de um sufixo para se chegar a uma terminologia, que tenta subtrair um tempo ao tempo. Intemporal, como adjetivo, é portanto algo que não se sujeita à demagogia do tempo cronológica.

É também importante definir com alguma precisão os termos de imortal, e eterno, que são muitas vezes agrupados no mesmo sentido.

Segundo o dicionário Lello Prático ilustrado de português imortal é: L. Adj. 2 gén. (lat. Immortale). Que

não está sujeito à morte: alma imortal. Fig. Que háde viver perpetuamente na memória das gerações humanas. Os Deuses do paganismo.2

1EINSTEIN, Albert (2013) A teoria da relatividade: sobre a teoria da relatividade espacial e geral, L&PM editores, Porto Alegre, pp.34-40

(10)

Imortal é, portanto, aquilo que não morre. A palavra não pode ser lida no sentido literal, ou carnal, mas no sentido da memória. Ainda assim, é possível (mesmo a memória) ser adulterada com a persistência do tempo. O que não lhe “outorga o estatuto” de intemporal.

No mesmo dicionário, Eterno: Adj. (lat. Aeternu). Que não tem principio nem terá fim: Deus é eterno. Que não

terá fim: as penas eternas. Que durará toda a vida: ódio eterno. Vida eterna, a vida do espírito além da morte. ANTÓN.:transitório, efémero.3

Eterno é, segundo esta definição, aquele ou algo em que se desconhece o seu início e o seu imensurável fim, não se pode dizer que o tempo não o afecta, se é este que o define. Contudo, eterno está num espectro de tempo não cronológico. O eterno existe num plano paralelo a todo o tempo cronológico, mas não se associa a nenhum momento em particular.

Voltando novamente à noção de intemporal, não se pode assumir uma definição legitimamente. Senão veja-se a predefinição de um espaço intemporal não é possível, apesar da palavra auto se contradizer e negar o tempo, só mesmo o tempo poderá atribuir tal característica. A única intemporalidade na arte, reside na forma como a ela reagimos, ou seja, num processo psicossomático que exclui o reconhecimento do tempo cronológico.

Para a presente investigação, partiu-se da ideia do tempo como uma noção de percepção de noção variável no que respeita à arquitectura.

Na proposta para o abrigo para pescadores nas Berlengas, projecto final da cadeira de projecto 5º ano, a questão o tempo esteve sempre subjacente ao projecto.

É certo que outros critérios estiveram na base de pensamento: a paisagem, a funcionalidade, a materialidade, a escala, a espacialidade, a luz, a relação directa com a evolvente e com a comunidade, exequibilidade e pertinência da obra. Contudo, o tempo foi o factor que mais influenciou a linha de pensamento de projecto. Esta influente esteve muito ligada a uma vontade inerente de incutir a acção edificadora numa percepção de intemporalidade, não por questões relacionadas com o ego do arquitecto que quer deixar a sua marca no mundo, mas porque de alguma forma, a envolvente de uma paisagem aparentemente intocável ao longo da sua existência, pedia num gesto que a dignificasse no que respeita ao seu tempo cronológico de existência. Existiam, a meu ver, duas acções de intervenção que fariam sentido: uma acção de cariz Efémero que deixasse, ao fim de algum tempo a paisagem devolvida à sua existência anterior; e uma acção de cariz Intemporal, ou de percepção intemporal, no sentido de acrescentar ao longo de uma acção edificadora que, sem alterar dramaticamente o espaço e a paisagem, se fundisse com ela e desse ao pescadores que há muito ali andam e aos outros visitantes ocasionais um abrigo e igualmente um momento diferenciado no contínuo da paisagem. Talvez tenha sido a função de abrigo que adjuvou a persistência na ideia de intemporalidade, pois no fundo, um abrigo é um lugar de protecção e esta ideia de protecção tem, a meu ver, muito com a percepção de continuo ou de permanência, no sentido em que nós, seres humanos patenteámos a necessidade de algum euraitamento ???? , ou de sabermos que algo estará lá para nos acolher e proteger.

Mas, na verdade, a noção de intemporalidade é apenas uma ideia. O reconhecimento do início e do fim do tempo não está bem definido nem para o homem comum nem para o homem científico.

(11)

A chamada arquitectura efémera, aquela que é projectada para um propósito de tempo curto e limitado e, neste sentido, ela própria desenhada para um curto período de duração, é uma resposta eficaz, uma vez que, constrói um discurso que apenas faz sentido naquela envolvente de existência. A questão de pertinência de proposta efémera encontra-se no sentido de oportunidade do momento em que existe , devolvendo um contexto à anterior continua existência. Poder-se-á considerar a arquitectura, no seu sentido lato, uma obra intemporal, embora, não se possa considerar os seus elementos ou a própria terra um lugar intemporal. Segundo o conhecimento de hoje da comunidade científica, o próprio planeta terra terá um fim e teve um principio. E, dentro desta linha de pensamento material e cronológico, também a arquitetura.

A intemporalidade possível da arquitetura é uma ideia que reside na mente, resultado de um conjunto de sensações ou de confecções que nos podem levar a entender uma obra numa dimensão intemporal. A intemporalidade é acusada na mente quando, por exemplo existe uma ideia inerente à obra de que poderia lá estar desde sempre, ou desde uma data que não se determina e está actualizada e funcionalidade, naturalidade , sentido poético (ou estético ) ou no âmbito das sensações dos sentidos.

Embora nos dias de hoje se discuta e pratique sobejamente a arquitectura efémera, existe uma certa necessidade inerente ao homem/arquitecto que aspira a intemporalidade ou a superação do tempo, pela acção da sua obra.

O arquitecto, através da sua arte procura algo que o imortalize pela materialização de algo procedente ao seu pensamento.

Talvez a questão passe por perceber se as conseguiram alcançar este estatuto, através deste processo de libertação da noção do tempo cronológico. E se foram premeditadamente pensadas, ou, ficaram à mercê de factores que as tornaram assim.

Ao longo do presente trabalho serão apresentados casos de estudos de diferentes épocas para que, reforcem a ideia do tempo e dos diferentes tempos que estes contornaram.

O estudo apresenta uma investigação acerca do tema de intemporalidade como interligação entre matéria, espaço e tempo, como elementos que podem contribuir para a materialização de intemporalidade em arquitectura. A análise avança com um estudo comparativo entre a obra do Chillida mais precisamente, os casos de Petra e Capadócia, e a intervenção do abrigo para pescadores nas Berlengas.

O exemplo da proposta do Chillida levanta a questão de intercepção temporal: o presente que interfere no passado criando uma nova leitura. A acção de Chillida toca de forma muito directa à questão da matéria, do espaço e do tempo. Por um lado, aborda a intemporalidade do ponto de vista da dialética entre o passado e o presente. Por outro, cria um futuro com possíveis leituras de intemporalidade. O exemplo de Petra e da Capadócia, questionam a utilidade de função quando associada à intemporalidade. Ou seja, a leitura destas duas notáveis intervenções num espaço de matéria existente apresenta igualmente duas acções humanas distintas que geram leituras de intemporalidade. Contudo, a diferença da acção do homem na sua intervenção deve ser motivo de estudo.

Por um lado, a Capadócia, exemplo de arquitectura vernácula esculpida por gerações de homens com o fim de habitar molda uma paisagem a uma escala cultural da vivência, mas a sua escala física e cultural acrescenta um elemento que distingue o lugar num presente aparentemente eterno. A função da

(12)

habitação é um elemento de leitura quase irrelevante, perante a acção continua de uma comunidade. Uma só casa não teria o impacto que o conjunto aparenta e, neste sentido sobressair a acção conjunta cultural perante o acto isolado da casa/abrigo.

Já Petra apresenta-se como uma acção sem fim profano e sem grande continuidade de acção temporal. Petra é um templo pensado e esculpido (não exigido) à escala do espírito e na acção quotidiana do habitar e da necessidade básica humana. A acção de escavar o natural da pedra, através de um desenho com erudição e escala, eleva o espaço eterno natural ao espaço intemporal do homem. Entre estes dois exemplos, a acção (vernácula e erudita) reduzem a importância da função em prol de um resultado que se distingue da mera acção de construir e habitar. Neste sentido, a questão da função pode ser lido como uma questão menos importante, já que existe uma acção, ou uma perenidade além desta.

Por último Chillida estabelece inúmeras vezes no seu trabalho, ligações à questão da memória. Ainda -no sentido da melhor compreensão da memória, o estudo segue estabelecendo uma analogia entre Gaston Bachelard e Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Por um lado, Bachelard reflete sobre a memória poética e a influência da imaginação no reconhecimento do espaço. Por outro, Deleuze e Guattari avançam sobre a memória dos sentidos, ou na exacerbação dos sentidos como focus de produção de sensações. Estes dois exemplos de leitura suportam e enquadram tanto os estudos de casos de Chillida e da reflexão acerca da Capadócia e de Petra, como do projecto do abrigo para pescadores nas Berlengas. Questionando ainda o sentido da obra de arquitectura como possibilidade de arte intemporal.

(13)

1.

Matéria, espaço e tempo

Chillida na sua vasta obra, o factor tempo é indiscutivelmente um assunto pensado. A intersecção dos vários tempos como uma soma, que lhe vai definir uma continuidade temporal. A soma de elementos eternos com a colocação de elementos presentes que sugerem um futuro, torna assim grande parte da obra de Chillida de uma certa forma intemporal.

(ideia de) Passado + (ideia de)Presente + (ideia de) Futuro =(percepção de) Intemporal

O passado associa-se ao elemento natural ao qual se desconhece a origem e que lá se manteve desde a sua formação, ainda que com algumas metamorfoses por erosão, manteve a sua identidade original. É no desconhecimento da ideia cronológica do tempo e no desconhecimento do principio e do fim, que se reconhece a ideia de intemporal.

O presente associa-se à intervenção de Chillida sobre o passado. Os elementos estruturalmente pensados e desenhados sobrepostos sobre os elementos paralisados, e com uma adorna que sugere e faz pensar o futuro.

(14)

Cruzamento de tempos e cruzamento entre natural e

artificial:

Peine del Viento,

Donostia

Peine del Viento é uma obra de Chillida, de 1979, localizada em San Sebastian.

A composição de Donostia apresenta-se como um conjunto monumental de três sólidas figuras de ferro poderosamente incrustadas nas rochas, que se abrem como garras e aparentam tentar agarrar o espaço (vento). Os braços curvam-se em tensão, lutando contra a gravidade e desafiando as leis da natureza. Os dois mais próximos colocados horizontalmente, simbolizam um constante diálogo entre o passado e o presente. Procuram-se um ao outro, como se tentassem voltar a juntar, já que a sua base faz parte do mesmo estrato. A terceira ergue-se verticalmente no horizonte, e interroga o futuro desconhecido. Foco me no pensamento da composição artística e não nos elementos físicos e contextuais onde a obra se insere. Uma ideia de materialização.

Chillida inverte a eterna metáfora " para que el viento entre peinado a la ciudad", a sua Donostia. segundo as palavras do próprio artista, as ramificações simplificam-se para evitar tirar protagonismo ao mar, às ondas e ao vento; aos quais quer render homenagem: " El lugar es siempre condicionante de la obra." Os pentes são, em certa medida, muito similares às mãos que parecem querer capturar aquilo que sentem perto, e os pentes de Donostia pretendem capturar essas ondas e esse vento tão energético para que permaneçam nessa aposentadoria ( retiro) para que possam ser admiradas.

A escolha desta obra deve-se à relevância que Chillida aos elementos nos quais a obra está inserida. Os elementos, mar, rocha e vento, são exactamente os mesmos elementos presentes no projecto que esta dissertação suporta. Respeita a origem na qual a sua obra é inserida.

E por isso “uma obra radical com humildade suficiente par respeitar o espaço da génese “ Respeita o passado não se querendo sobrepor o natural e ao existente

O passado associa-se ao elemento natural ao qual se desconhece a origem e que lá se manteve desde a sua formação, ainda que com algumas metamorfoses por erosão, manteve a sua identidade original. É o elemento eterno que se desconhece o princípio.

(15)

Momento do corte e da intersecção do tempo – enfatização do eterno: Monte Tindaya

Depois de uma vasta pesquisa do que consideram ser a farmhouse um ensaio, Chillida escolhe para o local de implantação da sua colossal obra, o Monte Tindaya, em meados dos anos 80 nas ilhas Canárias. Uma equipa mineira no local extraia já pedra (um tipo de rocha nativa utilizada para fins decorativos) num dos lados do monte, e foi este o lugar escolhido por Chillida como ponto de entrada e assim o ponde de partida para a sua intervenção.

Propõe um trabalho sem materiais, que segundo Chillida "offers men of every race and colour a great Sculpture for tolerance". Um espaço colossal de 50mx50m esculpido no interior da montanha que induza um sentimento de insignificância do Homem face à imensidão e à força do espaço e da natureza.

A ideia materializou-se quando se complementou com o trabalho da extracção de pedra realizado por pedreira já inativas. Mas Chillida diz que, o seu projecto não se trata sim de retirar matéria para a criação de um espaço mas é sim a introdução de espaço na matéria. Sendo a montanha a matéria. A subsequente sinergia é enorme tendo em conta que eram vária as pedreiras que criavam esse espaço. A ideia de introduzir espaço na matéria ou "contrariamente da mesma forma" subtraindo matéria, é um tema presente na maior parte dos trabalhos de Chillida não só nas suas pinturas e gravuras como nos trabalhos com a pedra e aço. O que leva Chillida a considerar a introdução de espaço e não a extração de matéria, é por este querer que a sua obra se associe integralmente ao que já existe e que esse existente faça parte da sua obra, sem querer retirar qualquer valor.

Criar espaço significa criar limites, delimitá-lo, defini-lo: inserindo ou subtraindo. Para Chillida, criar espaço no coração de Tyndaia significa criar um espaço entre o céu (futuro) e a terra (presente), de onde se consiga contemplar o horizonte, abandonar-se para a luz e a arquitectura criada pela própria luz. Precisou de uma pessoa que o conseguisse desenvolver, moldar e apresentar a sua ideia pensada durante tanto tempo. Esta ideia não só era poderosa como também uma cultura insuperável, mas que é também um a guião para intervir na natureza, graças às sinergias que este trabalho implicou.

A radicalidade e assumida atitude nesta obra foi violentamente contestada por muitos locais e críticos da época em defesa do património natural.

O projecto Tindaya susteve-se face a todo o criticismo ao qual foi alvo, fazendo ver que o deserto o rodeia sendo o que é, um espaço vazio e essencial, mas sem qualquer utilidade como a escultura em si, e oferece à ilha um monumento único de grande impacte dando-lhe uma amplitude e uma extensão internacional, com um discurso que se assemelha ao próprio local: o céu e a terra, o silêncio e o horizonte.

(16)

Chillida não retira protagonismo ao existente, atribui-lhes um novo valor, através da introdução de uma nova paisagem. É um acto brutal subtilmente abafado e inofensivo ao olhar exterior. Elemento que na relação com o existente, reconhece um novo sentido, uma marca geradora de um momento sublime entre o homem e a natureza.

A palavra motor deste trabalho foi "integração" assim como para o projecto que esta dissertação sustenta, o abrigo para pescadores. Integração entre homem e natureza: integração entre arte e técnica; espaço e tempo; e entre cheio e vazio.

Em muitos dos casos, de quem trabalha com arte minimal, arte povera e land art, a sua exploração do espaço, emancipada de requisitos funcionai, produz formas que operam segundo fenómenos mais elevados que a pura materialidade.

Na pintura, fotografia, cinema e em toda a arte bidimensional podemos ter uma percepção da atmosfera, Na música pode-se imaginar uma imagem da atmosfera, na arquitectura vive-se uma atmosfera.

A arquitectura como arte e como criação de atmosfera tem a capacidade de nos oferecer uma emoção a partir de uma vida que nos toca com o som, o toque (material), a temperatura, a envolvência, a tensão, a intimidade, a luz, ou a harmonia, por exemplo.

A atmosfera segundo Peter Zumthor em Atmosferas, é o que comunica com a nossa percepção emocional. Ou seja aquilo que sentimos intuitivamente ao desfrutar um espaço. Existe algo que comunica de forma imediata connosco, ou existe “uma compreensão imediata, uma ligação emocional imediata, ou uma recusa imediata”4 Ou neste caso um respeito imediato. Chillida identifica este espaço como uma escultura de tolerância para todas as raças e cores. A gigantesca escala do espaço esculpido na natureza traduz um sentimento de insignificância, de humildade e de respeito, perante a presença da minúscula figura humana.

Pelo mesmo princípio de construção que Chillida tomou, mas com uma diferente intenção, é possível moldar essa mesma atmosfera. Alterando-lhe a escala e a orientação das entradas de luz, adquire-se um espaço agora mais íntimo, com uma percepção do actual presente, com uma capacidade de adaptação a um programa como um abrigo que perdurará no tempo.

(17)

1.3

Tempo linear e tempo disjunto

A questão do tempo ou de percepção temporal é uma matéria com pertinência, não só para a compreensão da ideia de intemporalidade, como no entendimento e, talvez alguma separação do que se poderá considerar o tempo eterno, ou aquele que não se conhece a cronologia, o início ou o fim.

O tempo linear é ilustrado aqui pelo museu à Croissance illimité de Le Corbusier, projectado em1929 para Genebra. Tratava-se de uma espiral quadrada que se desenrolava e eventualmente crescia de acordo com as necessidades expositivas. Este projecto ilustra claramente a uma leitura linear e funcional. Este tempo linear assemelha-se à percepção do tempo cronológico, do tempo do relógio que segue interruptamente: um dia tem vinte e quatro horas, uma hora tem sessenta minutos e um minuto tem sessenta segundos. O tempo linear é o tempo percorrido na agenda diária, semanal, mensal ou anual. A sociedade pós revolução industrial tende a dividir linearmente de tempo em tempo em tempo de trabalho e tempo de descanso. Esta leitura plana da percepção intemporal influência o funcionalismo, neste caso materializado em forma de museu. O visitante que segue um percurso contínuo, linear e, eventualmente, um pouco imposto, segue um percurso linear em termos espaciais e temporais.

A proposta da promenade arquitetural de Le Corbusier assenta igualmente nesta ideia de tempo linear e funcional, onde o habitante segue um percurso ou promenade. Com um encadeamento relativamente linear de acontecimentos. Quando entramos na villa Savoye e subimos a sucessão de escadas e rampas de onde se sucedem espaços e outros percursos, estamos a ser levados a viver uma certa linearidade temporal.

Voltando ao museu de la Croissance illimité, a linearidade proposta no percurso elíptico e, possivelmente infinito, é uma proposta que enfatiza a ideia de linearidade. O mesmo museu tem um percurso secundário e de serviço que permite criar todo o percurso linear e ali, deste ponto de vista, transformá-lo numa experiência de tempo disjunta.

Este tempo disjunto, é um tempo que não depende diretamente da linearidade temporal ou funcional. Ou seja, prevê a positividade de usufruir no mesmo momento, diferentes espaços.

Lina Bo Bardi no Museu de Arte de São Paulo, de 1958, propõe uma visita de leitura temporal disjunta ou seja, o visitante pode ver e percorrer as obras à sua vontade, misturando ou sobreponde momentos temporais.

Corbusier, também sensível a este tempo disjunto no terraço de um edifício em Paris, ao qual se designou em homenagem ao proprietário Charles de Bestegui, nome pelo qual a obra ficou reconhecida, 1918. O muro evolvente no terraço tapa a visão linear do tempo de uma visão continua e fragmenta o olhar sobre elementos pontuais (disjuntos) da paisagem de Paris.

O conceito moderno de tempo baseia-se num modelo linear, talvez disjuntivo. O problema da fragmentação temporal da vida moderna e dos efeitos destrutivos dos níveis crescentes de saturação mediática, que provocam o stress e a ansiedade, poderiam contrastar-se em parte pela distensão do tempo na percepção do espaço arquitectónico.

(18)

Neste momento vivido experimentado fisicamente mede-se no presente e na memória e no espírito e contrasta com o desmembramento das mensagens fragmentadas dos meios de comunicação.

FIGURA 4 – Beistegui, Le Corbusier, esquiço, 1929.

O nosso conceito de tempo por mais que o queiramos questionar será sempre o mesmo, o presente, o que estamos agora a viver. Mas a certeza é que já houve um tempo vivido por nós e à partida um que ainda será vivido. Podemos ter memória do passado ou consciência de um futuro mas o plano presente é o plano real. Os outros são projecções humanas e, neste sentido, tempos disjuntos no sentido de experiência pessoal.

Neste sentido Henri Bergson explora em, Time and Free Will: An Essay on the Immediate Data of Consciousness,

Dover Publications 2001, a ideia de duração, como uma multiplicidade de secessão, fusão e organização. Bergson refere-se ao tempo vivido como durée réel (tempo real) e chama ao espaço, a combinação impura de tempo homogéneo. Se na experiência quotidiana da cidade urbana, um espaço arquitectónico forma um marco para medir um tempo vivido, então, com a construção da arquitectura dá-se materialidade e forma a um determinado lugar, assim como uma duree réel; as multiplas vias pelas que quais se pode medir o tempo encontram uma resolução espacial unificada.

As experiências actuais mais violentas de dispersão e espaçamento negativo da energia coexistem com impressões transcendentes. Os espaços que nos atingem e que vêem a corroborar esta ideia, são aqueles que assim que visitados, e assim que os raios de luz entram pelas janelas, sejam elas grandes, pequenas, quadradas, redondas, a nossa percepção modifica a nossa consciência, e a atenção amplificada e o tempo distende-se.

A ideia aqui é esclarecer estas duas visões temporais, para mostrar uma certa libertação de visões temporais construídas. Ou seja, neste projecto, não existe noção de tempo linear ou disjunto, simplesmente tempo continuo ou possivelmente e aparentemente eterno.

(19)

2. (In) Utilidade da função

Quando se procura a materialização da intemporalidade de um espaço, a sua função por vezes, torna-se um obstáculo.

Na concepção arquitectónica, um programa muito especifico, e bem definido, e que se consiga sobreviver , resistir e adaptar a diferentes aplicações no futuro é de difícil consagração. Os exemplos existentes não são muito extensos. Manuel Graça Dias no JA 222 em conversas com José Adrião e Ricardo Carvalho dá nos um exemplo claro.

Um exemplo muito próximo no entendimento da adaptação à função é a Faculdade de Belas Artes no largo das Belas Artes em Lisboa. Inicialmente concebido para albergar um convento da Ordem de São Francisco, foi posteriormente um hospital, sede de governo civil e Faculdade de Belas Artes e Arquitectura. Mas, nas várias ocupações, o convento não sofreu obras de adaptação consideráveis, para albergar tão distintos programas. Os espaços originais foram-se mantendo sobre uma comutação humana continua a usos e funcionalidade dispostas a uma base material e especial consideravelmente imutável.

A deslocação da Faculdade de Arquitectura do convento de São Francisco para o Polo da Universidade Técnica do Alto da Ajuda é paradigmático. Com o pretexto da criação de um novo espaço, mais actualizado às novas experiencias do ensino do ensino da arquitectura, foi projectado um edifício não especializado que dificilmente poderá ser transformado em outro com funções diferentes. Só com grandes transformações espaciais, o novo edifício da FAUTL poderá albergar actividade como o de hospital ou a de governo civil.

O convento, na sua concepção, não foi pensado com a ideia de uma adaptação futura diferente. Foi projectado para ser um convento e, assim, albergar as suas respectivas funções e respectivos espaços. Ainda assim, ao longo do tempo algumas ordens religiosas foram abolidas, outras reorganizadas, ou associadas. A necessidade de manter um convento deixou aqui de fazer sentido. É transformado num hospital e posteriormente numa biblioteca, mais tarde torna-se um governo civil e, por fim, toma o actual lugar na Faculdade de Belas Artes.

“ O estudo da Arquitectura Portuguesa não está feito (...) A casa popular fornecer-nos-á grandes lições, quando devidamente estudada, pois e a é mais funcional, e menos fantasiosa, numa palavra, aquele que está mais de acordo com as nonas intenções”5

Távora defende que a arquitectura popular é mais funcional no sentido em que, não sendo funcionalista no sentido que lhe é dado no movimento moderno, permite inúeras adaptações. Távora defende ainda que o sentido funcional é aquele que melhor recebe outras funções e actividades ao longo da sua existência e, neste sentido, eleva a questão espacial em relação à questão funcional.6

Voltando ao Convento de São Francisco, não quererá dizer que é um espaço funcionalmente polivalente porque não foi definido para essa função, e a adaptação poderá não ser a mais conseguida. Até porque perante a fluidez semântica que uma primeira abordagem do tema polivalência funcional permite apreender, a questão inicial que importa analisar, a este propósito, é saber do que falamos, quando falamos de polivalência funcional.

5 TÁVORA, Fernando (1945) Semanário ALEO, nº9, apud PAIS, Maria Rita (2003) A emergência de Arquitectura Portuguesa no contexto Europeu, Pós-Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal, Dissertação de Mestrado. IST Universidade Técnica de Lisboa, pp.54

(20)

Na expressão polivalência, reconhece-se um significado que, de modo mais ou menos empírico, é comum a todos, trabalhador polivalente é capaz de realizar uma multiplicidade de tarefas. Não propriamente um faz-tudo, mas alguém com múltiplas habilitações, capaz de enfrentar os imprevistos surgidos no oferecimento da sua prestação, aberto à inovação e ao desenvolvimento, que domina e gere o seu próprio processo produtivo.

(21)

Cidades escavadas: Petra vs Capadócia

Petra e Capadócia são dois casos colocados em situações geográficas e geológicas diferentes, com um propósito semelhante, mas com diferentes intenções. Não querendo trazer o confronto entre o sagrado o profano, existem diferenças entre ambos. A grande diferença que gostaria aqui de apresentar é a função, função não como espaço escavado mas o objectivo para o qual foram escavados.

Petra, na Jordânia, foi escavada com um propósito, criar um espaço, tem essa característica em  parência com a Capadócia. Mas a função especifica e pré-definida não é a mesma. Petra foi esculpida, na rocha com o fim de criar um espaço sagrado de louvor aos deuses. É indubitavelmente um trabalho de escavação e de ornamentação, que lhe da um valor estético único. A escavação como introdução de espaço sagrado dentro da rocha tem uma intenção que ultrapassa questões construtivas e funcionais elevando esta edificação religiosa a uma leitura única , quer ao nível de espaço, quer ao nível intencional do corte perfeito da rocha para abrir espaço para a função religiosa a que se destina. A proporção e a escala de Petra dão-lhe um valor acrescentado, bem como a percepção das camadas depontadas de rocha nas paredes do seu interior.

No caso da Capadócia, a procura do espaço foi num propósito de necessidade, necessidade de um abrigo. Foi, na verdade, dar uso a uma matéria prima oferecida e que tem a capacidade para suportar as técnicas de desobstrução utilizadas e que oferece as condições ideais procuradas. Repare-se que ao contrário de Petra, não existem vestígios de ornamentação de um habitáculo básico. Estamos perante um caso de procura ,mas o que é facto é que essa procura alheia a uma função concreta definida esculpiu um conjunto de edificado esculpido que, pela leitura do conjunto, revela uma escala e uma aparente não, intenção (ao contrário de Petra), que revela o belo da simplicidade e da arquitectura vernácula.

O programa das habitações pode sofrer alterações mas o edifício mantém-se, tornando-o num conjunto de edificado que perdura ao longo do tempo esta permanência no tempo, quer material, que funciona atribui ao conjunto uma característica de intemporalidade, ainda que, na sua génese não tenha sido pensado para tal.

Capadócia é um exemplo de arquitectura vernacular em que a acção do homem vai ao encontro da mais básica necessidade quotidiana que é a do abrigo, e neste sentido é, segundo Távora (Tavora 1945) apresenta características do mais puro funcionalismo. A acção de intervir na pedra derivada de questões do dia-a-dia, do uso e do habitar. O conjunto perfaz uma acção do homem que exulto a memória e nos remete para o intemporal.

Em Petra a acção do momento do corte na pedra tem como base uma acção erudita, é um templo, um espaço simbólico, e espiritual para o homem. Petra é esculpido com um objectivo pré-definido de venerar os Deuses. Os edifícios , templos, túmulos e as diferentes câmaras, que se encontram escavados nas rochas, é o que mais é destacado neste local. Todos os monumentos construídos, foram esculpidos na montanha.

Dado o propósito desta construção, o acto de construir na própria rocha teve o objectivo de conservare a obra a ataques seculares. Não construídas em pedra mas sim na própria montanha de modo a resistir aos terramotos e acções de tempo. O objectivo seria principalmente acomodar eternamente quem lá está sepultado, a forma encontrada foi construir algo que perdure

(22)

3.Memória:

Capturar a memoria pode parecer uma acção intuitiva e fácil uma vez que assumimos que está ininterruptamente connosco e à nossa disposição. Contudo por vezes não somo capazes de relembrar ou recuperar algum detalhe ou a, totalidade de algo ou algum evento passado. Provavelmente, não reflectimos sobre o significado mais amplo da memória, mas ela tem repercursões na nossa identidade tanto em termos pessoais como culturais .

No entanto, para viver sem memória seguramente seria o experimentar de um colapso de quase tudo o que fornece uma base para o estabelecimento de quem somos. O tipo de consciência que nos localiza e nos insere em determinadas épocas e lugares, como as pessoas ou como uma história permite-nos alguma compreensão do encadeamento dos acontecimentos da nossa vida, mas permite-nos igualmente projectarmos, sobre nós próprios e sobre as outras pessoas, alguma ideia de quem somos e onde estamos.

Memória , portanto, não só proporciona uma sensação de passado como também presente e do futuro. A memoria é sustentáculo de como as pessoas nas sociedades modernas têm entendido o que é estar no mundo, e o que é viver em sociedade .

Memória: Encontros com o estranho e o familiar investiga a natureza de um fenómeno que todos nós facilmente associa-mos à vida interior e mental, e revela que ela seja a fonte e consequência das maneiras , estamos sempre a refazer o mundo externo como a nossa casa.

(23)

Da Imaginação

A intemporalidade define-se por algo que desafia e nega o tempo cronológico. A morte não o consegue fazer, mas o significado de imortalizar vem contestar essa ideia. Fugindo ao literalismo físico da morte, imortalizar define-se como tornar imortal (intemporal?) a memória dos homens na memória dos homens.

A palavra memória vem do grego mnemis, ou do latim memoria, ambas denotam a conservação de uma lembrança. Memória é também a acção de lembrar, é aquilo que permanece no espírito, é aquilo que avalia os nossos juízos, e que apura por nós, é ainda inventar, reflectir, meditar, velar.

As memória individuais alimentam-se da memória colectiva e histórica e incluem elementos mais amplos do que a memória construída pelo indivíduo e seu grupo. Um dos elementos mais importantes, que afirmam o carácter social da memória, é a linguagem. As trocas entre os membros de um grupo se fazem por meio de linguagem. Lembrar e narrar constituem à partida linguagem.

"A utilização de uma linguagem falada, depois escrita, é de facto uma extensão fundamental das possibilidades de armazenamento da nossa memória que, graças a isso, pode sair dos limites físicos do nosso corpo para estar interposta quer nos outros quer nas bibliotecas. Isto significa que, antes de ser falada ou escrita, existe uma certa linguagem sob a forma de armazenamento de informações na nossa memória."7

A memória torna-se uma evocação do passado. É a aptidão humana para suster e conservar o tempo que se foi, salvando-o da sumiço total. A lembrança conserva aquilo que se foi e não retornará jamais. Devido à concepção ontológica, a memória poderá ser vista como uma parcela na tentativa de um processo de imortalização.

Quando se pensa na memória, pensa-se como um gene individual, algo analogamente intimo, próprio do ser. No início do sec. XX, Maurice Halbwachs, ressaltou que podíamos entender a memória como um fenómeno colectivo e social, ou seja, que a memória seria construída colectivamente, através da experiência que o individuo e o grupo vivem, onde oralmente ou de forma escrita, são transmitidas e compartilhadas de geração em geração. Cada individuo ou grupo vai contando, relatando os acontecimentos passados ou presentes. Agora a memória individual seria uma ferramenta inútil se não fosse eta partilhada. Seria uma memória efémera. Esta base de dados individual inserida numa rede de partilha torna-se a então a mais útil ferramenta para a preservação da humanidade.

“As narrativas possibilitam que a experiência, os valores e visões do grupo, os saberes construídos ao longo do tempo se transformem em património comum”.8

7LE GOFF, Jacques. Enciclopédia Einaudi, vol.1 Memória/História, 8 KESSEL, Zilda. Memória e memória colectiva

(24)

Percebemos que a memória, tanto pode ser individual quando colectiva, mas Maurice Halbwachs, em Memória Colectiva afirma ainda que a memória individual está não só associada aos momentos protagonizados pelo conjunto ou pela colectividade à qual a pessoa se insere como à própria pessoa, e, assim como a pessoa irá pertencer na memória do grupo em acontecimentos nos quais nem sempre participou.

Ainda nos diz que a memória é sinónimo de “lembrança viva”, mas no momento em que ela é escrita, passa a ser história.

Materializando a memória de um edifício, é associar um espaço físico à memória colectiva, de um acontecimento ou a uma pessoa, nesse mesmo local. A casa de alguém de renome torna-se intemporal quando associada a essa mesma pessoa. Um marco histórico intemporaliza o espaço onde o acontecimento se sucedeu. Ou seja, a memória pode formar um espaço ou um edifício, algo intemporal, para uma pessoa ou para uma comunidade.

Existe ainda uma outra ideia de memória, a herdada. Que pode acontecer quando ocorre um evento de maior importância no passado que irá marcar esse período de tempo. A memória é selectiva no sentido em que o período não é registado na sua totalidade. Porém a memória tem uma capacidade fascinante de se relembrar a si própria. A memória é estratificada e elementos mais marcantes encontram-se à “superfície”. Mas quando estimulada as vivências e experiências ocorridas no passado ofuscadas pelas de maior relevância são relembradas.

A memória individual e colectiva é o mais importante elemento da preservação da identidade. É pela memória que individualidades ou sociedades anseiam e buscam para desta forma se identificarem. É portanto um orquestro de identidade. A memória procura preservar o passado para garantir o presente e o futuro. A história é escrita sobre a memória, na memória, e da memória.

Para permanecer, perdurar e para que se conserve o seu estatuto intemporal e imortal a memória tem que ser estimulada e relembrada para que não se extinga no esquecimento. A linguagem é a principal condição para que tal não aconteça, seja ela, verbal, fotográfica, cinematográfica, escrita ou outras que permitam a comunicação.

A memória tem vários tempos. Ela lembra-nos de algo passado mas que nunca foi do nosso presente, nunca o vivemos, nunca o assistimos, nunca o ouvimos, apenas foi aludido. Isto remete-nos para uma memória como imaginação. Imaginemos, um edifício sem qualquer valor histórico, estilístico, ou funcional, mas que ficou guardado na nossa memória pois algum personagem emblemático o viveu ainda que não na nossa geração. O mais próximo de uma percepção realista do passado é a partir da nossa imaginação. Imaginar tal espaço vivido por algum personagem à uns quantos anos, coloca aquele espaço ou edifício numa espécie de memória imaginária.

De uma outra forma, mas de com o contexto semelhante, na alegoria da caverna de Platão, os indivíduos presos no interior da gruta em que apenas veem projecções de sombras de pessoas que percorrem o exterior, assumem uma realidade ilusória e aparente segundo um padrão que reconhecem, mas ilusório, já que não real, embora eles próprios não o saibam.

(25)

Neste sentido, da memória sensorial e da imaginação, torna indispensável a referência da Poética do

Espaço de Gaston Bachelard. Aquando nesta é discutida e analisada em várias perspectivas a imensidão (íntima) do íntimo. Refere-se à imensidão, como o exterior ( assim como na implantação do projecto do abrigo para pescadores nas Berlengas) como o horizonte e o desconhecido. A simples lembrança da grandeza do mar e das planícies renovam em nós o eco de uma espécie de contemplação.

Bacherlard considera a imensidão uma categoria filosófica do devaneio, devaneio este proveniente da contemplação da grandeza.

A contemplação da grandeza determina uma atitude tão especial , um estado de alma tão particular, que o devaneio põe o sonhador fora do mundo mais próximo, diante de um mundo que traz a marca do infinito.9

Neste caso referimo-nos à memória como uma lembrança. E, Bachelard, questiona se para a compreensão e inclusão da grandeza, não será a memória suficiente. Suficiente para "ilimitar" e ampliar a imagem da grandeza. A imaginação pode também esta ser instantânea, podemos contemplar algo pela primeira vez e imaginar o que para lá se passa, e o que lá aconteceu. Voltando à Alegoria da Caverna já que os homens no interior da caverna, ao não receberem a informação, imaginam ou inventam. É neste sentido que Bachelard fala do devaneio, como a imaginação eterna,

Quase não a vemos começar e no entanto começa sempre da mesma maneira. Ela foge do objecto próximo e logo está longe no além, no espaço do além(...) Quando esse além é natural, quando se aloja nas casas do passado, fica imenso . E o devaneio é poderíamos dizer, contemplação à primeira.10

A memória como elemento intemporalizador não necessita de ser necessariamente uma memória vivida ou uma memória coabitada no nosso tempo, algo recente. A memória vivida, reforçando ( suportando) a ideia de Platão e Bacherlard , é algo eterno e ao mesmo tempo momentâneo, sabemos mas não nos apercebe-mos do seu início, e o seu fim ninguém o poderá dizer. A memória, será, seguindo esta leitura, um momento eterno.

Gordon Matta-Clark trabalha esta questão da memória em muita da sua obra. Quando corta de forma precisa uma vulgar casa de subúrbio americana (“Spliting”, 1974) questiona toda a base da sociedade americana e da “casa perfeita”, mas trabalha exactamente com a questão da memória usando a imagem poética da casa típica americana, contando-a e assim questionando tudo o que ela representa através da memória. Em “Bingo” (1974), Matta-Clark retira, do seu original, uma parede inteira, recortando-a minuciosamente e expõe o novo objecto no MOMA em Nova Iorque como uma nova obra elevada a um outro nível interpretativo. Aqui, uma parede de uma qualquer habitação é reconhecida pela memória (poética) como um pedaço doméstico, revisitado em escadas, portas, paredes e pavimentos, mas através da sua descontextualização, Matta-Clark reconhece-lhe um novo sentido, um novo discurso: a memória como base do reconhecimento da origem de outra (Figura 7).

9 BACHELARD, Gaston (2003). A Poética do Espaço, p.316

(26)

Dos Sentidos

A memória da imaginação compreende-se muito bem a partir dos textos de Bachelard, em particular, na sua obra A Poética do Espaço, como vimos nos parágrafos anteriores.

Contudo, a memória não se prende apenas a questões do imaginário poético de cada um, a memória pode e, provavelmente , existe primeiramente nos sentidos do Homem. Quando se fala aqui de sentidos, refere-se aos sentidos primários do Homem animal: a visão, a audição, o gosto, olfacto, o tacto e aos receptores destes sentidos que lhes dão leitura e coerência.

Um dos autores que mais valoriza esta experiência humana dos sentidos é Gilles Deleuze. Juntamente com Félix Guattari, escrevem Mille Plateaux onde apresentam uma leitura do corpo plenamente aberto aos sentidos: o corpo sensível ou o corpo intensivo. Não faço um pensamento à obra de Deleuze e Guattari mas à posterior análise de Susana Ventura desta mesma obra, em Corpo Sem Órgãos em Arquitectura.

A questão do corpo intensivo é aqui apresentada, na medida em que a intensidade das sensações podem afectar a memória. A imaginação vem do pensamento e, aqui, a sensação vem de um estado mais primário e mais ligado ao presente, a intensidade da vivência. E, essa intensidade fica registada na memória do homem.

O corpo sem órgãos, apontado o Anti-Édipo, é uma noção que admite pensar no desejo como método, que alega o campo da inerência dos seus planos e não na correlação da ideia do corpo como origem das necessidades e local dos prazeres.

O corpo sem órgãos é um conceito, não uma ideia por se tratar de varias. A abrangência é tal que a sua definição é constantemente incompleta e a sua única e possível total compreensão tem que ser vivida.

O nosso corpo é apenas um mecanismo forçado a cumprir. Respeita o racionalismo, o prático, o capitalismo, a função e necessidade, esmagando os desejos e vontades, impelindo o órgãos a admitir uma lógica imposta.

O organismo não é corpo, o CsO, mas um estrato sobre o CsO, quer dizer, um fenómeno de acumulação, de coagulação, de sedimentação que lhe impõe formas, funções, ligações, organizações dominantes e hierarquizadas, transcendências organizadas para extrair trabalho útil.11

Deleuze não se conforma com a insatisfação de Artaud e recusa-se a cooperar com uma vida que se torna fraca, onde desejo é canalizado, e tudo trabalha pela produção, e pela finalidade. Artaud propõe guerra ao corpo, Deleuze propõe um acordo.

O corpo sem órgãos não é inimigo dos órgãos, mas inimigo do organismo. Pura busca de intensidades, o Corpo sem Órgãos procura desfazer-se da organização produtiva em que foi inserido para se tornar produção de realidades diferentes da que lhe deram. A sua vida estava “desintensificada”, anestesiada, a sua rotina não lhe proporcionava nada de novo. Com a criação de um Corpo sem órgãos, o corpo torna-se improdutivo para se tornar intensivo. As coisas passam novamente a fluir, a afectar, ele acorda e percebe que está vivo, não é um instrumento, mas sim um conjunto de sensações. E agora sim, o seu desejo passa para primeiro plano, o significado pertence agora à sensação. Deleuze não deixa que o organismo domine, e modifica os órgãos de forma a fazer deles, instrumentos potenciadores de desejos, trabalha arranjos intensivos e potencia-os.

(27)

Na medida em que a potência se efectua, não há como a própria potência não ser afectada. A intensidade destrói a sua própria casa, a do homem é o próprio corpo submetido ao organismo.

Sendo assim, o Corpo sem Órgãos não está preocupado com horários, dinheiro, mercadorias, rótulos, prazo, desprende-se de qualquer relação capitalista, prática e conveniente procura de outras formas de viver e de se expressar, outras formas de sentir a vida. Como aumentar o prazer de viver, de sentir, de experimentar, produzir, "de afectar e ser afectado".

Deleuze e Guattari descrevem o potencial do Corpo sem Órgãos com um exemplo: a mão, usada para apertar o

parafuso com a chave de fendas, mover a alavanca na fábrica, escrever o relatório no escritório. Quando esta mão perde

a finalidade que lhe deram, torna-se Corpo sem órgãos. Então irá aprender a dedilhar numa viola, pintar um quadro, acariciar uma pessoa. A boca que era usada para ar ordens, organizar, repreender, dar sentido; passa a cantar, beijar, provar. Os pés que levam ao trabalho, podem ser usados para dançar.12

12 VENTURA, Susana (2013) Corpo Sem Orgãos em Arquitectura. (Douturamento em Filosofia) Universidade Nova de Lisboa

(28)

“A distinção entre passado, presente, e futuro, é apenas uma ilusão teimosamente persistente”

(29)

Conclusão

Para o presente trabalho foram analisados vários exemplos em forma de análise de estudo de caso. Os vários casos foram escolhidos de forma a possibilitar o caminho de uma leitura possível de intemporalidade em Arquitectura. Esta hipótese de materialização pode ocorrer sob várias formas: a da memória poética é a memória dos sentidos.

A ideia de intemporalidade foi ensaiada em termos etimológicos e igualmente sob o ponto de vista científico do tempo, como forma de compreender a sua amplitude e abrangência.

Num primeiro momento, a ideia de intemporalidade foi analisada segundo as suas componentes: matéria, espaço e tempo. Para isso, analisou-se a obra do Chilhida no cruzamento que faz entre o natural e o artificial (Peine del Viento, Donostia) para compreender como o artista trabalha o cruzamento dos tempos na sua obra, o momento de intercepção do tempo, ou momento do corte ( Monte Tindaya), de forma a compreender como o artista enfatiza a intemporalidade na sua obra.

Para uma melhor compreensão e definição da questão temporal, foi estudada a questão do tempo linear e do tempo disjunto e assim compreender como o homem se posiciona em relação a este factor tão abstracto.

Num segundo momento de estudo, verificaram-se dois exemplos que poderiam explicar a intemporalidade em edificações escavadas. A escolha prendeu-se com a semelhança em termos de acção do projecto, com o abrigo de pescadores, apresentado no segundo capítulo. Tal como no abrigo, Petra e Capadócia foram acções em que o Homem escavou na rocha para subtrair matéria e criar espaço. Contudo, apresentaram funções e finalidades distintas.

Verificou-se que, nos dois casos apresentados, a importância da acção do corte se sobrepõe à função para que foram ambos os casos destinados. Sendo que no caso da Capadócia, a escala do numero de exemplos produzem em marco na paisagem e na memória, mesmo que “construídas” para uma simples habitação.

Finalmente, exploramos a capacidade da memória, ( a poética e a dos sentidos), de forma a compreender o modo como a vivencia do espaço, (do abrigo de pescadores), pode possibilitar ou não uma compreensão intemporal do espaço.

Perante os exemplos, podemos concluir que existe uma possibilidade de leitura intemporal de arquitectura. Em relação ao projecto para abrigo de pescadores nas Berlengas, essa pode ser igualmente uma possibilidade, dada a paisagem quase intocada e uma acção de projecto que, mesmo estabelecendo um programa, se desfaz dele, deixando

(30)

a possibilidade de um uso fluido. A acção do corte, neste projecto, prevê a possibilidade de cruzamento temporal (Chillida), mas igualmente a criação de um espaço vasto no interior de uma rocha milenar. Os tempos e as matérias cruzam-se efectivamente, mas como se defende no último ponto do presente estudo, apenas o desfrute do corpo “intensivo” o poderia comprovar.

Após uma profunda análise aos diversos casos de estudo apresentados neste capitulo, percebemos que a hipótese de materialização da intemporalidade se demonstra em variadas formas e “sentidos”, abstractos, literais, metafóricos, e reais. Este estudo vem apoiar e defender, o próximo capitulo na aplicação (materialização) real do tema, no exercício de projecto, um Abrigo para pescadores nas Berlengas.

A intemporalidade foi debatida na sua composição lexical e etimológica; foi isolada de termos a que se relaciona, e assim caracterizou-se a uma definição única e especifica. A ideia de tempo é questionada, assim como a sua amplitude e abrangência.

Chillida atribui uma continuidade temporal à sua obra, interligando vários elementos, passados, presentes e futuros. Chillida usa o Passado respeitando os elementos naturais e existentes no que respeita o presente, e a sua obra utiliza o movimento dos elementos naturais - o sopro do vento, ou a batida da ondulação. Em relação ao futuro, reeivindica o céu ao desconhecido universo infinito. Aliando os três tempos, materializa-se algo numa linha temporal, que não pode ser corrompida pelo tempo, desconhecendo-se o seu principio e fim.

Um espaço que não se redija pela função, não se torna necessariamente intemporal, mas conclui-se que é um factor que, pela perspectiva (no seguimento no enquadramento) da análise da função, se torna num óbice para alcançar o objectivo pretendido.

Percebemos que se materializa um espaço pela memória, seja esta uma imagem de um relembrar ilusório, imaginário e especulativo, ou a memória de um sentido reactivado. A materialização de um espaço intemporal, com o enquadramento justificado neste capitulo é , portanto, um espaço que nega o tempo.

(31)
(32)

O estudo feito no capitulo dois pretende perceber, a origem assim como a formação do espaço de implantação de projecto, a sua História e evolução populacional. Perceber também as suas exclusivas características, que levaram o arquipélago a uma protecção sobre um estatuto de reserva. Considerar e respeitar todos estes factores para, numa segunda fase, projectar um abrigo para de pescadores no arquipélago das Berlengas no âmbito da cadeira de projecto. Um projecto sustentado na ideia desenvolvida no capitulo um.

(33)

1. Situação Geográfica

A Distinta geologia e situação geográfica

O arquipélago das Berlengas, situa-se a 5,7 milhas da costa continental numa área de 9541 de reserva natural, na sua maioria reserva oceânica.

A geologia do arquipélago distingue-se da restante costa portuguesa em idade, natureza, composição e formação. A zona costeira de Peniche é composta por rochas sedimentares nas Berlengas situada apenas a 5,7 milhas de distancia a sua constituição geológica é sobretudo composta por rochas magmáticas e metamórficas, devido às diferenças na sua formação. A composição mineral das Berlengas é de uma singularidade única devido a um fenómeno de deformação na sua formação complexa.

Esta análise pretende atribuir valor e importância ao arquipélago e consciencializar quem nele actua, uma referência viva do tempo que nós não vivemos nem o presenciamos, um monumento geológico da formação e da memória.

As características únicas do ponto de vista geológico deste arquipélago, que faz parte da cadeia variscan, elevam-se no meio do oceano devido ao resultado da colisão entre dois supercontinentes. Consequentemente, estas ilhas são definidas pelo relevo íngreme semelhantes a fendas submarinas e terrestres como é o caso das grutas.

Sendo também preservadas as floras e faunas terrestres e marinhas em diferentes aspectos devido à escassez de solo que, consequentemente leva à reduzida ocupação humana, e intervenção humana. Resultante da colisão de dois grandes continentes então existentes (Gondwana e Laurasia) que remetem ao Devónico e ao Carbónico dá-se a formação de rochas muito metamorfizadas, dobradas e carreadas, de idade Pré-câmbrica e Paleozoica, intruidas por batólitos granitoides.

Após uma análise mais profunda à composição mineral das ilhas, podemos conhecer os processos de transformação que os rochedos magmáticos e metamórficos sofreram até aos dias de hoje. Conclui-se que a Ilha das Berlengas é um local de topografias irregular em várias falhas no terreno que deram origem a várias grutas e passagens que permitem o atravessamento de um lado ao outro da ilha. O seu terreno irregular é uma consequência do terreno instável das Berlengas, que se encontra em constante transformação devido: ao embate das ondas do mar, movimento das placas terrestres e vulnerabilidade da matéria prima da ilha.

As características deste tipo de rochas vão ser posteriormente analisadas e explicadas o quão válidas são para bons resultados quando trabalhadas pelo gesto de um corte e escavação.

(34)

2. História

Evolução populacional e actividade piscatória

O arquipélago das Berlengas é formado por um conjunto de pequenas ilhas e recifes costeiros distribuídos por três grupos: ilha da Berlenga, as Estelas e os Farilhões-Forcadas.

A maior ilha, a Berlenga, atinge uma altura de cerca de 90 metros, mas os restantes rochedos são de pequenas dimensões e, por vezes, apenas afloram a superfície do mar.

O que foi encontrado neste território aponta para a presença de seres humanos do 1º milénio a.C e aos primórdios da navegação atlântica. Era, assim, esta ilha um ponto estratégico visto que outrora ligou Sul ao Norte da Europa. Tendo sido, por isso, fundeada por embarcações fenícias, púnicas e romanas. A Ilha da Berlenga foi propriedade do Infante D. Fernando entre 1433 e 1449, de Infante D. Henrique nos dez ano seguintes, altura em que se instalou o primeiro núcleo de pescadores da Berlenga, que com o progressivo aumento instalaram-se as primeiras pessoas na ilha. Foi depois propriedade de D. Jorge de Vasconcelos de 1512 até se tornar posse do Mosteiro de Nossa Senhora da Misericórdia até 1545, pertenceu também aos Condes de Atouguia da Baleia durante o sec. XVI e metade do sec. XVII. No reinado de D. Filipe II, foi construído o forte de S. João Batista das Berlengas, como estratégia de fortificação de Portugal. Edificado sobre um ilhéu, ligado à ilha a partir de uma ponte em alvenaria de pedra rebocada, e sobre arcadas, com um pequeno ancoradouro. E em meados do século XIX, reinado de D. Maria II, foi construído o Farol do Duque de Bragança. Implantado no ponto mais alto da ilha, formado por uma torre quadrangular, que se eleva a 112m do nível do mar. Nesta altura já se encontravam, firmados na ilha da Berlenga, habitantes e soldados do forte, assim como os carregados do farol, e os que se dedicavam à actividade piscatória. Alguns séculos depois, esta actividade vem ganhar força e peso na população sendo construído o Bairro dos Pescadores em 1941.

Sendo também preservadas as floras e faunas terrestres e marinhas em diferentes aspectos devido à escassez de solo que, consequentemente leva à reduzida ocupação humana, e intervenção humana.

(35)

A sua importância como reserva

O arquipélago da Berlengas tornou-se reserva natural em Setembro de 1981. O seu sistema enquanto ecossistema insular, e como reserva natural é de enorme importância e uma prioridade na sua conservação. O valor biológico da área marinha que encerra, o elevado interesse botânico, enquanto habitat de nidificação e local de passagem migratória de avifauna marinha, e o vasto e valioso património arqueológico subaquático, foram factores determinantes para tal.

A Reserva Natural das Berlengas inclui toda a área escondida abaixo do nível do mar de todo o agrupado de ilhas, bem como a área marinha contígua até 520 metros de profundidade, uma área total de 9541 ha.

O arquipélago possui um clima e uma situação propícia a gerar e conservar espécies e habitats marinhos. Sendo preservadas as floras e faunas terrestres e marinhas em diferentes aspectos devido à escassez de solo.

A Reserva Natural, até agora discutida, é explorada, maioritariamente na área do turismo e exploração de recursos marinhos. Este local apresenta condições extremamente favoráveis à promoção do desenvolvimento sustentável da região em que está inserida. Já foram inclusive inseridas medidas políticas que apoiam a preservação deste património natural e patrimonial.

Hoje em dia, não tem população residente: Apenas guarnições do farol e aos vigilantes da Reserva Natural.

O arquipélago encontra-se num local de transição biogeográfica, e encontra-se no limite de distribuição migratória de algumas aves. No limite sul de uma espécies e no limite norte de outras. A avifauna das Berlengas diz respeito da sua grande maioria a aves marinhas, e é um local de especial atenção por se tratar de um local de nidificação para estas aves.

As Berlengas é um local preservado desde 1465, pelo rei Afonso V de Portugal, que proibiu a prática de caça na ilha principal das Berlengas. Actualmente é uma Reserva Natural considerada Reserva Mundial da Biosfera da UNESCO desde 30 de Junho de 2011.

Por ser um local protegido oficialmente há quase 600 anos o seu aspecto visual é bastante selvagem e irregular, conservando até aos dias de hoje o seu estado natural. Deste modo, qualquer intervenção aqui realizada, deve respeitar e valorizar este monumento natural.

(36)

3.Estratégia

Pensar num espaço que se relacione de forma temporal, material, e conceptual ao local e ao programa foi o ponto de partida para a criação desta proposta.

A acção que dita o presente projecto é uma abordagem aparentemente agressiva: um corte na rocha que abre uma nova gruta. Não tem como objectivo complementar a paisagem, mas sim integrar-se discretamente e de forma subtil, não retirando o protagonismo à ilha que já há muito é proprietária daquela paisagem. É importante respeitar o lugar e manter um grau de subtileza e contenção na intervenção arquitectónica desta paisagem. Não pretendo acrescentar um espaço à paisagem, nem extrair um espaço à ilha, mas sim criar um espaço que acrescente espaço na própria matéria já existente. A proposta actua em três tempos: no passado, respeitando o local; no presente, a partir da acção do corte; e no futuro, com o movimento dos agentes evolventes, mar, vento e luz.

O programa de abrigo é aqui posto em causa do ponto de vista das suas componentes funcionais, uma vez que a permanência no tempo é o objectivo primeiro do pensamento no conceito da intervenção. Alem disso, o abrigo é aqui tomado na sua leitura mais essencial: protecção.

Rykwert em Adams House in Paradise avança com esta noção de abrigo como espaço primordial do homem (ref)

São as características únicas e naturais da gruta que criam atmosferas sensoriais e poéticas que me levam a questionar os aspectos funcionais em detrimento das suas características intemporais.

(37)

Implantação

A ilha da Berlenga situa-se a 10 km do cabo Carvoeiro, e para lá chegar é necessário atravessar um mar de humor muito próprio.

A zona entre o Cabo Carvoeiro e as ilhas Berlengas é uma zona muito rica em peixe devido às correntes marinhas, com plâncton abundante, provocadas pelo canhão submarino da Nazaré, que tem mais de 3 km de profundidade. O canal entre Peniche e as Berlengas é orientado a sudeste

Ora essas correntes criam agitação à superfície, e é a famosa ondulação tão típica e falada por quem já a experimentou.

A implantação de projecto, surge da procura de um local que na sua natureza proteja das condições marítimas à qual o arquipélago é sujeito. Uma enseada virada a sudeste, torna o de fácil acesso, e protege das correntes marítimas, ondulação e ventos de norte

Referências

Documentos relacionados

É perceptível, desta forma, o constante aumento do aprofundamento dos personagens: os “príncipes” têm agora não só nome e falas, mas personalidades bem desenvolvidas,

A nutrição enteral (NE), segundo o Ministério da Saúde do Brasil, designa todo e qualquer “alimento para fins especiais, com ingestão controlada de nutrientes, na forma isolada

Com o estudo anterior (AMARAL, 2009) sobre a evolução da infografia no meio, surgiram dúvidas a respeito de alguns exemplos pesquisados. Percebemos que a fronteira

Os candidatos reclassificados deverão cumprir os mesmos procedimentos estabelecidos nos subitens 5.1.1, 5.1.1.1, e 5.1.2 deste Edital, no período de 15 e 16 de junho de 2021,

Anne Teresa De Keersmaeker e Jean-Guihen Queyras (o violoncelista que vai acompanhar ao vivo os bailarinos, tocando as suites de seguida, em tours de force de mais de duas

Depois de se cultivar as variedades de soja Santa Rosa e UFV-1 em solução nutritiva "completa" e com deficiência de B, Cu e Zn, de se analisar as suas folhas e de

Visando mitigar riscos e oferecer a pronta- resposta adequada em caso de incidentes ou acidentes na Reserva do Paiva, foram implantadas pela AGRP, com a coordenação da Consultoria

- Se o estagiário, ou alguém com contacto direto, tiver sintomas sugestivos de infeção respiratória (febre, tosse, expetoração e/ou falta de ar) NÃO DEVE frequentar