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O desafio de observar a sala de aula: uma proposta teórico-metodológica adaptada aos novos desafios da sociedade em rede

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CIES e-Working Paper N.º 131/2012

O desafio de observar a sala de aula: uma proposta

teórico-metodológica adaptada aos novos desafios da

sociedade em rede

Nuno Ferreira

CIES e-Working Papers (ISSN 1647-0893)

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Nuno Ferreira: licenciado em Sociologia pelo ISCTE-IUL. Presentemente a terminar o doutoramento em Sociologia pela mesma instituição. Tem como interesses de pesquisa as metodologias de investigação, a identidade pessoal, os processos educativos e juventude.

Resumo

A relevância de alguns fenómenos atribuíveis, à partida, ao impacto das novas TIC na sociedade e na vida quotidiana dos atores sociais tem permitido estender a análise sociológica para lá das caraterísticas e dos processos mais evidentes da sociedade em rede. Uma vez que a incidência de tais fenómenos se cruza com as formas de comunicar e de aceder à informação, não será descabido contemplar a hipótese de reconfigurações em contextos de ensino, nomeadamente na sala de aula e na própria relação pedagógica. Assim, pretende-se aqui fazer não só uma breve revisitação de alguns contributos teórico-metodológicos da já longa tradição de observação em sala de aula como também propor um modelo adaptado às contingências próprias das dinâmicas de uma sociedade em rede, a que a escola não é imune.

Palavras-chave: metodologias de investigação, observação em sala de aula, sociedade em rede.

Abstract

The relevance of some phenomena attributable, at a first glance, to the impact of new ICT in society and everyday life of social actors has allowed extending sociological analysis beyond more evident processes and circumstances of the network society. Since the incidence of such events intersect with ways to communicate and information access, it is not unreasonable to contemplate the possibility of a reconfiguration in the context of education, including classroom environment and pedagogical relationship. Thus, the aim proposed here is briefly revisiting some theoretical and methodological contributions of classroom observation and also propose a model adapted to the contingencies inherent to the dynamics of a network society, to which school life is not immune.

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Introdução

A urgência, sempre presente ao longo de décadas, em estudar a instituição escolar não estará certamente desligada da sua imensa permeabilidade face ao todo da mudança social. Enquanto objeto em permanente mudança, a escola reconfigura-se no curso das políticas educativas, mas também através de processos de fundo menos visíveis. Analisar a escola numa sociedade em rede cada vez mais complexa (Castells, 2002), em que práticas e relações sociais se reconfiguram a um ritmo cada vez mais intenso, torna-se tão desafiante quanto arriscado. Neste sentido, e no que diz respeito à pesquisa feita em sala de aula, os aspetos cognitivos constituem uma dimensão importante com potencial heurístico crescente. Tal justifica-se, sobretudo, pelos desafios decorrentes das novas formas de comunicar e aceder ao conhecimento, da busca de informação e da aprendizagem, de novas formas de literacia com implicações, aliás, na reestruturação dos currículos escolares.

Jewitt (2008) defende que os meios através dos quais algo é representado moldam tanto o que pode ser aprendido quanto o como pode ser aprendido. Neste sentido, torna-se cada vez mais improvável pensar a literacia como um processo isolado de uma vasta teia de fatores sociais, tecnológicos e económicos (Kress, 2003). O modelo de multiliteracias ou de

literacias multimodais (Jewitt, 2008; Kress, 2003) surge como uma possível resposta aos

desafios em torno da concetualização dos processos em questão. Para os seus proponentes, o modelo evidencia dois tipos de mudança interligados no âmbito do processo comunicacional: a crescente importância da diversidade cultural e linguística no âmbito de uma economia global e a complexidade dos textos articulados com formas multimodais de representação e comunicação (Jewitt, 2008: 245). A lógica do hipertexto surge assim como modelo de novas práticas de acesso à informação e ao conhecimento e, em última análise, da aprendizagem.

Trata-se de um conjunto de mudanças estruturais que envolvem processos cognitivos, mas não só. A sala de aula não é apenas um espaço de aprendizagem de conteúdos escolares. É também um espaço de socialização de normas e regras (o chamado currículo oculto) e ainda um meio de comunicação e interação com processos menos explícitos de negociação; no fundo, um jogo de forças de atores. Como tal, a pesquisa no terreno constitui uma estratégia analítica adequada para atingir mecanismos sociais que, de outra forma, seriam impossíveis de contemplar.

Para lá das transformações estruturais em curso com maior ou menor influência na sala de aula, importa sublinhar que os processos presentes na mesma combinam, por hipótese, velhos e novos aspetos da realidade social. Assim, os desafios da observação em sala de aula mantêm-se, em parte, semelhantes ao que tem sido estudado na última metade do século

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passado. Refira-se, antes de mais, que a observação no terreno que aqui é tratada corresponde a um modelo adaptado à sala de aula, pelo que a participação do investigador é limitada ao seu estatuto de mero observador (Burgess, 2001), um papel que faz sentido num quadro de interação (Costa, 1999) com dinâmicas institucionais tão marcadas.

Revisitação de propostas metodológicas

Vale a pena revisitar, num primeiro momento, boa parte da tradição teórico-metodológica que, especialmente no mundo anglo-saxónico, tem pautado todo o género de investigações em torno da sala de aula. A longa tradição americana de pesquisa de terreno em contextos institucionais fez-se sentir igualmente na escola com vários estudos que influenciaram a pesquisa de terreno na sala de aula (Jackson, 1968; Eggleston, 1977). No panorama português, Gomes (2009) evidencia as dinâmicas de poder e, também, as estratégias associadas a cada uma das partes envolvidas, na relação pedagógica. Os trabalhos de Lopes (1996) e Abrantes (2003) são, igualmente, exemplos de incursões no terreno escolar com marca na investigação sociológica portuguesa.

Biddle, num texto prolífico de 1967, apresenta uma síntese das diferentes abordagens possíveis no âmbito da observação não participante. Mais tarde, Delamont (1987), que propõe uma sistematização de estratégias analíticas, acaba por sugerir uma abordagem próxima do interacionismo simbólico. Nas últimas décadas, Perrenoud (2002) centra-se no trabalho escolar enquanto veículo de análise, articulando estratégias e considerando o currículo como elemento heurístico e potenciador do desempenho escolar.

Uma das técnicas que ganharam algum protagonismo nos Estados Unidos, durante os anos 50 e 60 (ainda com ecos na atualidade), foi a observação sistemática metódica. Visava contabilizar e ordenar a ocorrência de determinados fenómenos na sala de aula, através de uma observação continuada e sistematizada. Trata-se, na prática, de uma padronização das unidades de análise contabilizada ao longo do tempo estabelecido de observação.

Entre as múltiplas abordagens, mais ou menos rígidas em termos de sistematicidade da observação, interessa reter que as categorias podem ser aplicadas a unidades de tempo arbitrárias, episódios selecionados e sequências de eventos. Para Biddle, a dimensão dos eventos na sala de aula não deve preocupar o observador; este é livre de escolher os atos, as sequências dos atos, horas de aula inteiras ou mesmo um semestre inteiro para a sua unidade de análise (1967: 341). Mas como tratar a unidade de análise em termos do seu conteúdo? Que elementos sinalizar?

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A unidade de análise tem de ser construída, concetualizada e identificável. Pode ser um episódio de aprendizagem ou de interação ou ainda uma unidade mais longa em termos de ação: as estratégias dos atores, por exemplo (Biddle, 1967; Delamont, 1987).

Biddle sublinha três tipos possíveis de observação: as caraterísticas objetivas da ação; as intenções; e os efeitos (1967: 345). Numa linha semelhante, no que toca às caraterísticas ou condições da ação, Pinto lembra os recursos que a escola oferece: espaço físico, organizacional, relacional e de comunicação (2007: 164). No caso das intenções é preciso especial cuidado para se resistir às tentações de juízos falsos ou enviesados. Existe ainda o risco de se substituir a realidade observada por uma linguagem sintética, havendo necessidade de se ponderar a questão. O desafio consiste em ir ao encontro da realidade sem se comprometerem as linhas teóricas e metodológicas previamente trabalhadas.

Os processos observados podem ser de cariz individual ou grupal, sendo essencial discernir os mesmos de acordo com a pertinência do acontecimento. Saber-se quem diz o quê e a quem, com que intenção e com que efeitos torna-se igualmente pertinente (Perrenoud, 2002: 47). Os comportamentos grupais ou de equipa (Goffman, 1993) permitem aferir a posição de determinados alunos em relação ao grupo (turma), levando a que, por exemplo, mobilizem maior apoio. Transversais a estes processos, as lógicas de comunicação entre professor e alunos (Watzlawick apud Perrenoud, 2002: 173) podem ser antagónicas ou concordantes, implícitas ou manifestas, e exprimem a intenção dos atores envolvidos. Igualmente transversais são os fenómenos paralinguísticos: a postura, as maneiras, os gestos, a expressão facial; etc. (Goffman, 1993; Bourdieu, 2002; Delamont, 1987; Elias, 1995; Pinto, 2007).

As dinâmicas e práticas internas da sala de aula podem incluir a estrutura comunicacional, com ou sem recurso à linguística; a estrutura ecológica: proximidade dos corpos, propriedades físicas dos participantes, disposição dos objetos; os tipos de ação (por exemplo, avaliação, planeamento, negociação, discussão, trabalho de grupo, atos de aprendizagem em geral, etc.); e também os papéis – enquanto padrões estáveis de comportamento, tipos de liderança, papéis informais, entre outros (Biddle, 1967; Goffman, 1993). Atente-se às funções específicas do trabalho escolar, enquanto veículo precioso de boa parte destes processos presentes (Perrenoud, 2002).

É possível estabelecer uma divisão entre categorias de trabalho, ao nível do seu conteúdo, e categorias expressivas ou de desempenho dramatúrgico. Importa ter presente que a interação em sala de aula é, em parte, cognitiva (Delamont, 1987: 132), mas que os contributos tangenciais ao trabalho escolar, no presente estudo, tornam-se absolutamente

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centrais. Podem ser aferidos elementos cognitivos, da parte dos alunos que, por exemplo, dêem pistas para esquemas de pensamento relacionados com o impacto das novas TIC na aprendizagem, mas a fronteira entre os processos cognitivos e o desempenho pode ser por vezes ténue. Veja-se o caso do utilitarismo (Perrenoud, 2002) praticado por alguns alunos que, tendo consciência das respostas e ações que agradam ao professor, operam determinadas atitudes “mascaradas” de conteúdo cognitivo, aparentando não haver instrumentalização alguma.

Um eixo organizador comum a quase todas as investigações feitas em torno da sala de aula contempla as estratégias do professor e as estratégias dos alunos (Delamont, 1987: 128). Igualmente relevante é a estrutura imposta institucionalmente: as regras e normas definidas pelo Ministério da Educação, as temporalidades, o currículo, o regime de faltas e sanções, a avaliação, etc. A propósito dos timings e ritmos escolares, refira-se os três períodos de aulas num calendário letivo determinado, avaliações, exames e testes – todos estes influenciam o comportamento em sala de aula (Burgess, 2001). Importa salientar o enorme contraste desses tempos escolares com muitos dos ritmos e temporalidades externos.

Também a descrição do espaço é, muitas vezes, tomada em consideração, quer seja em associação com as regiões, os palcos e contextos (Goffman, 1993), quer relacionada com o peso do espaço físico e institucional escolar (Dubet e Martuccelli, 1996).

Um elemento de análise fundamental e incontornável reside no modelo pedagógico e nos padrões de disciplina (Gibson apud Delamont, 1987: 84). Estes conjugam elementos formais externos com elementos definidos circunstancialmente pelo professor, não sendo necessariamente – e, diga-se, na maior parte das vezes – padronizado e rígido na sua aplicação. Existe aqui uma ligação forte com os processos de aprendizagem presentes na comunicação pedagógica. As estratégias seguidas no modelo pedagógico incidem não só no controlo que o professor possa vir a ter da turma como também dizem respeito a técnicas que potenciem a concentração dos alunos.

A análise de processos de comunicação e aprendizagem pode assumir várias formas. Uma sugestão interessante proposta por Barnes (1971), citado por Delamont (1987: 138), tem em conta a estrutura das perguntas do professor, desde perguntas “factuais” ou concretas até perguntas “abertas”. Walker e Adelman (1975) aprofundam a matéria, propondo duas dimensões: “Conteúdo” – flexível ou rígido – e “Definição” ou “Focagem” – aberta ou fechada. Esta última contempla o grau de especificação do papel do aluno na resposta, ou seja, uma definição elevada induz o aluno a dar respostas certeiras, enquanto a baixa definição pressupõe maior ambiguidade na resposta.

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Para Bernstein, estas questões têm correspondência, em última análise, com a classe social de origem de cada aluno. A célebre dupla “classificação” e “enquadramento” definiria o modelo de prática pedagógica conforme a posição e os códigos linguísticos da família de origem dos alunos (Domingos, 1985: 260-262). Refira-se que a classificação diz respeito ao grau de diferenciação entre categorias curriculares (áreas de conhecimento e matérias); e que o enquadramento, neste caso, está associado ao grau de controlo que, na comunicação pedagógica, se possui relativamente à seleção, organização e ritmo do conhecimento transmitido e recebido. Nestes termos, um enquadramento fraco traria uma maior flexibilidade ou liberdade na aprendizagem (Bernstein 1973a: 205). Ainda no âmbito da comunicação na relação pedagógica, Singly (2006) propõe a diferenciação entre norma psicológica – modelo que personaliza a relação com os alunos – e norma de comando – mais impessoal e, sobretudo, centrada nas regras institucionais.

As contingências e as normas conjugam-se na sala de aula de forma mais ou menos concordante. O presente estudo dá especial relevância à análise de imprevistos, contingências, eventuais disfunções ou focos de anomia que se possam fazer sentir na relação pedagógica.

De acordo com Merton (1970), a disfunção, enquanto perturbação de nível estrutural, permite uma aproximação analítica ao estudo da dinâmica e da mudança. As disfuncionalidades e condutas divergentes têm as suas normas próprias e muitas vezes processos de sentido latente (1970: 120, 237).

Para se analisar a interação na sala de aula seria insuficiente destacar somente uma perspetiva estrutural ou sistémica, pelo que se torna desejável recorrer, igualmente, à perspetiva dramatúrgica. Na linha de Goffman (1993), interessa, sobretudo, o desempenho dos atores, com todos os posicionamentos convencionados e estratégias próprias da interação com diferentes papéis. É nesta linha que se destacam os processos de negociação.

A negociação entre professor e aluno(s) tem sido tema de análise já com alguma tradição no âmbito da sociologia da sala de aula (Perrenoud, 2002; Eggleston, 1977; entre outros). Testa-se, entre outras coisas, a eficácia da autoridade do professor num saldo entre padrões de disciplina e comportamentos e práticas dos alunos. Durkheim (2001) destacou esse aspeto, com base numa aprendizagem moral como fator central da questão educativa e, desde então, a problemática da disciplina tem sido tratada em numerosas investigações. Em Portugal, Gomes refere a adaptação situacional de alunos e professores às circunstâncias do momento, que passam, inevitavelmente, pela disciplina e pelas maneiras, e em que se testa a eficácia da autoridade pedagógica (2009: 99,184).

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Se se tiver em conta o potencial heurístico dessa adaptação ou, sob uma outra perspetiva, desse ajustamento entre disposições e práticas (Bourdieu, 2002), é pertinente associar e tratar esses aspetos num quadro de negociação. Aprofundando os processos de negociação e ajustamento presentes na relação pedagógica, torna-se particularmente útil resgatar as ideias de Goffman presentes em Frame Analysis (1976).

Após uma explicação dos diferentes conceitos (ferramentas) que ajudam a incluir na interação aspetos cognitivos, Goffman analisa a interpretação dos quadros (frames) presentes na interação. “O que se está a passar aqui?” ou “que atitude e comportamento correspondem a este momento?” são exemplos de questionamentos internos – sem serem necessariamente reflexivos – com uma ligação grande à definição da situação, já abordada em A Apresentação

do Eu na Vida de Todos os Dias (1993). O autor acaba por salientar a negociação ou

ajustamento desses esquemas de interpretação, subjacente aos processos de interação quando os quadros são, à partida, discordantes (1976: 322). A aplicação deste contributo concetual ao contexto da sala de aula revela-se, assim, promissora.

Igualmente importante é o destaque das práticas de atenção (por parte dos alunos) na sala de aula. Pinto (2007), numa reflexão sobre a sala de aula contemporânea, propõe que se analisem os silêncios e os fenómenos de desatenção por parte dos alunos.

Subjacente a todos estes processos, e permitindo aprofundar e operacionalizar determinadas ações e dinâmicas, estão os esquemas e disposições incorporados dos agentes envolvidos (Bourdieu, 1998b; 2002). A sugestão de uma correspondência entre um acontecimento “desencadeador” e uma disposição incorporada é, também, útil, no quadro relacional da ação (Lahire, 2002: 56). Assim, as disposições enquanto propriedades relacionais ou de interação tornam-se peças fundamentais da observação no terreno, sem se deixar de ter em conta a diferença entre um modo consciente (e reflexivo) e outro modo mais automático (Bourdieu, 2002; Lahire, 2002: 145).

Dimensões da pesquisa

Após uma passagem por várias abordagens possíveis à pesquisa de terreno, nomeadamente no quadro da observação não participante em sala de aula, faz sentido sistematizar a partir daqui o conjunto de ferramentas e indicadores escolhidos para esta proposta.

A linguagem concetual utilizada para descrever o que se passa na sala de aula é, frequentemente, o resultado de um trabalho de pesquisa e articulação teórica prévias. Porém,

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não é incomum que a própria observação ajude a reorganizar as unidades de análise e os conceitos envolvidos numa dada pesquisa.

Na linha de Goffman, a sala de aula pode ser considerada um sistema social em miniatura (1993: 284), com as suas regras e convenções específicas; o que não impede que se resgatem outros conceitos úteis, cruzando-se autores e até paradigmas sociológicos. Dada a natureza institucional da relação pedagógica, sugere-se tomar em consideração as dinâmicas de autoridade ou de confiança, sendo, assim, articuladas com uma abordagem em que os processos de negociação no âmbito da interação são elementos vitais.

O núcleo heurístico da pesquisa deve centrar-se nos processos contingenciais da relação entre professor e alunos e sai enriquecido se houver uma análise dos esquemas de ação e de pensamento, desvendados nos processos de negociação e de atenção.

Em consonância com o que tem sido referido, o eixo dos processos de negociação afigura-se marcante no despiste dos fenómenos diversos que preenchem a ação na sala de aula, estando estes associados a dinâmicas que, muitas vezes, escapam a um olhar menos atento. São estratégias acionadas no âmbito dos diferentes papéis da relação pedagógica.

A questão da atenção parece ser, igualmente, um fator determinante na conduta, tanto de um ponto de vista mais cognitivo como também, e sobretudo, do lado do desempenho e das dinâmicas e papéis que se revelam na interação. Também podem ser tomados em consideração os ritmos e velocidades quotidianos que, muitas vezes, atravessam contextos (Tomlinson, 2007), devendo-se, em boa parte, ao uso intensificado das novas tecnologias (Castells, 2002; 2009). Contudo, ainda a propósito da atenção, é necessário ter-se presente e despistar o tradicional contraponto de trabalho escolar atento: a resistência própria dos alunos face a regras e aprendizagens que, de certa forma, choca com as estruturas de partida dos alunos. A propósito disto, Perrenoud (2002) lembra que os alunos estão na sala de aula contra a sua vontade e a executar um trabalho que lhes é imposto. Em Portugal, este aspeto é particularmente relevante, sobretudo quando a duração das aulas é de 90 minutos sem interrupções, o que não deixa de levantar questões próprias da adequação de certas medidas ministeriais aos tempos de aprendizagem ótimos e eficazes. No que toca à pesquisa, parte do desafio passa então por se despistarem cuidadosamente os vários focos de desatenção que ocorrem.

A análise da relação com a autoridade contempla uma abordagem em torno das regras e normas instituídas – muitas vezes associadas a rituais de instituição (Bourdieu, 1982) – e que encontram correspondência em boa parte dos esquemas de ação internalizados.

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Refira-se que nestas dinâmicas é possível aferir, em maior ou menor grau, a própria confiança na autoridade, numa relação estreita com a questão da proximidade ao professor.

Ao nível das estratégias dos alunos, inclui-se toda uma série de práticas e atitudes, entre as quais o utilitarismo (Perrenoud, 2002) ou as tentativas de capitalização de ganhos pessoais (avaliação, reconhecimento privilegiado, etc.), feitas por via de se “jogarem as regras do jogo” (agradar ao professor, desempenhar um papel com determinadas caraterísticas, etc.). Isto é, de certa forma, contrário à atitude de proximidade cúmplice e confiante face ao professor. Poderá tratar-se de um tipo de proximidade, porventura mais instrumental e atenuadora da hierarquia própria dos papéis da relação pedagógica.

Todos os sinais de conduta e desempenho observados incluem traços da corporalidade dos comportamentos (Bourdieu, 1998b) na mesma medida em que se desviam em maior ou menor grau das normas instituídas – traduzindo-se em efeitos na postura, modos, decoro ou cortesia dos alunos (Goffman, 1993; Elias, 1995).

Ao nível do trabalho escolar, a relação entre o mérito, o esforço e os seus entrelaçamentos com algumas práticas extraescolares definem o seu ethos, num saldo que pode, igualmente, ser tido em conta, se se incluírem elementos externos ao campo escolar (nomeadamente, por exemplo, a possibilidade de acesso praticamente ilimitado e indiscriminado à informação, graças às novas TIC).

A escola é uma instituição dinâmica, sujeita, desde sempre, a alterações curriculares, institucionais, sociais e culturais. Contudo, uma reestruturação profunda no âmbito da ação das novas TIC merece um destaque especial, já que se começa a evidenciar, aqui e ali, a introdução de novos elementos no espaço de comunicação e aprendizagem. Note-se, por exemplo, a presença significativa do telemóvel na sala de aula, ou os novos desafios para o controlo do plágio que a Internet apresenta (Ponte et al, 2009).

Categorias propostas para a organização de dados do terreno

As categorias propostas para a organização da recolha de informação no âmbito da pesquisa de terreno devem contemplar o devido distanciamento epistemológico na identificação, avaliação da frequência e relevância dos fenómenos presentes na sala de aula. A proposta específica que aqui é apresentada foi construída com base em indícios teóricos e também empíricos, sobretudo na fase exploratória da pesquisa. A tabela seguinte sintetiza os indicadores utilizados:

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Tabela 1 – Indicadores de pesquisa

Na prática, e do ponto de vista das técnicas de observação não participante, os desafios vividos pelo investigador começaram pela omissão da posição efetiva (Goffman, 1993: 19), que contou com o auxílio e cumplicidade inicial dos professores das turmas observadas, deixando-se de lado pormenores da pesquisa. Em termos espaciais, a localização escolhida para se observar (comum a praticamente todas as investigações do género) foi a mais discreta e mais afastada possível da atenção dos alunos: uma das mesas de trás da sala, preferencialmente situada num canto.

A turma não é um meio evidente e, apesar das influências externas e das mudanças, permanecem elementos “típicos”, próprios da estruturação institucional levada a cabo pela escola ao longo de décadas de um sistema de ensino público. Ao ouvir-se uma aluna a ler um excerto de um livro, identifica-se o tom e a postura, como algo que “é próprio” da escola, presente nas convenções comunicacionais igualmente utilizadas pelo investigador.

No decurso das observações já realizadas, alguns despistes e ajustes iniciais foram necessários. Reparou-se, por exemplo, que quanto mais inseguro é um determinado professor, mais disciplinada é a turma que aquele dá a observar. Trata-se de um mecanismo de defesa utilizado por alguns professores, que convém ter em conta.

Dinâmicas da Atenção Desempenho/estratégias dos alunos Desempenho/estratégias do professor Dinâmicas de Negociação Desempenho/estratégias dos alunos

Desempenho/estratégias do professor Modelo Pedagógico (professor) – organização do espaço/tempo

– uso de TIC

– gestão das interpelações

– material/modelos de aprendizagem – sanções/regras de conduta

– “confiança”/liberdade (autonomia?) permitida aos alunos Interação fora do tempo de aula Desempenho dos alunos

Desempenho do professor Indiferenciados/Outros

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Notas finais

Propõe-se, assim, um modelo de observação sistemático e, preferencialmente, aplicado a várias turmas. Se as primeiras observações em cada turma despertam a curiosidade dos alunos, as seguintes são feitas, quase sempre, com indiferença face à presença do investigador. Isto não impede algumas situações em que a interferência resultante da observação se faz sentir com maior impacto. Interessa, sobretudo, haver a capacidade de filtragem desses efeitos inesperados no trabalho de campo.

Algumas regras básicas, com vista a minorar a interferência do observador, devem ser tidas em conta: nunca fixar o olhar nalgum aluno; não tirar notas imediatamente a seguir a alguma pista observada; simular a atenção na matéria dada pelo professor; equilibrar tudo isso com uma vigilância constante no que se passa à volta e ter em atenção os menores indícios que possam surgir.

Por fim, sublinhe-se o facto de esta proposta apresentada deixar de parte uma análise aprofundada de elementos diretamente relacionados com o conteúdo curricular. De facto, salvo uma ou outra exceção, o enfoque principal recai sobre os aspetos comportamentais da interação e comunicação. Ressalve-se, ainda, uma cautela especial relativamente a generalizações abusivas no que toca à frequência de fenómenos e em termos do seu alcance, daquilo que é sociologicamente relevante na sala de aula. Tal não impede que sejam identificados, aqui e ali, fenómenos sintomáticos que permitam arriscar um retrato aprofundado da relação pedagógica.

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Tabela 1 – Indicadores de pesquisa

Referências

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