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Idosos que vivem sozinhos: como eles enfrentam dificuldades de saúde

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Academic year: 2021

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Idosos que vivem sozinhos: como eles enfrentam dificuldades de saúde

Mirela Castro Santos Camargos♦♥ Roberto Nascimento Rodrigues

Palavras-chave: idosos; domicílios unipessoais; saúde; grupos vulneráveis.

Resumo

A proporção de idosos morando sozinhos no Brasil vem aumentando, mas, a realidade desses idosos ainda é pouco conhecida. O objetivo deste estudo é investigar as condições de saúde de idosos que moram sozinhos, ressaltando os meios utilizados para cuidar da saúde e as estratégias empregadas em caso de doenças e emergências. O universo de investigação foram pessoas acima de 60 anos residentes no município de Belo Horizonte (MG), em 2007. Foram utilizadas informações oriundas da aplicação de 40 entrevistas em profundidade realizadas entre 31/05/2007 e 13/07/2007. As entrevistas foram gravadas, transcritas e codificadas com base na utilização do software NVivo 6. O banco de dados final foi composto por nove blocos principais de dados: características do indivíduo, motivos para morar sozinho, experiência de morar sozinho, saúde, renda, participação de outros, rotina, ajuda e futuro. No bloco saúde, foram incluídas as percepções dos idosos sobre suas principais preocupações e procedimentos relacionados à sua saúde; o acesso aos serviços públicos e/ou privados; as dificuldades encontradas para lidar com doenças e restrições de atividades; e os hábitos e procedimentos que podem afetar as condições de saúde. Para garantir a confiabilidade das entrevistas foi ministrado a todos os entrevistados o Mini Exame do Estado Mental, que avalia o estado cognitivo do respondente. Dada a importância do bem-estar psicológico foi também ministrada a versão brasileira da Escala de Depressão Geriátrica reduzida. Mesmo que a preocupação com a saúde fosse evidente nas falas dos idosos, estes idosos, em sua maioria, não cuidavam adequadamente da saúde como pensavam e relatavam. Exemplos deste falsos cuidados com saúde que poderiam refletir em susceptibilidade à doenças foram: hábitos alimentares indesejáveis, monitoramento inadequado da saúde, falta de prática de atividade física regular, não utilização de medicamentos conforme prescrição, falta de companhia em período integral quando estavam doentes.

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

Departamento de Demografia - CEDEPLAR /UFMG.

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Idosos que vivem sozinhos: como eles enfrentam dificuldades de saúde

Mirela Castro Santos Camargos♦♥ Roberto Nascimento Rodrigues

Introdução

São nos extremos da vida, seja na infância ou na velhice, que os indivíduos apresentam uma maior limitação social, passando a depender, algumas vezes de forma vital, da sociedade que os envolve e assiste (Leme & Silva, 2002). Os estudos têm demonstrado que a família, co-residente ou não, por meio de seus apoios, tem tido um papel muito importante no bem-estar e qualidade de vida dos idosos (Montes de Oca, 2001). No entanto, a redução do tamanho da família, a entrada da mulher no mercado de trabalho, alterando o peso da sua função dentro da família, e o surgimento de novos arranjos familiares, decorrentes de novas formas de união conjugal, tendem a comprometer as condições de cuidado e atendimento diretos à pessoa idosa na família (Nascimento, 2000).

Diante da tendência recente de redução do número de filhos, aumento do número de divórcios, mudanças de estilo de vida, melhora nas condições de saúde da população idosa e aumento da longevidade, com destaque à maior sobrevivência feminina, é de se esperar que, ao longo dos anos, haja um crescimento dos domicílios unipessoais, ou seja, cresça o número de idosos vivendo sozinhos.

Um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) analisou os arranjos domiciliares dos idosos, apresentando dados comparativos de 130 países (United Nations, 2005). Dentre as principais conclusões do informe destacou-se que: aproximadamente uma em cada sete pessoas idosas (90 milhões) vive sozinha e cerca de dois terços dessas são mulheres; existe uma tendência a favor de modalidades de vida independente (sozinho ou sozinho com o cônjuge), mais consolidada em países desenvolvidos; há uma menor proporção de mulheres idosas casadas, comparativamente aos homens (cerca de 45% versus 80%).

No caso do Brasil, a co-residência permanece elevada entre os idosos; contudo, cresce, ao longo dos anos, a proporção de idosos brasileiros morando sozinhos. De acordo com o IBGE (2007), número de idosos que moram sozinhos no Brasil vem aumentando, alcançando a proporção de 13,2% em 2006. A população de 60 anos e mais, em 2006, foi responsável por 40,3% dos domicílios unipessoais brasileiros, sendo que em Minas Gerais essa proporção era de 39,3% e na Região Metropolitana de Belo Horizonte de 34,2%.

A realidade dos idosos brasileiros que vivem sozinhos ainda é pouco conhecida, assim como daqueles residentes no estado de Minas Gerais. Apesar de velhice não ser sinônimo de doenças ou incapacidades, sabe-se que nessa fase da vida as pessoas tendem a estar mais susceptíveis a problemas de saúde e, consequentemente, carentes de apoio. Mesmo que a co-residência não seja um indicador suficiente para medir ajuda, ela pode ser considerada um importante instrumento facilitador para que as trocas ocorram entre os idosos e seus filhos (Glaser, 1997; Saad, 2004). Nesse caso, idosos que vivem com outras pessoas, sejam elas

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

Departamento de Demografia - CEDEPLAR /UFMG.

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parentes ou não, parecem estar mais bem amparados em caso de problemas de saúde. Em contrapartida, idosos que moram sozinhos podem ser considerados mais vulneráveis e desprovidos de apoio diante de dificuldades de saúde. Assim, surgem questionamentos de como anda a saúde de idosos que moram sozinhos, como eles têm cuidado da saúde e as estratégias empregadas em caso de doenças e emergências.

No que diz respeito à saúde, o que se observa é existem dois aspectos relacionados à condição morar sozinho. Por um lado, seria esperado, que idosos que vivem sós apresentassem melhores condições de saúde, número menor de doenças bem como melhor desempenho funcional, aspectos importantes para que o idoso consiga se manter sozinho. Por outro lado, um outro argumento seria válido e implicaria que idosos que vivem sozinhos teriam uma pior condição de saúde, por não terem alguém para ajudar nas atividades rotineiras, para servir de companhia e para cuidar em casos de necessidade. Assim, não se sabe ao certo como estaria a saúde dos idosos que vivem sozinhos e, em até que ponto, por viverem em domicílios unipessoais, estes idosos estariam mais vulneráveis diante de problemas de saúde.

Dentro desta perspectiva de entender essa “vulnerabilidade” dos idosos, Iliffe et al. (1992) testaram a veracidade da hipótese de que idosos londrinos que moravam sozinhos seriam um grupo de risco, com um alto índice de morbidade e demandas por serviços sociais e de saúde. De acordo com os resultados, não foram encontradas diferenças entre idosos que moravam sozinhos e acompanhados, em relação a problemas cognitivos, número de problemas físicos, déficit de mobilidade e uso de serviços de saúde. Ademais, aqueles que moravam sozinhos tendiam a relatar satisfação com a vida com maior freqüência. Os autores também encontraram que as mulheres e os idosos mais idosos (80 anos e mais) apresentavam maiores chances de viverem sós, se comparados aos homens e aos idosos mais jovens, respectivamente.

Ainda na perspectiva da relação entre condições de saúde e a conformação de arranjos domiciliares de idosos, o estudo de Gliksman et al. (1995) focalizando australianos de ambos os sexos com 65 anos e mais, procurou estabelecer se havia influência do arranjo domiciliar, do suporte social, e do estado conjugal em fatores de risco para doenças cardiovasculares. Os resultados indicaram que o suporte social, medido pelo contato com familiares, amigos e pessoas da comunidade, não esteve significativamente associado a fatores de risco para doenças cardiovasculares nessa população. Entretanto, características sócio-demográficas apresentaram influência direta no aumento do risco para doenças cardiovasculares. Homens que viviam sozinhos apresentaram maiores medidas de pressão arterial. Além disso, o estado conjugal foi importante preditor de fatores de risco no caso dos homens, mas não no caso das mulheres.

Em resumo, os estudos apontam para o fato de que melhores condições de saúde, assim como outros fatores sociodemográficos, parecem contribuir para que o idoso more sozinho. Contudo, não é possível determinar se este tipo de arranjo independente estaria colocando o idoso em situação de risco para determinados problemas de saúde e se eles estariam preparados para lidar com situações de emergência e enfermidades, na falta de companhia. Além disso, não se sabe até que ponto que, por não co-residir com outras pessoas, estas pessoas estaria menos amparadas por seus familiares, amigos ou vizinhos.

O objetivo deste estudo foi investigar as condições de saúde de idosos que moram sozinhos, ressaltando os meios utilizados para cuidar da saúde e as estratégias empregadas em caso de doenças e emergências. O universo de investigação foram pessoas acima de 60 anos residentes no município de Belo Horizonte (MG), em 2007. Para captar essa gama de condicionantes e significados, assim como para desvendar mecanismos, estratégias e sentimentos, optou-se por utilizar informações de natureza qualitativa.

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Fonte de dados e metodologia

A população-alvo deste estudo é composta por idosos, de 60 anos e mais, incluindo ambos os sexos, que no ano de 2007 residiam em domicílios unipessoais no município de Belo Horizonte. A escolha de Belo Horizonte, situada na porção centro-sul do estado de Minas Gerais, se justifica pela possibilidade de contrastar o estilo de vida de uma grande metrópole brasileira com características da tradicional família mineira na qual a população idosa atual parece ainda se sustentar. A opção pareceu apropriada dentro desta discussão das mudanças de valores das famílias e da sociedade. Afinal, trata-se de uma população idosa que nasceu e cresceu em um tempo no qual a família era a responsável direta pelo bem-estar de seus membros na velhice e hoje está diante de uma transformação, seja pelas dificuldades impostas pela redução do tamanho da família, seja pela crescente difusão de um modo de vida pautado pelo individualismo.

Em razão da sua natureza qualitativa, este estudo não teve como uma das suas preocupações centrais a utilização de informações provenientes de uma amostra estatisticamente representativa da população idosa do município de Belo Horizonte. Houve, sim, o empenho em incluir um número de entrevistados tão grande quanto possível, mas sem comprometer a qualidade da coleta de dados ou aprofundamento dos aspectos analisados. Optou-se também por adicionar, intencionalmente pessoas de diferentes características sociodemográficas e de saúde e residentes em diversas áreas do município. Assim, para selecionar os entrevistados, decidiu-se trabalhar com idosos das nove regionais administrativas do município, sem uma pré-seleção por características individuais como renda, estado conjugal, sexo ou idade. No entanto, na medida em que se optou por trabalhar com um número maior de idosos e com diversas regionais, perfis distintos foram se delineando, tendo em vista que a distribuição da população no espaço é influenciada por fatores de natureza socioeconômica. Resumindo, tais procedimentos garantiram não apenas que os diversos aglomerados espaciais do município fossem contemplados, mas também que houvesse representação, entre os idosos entrevistados, dos diversos segmentos socioeconômicos que compõe a população idosa do município.

Inicialmente, foi feito um mapeamento, por regionais, dos idosos residentes no município de Belo Horizonte, empregando os dados do Censo Demográfico de 2000. Com isso, foi possível observar como os idosos se distribuem entre as diferentes regionais, para servir de referência no momento de buscar e selecionar os participantes. As entrevistas foram realizadas entre 31/05/2007 e 13/07/2007 e a amostra deste estudo foi composta por 40 idosos.

Para garantir a confiabilidade das entrevistas foi ministrado a todos os entrevistados o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), que avalia o estado cognitivo do respondente (Bertolucci et al, 1994). O objetivo da aplicação do MEEM foi incluir na amostra apenas aqueles indivíduos que não apresentavam déficits cognitivos. Dada a importância do bem-estar psicológico nas respostas fornecidas pelos entrevistados, também foi aplicada para todos os participantes a versão brasileira da Escala de Depressão Geriátrica (EDG) reduzida, utilizada para o rastreamento de sintomas depressivos em idosos (Almeida & Almeida, 1999). Durante a pesquisa havia dois instrumentos para coleta de dados. Na primeira parte, era aplicado um questionário que continha perguntas sobre características demográficas, socioeconômicas e de saúde, além das questões do MEEM e da EDG-15. Já na segunda parte ocorria a entrevista em profundidade. Nas entrevistas em profundidade foi empregado um roteiro que serviu como guia para captar as impressões dos entrevistados sobre temas

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específicos e ao mesmo tempo não eliminar possibilidades discursivas. Este roteiro foi formulado com base nos objetivos do trabalho e, para sua confecção, foram realizados dois pré-testes, a fim de testar as perguntas elaboradas, observar a necessidade de incorporar novas questões, marcar o tempo da entrevista e deixar a entrevistadora mais familiarizada com o roteiro.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais. As entrevistas foram gravadas e durante a transcrição foram empregados nomes fictícios para as pessoas, a fim de preservar a identidade dos entrevistados e seus conhecidos. Para facilitar a organização dos códigos e a pesquisa de temas dentro da base de dados foi utilizado o programa NVivo 6. Este software, assim como a maioria dos programas voltados para a pesquisa qualitativa, utiliza o princípio da codificação. Os códigos são armazenados em “nós”, que funcionam como recipientes para armazenar a codificação do material analisado. Esses “nós” representam categorias ou conceitos e o seu conjunto forma uma árvore (index tree roott), na qual todos os “nós” estão dispostos de forma hierárquica e relacional. O programa trabalha com duas janelas distintas, sendo uma para armazenamento dos dados analisados e outra onde os “nós” ficam registrados (Teixeira & Becker, 2001; Weitzman & Miles, 1995).

A criação dos “nós” baseou-se em nove blocos principais de análise: (1) características do indivíduo, (2) motivos para morar sozinho, (3) experiência de morar sozinho, (4) saúde, (5) renda (6) participação de outros, (7) rotina, (8) ajuda e (9) futuro. Neste estudo foram utilizadas, primordialmente, informações do bloco saúde, onde foram incluídas as percepções dos idosos sobre suas principais preocupações e procedimentos relacionados à sua saúde; o acesso aos serviços de saúde públicos e/ou privados; as dificuldades encontradas para lidar com doenças e restrições de atividades; e os hábitos e procedimentos que podem afetar as condições de saúde.

Resultados

Assim como no conjunto da população idosa que vive sozinha, a grande maioria dos idosos entrevistados foi constituída por mulheres e apenas 15% dos entrevistados pertencem ao sexo masculino. A idade média dos entrevistados foi de 74,9 anos, variando de 60 a 94 anos. O tempo que o idoso morava sozinho variou de 3 meses a 54 anos (média de 14,7 anos). Com exceção de uma entrevistada que vivia no local em que trabalhava, todos os demais entrevistados antes de morarem sozinhos viviam com pelo menos um familiar (pais, irmãos, tios, cônjuge/companheiro, filhos, genros/noras e netos). A metade dos entrevistados vivia com o cônjuge ou companheiro antes de morar só e 45% do total vivia somente com esta pessoa. Do total de entrevistados 52,5% eram viúvos, 27,5% solteiros e 20% separados ou divorciados.

Dos entrevistados 62,5% continuaram na mesma região em que viviam antes de morar sozinhos e 47,5% permaneceram na mesma residência. Em relação à distância da residência dos parentes com maior vínculo com o entrevistado, observou-se que 25% morava muito próximo (na mesma rua), 10% próximo (no mesmo bairro), 55% distante (em outro bairro) e 10% muito distante (em outra cidade). De um modo geral, todos os idosos se relacionavam com parentes, mantendo encontros freqüentes ou contatos por telefone, com exceção de duas senhoras que foram adotadas quando crianças.

A minoria dos entrevistados (12,5%) era analfabeta e a renda mensal dos idosos variou de R$380,00 a R$9000,00, ou seja, de 1 a 23,7 salários-mínimos (SM). A metade dos entrevistados tinha rendimento mensal de até 2,6 SM e 25% ganhava um salário mínimo.

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Quanto à presença de ajuda paga para auxiliar nas atividades domésticas, observou-se que, apenas 17,5% dos entrevistados contavam uma empregada doméstica diariamente. Já 40% contavam com auxílio mensal (5%), quinzenal (17,5%) ou semanal (17,5%). Um percentual expressivo (42,5%) realizava os trabalhos domésticos sem ajuda de terceiros.

Com relação à forma que os idosos percebem a sua saúde, observa-se que 65% tinha uma avaliação positiva. A este respeito, Alves (2004), analisando idosos do município de São Paulo, observou que aqueles que moram sozinhos avaliam a sua saúde mais positivamente, se comparados aos que vivem acompanhados, mesmo após controlar por sexo e idade. Outros estudos também demonstraram que auto-avaliar a saúde negativamente reduz as chances de idosos morarem sozinhos (Camargos, Machado & Rodrigues, 2006, 2007).

Cuidado com a saúde: o acesso aos serviços de saúde públicos e/ou privados

No caso dos idosos entrevistados em Belo Horizonte observou-se que a maioria estava coberta por plano de saúde (77,5%). A maior parte dos idosos (62,5%) declarou que não utilizava rede pública de saúde. Entre os entrevistados que possuíam plano de saúde na data da entrevista, 45% relataram que pagavam com recursos próprios, 42% disseram que o plano estava ligado à aposentadoria ou pensão e 13% que o plano era pago por outra pessoa. Todos os idosos sem plano de saúde, que contavam apenas com a assistência da rede pública de saúde, possuíam renda inferior a 2,6 SM. Por sua vez, apresentar renda baixa pareceu não ter impedido o idoso ter plano de saúde. Dos idosos com renda de 1 SM, 40% possuíam plano de saúde e 30% contavam com a ajuda de outras pessoas para o pagamento. Os idosos de menor renda, mesmo contando com ajuda de terceiros conseguiam planos mais simples ou com descontos, nos casos em que eram dependentes de parentes, o que lhes obrigava, em alguns momentos, a utilizar a rede pública de saúde.

No Brasil, o sistema privado é um sistema alternativo ao sistema de saúde público universal, oferecendo tanto serviços que são ofertados pelo sistema público como outros serviços, e cerca de 25% da população possui plano de saúde (Andrade & Maia, 2006). No caso específico da população idosa, Lima-Costa, Loyola Filho & Matos (2007), ao compararem dados das PNADs de 1998 e 2003, relataram que a cobertura de plano de saúde cresceu de 26,9% para 29,4% no período. Embora não representativo para o município de Belo Horizonte, o grande percentual de idosos da amostra deste estudo cobertos por planos pode indicar que, entre aqueles que moram sozinhos, existiria uma maior preocupação com saúde e com gastos extras que determinados problemas podem acarretar. Assim como o cuidado com a saúde seria uma espécie de estratégia preventiva contra a co-residência, para os entrevistados a posse de plano de saúde pareceu ser um dos mecanismos empregados para cuidar da saúde e se prevenir de gastos que implicariam na participação e dependência de terceiros. No entanto, isso só poderia ser mais bem analisado em estudo específico que comparasse idosos que moram sozinhos e acompanhados.

Observou-se entre os idosos um desejo em não incomodar outras pessoas com seus gastos e demanda por cuidado. A seguir estão algumas falas2 de idosas que justificaram a

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Nos trechos das transcrições, as intervenções do(a) entrevistador(a) aparecem em itálico. Entre colchetes foram incluídas informações consideradas necessárias para o entendimento do contexto da entrevista. Reticências entre parênteses substituem trechos da entrevista que não se considerou relevantes para exemplificar o que se pretende.

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opção por ter plano de saúde. Cabe lembrar que estas duas idosas pagam o plano com recursos próprios.

A senhora tem plano de saúde? Tenho. É a senhora que paga? E é o melhor. Eu pago, quinhentos e setenta e sete reais [1,5 SM]. E... Acaba que esse gasto com saúde... Pois é... e saúde, você vê saúde só o plano, é o melhor plano]. Eu me, eu me... previno muito, por isso eu pago o melhor plano porque... qualquer coisa que eu precisar fazer... eu posso fazer. Que há planos assim... você pode fazer ultra-som só uma vez por ano. Não, no meu caso não. Toda época que precisar, todo mês que for eu posso fazer.

(Rosângela, 77 anos, solteira, renda de 7,9 SM, mora sozinha há 15 anos)

A senhora me falou que tem plano de saúde, que é uma segurança que a senhora tem, né? Num deixo de pagar de jeito nenhum. O plano de saúde pra mim é sagrado. Por quê? A senhora tem medo de depender de alguém? De filho. (...) Por isso que eu pago o meu [plano de saúde] pra mim não depender de posto de saúde. Que chega lá é uma má vontade. O dia que eu fui pra tomar contra gripe... mas, teve tanta briga, num tinha vacina, a geladeira estava estragada, num tinha carro pra buscar a vacina. O quê que é isso, menina? Num funciona não. Então a senhora passou muita raiva? Ai, eu... nós ficamos lá de sete da manhã as onze, pra tomar uma vacina. O quê que é isso? Eu prefiro pagar o [plano de saúde], porque ai eu precisei, liguei e vou. Pronto, se for o caso assim... da gente sentir alguma coisa. Num tem que depender de ninguém.

(Aparecida, 66 anos, separada, renda de 1,8 SM, mora sozinha há 1 ano e 1 mês)

A preocupação com a saúde não se revelou ser uma preocupação apenas dos idosos para com eles mesmos, mas também de familiares e amigos. Afinal, em alguns casos, o plano de saúde era pago por outros, a fim de diminuir gastos mais elevados com a saúde que, no caso de doença do idoso, poder-se-iam estender para toda a família. Além disso, quando necessário, marcavam e acompanhavam os idosos às consultas. Notou-se que, em uma minoria, alguns problemas físicos, que dificultavam o deslocamento para consultas de saúde, já começavam a surgir.

E quando a senhora vai, vai ao médico assim... a senhora vai... acompanhada? Como é que é? A minha filha me leva de carro. Ela num deixa eu andar sozinha mais. Tá com medo, né? Só mesmo de carro. E a senhora... Mas assim, se seu sair com uma pessoa, pode ser uma neta ou quem for, eu não preciso ninguém [para segurar ou amparar]. Eu ando assim com um pouquinho de dificuldade, mas, eu ando. Eu tenho medo é... eu tomei medo de andar sozinha. Por causa dessas operação, né?

(Alda, 80 anos, viúva, renda de 2 SM, mora sozinha há 20 anos)

E, e... e é a senhora que vai lá no posto? Vou. Tudo sozinha? É. A maior difi... a senhora num conhece não, né? Não. Nossa! Ele é um morro forte gente! Ele é bem lá em cima. Lá no alto. E a senhora consegue ir sozinha? Vou. Num tem problema nenhum? Não. A senhora gosta de ir sozinha ou a senhora vai porque precisa? Porque eu precisa, né? Num é porque gosta não. Porque o morro num tem graça, né? Mas se... se tivesse alguém pra ir com a senhora a senhora acharia melhor? Ah! Num adiantava, né?

(Abadia, 83 anos, viúva, renda de 1 SM, mora sozinha há 2 anos)

Na maior parte das vezes, os idosos iam sozinhos aos tratamentos e consultas de saúde, pois preferiam não incomodar outras pessoas. Seguem alguns trechos em que os idosos relataram a forma empregada para fazer consultas ou tratamentos de saúde. As falas dos idosos reforçam esta busca por se manterem independentes e não incomodarem familiares ou amigos:

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De primeiro eu ia sozinha. Mas, agora eu vou acompanhada. A minha empregada vai lá, vai comigo. Minha filha fala: ‘mamãe que absurdo’! Num é absurdo nada, vocês trabalham. E ela tá lá pra isso. Pronto, né?

(Odete, 82 anos, viúva, renda de 21,1 SM, mora sozinha há 7 anos)

Ai, saio também pra ir a médico, né? É... dentista, tudo isso eu faço sozinha. Meu filho mais velho, que é mais folgado do que o mais novo, mas, folgado assim... de tempo. Ele fala: ‘mãe! Num fica andando sozinha não. Quando a senhora precisar liga pra mim, eu vou levar a senhora, eu vou buscar’. Mas eu num gosto de incomodar também. Eu sou bem independente nesse ponto, sabe? Quando eu já conheço o local que eu vejo que dá pra ir de ônibus. Quando num dá como na, na, na maioria das vezes eu pego táxi. As vezes eu pego táxi e vou, e volto de ônibus. Ou as vezes pego outro táxi pra vir embora, que graças a Deus, dinheirinho assim num falta, né? Então... eu vivo assim.

(Vanda, 75 anos, viúva, renda de 3,9 SM, mora sozinha há 14 anos)

E geralmente quando a senhora vai ao médico, tem que alguém que lhe acompanha? Quando tem alguma gente vai. Agora, a maioria eu vou só mesmo. Quando eu preciso ter um acompanhante a gente arranja, né? Ou arruma... a faxineira vai comigo... ou uma irmã vai, ou nora? (...) E a senhora gosta de ir sozinha, como é que é? Ah! Eu gosto porque... a gente acostuma, né? Como se diz com o eu não posso ficar ocupando. As vezes eu tenho dois dias na semana pro médico. Mas, eu vou chamar, eu vou tirar eles do serviço dele pra vir comigo no médico? E num dá, né? Ai eu prefiro ir só. Quando não é possível eu chamo, mas, se é possível eu resolvo.

(Imaculada, 67 anos, viúva, renda de 21,1 SM, mora sozinha há 7 anos)

Ela que marca a consulta, né? E a senhora nunca faz consulta sozinha? Não. Ela vai comigo. Vai comigo, conversa com os médicos, entra, num deixa eu entrar sozinha. Entra com o médico lá. Conversa com o médico, né? (...) E aqui no posto de saúde [onde faz monitoramento da pressão arterial e participa de grupo de caminhada], a senhora vai sozinha? Ai eu vou sozinha. É ai perto, né? Eu vou sozinha. Ai, eu pego... se eu quiser eu pego, que eu num pago condução, né? Ai, eu pego o ônibus aqui, esse ônibus que vem aqui passa perto do posto lá, né? Do posto. Ai, eu desço lá e consulto. E lá a senhora mesma marca sua consulta? É. Eu mesmo marco.

(Juvertina, 78 anos, viúva, renda de 3 SM, mora sozinha há 15 anos)

Mesmo possuindo plano de saúde existiam alguns idosos que utilizavam dos serviços da rede SUS, como ilustrado no exemplo de dona Juvertina. Estes idosos alegavam que utilizavam a rede pública para conseguir medicamentos, monitorar a pressão arterial, fazer cirurgias ou tratamentos fisioterapêuticos. Assim, nestes casos, o SUS seria uma forma de conseguir determinados medicamentos, um complemento para os que não possuíam uma cobertura ampla do convênio de saúde ou a forma mais próxima de casa para monitorar a saúde.

Porque assim. Se eu sinto uma tonteira... Se eu... antes de eu cair... eu levanto arrumo e vou no posto, que é aqui pertinho. Só dois quarteirão. Vou lá mede a pressão, tá boa, o médico fala: ‘Ah! Você tá com problema’. Agora mesmo eu tô com problema de labirintite (...) Então a senhora além do médico do convênio a senhora acaba usando um pouquinho o médico aqui do posto também? É ué! Que a gente... pra medir pressão toda semana, né? Pela facilidade, que tá perto? É. Que é mais perto. É. E essa questão da labirintite, sabe? As vezes fica meio tonta, zonza...

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E a... a senhora... num tem é... num tem ido assim ao posto de saúde assim a senhora não vai não? Nem pra pegar remédio? Eu pego. Aqui no posto eu pego (...) Quando tem o remédio eles dão. Quando num tem eles falam que num tem, né? Então, eu pego lá o remédio pra tiróide.(...) Pois é, mas a maioria dos remédios que a senhora toma tem no posto ou não? Tem. É o Clorana e, e... e o remédio pra tiróide. Então a maioria a senhora pega no posto? É. (...) Consulta a senhora num faz em posto não? Não. Não. Só pego remédio. E a senhora fica incomodada de ir? Não. Num fico incomodada não. Às vezes quando eu quero eu peço lá pra olhar a pressão.

(Aurora, 78 anos, solteira, renda de 1 SM, mora sozinha há 17 anos)

A presença do plano de saúde pareceu influenciar no cuidado dos idosos com a saúde. Afinal, entre aqueles que não tinham plano de saúde eram freqüentes os relatos de que não faziam habitualmente tratamentos ou acompanhamentos de saúde. Chamou a atenção o caso de um senhor que relatou que não ia ao médico há 15 anos e outro que não fazia um acompanhamento adequado da pressão arterial:

É... o senhor tem algum é... o senhor toma remédio? Nada. Nunca tomei remédio. Como que o senhor faz quando o senhor precisa de ir num médico? O senhor vai ao médico como? Se eu disser pra você que eu fui a última vez pro médico deve ter uns quinze anos, que eu cheguei a ir no médico. Sem brincadeira. Não pode fazer isso, o senhor sabe, né? Sei. Eu num fiz nada. O único problema que eu tenho [com ênfase]... que é... que isso num tem cura, que o médico fala que num tem cura, é só cuidado, é a alergia. Eu tenho alergia. Muita alergia. Muita alergia, isso de eu comer coco, chocolate, abacaxi, frutos do mar, poeira. Poeira de manhã. Poeira é uma coisa que num tem como... Poeira num tem. Quer dizer, você mora num prédio mais ou menos, é difícil, quanto mais onde eu moro. Voa cal... cal, caminhão e tudo mais. Então... o barraquinho lá eu tenho que ficar passando pano molhado sempre [com ênfase]. (...) E o senhor num tem medo de sentir algum... alguma coisa? Não. A última vez eu passei... Não, como é que as coisas passam... tira teima... a pressão... tá doze por nove. Treze por oito. Então, ela tá sempre naquela linha. Passou um dia desses eu tirei o... meti o dedo lá pra furar... De glicose? Glicose. A moça olhou: não, não precisa não. Tá boa. Tá ótimo. E, e... o senhor então nunca tá doente? Não. Então, o senhor nunca... precisou de ajuda de ninguém? Não, de chegar assim, pra chegar passar mal, tem que ser carregado pro hospital.

(Flavino, 60 anos, solteiro, renda de 1,1 SM, mora sozinho há 44 anos)

Vai sempre ao médico? Não. Eu num vou ao médico não. Eu tô até fugindo. Nem no posto eu num tô querendo ir mais. Por que isso? Não. Não. Eu tô bem. E assim... é... o senhor sempre que vai é... vai, precisa de alguma coisa o senhor vai ao posto de saúde. Quando o senhor tá sentindo algum problema de saúde... Não, é o... tô até fugindo de lá. Num tô querendo nem ir lá mais... eu num tô querendo ir não. O senhor, o senhor tem muito tempo que num vai lá no posto fazer algum... Não. Quando, quando eu cai ali... tem duas semanas, quando eu cai ali, um dia eu cismei, falei: eu vou, eu vou, eu vou lá no posto, né?(...) Ai, ela me perguntou... perguntou o quê que era... eu falei: ‘quero olhar a minha pressão. Que altura que é. Só isso, é só isso que eu quero’. ‘Mais, nada?’ Eu falei: ‘o resto eu sinto bem’. Ela foi e falou: ‘põem o braço ai’. Pus o braço lá. Mas, é ruim aquilo, aquele trem... E ai como é que estava a pressão? Estava boa? Ela falou que só a pressão tava beleza, boa. Tava normal. E o senhor toma remédio também pra controlar? Pois é, eu tomo ai (...) depois que eu cai ai, eu tô tomando.

(Izídio, 92 anos, separado, renda de 1 SM, mora sozinho há 6 anos)

Entre os idosos que não relataram ter plano, mas faziam acompanhamento freqüente de saúde estava Desy. Seu relato deixou claro que seria possível, desde que se quisesse, monitorar a saúde e seguir o tratamento adequado utilizando rede pública de saúde. Mas infelizmente, nem todos os idosos tinham consciência desta necessidade, talvez por falta de informação adequada ou negligência.

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Porque minha saúde, depois que eu fiquei hipertensa, eu ainda fico assim, meu Deus! Como que é a que gente, a gente num sabe como que será o dia de amanhã. Mas essa... Medo eu não tenho não, sabe? Estou disposta a enfrentar as barreiras de uma saúde. E a onde que a senhora costuma ir ao médico? No posto mais próximo aqui no bairro. Tem um posto aqui perto? É. Do bairro. E a senhora tá fazendo o controle direitinho? Tá. Eu faço... Eu faço o controle... E vou nas reuniões de hipertenso. Tiro minhas dúvidas. Acato, acato as dicas. Sabe? Pra ter uma vida melhor. Faço caminhada duas vezes por semana na avenida.

(Desy, 72 anos, viúva, renda de 1 SM, mora sozinha há 13 anos)

As pessoas que não possuíam plano de saúde relataram que freqüentavam o posto de saúde e eram atendidas sempre que necessário na rede SUS. Quando necessário, contavam com a ajuda em dinheiro de parentes (filhos, irmãos ou sobrinhos) para complementar a quantia necessária para realização de alguns procedimentos que demandavam maior tempo para conseguir agendar, como era o caso de fisioterapia ou exames complementares.

E, e assim é... quando a senhora tem que ir lá no posto pra marcar a consulta... Como é que é? A senhora tem sido bem atendida? Como que tá sendo o atendimento? Lá no posto... ai no posto eles atende muito bem, né? Eu vou e marco as consultas de manhã, acho que na mesma hora, passado umas horas... né? A médica chega. Ai, eu consulto. Num tenho problema nenhum. Os médicos aqui é muito bom, do posto. E fora esse tratamento, a senhora tem feito algum outro tratamento assim de saúde? É... assim... fisioterapia... alguma outra... é... algum outro atendimento de saúde? Não. Quando a senhora teve derrame a senhora chegou a fazer fisioterapia? É, o, o menino pagou pra mim fazer fisioterapia, porque essa mão não mexia, né? Agora ficou bom. De vez em quando é... atrapalha assim... mas... Foi o filho da senhora que pagou? É. E lá pra... Santa Casa uma... uma clínica que tem lá.

(Rosa, 73 anos, viúva, renda de 1 SM, mora sozinha há 5 anos)

Se eu precisar a minha família toda ajuda, todos estão bem de vida. Já aconteceu? Já e muito. Era assim oh! Se eu precisar, igual eu, eu... pouco tempo eu tive o problema na vista, o médico falou que ficava em seiscentos e cinqüenta reais [1,7 SM] pra fazer, que eu tinha que fazer uma biópsia, que ele achava que eu tava com câncer no olho. E deu mesmo o câncer, sabe? Aí, ele falou que eu tava com câncer no olho que precisava de fazer uma biópsia, e a biópsia era quinhentos reais. E a consulta cento e pouco. Ai, eu pensei assim: ‘agora, eu vou ter que pedir as minhas irmãs, né? De onde que eu vou tirar esse dinheiro?’. É só ligar pra elas, sabe? Elas mandam pra mim, deposita na minha conta. Qualquer uma delas... Se eu ligar e pedir. Mas, eu, eu sou muito orgulhosa, sabe? (...) Ai, eu virei pro doutor, e falei assim: ‘doutor, eu ganho um salário, trezentos e cinqüenta reais, o senhor, eu posso, eu dou conta de pagar seiscentos e trinta’. (...) Ele falou: ‘então eu vou te encaminhar pro Hospital das Clínicas, você vai ter um dos melhores professores lá e você num vai pagar nada, viu?’. Ai, ele me encaminhou pra lá, e eu tô fazendo tratamento lá há um ano, já passei por mão de quatro professor, você precisa de ver como eles são bacanas comigo. Num gastei um tostão. Ai, minhas irmã xinga, fala assim que... que eu num ia sarar, que eu tava mexendo com coisa dada, sabe? Eu falei: ‘eu num quero não’. Mas, eu sarei. Porque ele tava todo tampado, olha pra você ver. Num tem nada. Isso tava tudo aqui inchado.

(Margarida, 66 anos, separada, renda de 1,3 SM, mora sozinha há 31 anos)

Os principais problemas relatados a respeito da rede pública de saúde dizem respeito à demora por marcação de consultas, tratamentos e exames e a falta de certos medicamentos. Como mencionado anteriormente, a ausência de determinados remédios pode ter feito que muitos idosos passassem a pagar os seus medicamentos. Mesmo entre aqueles que não tinham plano de saúde, haviam casos de pessoas que compravam elas mesmas o medicamento.

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Entretanto, alguns idosos relataram que, ultimamente, ficou mais fácil comprar medicamentos com a Farmácia Popular, medicamentos genéricos ou medicamentos manipulados que têm um preço inferior ao cobrado usualmente nas farmácias. De um modo geral, pôde-se observar que os idosos buscavam alternativas com preços inferiores para comprar seus medicamentos.

Porque eu tenho os meus remédios pra comprar, uai! Ai, pra ficar mais barato eu mandei até... manipular o remédio pra ficar mais barato pra mim.

(Juvertina, 78 anos, viúva, renda de 3 SM, mora sozinha há 15 anos)

E é uma despesa alta [com medicamentos], né? Ah! Muito. Um dentista falou comigo, vai lá no posto, pega um remédio que ele me receitou pra... por causa da cirurgia. Eu falei: eu vou buscar. Mas, eu num gosto de ir no posto buscar, porque se Deus me deu condições de comprar, pra quê que eu vou tirar dos outros? Tiro não. Então a senhora prefere não... Eu acho que se eu buscar lá eu tô tirando de quem tá mais precisado. Então eu compro. Agora eu procuro o mais barato, né? Eu procuro andar do meu jeito. Bastante direito.

(Hercília, 75 anos, solteira, renda de 4 SM, mora sozinha há 21 anos)

Remédio... oh! Eu pego no posto, mas é muito difícil. O meu remédio mais é, é... manipulado. E da... mas é barato sabe. O remédio de pressão meu é... eu tenho que mandar manipular. Mas, assim, custa doze e oitenta e dá pra sessenta dias. Sabe? Pra pressão, e o outro também eu pego lá no, no... naquela farmácia popular, um e vinte. Pra num ficar lá enfrentando fila no posto. Sabe? E os outros remédios quando é remédio caro, é... eu ligo pra minha sobrinha e ela pega de amostra pra mim. E os outros me dá também. Uma moça que mora aqui embaixo, e daí e eu tenho... é... psoríase, sabe? E é muito caro a pomada que eu uso. Então, ela sempre ela trás pra mim de amostra, que ela trabalha com dermatologista. Essa vizinha aqui agora falou comigo pra me dá ela os nomes, porque a filha é doutora, que ela trás pra mim de amostra, pra mim não comprar.

(Margarida, 66 anos, separada, renda de 1,3 SM, mora sozinha há 31 anos)

Ainda que conseguissem pagar pelo medicamento e buscassem alternativas, há de considerar que o gasto com medicamentos consumia uma parte considerável da renda do idoso e era motivo de constante preocupação, principalmente entre aqueles de menor renda.

Como é que a senhora consegue o remédio? Uai! Eu recebo [aposentadoria], tem vez que eu gasto até trezentos reais [0,8 SM]. É praticamente a metade do que a senhora recebe. A metade. Mas sempre... num sei se eu peço muito... eu já levanto agradecendo o dia a Deus. Se eu bebo aquele café eu agradeço também. Eu tô em pé, num tô dependendo dos outros fazer e levar para mim. Porque eu ainda... que eu gosto de café forte e quente... eu agradeço a Deus. No almoço também eu abençôo aquilo que tá ali. Então, se falta alguma coisa é superável. Eu aguardo o pagamento. Mas, o remédio da senhora... Remédio não. Tem sempre? Sempre. É direto e reto. Eu tomo hoje mais de vinte comprimido por dia.

(Dulcinéia, 76 anos, solteira, renda de 1,8 SM, mora sozinha há 27 anos)

Um estudo de Lima-Costa, Barreto & Giatti (2003), com dados da PNAD 1998, mostrou que o gasto médio mensal de idosos brasileiros com medicamentos de uso regular era de 23% do salário mínimo. Segundo as autoras, que reforçaram a necessidade de ampliar políticas públicas de acesso da população idosa aos medicamentos, os gastos apresentavam uma tendência crescente com o avançar da idade, sendo que no grupo etário com mais de 80 anos estas despesas chegavam a cerca de 29% do salário mínimo.

Pelas falas, foi possível observar que os idosos tentaram reforçar a idéia de que cuidavam sempre da saúde, utilizavam os medicamentos prescritos e seguiam os tratamentos

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na medida do possível e de acordo com as suas condições financeiras. Para isso, contavam com o auxílio de parentes, amigos ou da rede pública de saúde, bem como buscavam alternativas com preços mais acessíveis. Contudo, como será discutido posteriormente, não se pode afirmar que, em sua totalidade, o comportamento dos entrevistados implicava em benefícios para a sua saúde.

Estratégias empregadas em caso de doenças e emergências

Mesmo que diante de dificuldades em relação à saúde e seus custos, devido principalmente ao surgimento de doenças crônicas e suas conseqüências com o avançar da idade, tentou-se avaliar se existia um equilíbrio entre as necessidades/demandas desses idosos e a rede assistencial que lhes cercava, independentemente se ela era formada por familiares, amigos, ajuda paga ou entidades assistenciais. Pretendia-se saber se, em âmbito familiar ou coletivo, as necessidades mínimas para sobrevivência e qualidade de vida dos idosos eram atendidas. Para tal, buscou-se investigar como os idosos procediam quando estavam doentes, carentes de ajuda, ou em situações de emergência.

Apesar de não residir na mesma unidade domiciliar, os idosos recebiam apoio da família na forma de cuidado. Este achado corrobora Montes de Oca (2001). De fato, quando estavam doentes, a maior parte dos idosos relatou que contava ou poderia contar com a ajuda da família, indicando que, mesmo distante, a família ainda se constituía no principal ponto de apoio e referência para o idoso que mora sozinho. Os familiares que compunham a rede de apoio em caso de enfermidades eram os filhos/enteados, genros/noras, netos, irmãos e sobrinhos. Neste período, o tipo de parente que fornecia amparo variava de acordo com a disponibilidade, afinidade ou proximidade. Foram encontradas também diferenças em relação à intensidade da ajuda, afinal, se por um lado, alguns idosos mesclavam este apoio com a ajuda de amigos ou empregados domésticos, outros contavam exclusivamente com o apoio de familiares, que os levavam para sua própria casa ou se deslocavam para a residência do idoso durante o tempo em que a necessidade de cuidados existia.

Os amigos também se revelaram presenças constantes em casos de doenças, tanto complementando o apoio familiar ou sendo a única base apoio. Entre os solteiros, a participação de amigos revelou-se ainda mais freqüente na doença, se comparados aos casados e aos separados/divorciados. Conforme Larsson & Silverstein (2004), os idosos que nunca se casaram parecem ter adotado ao longo da vida um estratégia de ampliação dos laços de amizade extra-familiar que lhes garantam um estilo de vida mais independente e ao mesmo tempo assistência em caso de enfermidades. Capitanini (2000) destacou que, embora as idosas que viviam sozinhas no interior de Minas Gerais mencionassem os familiares como suas relações mais importantes em termos afetivos, os amigos eram tidos como as pessoas que elas se relacionavam com maior freqüência e ofereciam-lhes suporte socioemocional. Foi possível notar no presente estudo que, por manterem vínculos mais fortes de amizades, alguns idosos podiam dispor da ajuda de amigos ao invés de ficarem sozinhos, contar com ajuda paga ou com a presença de familiares não muito próximos.

É difícil prever se estes idosos teriam maior assistência e companhia se morassem com parentes, como filhos ou sobrinhos, embora seja importante destacar que os estudos comparativos têm enfatizado que aqueles que vivem acompanhados parecem receber mais ajuda, se comparados aos sozinhos (Saad, 2004). Cabe destacar que alguns entrevistados ressaltaram que praticamente nunca estiveram doentes a ponto de precisar de cuidados de outras pessoas. Contudo, estes opinaram sobre quem seria a pessoa de referência para o seu cuidado, com destaque para a família e amigos.

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A família, amigos, vizinhos e porteiros foram as pessoas de referência citadas em casos de emergência. Alguns idosos relataram que já precisaram pedir ajuda, outros que nunca necessitaram, mas sabiam que poderiam contar com estas pessoas. Apenas uma idosa disse preferir pegar um táxi e ir para um hospital sozinha a chamar o filho que morava distante. As maiores preocupações dos idosos revelaram ser não conseguir usar o telefone para chamar alguém e sentir-se mal durante a noite, o que dificultaria para pedir ajuda. Eles relataram que mantinham o telefone das pessoas de referência ou médico em local de fácil acesso.

Não ter uma companhia por perto pode dificultar o socorro em casos de emergências e, talvez, essa seja uma das principais fragilidades e preocupações do idoso que mora sozinha. Muitos relataram deixarem chaves com filhos ou vizinhos para facilitar o socorro. Uma senhora relatou que teve um derrame cerebral durante a noite, não conseguiu chamar por ajuda e só foi socorrida no dia posterior pelo filho, conforme o trecho a seguir:

Como que a senhora faz no caso de uma emergência? Ah! Tenho os telefones deles, né? Também se Deus ajudar que eu posso subir lá e chamar eles, eles me levam no hospital. Assim, desse jeito, num tem... Num tem muito problema não. O filho mais perto da senhora chega aqui rápido? Ah! Chega, chega. Chega sim. (...) E assim a senhora me falou que uma vez chegou a passar mal... Passei. Ai, esse dia que a senhora passou mal, que foi o dia do derrame, a senhora estava dormindo sozinha? Tava. Tava sozinha. Eu não podia andar nem falar, né? Que ele [filho] arrombou a porta e entrou. Eu tava lá em cima da cama. E agora, ele tem a chave da senhora... É. Tem, tem a chave e tem o telefone, né? Pertinho lá da cama. Qualquer coisa eu chamo ele. Na época a senhora num tinha o telefone perto? Tinha, mas... tava cá, pra cá. Num tava perto da cama. Depois disso que a senhora resolveu colocar... É. Ele pôs tudo pertinho lá pra mim.

(Rosa, 73 anos, viúva, renda de 1 SM, mora sozinha há 5 anos)

Situações como a relatada por Rosa deixaram evidente uma das principais fragilidades de idosos que moram sozinhos: a falta de uma pessoa por perto em casos de emergência. Mas, de um modo geral, dentro de suas possibilidades, os idosos se mostraram atentos a este problema, tentando se prevenir contra circunstâncias indesejadas.

Fragilidades e susceptibilidade a riscos

Assim como discutido, os estudos apontaram que morar sozinho em idade avançada poderia ser indicativo tanto de envelhecimento bem-sucedido, dado que estas pessoas tenderiam a apresentar melhores condições de saúde, como de fragilidade e susceptibilidade a riscos, uma vez que a falta de companhia poderia implicar na presença de hábitos indesejáveis em relação à saúde e na falta de assistência adequada.

Mesmo que a preocupação com a saúde fosse evidente nas falas dos idosos, que muitos alegassem fazer acompanhamentos freqüentes para não deixar exacerbar problemas graves e que relatassem ter hábitos de vida saudáveis, observou-se que estes idosos, em sua maioria, não cuidavam adequadamente da saúde como pensavam e relatavam. Exemplos deste falsos cuidados com saúde que poderiam refletir em susceptibilidade à doenças foram: hábitos alimentares indesejáveis, monitoramento inadequado da saúde, falta de prática de atividade física regular, não utilização de medicamentos conforme prescrição, falta de companhia em período integral quando estavam doentes.

A liberdade em relação aos horários, bastante enfatizada pelos idosos, pode implicar em um estilo de vida desfavorável no que se refere à saúde. No caso da alimentação, isso ficou bastante evidente quando os idosos falaram da liberdade de comer sem horários fixos ou pratos adequados, conforme trechos a seguir:

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As vantagens de morar sozinha, no meu modo de, de, de entender é, é... assim que você é livre. Você faz o quê quer. (...) E... também, você... se você quer fazer comida, você faz, se num quer num faz. Você faz o que você, você come o que você quer. Você faz quando quer.

(Emília, 71 anos, separada, renda de 1 SM, mora sozinha há 14 anos)

Agora tem uma coisa também... eu num cozinho em casa também não. Ai não, nunca gostei de cozinha. Já curti cozinha demais. Mas, ultimamente não. Só pra mim? É horrível. Num é? E ai, como é que a senhora faz? Eu vou pro restaurante... Aqui tem... vários. Eu vou pra restaurante num, num, como se diz... num uso um só não, vou a vários. Sabe? E quando eu estou com preguiça... eu falo que é preguiça mesmo, de sair? Eu telefono, e eles mandam comida pra mim. Sabe? Então, pra mim aqui é tudo fácil.

(Vanda, 75 anos, viúva, renda de 3,9 SM, mora sozinha há 14 anos)

O dia que eu não tenho comida pronta eu peço um marmitex ali. Eu como a metade de um, porque eu não agüento comer muito. Ai, eu parto.

(Alda, 80 anos, viúva, renda de 2 SM, mora sozinha há 20 anos)

Relatos como o de Antonina deixaram claro esta falsa ilusão de cuidado com a saúde e alimentação. No exemplo a seguir, ela relatou que preparava refeições balanceadas, que sabia da importância de comer frutas, mas se contradiz ao mencionar que não estava comendo as frutas adequadamente e preparava e comia doces e salgados em horários impróprios quando desejava.

E dá preguiça de fazer comida pra uma pessoa só? Quando eu tô com fome não. [risos] Quando eu tô com fome, se eu tô na sala assim... deu dez horas da noite e me deu uma vontade de comer uma empada, se eu tiver os ingredientes na cozinha eu vou lá no armário, eu vou lá e faço na hora. Então a senhora... Faço e como. Se eu tiver com vontade, por exemplo de comer um arroz doce, hum, vontade de comer arroz doce, tô vendo novela: ‘Ah! Deixa eu botar o arroz lá pra cozinhar’. E boto o arroz lá pra cozinhar, tem leite, tem açúcar, tem leite condensado, num sei o quê. Faço, sento na sala, como, como, como, como. Então, a senhora é animada? Ah! Sou. E a senhora come assim, por exemplo, na hora do almoço, a senhora faz assim, por exemplo, uma maior quantidade de verdura, consegue balancear bem? Eu faço esse... balançeamento porque eu sou do Vigilante do Peso, então você aprende a comer. Você tem que aprender, queira ou queria você tem que comer. Então, por exemplo, manda comer cinco frutas por dia. Eu acho um absurdo. Eu num comia fruta nenhuma. Eu não gostava muito de verdura porque meu marido também não gostava. Então, num tinha costume de comer muita verdura. No interior comia, depois que eu casei não. Então, eu pego as frutas e ponho ali. Quando chega a noite eu num dei conta de comer. Eu acho um absurdo. Hoje por exemplo eu falei: ‘ai! Meu Deus, num comi nenhuma fruta’. Tem que comer uma fruta. Tem que comer uma fruta. Ah! Não eu já comi mamão de manhã, já tá ótimo. Então, eu assim... faço tudo muito balanceado.

(Antonina, 70 anos, separada, renda de 2,1 SM, mora sozinha há 7 anos)

Esta falsa idéia de cuidado com a saúde e prevenção talvez possa ficar mais perigosa quando não se tem uma pessoa por perto para monitorar, mesmo que a presença por si só não seja garantia de cuidado. Outro exemplo, de Antônio, chamou a atenção pela falsa ilusão de que comer pouco era algo positivo e pelas mudanças no seu estilo de alimentação. A falta de alguém para preparar ou compartilhar o momento da refeição pode fazer com que estes idosos sejam menos estimulados a comer adequadamente.

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Olha, eu tinha por hábito almoçar em restaurante lá em Santa Tereza [bairro em que morava], né? E ia pra lá, depois a gente enfara de comida assim, desse tipo de comida, né? Então, eu resolvi a fazer eu, eu mesmo alguma coisa. Sabe? E eu... como sou um inapetente, eu, num adianta me chamar pra comer feijoada, pra comer pizza, pra comer essas coisas todas, que isso não me seduz de forma nenhuma, né? Então, hoje... a minha dieta, eu tomo uma sopa aqui com uns pedaços de frango, essas coisas assim. Eu mesmo preparo. Quer dizer, esses... alimentos que as vezes, congelados, né? É o senhor que prepara as refeições? Isso. Eu mesmo. Todas elas? Eu faço uma refeição por dia, apenas. Só almoço. O café da manhã eu não tomo. Tomo um cafezinho... e... a tarde se eu tomo um suco de laranja é o... já chega. Mais nada. E o senhor num sente falta? Não sinto a menor [com ênfase] falta. E eu daria um... um, uma top model excelente, né? E o senhor acha tem uma alimentação de qualidade? Eu acho que eu... o que eu como num tem nada assim... que possa me prejudicar não. Eu num sei se... se eu como a dosagem correta, né? Mas a, a, a minha comida é muito saudável. E quando o senhor não morava sozinho o senhor também comia pouco assim? Não, eu já fui um excelente garfo. Eu acho que foi com a idade.(...) Mas, quando, quando eu vim morar sozinho eu, eu trabalhava, né? Quando eu trabalhava não. Tinha almoço todo dia. Em restaurante. Eram bons restaurantes. Então, eu só não tinha jantar. Mas, almoço era... farto. E o senhor sente assim preguiça de cozinhar? Não. Eu não tenho é a menor vocação [com ênfase].

(Antônio, 77 anos, separado, renda de 6,6 SM, mora sozinho há 25 anos)

Mudanças decorrentes do processo natural de envelhecimento; fatores econômicos e psicossociais; e intercorrências farmacológicas associadas a múltiplas doenças podem interferir no consumo alimentar dos idosos (Campos, Monteiro & Ornelas, 2000). Assim, com base no exposto pelos entrevistados, pode-se supor que, a redução do apetite somado a um estilo de vida independente, próprio de quem mora sozinho, poderia conduzi-los a se alimentarem inadequadamente e, consequentemente, comprometer sua saúde a longo prazo.

No caso de Angelina, além da alimentação inadequada, ficou evidente pelo menos mais um problema em relação ao cuidado com saúde: a falta de acompanhamento médico apropriado. Afinal, relatou que não ia ao médico há muito tempo e que seu problema era “simplesmente” o tremor, decorrente da doença de Parkinson. Pôde-se observar que ela sabia que não podia comer determinados alimentos, mas, ao mesmo tempo, não deixava de comer. O trecho final em que menciona a dificuldade para preparar frituras deixou evidente que este não foi uma hábito abolido. Não se pode deixar de mencionar ainda os perigos que o preparo de frituras associados ao tremor poderiam causar.

E a senhora vai muito ao médico? Hum hum [negativamente]. Tem muito tempo, né? Muito tempo. Porque que a senhora num tem ido ao médico? Ah! Porque... às vezes eu vou. É... me dá os remédios eu tomo. É... mais é... negócio da tremura. (...) O que a senhora mais gosta de fazer? Comer. [risos] O quê que a senhora gosta de comer? Angu, quiabo, carne moída, um franguinho assado. [risos] E geralmente a senhora pode comer isso? Frango eu não posso comer que o médico proibiu, né? Posso comer só um pedacinho, sem gordura sem nada. Eu gosto de carne de porco, mas, num posso comer. Fui proibida. Carne sem gordura, uma carne bem macia. E a senhora que faz o almoço? Tem dia que eu faço [alguns dias os sobrinhos oferecem o almoço]. Quando a senhora faz, a senhora faz o quê? Eu faço. É... Carne cozida, arroz, feijão, angu, eu que faço macarrão. E, geralmente, quando a senhora tá preparando a comida, a senhora sente alguma dificuldade? Não. A única... coisa que eu sinto é na hora que vai abrir a fritura que eu vou tirar da panela e a mão treme e cai tudo pelo lado de fora.

(Angelina, 75 anos, viúva, renda de 1 SM, mora sozinha há 3 meses)

Entre os entrevistados, estava presente a falsa idéia de que determinados problemas de saúde eram “normais”, que faziam parte do processo envelhecimento. Assim, tremores, falta de equilíbrio, alterações na pressão arterial e tonteiras não preocupavam uma parcela importante dos entrevistados, com destaque para aqueles de condições socioeconômicas

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inferiores. Para alguns, utilizar simplesmente o medicamento prescrito pelo médico e aferir a pressão arterial já eram ações suficientes no cuidado com a saúde. A prática de atividade física regular, por exemplo, que poderia trazer benefícios em vários aspectos, se restringia a um pequeno grupo de pessoas, participantes em sua maioria de grupos de convivência, e independia da renda do indivíduo.

No caso dos medicamentos, dois fatores chamaram atenção: idosos que disseram que consomem medicamentos manipulados para reduzir custos e a falta de continuidade ao tratamento prescrito. Cabe ressaltar que esses problemas atingiam principalmente pessoas de camadas de renda inferiores ou intermediária.

No caso dos remédios manipulados, observou-se que estes eram tidos como alternativas para reduzir custos, uma vez que estes idosos relataram que consumiam um grande número de medicamentos, que nem sempre estavam disponíveis na rede pública de saúde. Juvertina dizia-se preocupada em relação à eficácia do medicamento manipulado, como pode ser visto na fala que se segue. Esta opção por medicamentos manipulados, observada no presente estudo, preocupa por não se saber até que ponto estes medicamentos eram de qualidade, comprados em estabelecimentos confiáveis e propiciavam o efeito desejado.

Agora, eles falaram que esses remédios preparados assim, num faz muito efeito nada. (...) Esses remédios que eles prepara esses remédios... Manipulados? É. Num faz efeito mais, mais, faz efeito mais lento. E isso a minha prima falou comigo, né? Porque a... a minha amiga falou, o médico falou com ela, esses remédios que vem manipulados, os remédios que manda preparar num esse... faz efeito igualzinho o outro. Ai, eu conversando com ele, ele falou assim: ‘é mesmo dona Juvertina, o remédio num é igual’. Igual esse remédio que a senhora tá tomando pra tiróide, né? Do... da, do colesterol, né? É mais leve. (...) A senhora deve gastar mais ou menos um salário desses que a senhora ganha com remédio... É. Não, um salário num dá pra pagar os trens, os remédios, e os, e os ou, os trens que eu compro, aluguel, esses trens que eu, que eu tenho que pagar,né?

(Juvertina, 78 anos, viúva, renda de 3 SM, mora sozinha há 15 anos)

Ainda em relação aos medicamentos, a maioria relatou que seguia adequadamente o tratamento e conseguia os remédios necessários. Por meio das falas, Izídio parecia uma exceção, conforme trecho a seguir:

Eu tomo, eu tenho os comprimidos ali. Eu tomo o comprimido... e faço chá... tomo o comprimido com chá. Pra poder ajudar... ajudar a, a, a, a pressão. É. De fazer baixar a pressão. (...) E, e, e, é o senhor, e assim... e o senhor toma o remédio direitinho igual o médico falou? Ou não? Não, agora eu tô tomando. Depois que eu cai ai, eu tô tomando. Agora, que o senhor tá tomando? É. Duas vezes por dia. De manhã... até agora a tarde. E o senhor cai muito? Não, cai três vezes, durante a minha vida, cai três vezes. Mas é... mais eu tomava... e, e... na hora eu nem, nem tomava nem nada. Ah! Num adianta nada não. Mas, agora eu vi que precisa, de ser normal.

(Izídio, 92 anos, separado, renda de 1 SM, mora sozinho há 6 anos)

Contudo, assim como ocorreu no caso da alimentação, em que os idosos se disseram pouco rigorosos em relação a horários, e tinham a falsa ilusão que cuidavam adequadamente da saúde, questiona-se em que medida esse comportamento, decorrente da liberdade de horário e independência em relação a outras pessoas, poderia influenciar a utilização de medicamentos. Ressalta-se, porém, que como este não era um dos objetivos iniciais do trabalho de campo, pouco se abordou a este respeito para obter subsídios necessários para argumentação. Os discursos dos idosos sugerem que, assim como estas pessoas minimizavam

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seus problemas de saúde, por entender que os tratamentos seriam pouco eficazes, e diziam-se bastante flexíveis em relação a horários, da mesma forma poderiam não seguir adequadamente a prescrição do profissional da saúde e se iludir, pensando que estavam cuidando adequadamente da saúde.

Finalmente, cabe destacar em relação às fragilidades decorrentes da vida independente a falta de companhia em período integral quando os idosos estavam doentes. É certo que, nem todos os idosos permaneciam em casa sozinhos quando estavam doentes, já que uma parcela importante se deslocava para a residência de terceiros ou recebia alguém em suas casa nesses momentos. Assim, apenas a minoria dos entrevistados revelou que permanecia em casa sozinho em casos de enfermidade e que, embora evitasse, poderia contar com a presença de familiares e/ou amigos se realmente precisasse. Porém, duas histórias chamaram atenção para a fragilidade e os perigos vivenciados por aqueles que relataram ficar em casa sozinhos em casos de doenças. Trata-se de um idoso que não possuía boa relação com os filhos e uma idosa cuja a filha morava em outro município:

Eu fui atacado por uma... labirintite e eu fiquei setenta horas no chão, porque eu não conseguia pegar o telefone. Fazia assim e você rodava. Então, eu fiquei defecado, urinado e vomitado. No chão? No chão sem chamar ninguém (...) Então eu fiquei sem poder... O senhor não conseguiu se levantar mesmo? Ah! Não consegue, labirintite a senhora conhece como é que é. Quando ela ataca mesmo... eu tive uma vinte e quatro do mês passado, vinte e cinco passado. E agora. Então, eu fiquei... eu já conhecia a rotina... E ninguém chegou a ligar? Procurar? Não. O senhor estava em casa e ficou... Em casa, de pijama eu estava, que três dias depois, fui correr os meus pijamas, todo imundo. E ai, como é que foi? O senhor conseguiu levantar? Não. Não. Né não. Vai melhorando que ela... ela tem um surto, ela tem um ciclo, né? Então, eu tomei meu banho, direitinho, devargazinho, não dirigi naquele dia. Chegou a chamar alguém? Não, eu só fui ao médico direto. Ele me medicou. O senhor é... chegou a ficar assustado? Assustado não, eu fiquei com medo. Medo de quê? Exatamente assim, que todo mundo sabe que a morte existe, mas, ninguém quer morrer, creio eu, né? Se o senhor... por um problema de saúde vier a precisar de alguém, como que o senhor faria? O senhor num teria... Pago. Eu, eu... pagaria pela ajuda de alguém.

(Joaquim, 71 anos, separado, renda de 13,2 SM, mora sozinho há 32 anos)

E quando a senhora tá doente, como é que a senhora faz? Olha, eu... doente assim de viver na cama, nunca fui. Graças a Deus. Só uma vez quando eu quebrei o pé eu... sai daqui fui... no... no [hospital] eles me engessaram. Ai, eu passei na casa dessa moça [proprietária da casa que aluga a casa] que eu tô falando com você, que eu... que a casa é dela... dormi lá e no outro dia o marido dela me trouxe aqui. E ai como é que a senhora ficou aqui dentro de casa sozinha? Ah! De, de muleta, vinha e saia dali na cama, vinha aqui e fazia comida, esquentava... E a senhora conseguia? Conseguia. Só pra lavar roupa que era mais difícil. Mas, tinha uma moça que morava no último... a última casinha lá... ela lavava a roupa de cama pra mim. E ai, a senhora tinha que pagar? Não. Ela nunca... nunca cobrou. E assim, pra tomar banho a senhora dava conta de tomar banho sozinha? Dava, porque eu vestia um saco plástico assim oh! Amarrava aqui... E tem um banquinho. Eu sentava... eu sento no banquinho, e tomava banho. E como é que a senhora fez pra comprar comida? Como é que a senhora fazia? Ah! Ai não, ai eu tinha... comida... Quando acabava essa moça aqui comprava e trazia pra mim. A senhora dava o dinheiro e ela... Dava o dinheiro e ela comprava. E ela trazia. É. Leite, arroz, açúcar que é mais pesado... é... eu, mais pesado é isso. É o leite, o arroz, o açúcar e o... e... feijão (...) Essa pessoa até já morreu. Então a senhora hoje já num pode contar tanto com essa ajuda? Não. E se acontecesse algum problema de saúde... e que todos nós podemos ter é... como que a senhora faria? A senhora acha que... Uai! Eu... vou, vou pro hospital. E ai então a senhora... Fico lá até... quando precisar. E pra voltar pra casa? Ai, eu venho... pego... se eu agüentar eu venho de ônibus, se eu não agüentar... eles me manda trazer de ambulância. E pra ficar aqui dentro de casa sozinha? Ah! Aqui é fácil. Porque... eu fico escorando aqui e venho aqui e torno a voltar.

[risos] Então a senhora daria o seu jeitinho? Dou.E a senhora já tá bem ambientada aqui

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preciso, venho e volto. E se a senhora passar mal ai, como é que a senhora vai fazer? Ah! Eu tenho o telefone, eu ligo. Sempre tem essa moça aqui da esquina, que tem esse barzinho... Quando precisa... acho que nunca precisou não. Mas... se precisar eu chamo e ela vem.

(Vera, 79 anos, viúva, renda de 1 SM, mora sozinha há 30 anos)

Permanecer em casa sozinho, principalmente durante os períodos de enfermidade, provavelmente, pode dificultar que sejam tomadas providências adequadas, quando necessário, e favorecer que esses idosos apresentem uma recuperação mais lenta.

Considerações Finais

Na maioria dos países, assim como no Brasil, têm se verificado, ao longo do tempo, um número e proporção crescente de pessoas vivendo em domicílios unipessoais em todas as faixas etárias do conjunto da população de 60 anos e mais. Contudo, a realidade desses idosos, principalmente no que diz respeito às condições de saúde, ainda é pouco conhecida.

Os estudos têm demonstrado que morar sozinho em idade avançada poderia ser indicativo tanto de envelhecimento bem-sucedido, dado que estas pessoas tenderiam a apresentar melhores condições de saúde, como de fragilidade e susceptibilidade a riscos, uma vez que a falta de companhia poderia implicar na presença de hábitos indesejáveis em relação à saúde e na falta de assistência adequada.

Diante disso, o objetivo deste estudo é investigar as condições de saúde de idosos que moram sozinhos no município de Belo Horizonte, em 2007, ressaltando os meios utilizados para cuidar da saúde e as estratégias empregadas em caso de doenças e emergências. Para tal, foram utilizadas informações oriundas da aplicação de 40 entrevistas em profundidade realizadas entre 31/05/2007 e 13/07/2007.

O desejo em não incomodar outras pessoas com seus gastos e demanda por cuidado, além da constante preocupação com a saúde, pode ter feito que a maioria dos entrevistados optasse pela posse de planos de saúde. Esses eram pagos pelos próprios idosos, seus familiares/amigos ou estavam atrelados a aposentadoria/pensão. A presença do plano de saúde pareceu influenciar no cuidado dos idosos com a saúde, uma vez que, entre aqueles que não tinham plano de saúde eram freqüentes os relatos de que não faziam habitualmente tratamentos ou acompanhamentos de saúde. Em geral, os idosos avaliavam positivamente sua saúde e diziam seguir tratamentos de saúde e utilizar medicamentos prescritos.

Apesar de não residir na mesma unidade domiciliar, em casos de doenças, os idosos disseram receber apoio da família na forma de cuidado e também dos amigos, principalmente, os entrevistados solteiros. Notou-se que, uma das principais fragilidades e preocupações dos idosos que moravam sozinhos era a falta de uma pessoa por perto em casos de emergência.

Ainda que viver com alguém não dê ao idoso a garantia de acompanhamento dos hábitos alimentares, da freqüência aos tratamentos e monitoramentos de saúde, da prática de exercícios regularmente, do uso correto de medicamentos, não se pode negar que os idosos que moravam sozinhos estariam mais expostos ao risco de não cuidar adequadamente da saúde e não investir em prevenção. Foi possível observar entre entrevistados que a presença de falsos cuidados com saúde que poderiam refletir em susceptibilidade à doenças, como por exemplo, hábitos alimentares indesejáveis, monitoramento inadequado da saúde, falta de prática de atividade física regular, não utilização de medicamentos conforme prescrição, falta de companhia em período integral quando estavam doentes. Acredita-se que a liberdade em relação a horários e a falta de uma pessoa por perto no dia-a-dia podem deixar estes idosos susceptíveis a riscos, o que poderia ser exacerbado ao longo dos anos de vida sozinho.

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O que se observou foi que, apesar dos constantes relatos de preocupação com a saúde, do desejo de ter um plano de saúde e de cuidados para se prevenir para não ficarem doentes e dependentes, estes idosos na realidade poderiam se iludir com falsas medidas preventivas e o “fazer o que quer, na hora que quer” poderia ser um ponto bastante negativo na vida dessas pessoas que viviam sozinhas. Isso foi observado em idosos de diferentes níveis socioeconômicos.

Mesmo não sendo uma amostra representativa da população idosa que mora sozinha no município de Belo Horizonte, acredita-se que este pode ser um retrato parecido em termos de cuidado com a saúde por parte dos idosos que moram sozinhos. Já à volta com o aumento da expectativa de vida, da redução do número de potenciais cuidadores de idosos, da busca pela manutenção da independência de seus membros, a sociedade atual, em termos de ações coletivas, se vê diante de um desafio de como amparar seus idosos que moram sozinhos. Como permitir que estas pessoas ao mesmo tempo mantenham um domicílio independente e tenham hábitos de vida saudáveis, sem ser monitoradas constantemente. Acredita-se que uma das principais medidas a serem tomadas são os investimentos em educação, para conscientizar esta população da importância de hábitos saudáveis e dos perigos de não investir em prevenção ou dar a devida importância aos problemas de saúde. Neste caso, é importante enfatizar quais seriam os hábitos corretos, visto que muitos declararam que seguiam o que acreditavam ser o melhor.

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