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Breves considerações sobre a intervenção do direito penal na ordem econômica sob a luz da teoria da escolha pública

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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERVENÇÃO DO DIREITO

PENAL NA ORDEM ECONÔMICA SOB A LUZ DA TEORIA DA

ESCOLHA PÚBLICA

Felix Magno Von Dollinger1 Resumo:

O presente ensaio visa ao estudo da aplicação da Análise Econômica do Direito (AED), em especial a chamada Teoria da Escolha Pública (Public Choice) na produção das normas penais de intervenção na ordem econômica. Esta última foi alçada pelo Constituinte de 1988 como bem jurídico fundado que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. O uso da AED apresenta-se como importante ferramenta para avaliar o uso do Direito Penal como meio eficiente para a defesa da ordem econômica, seus resultados e consequências no restante do ordenamento jurídico.

.

Palavras-Chave:

Direito Penal econômico, escolha pública, ordem econômica, direitos fundamentais.

Abstract:

This paper aims to study the implementation of the Economic Analysis of Law (EAL), in particular the so-called Theory of Public Choice (Public Choice) in the production of the criminal law to intervene in the economic order. The latter was raised by the Constituent Assembly of 1988 as well established law that aims to ensure everyone a life with dignity, according to the dictates of social justice. The use of AED has to be an important tool to evaluate the use of criminal law as an efficient way to defend the economic order, its results and consequences for the rest of the legal system.

Keywords:

Economic Criminal Law, public choice, economic, fundamental rights.

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Delegado de Polícia Civil em Minas Gerais; Professor de Direito da Faculdade Batista de Minas Gerais; Mestrando em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos.

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1.

Introdução

Constituição da República de 1988- CR/88, a partir do art. 170 estabelece os regramentos da atividade econômica no Brasil, a qual é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por objetivo assegurar a todos existência digna, baseada na justiça social e por princípios, dentre outros, a soberania nacional, a propriedade privada, a livre concorrência.

Para alcançar esse desiderato, o Estado brasileiro intervém na ordem econômica de forma direta e indireta:

Diretamente, através da exploração de atividade econômica pelo Estado, limitada aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173 da CR/1988).

Indiretamente, normatizando e regulamentando a atividade econômica, exercendo, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (art. 174 da CR/1988).

Na busca por uma tutela mais “eficiente” e mais vigorosa da ordem econômica, o Estado tem se utilizado cada vez mais do Direito Penal, como instrumento de prima ratio, remetendo-se, assim, à discussão sobre os limites da intervenção deste ramo jurídico na atividade econômica.

PRADO (2011, p. 39) assim se manifesta:

A

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Na verdade, impõe reconhecer, para efeito de proteção penal, a noção de ordem econômica lato sensu, apreendida como ordem econômica do Estado, que abrange a intervenção estatal na economia, a organização, o desenvolvimento e a conservação dos bens econômicos (inclusive serviços), bem como sua produção, circulação, distribuição e consumo.

Assim, a tutela penal se endereça às atividades realizadas no âmbito econômico, e, de certo modo, no empresarial.

O resultado desta intervenção, ligada diretamente aos fenômenos da chamada sociedade de risco, da globalização econômica e o expansionismo do direito penal (SICA, 2009, p. 145), implicou uma mudança de foco, lançando o direito penal (econômico) suas luzes sobre um bem jurídico supraindividual/coletivo (a ordem econômica).

Percebe-se que o relacionamento entre Direito e Economia precisa ser harmonizado, para melhor eficiência do efeito econômico na ordem jurídica, uma vez que a Economia se ocupa do uso dos recursos limitados em face das necessidades ilimitadas, enquanto o Direito se dedica ao regramento comportamental em sociedade. Some-se a tudo isso, o fato de que o homem é um ser racional, sujeito a estímulos e que almeja maximizar as utilidades que estão ao seu dispor.

Nesse diapasão, a Análise Econômica do Direito (AED) representa importante instrumento por ser “o campo do conhecimento humano que tem por objetivo empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para expandir a compreensão e alcance do direito...” (GICO JÚNIOR, 2012, p. 01).

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114 Dentre as várias teorias que compõem a AED, a Teoria da Escolha Pública (Public Choice) tem por objeto o emprego das teorias econômicas para análise dos fenômenos políticos, de modo a explicar como são tomadas as decisões nos Estados democráticos, a atuação do legislativo, dos grupos de pressão (lobbies).

De acordo do GONZÁLES (2006, p. 41):

“En realidad lo que se consigue a través del AED es predecir conductas de seres humanos. Se parte del principio que los seres humanos actúan em base a incentivos, y que en consecuencia buscan los que les favorece y evitan lo que les perjudica. En otras palabras tratan de maximizar beneficios y minimizar costos. En base a ello es posible encontrar formulas que permiten predecir (al menos presumir) como los individuos actuaran ante tales incentivos.

Dado que el Derecho es un sistema de regulación de conductas, su relación con la economía aparece como evidente. Si uno quiere regular conducta, aprender a predecirla es de suma utilidad. Saber el impacto de uma Ley, de una decisión judicial o de un contrato en la conducta futura permite poner al Derecho en contexto de realidad.”

Os próximos itens lavarão o leitor a reflexões sobre formação do Direito penal econômico pela a ação de grupos e os reflexos desse ramo jurídico na tutela da ordem econômica.

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2.

ANALISE ECONÔMICA DO DIREITO: CONCEITO E A APLICAÇÃO

Análise Econômica do Direito- EAD (na doutrina norte-americana Law and Economicis) tem sua origem moderna a partir de artigos produzidos na década de 1960 por autores ganhadores do prêmio Nobel como “Ronald Coase e Gary Becker, e os livros de Guido Calabresi e Richard Posner” (GAROUPA e GINSBURG, 2012, p.140).

Em artigo publicado no Jornal Law and Economics em outubro de 1960, denominado “O problema do custo social” ( The problem of social cost), Ronald Coase descreve que os custos sociais como a poluição atmosférica decorrente das fábricas não é decorrente de falhas de mercado e portanto merecedor de maior intervenção estatal, mas sim da indefinição de direito de propriedade.

COASE (1960, p. 19) discorrendo sobre como as decisões judiciais afetam a atividade econômica e seus custos, afirma:

Of course, if market transactions were costless, all that matters (questions of equity apart) is that the rights of the various parties should be well-defined and the results of legal actions easy to forecast. But as we have seen, the situation is quite different when market transactions are so costly as to make it difficult to change the arrangement of rights estab-lished by the law. In such cases, the courts directly influence economic activity. It would therefore seem desirable that the courts should understand the economic consequences of their decisions and should, insofar as this is

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possible without creating too much uncertainty about the legal position itself, take these consequences into account when making their decisions. Even when it is possible to change the legal delimitation of rights through market transactions, it is obviously desirable to reduce the need for such transactions and thus reduce the employment of resources in carrying them out.”

A Análise Econômica do Direito se apresenta, pois, como o fim de aplicar às decisões jurídicas as regras e princípios da Economia, analisando-se os custos e os benefícios para se chegar à decisão mais justa.

MASSO (2012, p. 243-244) prossegue citando parte do voto da Ministra Nancy Andrighi do Superior tribunal de Justiça, no Recurso especial nº 355.392-RJ, onde se discutia a fixação de danos morais:

Enraizada na Escola de Chicago e tendo como maiores expoentes os Professores de Economia e Juizes da Corte de Apelação do Sétimo Circuito Richard Posner e Robert Bork, a Escola da. Análise Econômica do Direito parte do pressuposto de que a empresa jornalística atua como um agente de mercado: ao decidir se publica ou não uma matéria difamatória, a imprensa toma em conta, de um lado, os valores fixados pelos Tribunais a título de danos morais e, de outro, a expectativa de receita que o ato ilícito irá trazer.

Tomando o exemplo adotado por Jerrery L. Harrison (in Law and Economics, University od Florida, 2000, pg. 186/187), se a jurisprudência em casos semelhantes sinaliza que a condenação não passará de US$ 90 e a expectativa de receita com a publicação da matéria difamatória alcança US$ 100, o ato ilícito será praticado pelo veículo informativo, eis que deixará de lucrar

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US$ 10 (100 - 90) se não publicar a reportagem.

De forma a coibir este comportamento socialmente indesejável, como anota a linha de precedentes oriundos da Suprema Corte dos Estados Unidos (cite-se, a respeito: New York Times Co., v. Sullivan, 376 U. S. 254, 1964), deve o julgador, ao fixar o quantum devido a título de danos morais, tomar em consideração a receita auferida pela imprensa com o ilícito praticado, pois do contrário estará estimulando os que buscam maximizar seu lucro em prejuízo de toda a sociedade.

Na avaliação do dano moral provocado por ofensa veiculada na imprensa escrita, que se utiliza de determinadas matérias para impulsionar a sua venda, mostra-se razoável o patamar fixado na sentença monocrática e mantida pelo e, TJRJ, porque leva em consideração aspectos peculiares do meio de transmissão do texto depreciativo e o benefício pecuniário auferido pelo agressor, às custas de sua vítima.”

Feitas essas considerações, passa-se ao estudo da Teoria da Escolha Pública.

3.

A ANÁLISE ECONÔMICA DO CRIME

aplicação da AED ao fenômeno da criminalidade tem-se tornado um necessidade cada vez mais presente em nossa atual sociedade. O aumento da ocorrência de certos delitos, a efetividade das penas aplicadas, a reincidência, o custo mensal para a manutenção de um detento, são exemplos frequentes da relação entre crime e economia.

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118 Gary Becker em seu artigo Crime e castigo uma abordagem econômica (Crime and punishment: na economic approach), de 1968, aprofunda o tema da análise econômica do crime, abordando questões como o uso dos recursos públicos para prevenir e prender criminosos, a gravidade da pena, a perda social e a própria impunidade.

Não se pode deixar de notar, por exemplo, o efeito econômico das penas restritivas de direito (art. 43 e seguintes do Código Penal), ao evitar a prisão celular e suas consequentes mazelas àqueles que cometeram delitos sem violência ou grave ameaça à pessoa.

BECKER (1968, p.33), discorrendo sobre o processo penal norte-americano assim se manifesta:

“Actual criminal proceedings in the United States appear to seek a mixture of deterrence, compensation, and vengeance. I have already indicated that these goals are somewhat contradictory and cannot generally be simultaneously achieved; for example, if punishment were by fine, minimizing the social loss from offenses would be equivalent to compensating

"victims" fully, and deterrence or vengeance could only be partially pursued. Therefore, if the case for fines were accepted, and punishmentby optimal fines became the norm, the traditional approach to criminal law would have to be significantly modified.

First and foremost, the primary aim of all legal proceedings would become the same: not punishment or deterrence, but simply the assessment of the "harm" done by defendants. Much of traditional criminal law would become a branch of the law of torts,53 say "social torts," in which the public would collectively

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sue for "public" harm. A "criminal" action

would be defined fundamentally not by the nature of the action but by the inability of a person to compensate for the "harm" that he caused.

Thus an action would be "criminal" precisely because it results in uncompensated "harm" to others. Criminal law would cover all such actions, while tort law would cover all other (civil) actions. As a practical example of the fundamental changes that would be wrought, consider the antitrust field.”

4.

A TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA

4.1 Conceito e origem

Teoria da escolha pública (Public Choice), surge no final da década de 1960 em decorrência de proposições de autores, com destaque para James Buchanan, ganhador do Prêmio Nobel de 1986. Em seus estudos, Buchanan prega a uma perspectiva econômica para análise dos fenômenos políticos (mercado ou de mercado político), nas sociedades democráticas, a atuação do Poder Legislativo na produção das normas.

BUCHANAN (1993, p. 128), em sua obra “Custo e escolha uma indagação em teoria econômica”, tradução para o português em versão digital, assim se manifesta o custo da criminalidade:

“Os custos que o economista quantifica podem estar relacionados direcionalmente com aqueles que inibem a escolha.

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Nesse caso, mudanças no nível dos custos objetivados (por exemplo, modificações nas probabilidades de condenação e no rigor da pena) produzem efeitos sobre a quantidade de crimes cometidos. Neste ponto, surgem graves problemas ao se tentar estabelecer normas mais explícitas para a política, como por exemplo, ao se discutir as condições de maior favorabilidade ou de eficiência.”

A grande contribuição desta teoria refere-se à melhora do processo legislativo, cujas normas produzidas diminuam o endividamento do Estado, sejam de relevante interesse social, fugindo de escolhas que atendem à apenas pequenos grupos e que promovem o oportunismo político.

GONZÁLES (2006, p. 42) afirma:

“...el llamado Public Choice, o teoría de la elección pública sirve para analizar los procesos políticos, las decisiones de los funcionarios públicos, cómo se generan las constituciones y las reglas electorales, etc. Virtualmente todas las ramas del Derecho han sido impactadas por AED (Derecho Ambiental, Civil, Mercantil, Administrativo, Penal, Constitucional, Laboral etc.).”

A public choice demonstra que na verdade, tanto o homem político quanto o privado (homo economicus) visam a interesses próprios. As escolhas públicas não são orientadas interesses diferentes daqueles que orienta as opções privadas. A diferença é que é que as escolhas públicas acabam por afetar os interesses de outras pessoas (a população), enquanto que as escolhas privadas afetam aqueles que estão ali diretamente interessados.

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121 O governo ao contrário do que possa imaginar, não está empenhado em maximizar os interesses coletivos, mas seus servidores estão emprenhados em maximizar seus interesses próprios. Esses interesses podem ser, por exemplo, o apoio às causas daqueles que financiaram a campanha de determinado deputado ou senador.

Sobre a perseguição de interesses privados dentro do governo, assim se manifesta TULLOCK (2005, p. 10):

We must accept that in government, as in any form of commerce, people will pursue their private interests, and they will achieve goals reasonably closely related to those of company stockholders or of citizens only if it is in their private interest to do so. The primacy of private interest is not inconsistent with the observation that most people, in addition to pursuing their private interests, have some charitable instincts, some tendency to help others and to engage in various morally correct activities.

However, the evidence seems fairly strong that motives other than the pursuit of private interests are not ones on which we can depend for the achievement of long-continued efficient performance. Consider two groups, federal judges and college professors. Both groups have been granted substantially guaranteed employment with no risk of being fired. In both cases, a great many of them take advantage of this tenure, not to maximize the production of truth, truthful research, or correct decisions, but to maximize their enjoyment of leisure. There are tenured professors and judges who work hard, but, in both cases, the average is fairly low.”

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4.2 A atuação de grupos de interesse

Os estudos feitos pela Teoria da Escolha pública demonstram que uma tomada de decisão que atenda os interesses coletivos é mais difícil quando há atuação de grupos de interesse (lobbies), ou seja, grupos articulados que agem nos bastidores dos ambientes políticos, para que as legislações e demais normas governamentais atendam os seus interesses privados.

Ao lado da ação destes grupos de interesse, tem-se também:

a) logrolling – representa a troca de apoio entre políticos, que intensa quando não há fidelidade partidária ou não existe um projeto partidário consolidado; b) Ação burocrática: os funcionários do governo visam a maximização de seus

interesses próprios, por exemplo, através do aumento do orçamento de suas pastas, com o fim de aumentar seu raio de influência;

c) rent-seeking – a busca por rendas representa aqui uma ação de grupos de interesse em ações governamentais que irão impedir ou atrapalhar a ação de outro grupo de interesse. Por exemplo, montadoras de carros nacionais que influem o governo a sobretaxar veículos importados.

As ações empreendidas por grupos de interesse são as mais variadas e regem-se “pelo deregem-sejo de resolver o problema social de acordo com regem-seus interesregem-ses: em primeiro lugar, valem-se de seu prestígio para apropriar-se do problema (...) Em seguida costumam desenvolver atividades de provisão de informações...” (DIÉZ RIPOLLÉS, 2005, p. 33).

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5.

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PENAL

ECONÔMICO

constitucionalismo moderno entende que as Constituições são a fonte de validade de todo o sistema normativo do Estado. Assim, há uma mudança de paradigma de modo que todas as normas infraconstitucionais passam a ser interpretadas à luz da Carta Magna, que deixa de ser um diploma apenas político, dotados de força ideológica ou mesmo programática, mas cujos valores e princípios passam a ser reproduzidos no restante da pirâmide jurídica como norma jurídica, com reconhecimento de força normativa à Constituição.

Nessa linha, a constitucionalização dos direitos e garantias fundamentais ganha destaque, amparada por uma jurisdição que promovia sua defesa contra atos do Estado, através de modelos próprios de controle de constitucionalidade.

Com isso, quando nos referimos ao Direito Penal, o instrumento de controle social mais rigoroso de que dispõe o Estado, a orientação daquilo que realmente necessita desta tutela, deve passar pelos limites impostos pelos princípios insertos na Carta Política. Esta é quem estabelece quais são os bens jurídicos dignos de proteção penal, o que permite a interpretação de quem em relação à ordem econômica brasileira, a Constituição da República de 1988 o faz a partir do seu art. 170, onde define quais são os princípios gerais da atividade econômica, a qual é fundada na

O

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124 valorização do trabalho humano, na livre iniciativa, defendendo, dentre outros, a propriedade privada, a livre concorrência, o meio ambiente, o consumidor.

Essa tutela penal é enfatizada no art. 173, 4º da CR/88: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”

Sobre o referido dispositivo constitucional, assim se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:

“Fiscalização – Lei delegada 4/1962 – Recepção pela CF de 1988. A Lei delegada 4/1962 foi recepcionada pela CF de 1988, no que revela o instrumento normativo como meio para reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros – § 4º do art. 173 –, bem como quanto à atuação fiscalizadora do Estado, art. 174, ambos da Carta Política em vigor.” (AI 268.857-Agr, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20-2-2001, Segunda Turma, DJ de 4-5-2001.)

“Ausência da alegada negativa à empresa do direito de continuar exercendo o comércio de ouro e de pedras preciosas, ou de reconhecimento, ao Estado ou ao Banco Central do poder de estabelecer restrição à dita atividade, muito menos que pudesse ser tida por exorbitante dos lindes do poder de fiscalização e repressão ao abuso do poder econômico ou de punição de atos contrários à ordem econômica e financeira e economia popular.” (RE 242.550, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 28-9-1999, Primeira Turma, DJ de 10-12-1999.)

"É que o § 4º do art. 173 da CF reserva à lei a repressão ao abuso do poder econômico, no que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Assim, não se pode ter a Lei 8.039/1990, no particular, como conflitante com a autonomia assegurada no art. 209, nem com princípio estabelecido no inciso XXXVI do art. 5º, ambos da CF de 1988." (AI 155.772-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-11-1993, Segunda

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Turma, DJ de 27-5-1994.)

De fato, o legislador constituinte entendeu que a via penal era instrumento capaz de garantir o bom desempenho das relações econômicas, na defesa do mercado, da concorrência e da livre iniciativa.

Todavia, é importante salientar que a posição adota pelo constituinte de 1988 foi na verdade um norte, um farol para o legislador infraconstitucional que elencaria as condutas que entendesse violadoras dos bens jurídicos tutelados dentro da ordem econômica. Esta ordem não ficaria tutelada pelo Direito Penal, mas também por mecanismos de cunho administrativo, como é ocaso CADE- Conselho Administrativo de Defesa Econômica, criado pela Lei 8884/1994.

Habeas Corpus Nº 20.555 - MG (2002/0007842-3) Relator : Ministro José Arnaldo Da Fonseca Ementa :Processual Penal E Penal. Habeas Corpus. Unimed. Restrição A Convênio Com Cooperativa De Fisioterapeutas. Abuso Do Poder Econômico. Decisão Do Cade. Ato Legítimo. Ação Penal. Necessidade Da Persecutio Criminis. Decisão Administrativa Não Vincula A Judicial. Ordem Denegada.

Sem reparo a decisão combatida quando assevera a independência das esferas administrativa e penal. Realmente, em nosso sistema jurídico-constitucional não se há oportunidade para contestar a supremacia da atividade jurisdicional em relação aos julgamentos e decisões provenientes da Administração, eis que os efeitos da coisa julgada só dimanam dos órgãos judiciários. Foi o que o legislador constituinte impôs ao não reverenciar o contencioso administrativo.

A diversidade dos fatos e das avaliações, tendo finalidade disforme (aplicar multa e aplicar pena), portanto, nos compele dizer que o convencimento de uma e de outra órbita possa sustentar-se por pilares diferentes, onde a visualização da conduta e suas conseqüências perfaçam os caminhos antagônicos.

Desta forma, a simples confrontação entre o que foi decidido pelo CADE e a lei incriminadora, no sentido de desconsiderar a afronta à concorrência livre, não nos

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encaminha para um mesmo foco de convencimento, no que se refere sobretudo aos efeitos penais. Tudo dependerá do procedimento da persecutio criminis , pois a tipicidade exige a conduta desleal. Seria, em verdade, um despropósito, em fase de habeas corpus, frear a

possibilidade de o Estado ver discutido tema por demais intricado, até mesmo porque, qualquer entendimento contrário exigiria o confronto probatório, inadequado neste momento. Ordem denegada, prejudicado o RHC nº 12.512/MG.

Nota-se pela decisão acima exposta, a clara independência das esferas administrativa e penal, lembrando que, para muitos, a efetividade da primeira é maior do que a segunda.

A crítica não é desprovida de razão, levando-se em consideração a dinâmica com que se desenvolvem as relações econômicas. De fato, com o desenvolvimento das telecomunicações (a chamada globalização), a formação de blocos econômicos, a facilidade de transferências de capital entre continentes demanda uma ação estatal rápida na defesa do mercado.

Segundo SCIORILLI (2004, p. 71):

“A atual legislação antitruste (lei n. 8.884/1994), espelhando a tendência atual de descodificação do Direito, contrária ao ocorrido no século XIX, deve ser entendida de conformidade com a moderna noção de microssistema, ou seja, mesmo não configurando um ramo autônomo do Direito, mas, ao reverso, permeando diversos ramos jurídicos, tem principiologia própria em defesa de determinado bem jurídico, é dotada de lógica autônoma e seu estudo ocorre em disciplina própria, devido à importância e à estrutura que alcançou.”

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127 A regulamentação da ordem econômica demanda um alto grau de tecnicismo, que muitas vezes implica a delegação para editar normas a órgãos administrativos.

Sobre a questão se pronuncia CARVALHO FILHO (2012, p. 473):

“O poder normativo técnico indica que essas autarquias recebem das respectivas leis delegação para editar normas técnicas (não as normas básicas de política legislativa) complementares de caráter geral, retratando poder regulamentar mais amplo, porquanto tais normas se introduzem no ordenamento jurídico como direito novo (ius novum).

(...)

Esse fenômeno, de resto já conhecido em outros sistemas jurídicos, tem sido denominado de deslegalização (ou deslegificação, como preferem alguns), considerando que a edição de normas gerais de caráter técnico se formaliza por atos administrativos regulamentares em virtude de delegação prevista na respectiva lei. Na verdade, não há, como supõem alguns estudiosos (equivocadamente a nosso ver), transferência do poder legiferante a órgãos ou pessoas da Administração, mas tão somente o poder de estabelecer regulamentação sobre matéria de ordem técnica, que, por ser extremamente particularizada, não poderia mesmo estar disciplinada na lei.

Em meio a esse emaranhado de normas, a doutrina tem pregado uma terceira via composta pelo chamado direito administrativo penal: sem a rigidez do direito penal e com a maior fluidez do direito administrativo.

Para OLIVEIRA JÚNIOR (2008, p. 130):

“Trata-se do direito de intervenção, na fala original. Ter-se-ia, assim, de acordo com essa judiciosa visão doutrinária, um novel

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campo do Direito- localizado entre o Direito Penal e o Direito Administrativo- o qual seria adaptado, mediante decisão de política legislativa, para a seara da moderna criminalidade. Um Direito Administrativo –Penal que se distinguiria do Direito Administrativo Disciplinar...”

6.

CONCLUSÕES

Constituição econômica do Brasil exprime a adoção do sistema econômico capitalista (a livre iniciativa é princípio básico do sistema capitalista ao lado da propriedade privada), regendo a partir do seu art. 170 os direitos e princípios que informam a atuação dos agentes econômicos, a organização e funcionamento da economia, bem as responsabilidades decorrentes do exercício da atividade econômica.

Ao mesmo tempo em que o sistema capitalista é marcado pelo individualismo, o Texto Maior determina que a ordem econômica tenha por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Para a defesa desta ordem econômica, o constituinte entendeu que o Direito Penal é meio adequado para reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros, de acordo com o art. 173, §4º da Constituição da República.

A efetividade deste que é o mais rígido instrumental do Estado, sua ultima ratio, é questionada em face de outras formas de controle, como o administrativo,

A

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129 representado em nosso sistema jurídico pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

Sob o pálio dos valores citados nas Constituição da República para a ordem econômica, o legislador infraconstitucional promulgou uma série de normas penais, que muitas vezes carecem estudos mais profundos em relação aos impactos de uma novel legislação no restante do sistema jurídico. Exemplo disso são as Leis 8137/90 e 8078/90, que promulgadas com meses de diferença, ambas tratam da criminalização de condutas lesivas às relações de consumo, e gerando com isso, perplexidade entre os aplicadores do Direito.

O efeito desse tipo de normatização (simbólica) tem um resultado danoso no seio da sociedade, não só do ponto de vista da credibilidade da norma penal (impunidade, sensação de insegurança, etc), mas também em relação ao custo que tais normas geram para os cofres públicos, na medida em que o Estado passa a criar, por força de leis, todo um aparato (delegacias, promotorias, juizados, dentre outros) para dar vazão ao comando normativo.

A doutrina exposta pela Análise Econômica do Direito, ainda pouco conhecida entre os juristas brasileiros, apesar de ser discutida academicamente desde a década de 1960 nos países da common law (em especial os Estados Unidos) vem aumentando seu raio de influência em boa hora, gerando a expectativa de uma melhor produção legislativa, bem como uma interpretação mais justa e consentânea com direitos e garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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