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CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS EM LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS DO 6º AO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

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Academic year: 2021

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CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS EM

LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS DO 6º AO 9º ANO

DO ENSINO FUNDAMENTAL

Marcelo D’Aquino Rosa

1

Juliana Silva Pedro Barbi

2

Jorge Megid Neto

3

RESUMO

Este artigo investiga a organização dos conteúdos de Ciências presentes nas coleções didáticas dos anos finais do Ensino Fundamental aprovadas no Programa Nacional do Livro Didático de 2017, pelo referencial metodológico da análise de con-teúdo. Foram estabelecidas duas categorias de coleções, denominadas tradicionais e não tradicionais. Constatamos que dez coleções de Ciências, presentes no Guia de Livros Didáticos de 2017, apresentam um aspecto tradicional, de acordo com a distribuição dos conteúdos nos livros didáticos, enquanto as obras de caráter não tradicional são três. Inferimos que as mu-danças na estrutura dos conteúdos nas coleções didáticas de Ciências não ocorrem, porque o livro didático tradicional ainda é mais selecionado, e as coleções de caráter inovador possuem menor adesão pelos professores em atividade. Observamos que essa situação leva o livro didático a permanecer concebido dentro de um modelo tradicional em relação aos conteúdos, fator que persiste fortemente em sua produção, com grande impacto na estrutura curricular das coleções. Concluímos que o conjunto das coleções permanece concentrado em uma organização desatualizada segundo a legislação educacional vigente, centrada em áreas de conhecimento compartimentadas e não integradas, ao invés de eixos temáticos integrados e com abor-dagem conceitual progressiva ao longo dos anos letivos.

Palavras-chave: Livro didático de Ciências. Programa Nacional do Livro Didático. Anos Finais do Ensino Fundamental. Conteú-dos curriculares. Ensino de Ciências.

PROGRAM CONTENTS ON SCIENCE TEXTBOOKS FROM 6TH TO 9TH GRADE OF BRAZILIAN ELEMENTARY SCHOOL ABSTRACT

This paper investigates the organization of the Science contents present on textbooks from Secondary school, approved by the National Textbook Program in 2017, regarding the methodological framework of content analysis. Two categories of collections were established by the researchers: the traditional and the non-tradicional Science textbooks. Data analysis re-vealed ten Science collections from the 2017 Textbooks’ Guide seem to propose a traditional Science aspect, according to the distribution of the Science textbooks, while non-traditional textbooks are three collections. We infer that there are no changes in the content structure of these Science Textbooks since the traditional textbook is possibly more selected yet, thus the innovative character collections have less adherence by the active teachers. We observed this choice leads the textbook to remain conceived within a traditional model in relation to the contents, it is a factor that persists strongly in its production, with a great impact on the curricular structure of the collections. We conclude that the set of collections remains concen-trated in an organization outdated according to the current educational legislation, centered on compartmentalized and non - integrated areas of knowledge, instead of integrated thematic axes and with a progressive conceptual approach throughout the school years.

Keywords: Science Textbook. National Textbook Program. Secondary School. Curricular Contents. Science Education. RECEBIDO EM: 8/7/2019

ACEITO EM: 11/7/2019

1 Membro da Equipe Multidisciplinar de Materiais Didáticos (IFSC). Professor conteudista do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas – Modalidade EAD (UFSC). Doutor em Ensino de Ciências e Matemática (Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciên-cias e Matemática (Pecim/Unicamp). Mestre em Educação Científica e Tecnológica (Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT/UFSC). Bacharel/Licenciado em Ciências Biológicas (UFSC). http://lattes.cnpq.br/3366324001745864. https://orcid. org/0000-0002-0111-8540. marcelodaquino87@gmail.com

2 Professora de Ciências e Biologia no município de Campinas, São Paulo. Mestra em Ensino de Ciências e Matemática (Pecim/Unicamp). Licenciada em Ciências Biológicas (Unicamp). http://lattes.cnpq.br/4228010558774072. https://orcid.org/0000-0001-6888-0495. julianasilvapedro@yahoo.com.br

3 Professor do Departamento de Ensino e Práticas Culturais (Deprac) na Faculdade de Educação (FE), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre e doutor em Educação (Unicamp). Professor nos Programas de Pós-Graduação em Educação e Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática (Pecim) – Unicamp. Grupo Formar-Ciências – Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação de Professores da Área

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O livro didático (LD) possui papel central nos processos de ensino e aprendizagem dos vários níveis escolares da educação básica brasileira (BRITTO, 2011; GÜLLICH; PAN-SERA-DE-ARAÚJO; EMMEL, 2010; MUNAKATA, 2016). Trata-se de material distribuído todos os anos de forma gratuita pelo governo federal para os estudantes de escolas públicas desde 1996, por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Na se-gunda metade da década de 90 do século 20, a distribuição alcançou os estudantes do Ensino Fundamental (EF). Em meados da década de 2000 passou a ser distribuído aos estudantes do Ensino Médio para algumas disciplinas escolares, primeiramente Mate-mática e Língua Portuguesa e, posteriormente, para as demais. Desde 2012 a distribui-ção passou a ser plena para todos os anos escolares da educadistribui-ção básica e todas as disci-plinas do currículo escolar do EF e do Ensino Médio (EM).

Diversas são as pesquisas acadêmicas que abordam o PNLD como uma política nacional para a avaliação, compra e distribuição de coleções didáticas aos estudantes de escolas públicas. O processo de avaliação das coleções teve início em 1993 (AMA-RAL, 2006), abrangendo coleções dos anos iniciais do EF. As avaliações prosseguiram de forma periódica e rotativa: em um ano são avaliadas coleções dos anos iniciais do EF; no ano seguinte, coleções dos anos finais do EF; no terceiro ano subsequente, coleções do EM; e assim sucessivamente.

Essas avaliações periódicas geraram sensível melhoria de qualidade nesse recur-so didático no tocante à correção conceitual, à diversidade de linguagens e de aborda-gens metodológicas, às concepções de ciência e de educação veiculadas, entre outros aspectos.

Devemos ter em conta ainda que, para as editoras do mercado livreiro do país, a participação no PNLD é de grande importância, pois as vendas de coleções didáticas para o Ministério da Educação respondem por um elevado percentual da receita dessas empresas; na média algo em torno de 60% dos lucros totais (ROSA; MEGID NETO, 2016).

As avaliações periódicas das coleções estão ocorrendo há mais de 20 anos no PNLD e geram uma listagem das obras para escolha por professores de escolas públicas (ROSA; MOHR, 2016). Informações sobre as coleções estão disponíveis em um catálogo conhecido como Guia de Livros Didáticos (GLD), documento publicado por triênio para cada etapa da Educação Básica, contendo as avaliações realizadas para todas as discipli-nas do currículo escolar da respectiva etapa.

Na sistemática do PNLD, e tomando o componente curricular de interesse deste trabalho – Ciências Naturais do 6º ao 9º ano do EF –, o último processo de avaliação ocorreu entre 2015 e 2016, sendo divulgado o GLD em meados de 2016, referente à edição do PNLD 2017. As coleções aprovadas nesse processo foram escolhidas pelos professores e Secretarias de Educação em meados de 2016, e as coleções chegaram às escolas no início do ano letivo de 2017, devendo ser usadas no triênio 2017-2018-2019.

O GLD, além de possuir os nomes das coleções disponíveis para escolha pelos pro-fessores da EB, apresenta uma breve descrição das obras, além da análise e sugestões aos professores quanto à utilização dos LDs em sala de aula. Tal avaliação é feita com base nos critérios estabelecidos pela equipe de especialistas constituída para esse tra-balho e leva em consideração a legislação educacional vigente e as contribuições das pesquisas acadêmicas sobre o ensino daquele componente curricular.

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Já em relação à escolha e distribuição das coleções, podemos notar alguns fatores bem discutidos na literatura científica. Machado (1996) e Amaral e Megid Neto (1997), por exemplo, já relacionavam a preferência dos professores da EB por um padrão de coleção mais relacionado às tradições programáticas e metodológicas, uma vez que co-leções inovadoras necessitariam que os professores dedicassem muito tempo para sua compreensão e uso frequente, fator que dificultaria sua adoção.

No caso do Ensino de Ciências, essas tradições pedagógicas estão envoltas nas ca-racterísticas do chamado modelo tradicional de ensino ou modelo de transmissão cul-tural, que se alinham ao discurso positivista, assumindo a Ciência como verdade abso-luta e inquestionável, gerando um conhecimento superior a quaisquer outras formas de conhecimento ou manifestação cultural. Embutidos nesse modelo estão os processos de ensino centrados no professor, sobretudo por meio de exposição oral, e o reforço a dispositivos mnemônicos de aprendizagem, além da transmissão de uma visão acrítica e ahistórica de Ciência.

Este modelo vigorou soberano e quase que exclusivo no país e em diversas par-tes do mundo até meados da década de 50 (AMARAL, 2000). Posteriormente, outros modelos surgiram no cenário escolar brasileiro, como os modelos construtivista, tecni-cista, sociocultural, histórico-crítico entre outros, e influenciaram fortemente o ideário pedagógico dos professores e gestores escolares, as diretrizes curriculares oficiais e a produção de materiais didáticos. O modelo tradicional de ensino-aprendizagem, contu-do, continuou hegemônico no conjunto das escolas brasileiras da educação básica até os dias atuais.

No contexto político e social das décadas de 20, 30 e 40, e, mais especificamente, durante o Estado Novo, as Leis Orgânicas de Ensino buscaram reformular o ensino no país. Em 1942, a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto Federal nº 4.244) estipula-va as diretrizes do ensino secundário, cujas finalidades estaestipula-vam associadas à formação humanística dos jovens, ao estímulo ao patriotismo, à preparação para o curso superior e à possível formação de lideranças nacionais (ROMANELLI, 1986). Nesse contexto, a então disciplina Ciências Físicas e Naturais era um componente curricular da 3ª e 4ª sé-ries do curso ginasial (atuais 8º e 9º anos do EF). Com respeito à distribuição dos conte-údos para o ensino nesse nível, era proposto: na 3ª série (atual 8º ano): Água, Ar e Solo, Noções de Botânica e de Zoologia e Corpo humano; e na 4ª série (atual 9º ano): Noções de Química e de Física, segundo Domingues, Koff e Moraes (2000).

Na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 (Lei Federal nº 4.024), o ensino de Ciências passou a ocupar os quatro anos finais do então Curso Gina-sial (atuais 6º ao 9º ano do EF). Com a promulgação da Lei Federal 5.692, de 1971, esse ensino foi estendido para as oito séries do então Ensino de 1º Grau (atual EF). Assim, a mesma distribuição dos conteúdos programáticos, datada dos primórdios de 1940, foi estendida para todo o novo ciclo escolar e acabou por inaugurar uma tradição progra-mática que perdura até os dias atuais para a atual disciplina “Ciências Naturais” do EF.

Tomando mais particularmente os quatro últimos anos do EF, denominaremos esta distribuição por “organização tradicional dos conteúdos”, assim configurada: 6º ano: Ar, Água, Solo; 7º ano: Seres Vivos; 8º ano: Corpo Humano; 9º ano: Física e Quí-mica. Trata-se de uma organização centrada nas áreas de conhecimento que compõem

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as Ciências da Natureza: Astronomia, Biologia, Física, Geociências e Química. Com base nessas áreas, podemos considerar os conteúdos programáticos de Ciências Naturais nessa organização tradicional assim distribuídos a grosso modo: 6º ano: Geociências e Astronomia; 7º ano: Biologia; 8º ano: Biologia; 9º ano: Física e Química.

Tal organização, muito comum nas coleções didáticas de várias décadas, também esteve presente nas diretrizes e orientações curriculares oficiais no Brasil até meados da década de 90. Um estudo realizado pela Fundação Carlos Chagas, publicado em 1995, analisou 22 propostas curriculares de Ciências existentes no país à época, de âmbito es-tadual ou municipal. Observou-se a presença massiva de temas pertinentes à educação ambiental, mas também a distribuição de temas e assuntos que, em muito, remetia à organização tradicional dos conteúdos no ensino de Ciências:

[...] pode-se perceber que há uma concentração de certos temas curriculares em determinadas séries como, por exemplo, Matéria e Energia na oitava (18 propos-tas); Recursos Naturais na quinta (17 propospropos-tas); Corpo Humano na quarta (17 pro-postas) e na sétima (15 propro-postas). Esses exemplos demonstram uma tendência ao esquema tradicional apresentado pelos livros didáticos, de trabalhar de forma estanque. Por exemplo, Física e Química na oitava série, Ar, Água e Solo na quinta e Corpo Humano com ênfase na quarta [série] e fortemente na sétima [série] (BAR-RETTO, 1995, p. 66).

No final da década de 90 os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998) propuseram uma organização dos conteúdos programáticos estruturada em ei-xos temáticos que deveriam percorrer o currículo em todos os anos escolares. Os eiei-xos temáticos e seus respectivos temas e conteúdos deveriam ser integrados entre si em um mesmo ano letivo e articulados de um ano letivo ao outro, com uma abordagem conceitual progressiva em complexidade e abrangência (currículo em espiral). Ou seja, deveriam constituir arranjos de temas e conteúdos tratados de forma integrada, não compartimentada e não estanque.

Para a disciplina Ciências Naturais os eixos temáticos propostos nos PCNs foram: “Terra e Universo”, “Vida e Ambiente”, “Ser Humano e Saúde” e “Tecnologia e Socieda-de”. Nota-se claramente a tentativa de organizar os conteúdos de ensino-aprendizagem não mais pelas áreas de conhecimento integrantes das Ciências da Natureza. Ressalte--se que os PCNs sugeriam esses quatro eixos temáticos para o ensino de Ciências, mas admitiam a possibilidade de os sistemas escolares ou escolas assumirem outros eixos temáticos sem, contudo, abrir mão da organização por eixos e da abordagem curricular em espiral.

Com o advento dos PCNs, as coleções didáticas, produzidas posteriormente e sub-metidas à avaliação do PNLD, passaram a ser obrigadas a atender à legislação educacio-nal oficial, incluídos os próprios PCNs. Uma rápida observação das coleções didáticas de Ciências de 6º ao 9º ano do EF, produzidas nas décadas de 2000 até meados da década de 2010, todavia, mostrou-nos que as coleções pouco alteraram a organização dos con-teúdos programáticos, mantendo a distribuição por áreas de conhecimento e não por eixos temáticos.

As palavras de Gomes, Selles e Lopes (2013, p. 486-487) sintetizam muito bem todo esse movimento:

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[...] os livros didáticos mostram um arcabouço característico de organização da dis-ciplina Ciências desde sua inserção nos currículos pela Reforma de Francisco Cam-pos na década de 1930. Esse arcabouço pode ser compreendido como expressão de um padrão de estabilidade (GOODSON, 1997) da disciplina Ciências, resultando de forças que operam na evolução sócio-histórica do currículo disciplinar. Os livros didáticos apresentam-se organizados dentro de um padrão estável expresso nos enfoques curriculares e na distribuição de conteúdos pelas séries. Essa estabilidade contribui para a naturalização dos conteúdos de ensino, fazendo com que pareçam imutáveis.

No final da década de 90 os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) propuse-ram uma organização dos conteúdos progpropuse-ramáticos estruturada em eixos temáticos, que deveriam percorrer o currículo em todos os anos escolares. Os eixos temáticos e seus respectivos temas e conteúdos deveriam ser integrados entre si em um mesmo ano letivo e articulados de um ano letivo ao outro, com uma abordagem conceitual progressiva em complexidade e abrangência (currículo em espiral). Ou seja, deveriam constituir arranjos de temas e conteúdos tratados de forma integrada, não comparti-mentada e não estanque.

Para a disciplina Ciências Naturais os eixos temáticos propostos nos PCNs foram: “Terra e Universo”, “Vida e Ambiente”, “Ser Humano e Saúde” e “Tecnologia e Socieda-de”. Nota-se claramente a tentativa de organizar os conteúdos de ensino-aprendizagem não mais pelas áreas de conhecimento integrantes das Ciências da Natureza. Ressalte--se que os PCNs sugeriam esses quatro eixos temáticos para o ensino de Ciências, mas admitiam a possibilidade de os sistemas escolares ou escolas assumirem outros eixos temáticos sem, contudo, abrir mão da organização por eixos e da abordagem curricular em espiral.

Com o advento dos PCNs, as coleções didáticas produzidas posteriormente e sub-metidas à avaliação do PNLD passaram a ser obrigadas a atender à legislação educacio-nal oficial, incluídos os próprios PCNs. Uma rápida observação das coleções didáticas de Ciências de 6º ao 9º ano do EF, produzidas nas décadas de 2000 até meados da década de 2010, todavia, mostrou-nos que as coleções pouco alteraram a organização dos con-teúdos programáticos, mantendo a distribuição por áreas de conhecimento e não por eixos temáticos.

Esta nossa impressão é corroborada pelo estudo de Gomes, Selles e Lopes (2013) com respeito a algumas coleções didáticas de Ciências difundidas no Brasil nos anos de 1970 a 2000. Dentre os resultados encontrados, destacamos a organização dos conteú-dos:

Nessas coleções, para a 5ª série, é proposto o ensino de conteúdos mais relaciona-dos ao planeta Terra, como a água, o ar e o solo, os quais têm suas referências cien-tíficas nos campos da Biologia, da Física, da Química, da Geologia e da Astronomia. Já na 6ª série, são apresentados os seres vivos, muito ligados ao campo biológico de conhecimentos. Por sua vez, na 7ª série, os livros didáticos apresentam conteú-dos de ensino relativos ao corpo humano, abordando conhecimentos relacionaconteú-dos à Anatomia e à Fisiologia. Por fim, na 8ª série, são privilegiados conteúdos de ensi-no da Física e da Química (GOMES; SELLES; LOPES, 2013, p. 486).

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Embora as coleções didáticas que iremos analisar neste trabalho tenham sido pro-duzidas sob a égide dos Parâmetros Curriculares Nacionais do final da década de 90, as novas diretrizes curriculares, trazidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o EF, publicada em 2017, também propõem uma organização dos conteúdos programá-ticos por eixos temáprogramá-ticos. No caso da disciplina Ciências Naturais, os eixos assumidos pela BNCC são: “Terra e Universo”, “Matéria e Energia” e “Vida e Evolução. Tais eixos não estão configurados segundo as áreas de conhecimento integrantes das Ciências da Natureza, embora mantenham relação com elas, e devem ser trabalhados em cada ano escolar e ao longo de todos os anos do EF de modo integrado e com abordagem concei-tual progressiva (BRASIL, 2017).

Considerando o contexto e as bases teóricas apresentadas, o objetivo desta pes-quisa foi analisar a distribuição dos conteúdos programáticos das atuais coleções de Ciências do 6º ao 9º ano do EF aprovadas no PNLD 2017. Procuramos averiguar a se-guinte questão: A organização dos conteúdos programáticos nas atuais coleções didáti-cas de Ciências segue as diretrizes curriculares quanto a sua estruturação em eixos te-máticos presentes em todos os volumes, integrados em cada volume e com abordagem conceitual progressiva ao longo dos volumes?

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este estudo configura-se como uma pesquisa documental tomando por referên-cia a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011) para obtenção e revisão dos dados. Foram analisados os conteúdos programáticos das 13 coleções de Ciências do 6º ao 9º ano do EF aprovadas no PNLD 2017. Procedemos com a leitura dos Sumários dos 4 volumes de cada coleção, os quais estão discriminados no Guia do Livro Didático (GLD) disponível no site do Ministério da Educação, e a construção de quadros comparativos dos temas e conteúdos programáticos principais de todas as coleções de Ciências. Identificaremos, no corpo deste trabalho, cada coleção por um código numérico correspondente a sua posição na listagem das obras do GLD, a saber:

Quadro 1 – Coleções de Ciências aprovadas no PNLD 2017

CÓD. TÍTULO AUTOR(ES) EDITORA

01 “Ciências da Natureza – Investigar e Conhecer” Sônia Lopes EducaçãoSaraiva

02 “Ciências Naturais – Aprendendo com o Cotidiano” Eduardo Leite do Canto Moderna

03 “Ciências – Projeto Teláris” Fernando Gewandsnajder Ática

04 “Ciências – Projeto Araribá” Maria Rosa Carnevalle Moderna

05 “Ciências – Projeto Apoema” Ana Maria Pereira e colaboradores Editora do Brasil

06 “Ciências: Novo Pensar” Demétrio Gowdak e Eduardo Martins FTD

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08 “Ciências da Natureza – Para Viver juntos” Ana Luiza Petillo Nery e colaboradores SM

09 “Universos – Ciências da Natureza” Ana Fukui e colaboradores SM

10 “Ciências – Jornadas.Cie” Isabel Rebelo Roque EducaçãoSaraiva

11 “Ciências” Carlos Barros e Wilson Paulino Ática

12 “Ciências” Carlos Kantor e colaboradores Quinteto

13 Tempo de Ciências Angela Sillos e Eduardo Passos Editora do Brasil

Fonte: Elaborado pelos autores.

Após a construção do Quadro, realizamos a leitura flutuante dos conteúdos de cada uma das coleções, processo denominado por Bardin (2011) de pré-análise. Nes-sa etapa, procuramos observar se as coleções seguiam algum padrão de montagem e divisão de conteúdos nos volumes referentes aos quatro anos finais do EF. Em seguida, estabelecemos as categorias de análise, que surgiram durante esse momento inicial da construção e leitura do Quadro dos conteúdos das coleções, configurando um sistema categorial a priori. Definimos, então, as seguintes categorias: coleções de “organização

tradicional” e coleções de “organização não tradicional”.

Consideramos uma coleção de “organização tradicional” quando seus conteúdos programáticos seguiam a distribuição por áreas de conhecimento compartimentadas, fragmentadas e estanques ao longo dos quatro volumes da coleção, por exemplo: Geo-ciências e Astronomia no volume do 6º ano, Biologia (classificação e diversidade dos seres vivos) no volume do 7º, Biologia (corpo humano e saúde) no volume do 8º ano, Física e Química no volume do 9º ano, ou algum arranjo similar.

Definimos uma coleção de “organização não tradicional” quando seus conteúdos programáticos seguiam uma distribuição por eixos temáticos integrados em um mes-mo volume, articulados de um volume para outro e com abordagem conceitual pro-gressiva ao longo dos volumes (abordagem em espiral), acompanhando, por exemplo, as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais ou de outros documentos curriculares posteriores e de amplitude nacional. Incluímos nessa categoria coleções que, ao menos, intentaram realizar uma organização por eixos temáticos, mesmo que isto tenha sido conseguido em apenas um ou dois volumes da coleção. Nesses casos, tais coleções atenderam apenas parcialmente o disposto nos documentos curriculares oficiais.

Para a classificação realizada, alguns descritores específicos foram criados e con-feridos na leitura no momento da imersão no corpus de análise. A classificação na ca-tegoria de coleções com organização tradicional ocorreu quando alguns dos descritores apareceram de maneira exclusiva em um volume de LD de um único ano específico, conforme exemplificado no Quadro 2. Além dos descritores mais frequentes, procura-mos por outros indícios de temas e conteúdos que contemplassem o arranjo curricular tradicional das coleções.

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Quadro 2 – Exemplos de descritores correspondentes a duas coleções didáticas de Ciências com organização tradicional dos conteúdos programáticos

CÓD. 6º ANO 7º ANO 8º ANO 9º ANO

06 Astronomia: Conhecendo o universo; Planeta Terra: O planeta em que vivemos; O solo; O solo e a saúde. O ar: O ar em volta da Terra; Os componentes do ar; Propriedades do ar; Pressão atmosférica – as condições do tempo; A conquista do ar; Ar e saúde. A água: existência e composição da água; A água na natureza; Propriedades da água; Água potável

e saneamento básico; Água e saúde. Ecologia: entendendo

a ecologia.

Introdução ao estudo dos seres vivos: introdução à biologia; vírus e moneras; Protistas e fungos. Os animais: diversidade dos animais; Invertebrados; Peixes, anfíbios e répteis; Aves e mamíferos. As plantas: diversidade das plantas; Órgãos vegetativos das plantas;

Órgãos reprodutores das angiospermas. Ecologia: biosfera; As relações ecológicas. Organização geral do ser humano: conhecendo a célula; Níveis de organização do ser humano. O corpo humano em atividade; Funções vitais; Alimentação e digestão; Respiração, circulação e excreção; Funções de relação; Funções de coordenação. Reprodução, desenvolvimento e hereditariedade: sexualidade e reprodução; Mecanismos de herança. Evolução

dos seres vivos: os evolucionistas e os mecanismos da evolução. Biotecnologia: saúde e tecnologia. Ecologia: o ambiente e o ser humano. Matéria e energia: matéria; energia; unidades de medida. Noções básicas da química: substâncias químicas e misturas; A estrutura do átomo; Ligações químicas; Reações químicas; Funções químicas; Radioatividade. Noções básicas de física: movimento; força; pressão; trabalho e potência; Máquinas simples; Transferência de energia entre sistemas: calor; Ondas, som e luz; Eletricidade; Magnetismo. Ecologia: o ambiente agredido; Poluição e saúde. 10 Os seres vivos e o ambiente: quanta vida na Terra; Onde

a vida acontece; Energia e matéria em um ecossistema; As relações entre os seres vivos; A distribuição da vida na Biosfera; Biomas brasileiros. A Terra

por dentro e por fora: da superfície ao centro da Terra; As rochas; Minérios

e jazidas; O solo: piso, pátria, pão; Preservação do solo. A água no ambiente: a água e a vida; A água e seus efeitos físicos; Tratamento de água e de esgoto para todos. O ar e o ambiente: atmosfera:

a camada gasosa que envolve a Terra;

Propriedades do ar. Desequilíbrios ambientais: a poluição ambiental; Lixo: problemas e soluções. Universo – O ambiente maior. Universo, galáxias, estrelas, planetas, satélites...; O Sistema Solar. Diversidade de vida na Terra: reconhecendo um ser vivo; A origem

da vida; A evolução dos seres vivos; Biodiversidade e classificação; Vírus: seres sem organização

celular. Os reinos das moneras, dos protoctistas e dos fungos; Reino das moneras: as bactérias

e as arqueas; Reino dos protoctistas: protozoários e algas;

Reinos dos fungos; O reino das plantas: Briófitas e pteridófitas;

Gimnospermas; Angiospermas: aspectos

gerais – raiz, caule e folha; Angiospermas: flor, fruto e semente. O

reino dos animais: os poríferos e os cnidários; Os platelmintos e os nematódeos; Os anelídeos e os moluscos; Os artrópodes; Os equinodermos; Os peixes; Os anfíbios; Os répteis; As aves; Os mamíferos. A organização do corpo humano: ser humano, com muito

prazer; A célula: uma visão geral; A divisão celular; Níveis de organização

do corpo humano. A reprodução: o sistema genital; Como

nascemos; Corpo e mente: os cuidados na adolescência; A vida continua. As funções de nutrição: a importância dos alimentos; Alimentação saudável; A digestão; A respiração; A circulação; A excreção. Funções de relação com o ambiente: locomoção: ossos e músculos; Os sentidos. A coordenação das funções orgânicas: O sistema nervoso; O sistema endócrino. Conceitos básicos de Física e de Química: matéria e energia; medições e unidade de medida; Matéria: estados físicos e propriedades. O estudo da Física: o movimento; As leis de Newton; A gravitação universal; Máquinas simples e trabalho; Energia mecânica; Temperatura e calor; As ondas e o som; As ondas e a luz; Eletricidade; Magnetismo. O estudo da Química: o átomo: estrutura e identificação; A tabela periódica dos elementos químicos; As ligações químicas; Substâncias e misturas; Funções químicas: ácidos e bases; Funções químicas: sais e óxidos; Reações químicas.

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Já para a classificação das obras na categoria “organização não tradicional”, obser-vamos se as coleções possuíam certo grau de inovação dos conteúdos programáticos distribuídos ao longo dos 4 volumes da coleção ou pelo menos em dois volumes. Dentre as 13 coleções didáticas analisadas, não identificamos nenhuma que tenha realizado uma inovação plena nos 4 volumes; assim, mesmo quando classificada nessa categoria “não tradicional”, a obra ainda apresentou alguns indícios de uma organização tradicio-nal por áreas de conhecimento e não por eixos temáticos, ficando comprometida uma hipotética “inovação plena”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em nossa análise das coleções presentes no GLD de 2017 para a disciplina de Ciências, percebemos uma forte tendência de distribuição de conteúdos por áreas de conhecimento em anos letivos específicos do EF e organizados de modo compartimen-tado, não integrado e estanque. Esse padrão de formatação e montagem das coleções foi observado em 10 das 13 obras avaliadas e aprovadas no último Guia (códigos 01, 03, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11 e 12), sendo consideradas, portanto, como obras de “or-ganização tradicional” dos conteúdos programáticos. Em outro sentido, consideramos as obras de código 02, 04 e 13 como “organização não tradicional” dos conteúdos, pois intentaram uma organização por eixos temáticos ou distinta de áreas de conhecimento compartimentadas em, ao menos, dois volumes. Nenhuma dessas coleções inovou a organização de conteúdos nos quatro volumes.

Essa distribuição mais tradicional dos conteúdos que observamos em quase 80% das coleções, obedece superficialmente a estruturação dos conteúdos pelos quatro ei-xos temáticos dos PCNs para as Ciências Naturais (BRASIL, 1998), porém destinando a cada volume das coleções unicamente a abordagem de certo eixo temático. Nesse sen-tido, a organização temática não se configura como um “eixo” que percorre toda a cole-ção, mas acaba refletindo uma organização por área de conhecimento.

Assim, a maioria das obras analisadas destinou o volume do 6º ano aos conteúdos relativos a “Terra e Universo”; os assuntos relativos a “Seres Vivos e Ambiente” apre-sentaram-se com ampla frequência nos volumes de 7º ano e, por último, comumen-te os volumes relativos ao 8º ano abrangeram o eixo comumen-temático “Ser Humano e Saúde”. Os volumes do 9º ano dessas coleções trataram quase que exclusivamente de tópicos referentes à Física e Química, num claro distanciamento da organização temática e es-tampando explicitamente a organização por áreas de conhecimento das Ciências da Natureza. Consideramos que o eixo temático “Tecnologia e Sociedade” foi o único que permeou os conteúdos programáticos dos quatro volumes das coleções (ROSA; MEGID NETO, 2016). Mesmo nesse caso, todavia, os conteúdos relativos a esse eixo não foram abordados de modo articulado e gradual ao longo dos volumes, mas, sim, ligados aos conteúdos tratados em cada volume. Nesse sentido, mesmo para esse eixo as coleções não atenderam ao princípio curricular da abordagem temática em espiral (com amplia-ção da complexidade conceitual e metodológica) ao longo dos anos letivos, algo preco-nizado em vários documentos curriculares de âmbito nacional.

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Vamos apresentar sucintamente a distribuição dos conteúdos programáticos nas três coleções consideradas como organização não tradicional dos conteúdos. No primei-ro exemplo identificamos a presença de tópicos referentes ao eixo temático “Ser Huma-no e Saúde” Huma-no volume do 7º aHuma-no, bem como elementos pertinentes ao eixo “Terra e Universo” no 8º ano. Por último, novamente no volume do 9º ano é trabalhado o eixo temático “Ser Humano e Saúde”, não havendo diferença significativa apenas no LD refe-rente ao 6º ano. O Quadro 3, a seguir, contempla a obra de código 02.

Quadro 3 – Coleção “Ciências Naturais – aprendendo com o cotidiano” e sua distribuição dos conteúdos científicos em caráter não tradicional na obra em questão

CÓD. Conteúdo 7º Ano Conteúdo 8º Ano Conteúdo 9º Ano 02

[..]. Reprodução e responsabilidade: meninos

e meninas, homens e mulheres; A reprodução

humana; Sexo, saúde e sociedade.

Ser humano no planeta: fluxo de matéria e fluxo de energia nos ecossistemas; Desenvolvimento

sustentável.

[...] efeito estufa e aquecimento global. Reprodução e genética:

Reprodução e variabilidade dos descendentes; Pais, mães

e filhos: um pouco sobre a genética.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Outra coleção considerada com elementos possíveis para ser classificada como uma obra de organização não tradicional dos conteúdos, é a obra de código 04, cuja distribuição de conteúdos consta no Quadro 4. Nesse caso, a coleção apresenta com-portamento não tradicional na organização dos conteúdos somente nos volumes cor-respondentes aos 6º e 7º anos. Nos demais volumes a distribuição foi tradicional (8º ano: Corpo Humano e Saúde; 9º Ano: Física e Química) e, por essa razão, o Quadro não contempla esses dois volumes.

Esta coleção também foi aprovada no PNLD 2014, mas com um caráter mais tradi-cional na organização dos conteúdos segundo nossa análise exploratória. Uma inferên-cia que fazemos em relação a essa mudança é a troca de autoria entre as duas edições da obra. As alterações de autores entre as edições dos títulos de livros didáticos são algo relativamente comum no mercado editorial, e as reformulações, muitas vezes, vi-sam a conferir um caráter de “mudança estrutural” ou inovação das coleções. Nesse caso pontual, a coleção mudou de autoria e foi realmente reformulada em alguns dos conteúdos, possibilitando esta mudança de caráter da coleção.

Quadro 4 – Coleção “Projeto Araribá – Ciências” e sua distribuição dos conteúdos científicos em caráter não tradicional na obra em questão

CÓD. Conteúdo 6º Ano Conteúdo 7º Ano

04

Biomas: Os biomas terrestres; Domínios morfoclimáticos brasileiros; O domínio

Atlântico; O domínio Amazônico; O domínio do Cerrado; O domínio das Caatingas; O domínio das Pradarias; O domínio das Araucárias; O Pantanal mato-grossense; Ecossistemas aquáticos

[...].

A Terra antes da vida; Explicando o início da vida na Terra. Evolução biológica: Breve histórico do evolucionismo; A seleção natural; Adaptações; Especiação e ancestralidade; Evidências da evolução

biológica; Evolução humana [...].

(11)

A última coleção que consideramos possuir um caráter menos tradicional em re-lação à distribuição dos conteúdos é a obra de código 13. Essa coleção apresenta inova-ções nos tópicos abordados nos 8º e 9º anos do EF, abordando questões relacionadas ao eixo temático “Vida e Ambiente” e “Terra e Universo” no 8º ano e também “Vida e Ambiente” e “Ser Humano e Saúde” no 9º ano, conforme indicado no Quadro 5.

Quadro 5 – Coleção “Tempo de Ciências” e sua distribuição dos conteúdos científicos em caráter não tradicional na obra em questão

CÓD. Conteúdo 8º Ano Conteúdo 9º Ano

13

Biosfera e biomas: Biosfera – a vida ao redor da Terra;

Ecossistemas; Floresta Amazônica; Mata Atlântica e Pantanal; Caatinga, Cerrado e Pampa; Interações que mantêm

a vida no planeta.

Hereditariedade e Sexualidade: Reprodução – a perpetuação da espécie; Hereditariedade

– conceitos básicos; Puberdade – tempo de mudanças; Sistema genital feminino; Sistema genital masculino; Fecundação e início da gravidez; Gravidez, parto e amamentação; Métodos contraceptivos e saúde. Sustentabilidade: Compreendendo a sustentabilidade; Sustentabilidade econômica e

social; Sustentabilidade ambiental.

Fonte: Elaborado pelos autores.

As demais coleções analisadas, em que pese alguma alteração pontual dos con-teúdos – especialmente em relação aos tópicos sobre evolução e origem da vida entre o 7º e 8º anos e ecologia entre o 6º e 7º anos –, ainda apresentam uma estruturação bastante tradicional e muito similar entre si.

Observamos, também, que, de acordo com a leitura dos Sumários das coleções, os eixos temáticos dos PCNs até se apresentam permeando o conteúdo em volumes distintos, como “Ser Humano e Saúde” para as questões relacionadas às doenças do ar, água e solo, ou “Seres Vivos e Ambiente” para as discussões acerca da ecologia no 6º ano. Frisamos, porém, que estas são abordagens pontuais, servindo como “pano de fundo” a uma forte focalização em um eixo temático específico em cada ano do EF. Ou seja, o tema tratado não se apresenta como um “eixo” que percorre os quatro volumes da coleção, sendo abordado de modo fragmentado e estanque.

É importante que se faça, ainda, uma reflexão acerca dos motivos que proporcio-nam o grande número dessas obras de Ciências de caráter tradicional. Há uma aparente resistência de mudança do mercado editorial do LD, causada pela adesão insistente a obras de caráter tradicional, um fator que não estimula as editoras e autores das cole-ções a modificarem as obras. Os autores das colecole-ções de Ciências, em especial aqueles de maior renome no mercado editorial, por sua vez, seguem este modelo tradicional em suas coleções.

Resultados similares aos que encontramos ao analisar as coleções de Ciências aprovadas no PNLD 2017, em especial a tendência de fragmentação da organização dos conteúdos de Ciências nos volumes referentes aos anos finais do EF, também foi ob-servada no trabalho de Gramowski, Delizoicov e Maestrelli (2014, p. 7.316), estando presente em 10 das 11 coleções aprovadas no PNLD 2011 conforme análise das autoras:

(12)

No PNLD – Ciências 2011 foram aprovadas onze coleções de livros didáticos. Com a leitura das resenhas e posterior consulta aos volumes das coleções, observou-se que dez delas apresentam conteúdos organizados tendo como referência as disci-plinas acadêmicas de origem. Destas, sete coleções estão estruturadas da seguinte forma: meio ambiente e Geociências no sexto ano; seres vivos no sétimo ano; cor-po humano no oitavo ano; e Química e Física no nono ano.

O trabalho de Gomes, Selles e Lopes (2013), abrangendo algumas coleções de Ciências utilizadas nas décadas de 70 a 2000, também trouxe resultados semelhantes como comentado anteriormente.

Em síntese, podemos considerar que as coleções de Ciências do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental – por muitas décadas – têm mantido a distribuição de conteúdos por áreas de conhecimento internas das Ciências da Natureza (Astronomia, Biologia, Física, Geociências e Química) e com abordagem compartimentada, não integrada e es-tanque. Além disto, inferimos que as avaliações periódicas das coleções didáticas de Ciências pelas equipes de Ciências do PNLD, não conseguiram pressionar autores de LD e editoras a alterarem esse formato tradicional de organização programática em Ciên-cias dos Anos Finais do EF, sugerido pelos documentos curriculares oficiais e estimula-dos pelas pesquisas acadêmicas da área.

Nesse ponto nos perguntamos por que os professores de Ciências continuam a optar por coleções didáticas de organização programática mais tradicional, mesmo ha-vendo algumas (poucas) obras potencialmente inovadoras. Uma possível explicação é a resistência dos professores à escolha de coleções menos tradicionais, por essas con-figurarem-se potencialmente obras mais “difíceis” para o trabalho didático ou por os mesmos não se identificarem com outra proposta de arranjo dos conteúdos, diferente, inclusive, daquelas que serviram para a própria experiência escolar enquanto estudan-tes da educação básica.

De acordo com Tardif (2012), os professores, especialmente aqueles que estão em início de atividade profissional, tendem a repetir as experiências que vivenciaram na educação básica escolar enquanto alunos. Para atuar em sala de aula, o docente na EB acionaria as memórias referentes à própria experiência como estudante para repetir em sua atuação aquilo que julga pertinente, ao menos no início de sua prática docente, quando os saberes experienciais são praticamente inexistentes em sua vida profissio-nal. Seria normal supor, então, que professores que estudaram Ciências de acordo com o modelo tradicional de organização dos conteúdos também optem por coleções que repitam esse padrão, ainda mais quando se leva em conta que a maioria das coleções disponíveis no PNLD ainda está reproduzindo esse arranjo tradicional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo abordamos alguns aspectos referentes à organização dos conteúdos programáticos de Ciências nas coleções aprovadas para os anos finais do EF, conforme o PNLD 2017. De acordo com a análise, detectamos que 10 das 13 coleções aprovadas apre-sentaram estrutura de organização dos conteúdos com um aspecto fortemente tradicional. As três coleções restantes foram consideradas com organização não tradicional dos con-teúdos programáticos, mas ainda com poucas inovações no conjunto dos quatro volumes.

(13)

Atribuímos o alto número de coleções de caráter tradicional a alguns fatores per-tinentes à cultura de produção e uso do LD enquanto ferramenta pedagógica. Em pri-meiro lugar, consideramos que os autores das coleções e as editoras que produzem as obras já se certificaram de que os LDs com formatos mais tradicionais possuem maior adesão dos professores. Esse fator faz com que, convenientemente, do ponto de vista da produção mercadológica, a estrutura curricular das obras não se altere, uma vez que não é interessante que as editoras percam força neste mercado.

Sendo o LD um material formulado com um propósito específico de fornecer su-porte aos processos pedagógicos, é preciso considerar, ainda, que esse também é o ele-mento mais representativo do currículo escolar até os dias atuais. Para Megid Neto e Fracalanza (2003) , os LDs correspondem a uma “versão livre” das diretrizes e progra-mas curriculares oficiais em vigência, adaptadas pelos autores das coleções e editoras produtoras das obras.

Igualmente preocupante é a forma com que o LD se constitui em um elemento também regulador das questões curriculares por ser o material didático mais utilizado no país. O que está claro é que o LD tem um papel central nas políticas de currículo no Brasil. Lopes (2007, p. 220) afirma que:

[...] Dada a centralidade do livro na constituição de um currículo nacional, antes mesmo das recentes políticas centralizadoras de currículo e de avaliação, seria de esperar maior preocupação em entender o livro didático como um texto curricu-lar com poder significativo sobre as práticas curricucurricu-lares. Historicamente o livro se consagrou como a forma mais eficiente de apresentar uma proposta curricular aos professores e alunos [...].

Em relação ao uso do LD nos contextos pedagógicos, nossa percepção é a de que os professores estão utilizando os padrões de organização dos conteúdos de Ciências propostos pelos LDs mais tradicionais também pela dificuldade em romperem com essa ordenação dos conteúdos para o ensino. Dentre os obstáculos que os docentes enfren-tam, podemos citar a alta carga de trabalho em sala de aula, poucos momentos de for-mação continuada e permanente para a docência e a falta de tempo para o estudo e a análise dos LDs. A afinidade com determinados autores ou coleções didáticas mais anti-gas e conhecidas na área das Ciências da Natureza, da mesma forma nos ajuda a enten-der o porquê de as coleções que consienten-deramos menos tradicionais estarem nos últimos lugares de escolha pelos professores e distribuição às redes públicas.

Frisamos que nem sempre a opção dos professores por LD de Ciências com cará-ter inovador irá assegurar que os processos pedagógicos serão mais proveitosos e refle-tirão em uma aprendizagem mais significativa para os estudantes, bem como o uso de coleções de Ciências consideradas mais tradicionais também não acarretará necessaria-mente em um ensino de má qualidade. A organização dos conteúdos nas obras também não permite que se afirme que as coleções didáticas são “boas” ou “ruins”, ou que o tra-balho da comissão de especialistas do PNLD está sendo “mal” ou “bem” executado, pois os conteúdos são apenas um dos aspectos a serem considerados nas coleções didáticas de Ciências.

(14)

Por fim, é importante continuarmos a pesquisar continuadamente os livros didá-ticos no que se refere ao seu conteúdo interno, às concepções por eles veiculadas, bem como às formas de utilização desse recurso por professores e estudantes, sobretudo por eles configurarem, ao mesmo tempo, um recurso e também um condicionante da prática do professor, pois é justamente este fator que mostra que:

Por ser um recurso de uso constante na prática pedagógica dos professores, de-vido a fatores correlacionados à formação, às condições estruturais do ambiente escolar, às condições salariais e de trabalho dos agentes sociais ligados à educação, este recurso necessita ser estudado de modo intermitente (KIEREPKA et al., 2014, p. 30).

Sugerimos que futuros estudos sobre o LD de Ciências investiguem a distribuição das coleções de caráter não tradicional, bem como procurem averiguar o porquê do baixo número com um caráter menos tradicional na organização dos conteúdos. Esses dados poderão fornecer pistas importantes a respeito do “caminho” que as coleções di-dáticas de Ciências estão trilhando na indústria editorial. Para finalizar, ressaltamos que o LD constitui um recurso para auxiliar os processos pedagógicos em Ciências e, portan-to, não é um fator determinante para tal. Muito mais relevante, em nossa opinião, é o uso que se faz do LD enquanto uma ferramenta de trabalho e estudo para professores e alunos da EB.

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