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Raça, Sexualidade e Política: um estudo da constituição de organizações de lésbicas negras no Rio de Janeiro

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Academic year: 2021

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Universidade Federal Fluminense

Centro de Estudos Sociais e Aplicados

Escola de Serviço Social

Programa de Estudos de Pós Graduados em Política Social

Mestrado em Política Social

REGINA COELI BENEDITO DOS SANTOS

Raça, Sexualidade e Política: um estudo da constituição de

organizações de lésbicas negras no Rio de Janeiro

Niterói 2006

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REGINA COELI BENEDITO DOS SANTOS

Raça, Sexualidade e Política: um estudo da constituição de

organizações de lésbicas negras no Rio de Janeiro

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós Graduados em Política Social, da Escola de Serviço Social da

Universidade Federal

Fluminense, como parte dos requisitos para a obtenção do título de mestre em Política Social.

Orientador: Prof. Dr. João Bôsco Hora Góis

Niterói 2006

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REGINA COELI BENEDITO DOS SANTOS

Raça, Sexualidade e Política: um estudo da constituição de

organizações de lésbicas negras no Rio de Janeiro.

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós Graduados em Política Social, da Escola de Serviço Social Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Política Social Banca Examinadora

________________________________________ Profº Drº João Bôsco Hora Góis (orientador)

UFF- Universidade Federal Fluminense _________________________________________

Profª Drª Samantha Viz Quadrat UFF- Universidade Federal Fluminense _________________________________________

Profª Drª Leilah Landin Assumpção UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro

Niterói 2006.

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Visitação

Hoje o ato de adentrar na casa a fora

não aforra o passado. O fato lembrado traz

misturar de sentimento,sensações novíssimas

guardadas com toda reserva em todas as reservas possíveis das primárias memórias.

A tua casa hoje vasculho inteira. O remexer presente

remove todas as imaginações: pobre, te mira rico

pequeno,alto me parecias falante,sábio me passavas eu te percebia outro. Já não me causas surpresa. Pelos arredores do tempo as notícias me chegavam: deixaste de ser prodígio tua pequenez foi desfeita despiste todas as máscaras de que te encarregaram.

Mas também andei à tua procura pelos arredores da vida.

Carecia da tua presença do presente de todos

que a memória sempre resolve à procura dos infinitos permanentes.

De: Jônatas Conceição da Silva Livro:Outras

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AGRADECIMENTOS

A todas às mulheres negras lésbicas, em especial a Neusa das Dores, por aceitarem compartilhar e dividir suas experiências conosco. Conhecer suas atividades é um privilégio e uma honra ímpar.

Ao meu orientador Prof. Dr. João Bosco da Hora Góis por quem nutro admiração e respeito. Obrigado por acreditar neste trabalho e conduzi-lo com competência e pertinentes orientações. A confiança, o respeito e a amizade na condução dessa fase em que estamos juntos

me estão fazendo adquirir uma visão plural e um exemplo de lição de vida. Muito Obrigado.

Ás amigas Elizabeth Falcão, Leila Nocchi Kobayashi,Muniz Ferreira, Soraya Ferreira, Rose(secretária do CES), Lúcia Helena Gomes, Skell Viana Belo, Maria Joana D‟arc de Oliveira, Rita Colaço, Ana Cristina Fróes, Marilena Lemos, Ana Maria Felippe e aos amigos Antônio Luiz, Marcos Quintanilha, em especial Sean Mackaughan e Acildo da Silva pelas trocas de energias positivas e fontes inesgotáveis de inspirações.

A minha comadre Rosemery R. Nascimento, e aos meus sobrinhos e afilhados Mariana Nascimento e José Augusto Nascimento.Obrigado por me deixarem compartilhar da amizade de sua família. A vocês todos o meu mais profundo respeito e admiração.

A todas as mulheres negras do Brasil, fonte de força luta e perseverança.

A todos que acreditaram em meu potencial e de alguma forma contribuíram para essa empreitada.

(6)

Às minhas filhas Cynthia Regina (In memorian) Michelle Ivana,por ser a razão de minha vida e me fazer ver o mundo de outra forma e ao meu filho do coração Ricardo Carvalho.

À minha irmã Neném (in memorian) por ter me educado e sido meu anjo de guarda.

(7)

Às mulheres negras, em especial as mulheres negras lésbicas, que através de suas vozes estão ajudando a preencher uma lacuna na historiografia do movimento social negro e do movimento de mulheres feministas do Rio de Janeiro.

(8)

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo examinar aspectos da organização de mulheres lésbicas negras na cidade do Rio de Janeiro. A nossa hipótese é a de que a constituição de um movimento lésbico negro está relacionado com as dificuldades de discussão dos temas raciais e sexuais em dois movimentos sociais: o movimento feminista e o movimento negro. Para a realização desse trabalho utilizamos fontes escritas – relatórios, jornais, panfletos, etc – e orais – entrevistas com ativistas do movimento negro, ativistas do movimento feminista e ativistas de organizações de lésbicas negras. O exame dessas fontes confirma fortemente a hipótese levantada ao mesmo tempo em que sugere que nessa diáspora lésbico-negra criou-se um importante espaço de construção de novas identidades.

(9)

ABSTRACT

This thesis aimed at examining black lesbian organizations in Rio de Janeiro. We assumed as hypothesis that the building of such organizations was derived from the difficulties in discussing sex and race related themes in two social movements. The feminist movement and the black movement. Data for this research were collected from written (reports, newspapers, pamphlets, etc.) and oral sources (interviews with activists from the feminist, black and black-lesbian movements). The examination of such data confirmed our hypothesis and suggested that black-lesbian diaspora created an important space for constructing new identities.

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO 1 - DO QUILOMBO AO MOVIMENTO NEGRO

1.1- Os quilombolas 11

1.2- O movimento das insurreições: as revoltas dos negros Haussá 15

1.3- As revoltas dos Nagôs 16

1.4- Insurreição armada: a balaiada 19

1.5- Movimentos pós-abolicionistas 22

1.6- A imprensa negra 24

1.7- A frente negra brasileira 26

1.8- Anos 70: Os novos movimentos negros 31

1.9- Movimento negro unificado: caminhos e descaminhos 33

CAPÍTULO 2 - O FEMINISMO EM MOVIMENTO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOVIMENTO DE MULHERES

2.1- O feminismo difuso 42

2.2- O feminismo anárquico 44

2.3- O feminismo pelos direitos políticos 45

2.4- Bertha Lutz e a Federação Brasileira para o Progresso Feminino 47

2.5-O novo feminismo 49

2.6- O feminismo dos anos 70 no Brasil 50

2.7- O surgimento dos primeiros grupos feministas 53

2.8- O ano inaugural: 1975 55

2.9- O movimento feminista na redemocratização 59

(11)

2.11- Os conselhos 60

CAPÍTULO 3- EM BUSCA DE UM LUGAR: A CONSTITUIÇÃO DO MOVIMENTO DE LÉSBICAS NEGRAS NO RIO DE JANEIRO

3.1- As percepções das mulheres negras lésbicas sobre o seu lugar no movimento negro 65

3.2- A percepção dos militantes heterossexuais sobre as mulheres negras lésbicas 68

3.3- A percepção das mulheres negras em relação ao movimento feminista 76

3.4- A percepção das feministas brancas sobre o local das mulheres negras no

movimento feminista 78

3.5- Mulheres em Movimento: a construção da esfera pública moderna 81

3.6-A construção do Centro de Documentação e Informação Coisa de Mulher 83

3.7- Construção do grupo de mulheres Felipa de Sousa 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS 91

REFERÊNCIAS 97

OUTROS DOCUMENTOS 104

NOTAS 106

(12)

RELAÇÃO DE ANEXOS

ANEXO 1 -Jornal Nacional do Movimento Negro Unificado (1991- pp.1 a 12) 110

ANEXO 2 – Roteiro de entrevista 111

ANEXO 3 - Roteiro de entrevista 113

ANEXO 4

Convocatória:1º Encontro Estadual Do Movimento Negro de

(13)

INTRODUÇÃO

Nasci em uma fazendola em uma pequena cidade do Vale do Paraíba, Barra do Piraí, Estado do Rio de Janeiro. Sou a filha mais nova de 11 irmãos. Quando nasci meus pais já estavam atingindo a terceira idade. Meu nascimento foi prematuro e por isso todos demonstravam a maior atenção e carinho comigo. Com o falecimento de meu pai e, alguns meses depois, o da minha mãe, a responsabilidade de me educar ficou a cargo da minha irmã Neném.

Cresci subindo em árvores, correndo atrás de galinhas e porcos e ouvindo histórias de mula sem cabeça, lobisomem e saci pererê. Cresci indo todas as tardes para a beira da linha férrea esperar o trem de passageiros passar para acenar com as mãos, sorrir e jogar beijinhos. Cresci ouvindo meus irmãos mais velhos contando histórias que ouviram dos nossos pais sobre o cativeiro. Cresci vendo meus irmãos cantarem, tocarem e dançarem Calangos e Jongo do Caxambu com os negros da região. Cresci vendo meus irmãos e tias rezarem, cantando e dançando para São Longuinho.

Nas noites de verão, quando não aconteciam na casa onde morávamos, as rezas de São Longuinho se davam nas residências dos compadres. Essas rezas tinham um tom acalentador, parecendo uma cantiga de ninar. Uma rabeca, um banjo e, às vezes, um pandeiro improvisado acompanhado de algumas vozes das mulheres mais velhas davam o tom do início da reunião. A presença era majoritariamente negra: mulheres com filhos enrolados nos braços, homens com seus chapéus panamá nas mãos, crianças maiores deitadas nas esteiras nos quartos ou brincando de pique de esconder. Estavam todos ali com o mesmo desejo: louvar São Longuinho. Quase todas as pessoas que ali presentes eram semi-analfabetas.

Os louvores a São Longuinho eram entoados dezenas de vezes. No início, dava para perceber a expressão de cansaço em cada rosto negro que ali estava, mas, com o passar da hora aquela expressão decorrente da dura labuta na roça, na estrada de ferro, nas tinas de roupas na beirada dos rios, no ferro de carvão de passar roupas, ia se transformando em uma expressão de alegria, de altivez e de extrema energia. Todos em pé, bem encostados uns aos outros, com o gestual de seus corpos

sincronizavam uma dança sem sair do lugar. Aquele encontro, para aquelas pessoas, era uma possibilidade de troca de energia. Significava também uma busca pela construção de uma irmandade entre os que se viam como iguais e comungavam do mesmo desejo: o fortalecimento de suas identidades e cultura negras.

(14)

Minha irmã Neném sempre foi muito atenta com a nossa educação. Ela era professora primária e costureira. Fui alfabetizada por ela e com cinco anos de idade já sabia ler e escrever o meu nome e os de todos da minha família. Em minha casa ouvia sempre ela dizer: “a única herança que nossos pais deixaram para nós foi a educação”. E quando não ia muito bem nos estudos ela me dizia: “vai voltar o cativeiro e você será

escrava de um senhor que vai levar você para o tronco, porque não quis estudar”. Isso

para mim era pior do que se tivesse apanhado, pois morria de medo da volta do cativeiro. O cativeiro na minha infância sempre foi algo que me acompanhava aterrorizando-me como um grande fantasma. Por isso, vivia chorando pelos cantos com medo que ele pudesse voltar.

Fiz o antigo ginasial em uma escola particular de freiras alemãs, Colégio Nossa Senhora Medianeira. Minha irmã tentou me preparar psicologicamente para esse estabelecimento escolar. Só que eu não fazia a mínima idéia do que ia encontrar pela frente. Já no primeiro dia de aula, foi um choque. Não vi nenhuma pessoa que me representasse enquanto adolescente negra. Só havia representação com relação ao gênero, pois éramos todas mulheres adolescentes. Esse isolamento certamente contribuiu para que eu despertasse para a questão da raça como um importante marcador social.

As estudantes eram todas brancas e de cabelos muito lisos indo até ao meio das costas, sendo muitas delas de olhos azuis. Fiquei muito assustada. Apesar disso, tinha simpatia por algumas freiras. Em momentos na minha adolescência pensei em ser uma delas. Não sei realmente o que me levou a ter esse sentimento; talvez fosse pela beleza das suas vestes e pela sabedoria e respeito que impunham; talvez fosse pelo fato de que sendo freira seria vista pela sociedade com outros olhares, não como menina negra, mas como uma freira.

Nessa mesma época, comecei a perceber que por tudo de errado que acontecia no Colégio a culpa recaía sobre mim. E por mais que a minha irmã houvesse me orientado, esqueceu de dizer que o racismo me levaria a ter que suportar algumas injúrias se quisesse terminar o colegial.

Por várias vezes, quando eu estava sentada na sala de aula, a irmã Alcântara adentrava em sala com dedos em riste e me mandava ir rezar na Capela aos pés de São José por ter supostamente feito algo que não estava de acordo com as normas estabelecidas no Colégio1.

1

- Lembro-me da irmã Kreta que ao me ver em prantos a rezar ia me consolar. Com um tom de voz muito carregada, por ser também alemã, dizia para mim: “reze bastante que você vai ficar igual às outras meninas”. Então parava de chorar e naquela vontade de ser igual às outras meninas, ser branca e de

(15)

Minha irmã Neném, cansada de ouvir uma série de histórias das freiras em relação a meu comportamento, com os olhos lacrimejando um dia me disse: “Você vai

continuar naquele Colégio, não faça bagunça, seja sempre você mesma, mas não se esqueça que você é preta, tem os cabelos carapinhos e duros e tem os beiços grossos. Você é mais bonita do que aquelas pererecas brancas que lá estudam”. Essa conduta da

minha irmã embora não seja uma regularidade, está presente na história de vida de inúmeras mulheres negras e explicita o papel da família na formação de uma consciência anti-racista.(Góis,2006).

Daquele momento em diante me enchi de orgulho e pensei: “Agora eu vou pintar e bordar com elas”. A minha primeira manifestação de “rebeldia” foi me passar por alguém que tinha poderes extra sensoriais, lendo a vida dos outras meninas através de um borrão de tinta da caneta em um papel branco, que quase sempre era a folha do meu próprio caderno. Sempre na hora do recreio eu estava de prontidão fingindo estar lendo a vida das meninas. Elas faziam filas para ouvir as minhas previsões. É claro que essa farsa não durou por muito tempo. A notícia chegou aos ouvidos da madre superiora e eu quase fui expulsa do colégio.

As vivências de discriminação na escola, as experiências de convivência fraterna com os negros da minha vizinhança durante a minha infância e o apoio da minha família no enfrentamento do racismo certamente influenciaram o meu interesse em participar de movimentos coletivos, em particular do movimento negro.

1 – O ingresso no movimento negro

Casada, na década de 70, saí de Barra do Piraí e vim morar na cidade de Niterói. Com duas filhas e um filho do coração, já viúva e estudante de Física, dava aula na Escola Técnica Resende Rammel. Foi quando em uma noite, quando saía do trabalho, parada, à espera do ônibus, um homem negro veio ao meu encontro e, depois de alguma conversa, informou-me sobre um lugar no centro do Rio de Janeiro que discutia o racismo. Embora quisesse chegar logo em casa, o assunto sobre a questão racial foi ficando tão interessante que perdi a pressa. Não relutei em pedir o endereço e perguntar o seu nome. Iedo.

Como em minha casa sempre se conversava sobre o cativeiro fiquei interessada em conhecer esse lugar. No sábado seguinte fui para a Rua Mem de Sá, 238. Tratava-se

cabelos lisos, me punha a rezar Pai Nosso com Ave Maria e rezar e rezar. E naquela enlouquecida vontade e ânsia de ser igual, rezava muito, muito além do que era pedido.

(16)

de um prédio antigo de dois andares, onde na porta havia uma placa com os dizeres

“Instituto de Pesquisa das Culturas Negras/IPCN”. Quando entrei, vi alguns homens

negros e poucas mulheres. Iedo foi meu anfitrião. Apresentou-me para as outras pessoas e convidou-me a sentar. Nas primeiras reuniões entendia muito pouco do que estava sendo discutido. Naquela época os intelectuais negros só falavam sobre a obra de Gilberto Freire Casa Grande e Senzala.

Quase todas aquelas pessoas negras que se encontravam no IPCN eram estudantes universitários. Naquele momento, percebi que existiam duas correntes teórico-políticas: uma nacionalista que não estava nem a favor nem contra o que estava narrado no livro de Freire; e a outra pan-africanista, composta por aqueles que aderiam à obra de Fanon – “Os Condenados da Terra” e “Pele Negra e Máscara Branca”.

Reunião do IPCN - 1988

As mulheres daquela época quase não expunham as suas opiniões, mesmo porque, se insistissem, eram impiedosamente impedidas pelos homens do movimento.

(17)

Embora muito motivada por aquele tipo de discussão, observei que aquele movimento conquanto discutisse idéias, era excludente no sentido de que não abria espaço para que as mulheres pudessem pôr as suas proposituras à mesa nas mesmas condições de igualdade que os homens. Mas, mesmo assim, senti que aquele espaço era propício para discutir as questões que tocavam a raça negra. Assim, fui durante mais de 20 anos militante orgânica do movimento negro.2

2 – O início já distante, da reflexão sobre o tema da pesquisa e a busca

pelo mestrado

Na década de 80 as afrodescendentes que militavam em diferentes movimentos sociais, em especial no movimento negro, começaram a trabalhar mais intensamente contra a invisibilidade que lhes era imposta.

Nessa busca por visibilidade surgem mulheres negras com diferentes orientações sexuais - heterossexual, homossexual e bissexual - fazendo parte das discussões que até então, na maioria das vezes, não tinham condições para serem levantadas e tratadas no movimento.

Foi a partir daí que a minha cabeça começou a ficar muito confusa, pois verdadeiramente não entendia nada. Muitas vezes havia notícias de que mulheres que sempre mantiveram relacionamentos heterossexuais tinham deixado o marido e estavam tendo relacionamentos com uma outra pessoa do mesmo sexo. Apesar de não haver nenhuma condenação de minha parte, procurava sempre entender o que havia se passado. Mas a procura, na maioria das vezes, não era satisfatória. Isso porque as explicações produzidas no seio do movimento negro eram em grande parte de ordem moral e buscavam desqualificar a homossexualidade. Era comum o uso de expressões como: “negro veado é maluco ou foi criado por família branca e ficou safado”;

“mulher sem marido é vaca ou sapatão”.

2

- Em 1987, já bastante integrada a ele, juntamente com outros militantes, depois de muitas pendengas e grandes embates criamos um programa chamado Programa Direitos Humanos Civis SOS Racismo. A sua estrutura logística e organizacional era muito simples. Ele foi instalado no IPCN, na gestão de Januário Garcia. Os quatro participantes diretos do programa tinham suas funções específicas. João Romão, por ser sociólogo de formação, era o coordenador geral. Wilson Prudente era o analista político, Dirce Maria de Sousa era a Pedagoga e eu, formada em direito, era a coordenadora jurídica e advogada. A proposta do programa era combater o racismo e o preconceito racial através de cursos, seminários, palestras e inserção nos presídios e nas associações de moradores das comunidades de risco. Dentre seus vários objetivos destaco dois: dar assistência jurídica gratuita a todas as pessoas vítimas do racismo; e o segundo, contribuir para a inclusão dos negros egressos do sistema penitenciário no mercado de trabalho.

(18)

Obviamente considerando essas explicações inapropriadas, busquei aprofundar o meu conhecimento sobre as razões que impediam as mulheres negras lésbicas discutirem questões ligadas a elas e que as levaram a abrirem suas próprias organizações voltadas à discussão e defesa dos seus problemas e direitos específicos; organizações nas quais elas pudessem ir em busca de outras mulheres negras e falar de seu passado, do seu presente e da sua perspectiva do futuro. 3

Foi assim que ingressei no Programa de Estudos Pós Graduados em Política Social da Universidade Federal Fluminense, onde contei com a imensa ajuda dos seus professores.

As disciplinas ali ministradas foram essenciais para o desenvolvimento de meus estudos, ajudando-me a entender melhor e analisar com mais profundidade as relações que norteiam os engendramentos políticos da política social brasileira, e, por que não dizer, do mundo. As aulas ministradas sobre o sistema de proteção social no Brasil mostraram-me o quão estava afastada de importantes reflexões e trouxeram para o meu campo de análise elementos para uma melhor compreensão das diferentes desigualdades existentes principalmente de raça e gênero, sobretudo no que diz respeito à falta de atenção para as mulheres.

Essa gama de conhecimentos trouxe-me o sentimento de amadurecimento intelectual. Ao mesmo tempo comecei a ver a sociedade brasileira com outros olhos. Ampliei minhas referências em relação ao público e o privado na formação dos direitos individuais e coletivos. E, dentro desse contexto, cada uma destas disciplinas me ajudou a pensar a formação das diferentes identidades de gênero e das diferenças sexuais. Os caminhos da minha pesquisa somente foram possíveis de ser traçados a partir do contato com esse conjunto de informações e contribuições.

3 – Metodologia

3

- Devo confessar que quando resolvi pôr em movimento a pesquisa que gerou essa dissertação, por várias vezes fui envolvida por um sentimento pela de preocupação com a possibilidade de que seria taxada como mais uma “sapata”. Mas foi tudo passageiro. Em verdade todos nós de vez quando somos traídos pelos nossos sentimentos, ainda mais quando vivemos numa sociedade que sempre incutiu nas nossas mentes o pensamento religioso judaico- cristão. Eu, é claro, não poderia ficar de fora de tal alucinação.

(19)

A minha hipótese é de que a constituição de um movimento lésbico negro está relacionado com as dificuldades de discussão da lesbianidade negra, do feminino e da raça em dois movimentos sociais: o movimento feminista e o próprio movimento negro.

Para perseguir essa hipótese foram necessárias exaustivas pesquisas, leituras e observações. Realizei preliminarmente um levantamento das organizações de lésbicas negras na cidade do Rio de Janeiro. Por esse levantamento constatei que existem algumas ONGs dirigidas por mulheres negras e lésbicas, mas somente duas instituições assumem a identidade lésbica nos seus programas. Meu olhar se voltou definitivamente sobre essas duas organizações: Centro de Documentação e Informação Coisa de Mulher (CEDOICOM) e o Grupo de Mulheres Felipa de Souza. Recorremos a diferentes fontes impressas que estavam ao nosso alcance: atas de reuniões, projetos, estatutos, boletins informativos, etc. Mas o material principal foi mesmo as entrevistas feitas com participantes do movimento negro, feminista e de mulheres lésbicas negras. Nas entrevistas buscamos respostas às seguintes perguntas:

a) Qual o lugar que as mulheres ocuparam na trajetória dos movimentos negro e feminista? As mulheres negras e lésbicas sofrem nesses espaços mais um tipo de discriminação, em função do seu sexo, raça e orientação sexual?

b) Quais eram os valores e crenças circulantes no seio do movimento negro e feminista a respeito da “orientação sexual”?

c) Como as mulheres negras se viam e eram vistas pelos seus pares de militância?

d) Por que essas mulheres foram criar as suas próprias organizações?

Os entrevistados, através de pseudônimos, são apresentados na próxima seção.

4 – Entrevistados

Adetoun4, mulher da raça negra, 50 anos, profissão não declarada, moradora do centro da cidade do Rio de Janeiro. Lésbica assumida é legalmente solteira, embora se diga casada. Sua primeira militância foi no movimento ecológico. Teve uma passagem muito rápida pelo movimento negro e depois no movimento de abastecimento popular na cidade de São Paulo. Ultimamente no movimento homossexual, é presidente do

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Grupo de Mulheres Felipa de Sousa. Ao telefone, quando fui marcar a entrevista com a Adetoun, embora sabendo de suas ocupações e viagens por conta da ONG que dirige, senti a disposição dela em me conceder a entrevista, o que de fato aconteceu.A entrevista na sede do Grupo se deu num clima bastante ameno, apesar das interrupções pelas chamadas ao telefone. Bastante séria, dificilmente esboça um sorriso, mas não se negou em momento algum a passar todas as informações quando indagada. Adetoun, falou da sua dificuldade de ser mulher negra, embora de pele bastante clara das suas entradas nos colégios e da proteção de sua avó. Fala como foi o tratamento das freiras ao perceber que era uma menina de orientação sexual diferente das ditas normais, da clandestinidade. Talvez tenha sido a cor de sua pele a responsável por certas barreiras entre os seus familiares e nas escolas por onde passou.

Olha, Regina, eu acho que para eu ser mulher negra foi mais difícil do que ser lésbica. Porque eu sempre fui criada num processo muito grande de embranquecimento. A minha avó materna era negra, mas os seus dois maridos foram portugueses, e ela sempre pregou dentro de nossa família que precisava “limpar a barriga”. Eu fui criada para ser branca. Então, eu sempre fui educada a negar a minha negritude(...). Inclusive, tem uma cena que me lembro , quando estudava no Instituto de Educação, que era a minha avó que me levava para a escola. Um dia ela me pediu que por favor não a chamasse de avó. Eu não entendi. Então ela me respondeu: „porque eu não quero que você venha a sofrer‟. (...). Então me reconhecer como negra foi muito mais dolorido do que saber que eu era lésbica.

Kainda, nome próprio feminino, africano, originário do Quênia, da língua Tharaho, quer dizer A filha do caçador. Negra de pele preta, 60 anos, solteira, professora e arte-terapeuta, militou pela primeira vez no movimento estudantil e depois foi ser militante do movimento negro, movimento de mulheres negras, com passagem rápida no movimento feminista. Moradora de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, é atualmente militante e ativista do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Kainda me concedeu a entrevista em seu consultório de arte-terapia na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro. Mulher muito agitada, ao mesmo tempo, passava um ar de muita tranqüilidade e com muita vontade de esclarecer ponto por ponto a entrevista. Muito mística, contou história sobre a ancestralidade e agradeceu muito pela lembrança de seu nome para fazer parte desse trabalho.

Adebumi, nome próprio, é originário da Nigéria e quer dizer riqueza ou realeza, é negro, tem 52 anos, casado, jornalista e fotógrafo. Sem partido político definido, mora no subúrbio da Leopoldina. Sua primeira militância em movimento social foi no

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movimento estudantil da época do Calabouça e a seguir no Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), instituição do movimento negro. Ele conta que quem o levou a buscar a sua identidade foi o seu pai, pessoa vivida no samba. Afirma que foi vítima de discriminação racial em diferentes lugares, desde a escola por professores e colegas até nos transporte urbanos.

Adetokumbo, a honra que veio de além mares, 62 anos, solteira, professora universitária, residente em Jacarepaguá, homossexual, sua primeira militância foi no movimento estudantil(Calabouça).

Aisha, ela é vida. Mulher negra, 59 anos, viúva, homossexual, um filho, bibliotecária, militante do movimento de lésbicas do Rio de Janeiro, residente no centro da cidade, sua primeira militância foi no movimento negro, no Grupo de Trabalho André Rebouças.

Chioma, Deusa bonita, não declarou a idade, raça negra, heterossexual, casada, 2 filhas, Pedagoga,reside em Copacabana, primeira militância foi no movimento negro. Ex secretária de governo no período de Leonel Brizola.

Chiku, de cor preta, tem 52 anos, heterossexual, mora no bairro da Mangueira, é casado, pai de cinco filhos, pedagogo, por várias gestões secretário executivo do Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (CEAP), militante do Movimento Negro.

Kambo, que é de cor preta, tem 62 anos, heterossexual, mora no bairro de São Cristóvão, é divorciado, fotógrafo, pai de quatro filhos, por várias gestões presidente do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), militante orgânico do Movimento Negro.

Kwavera5 é mulher negra e lésbica, 62 anos, homossexual, Coordenadora Executiva da ONG Coletivo de Mulheres Negras Coisa de Mulher (COLERJ). Uma das fundadoras da ONG CRIOLA, em relação ao seu estado civil se diz namorante6. Kwavera, além de ser assumidamente lésbica, também diz ser feminista e militante do movimento negro. A informante é extremamente engraçada, agradável, desinibida e calorosa .

Kwavera é uma mulher de altura mediana, mais para alta, com um corpo bastante avantajado em relação às outras mulheres, seus cabelos são muitos cheios,

5 Kwavera, nome próprio feminino, originário da Nigéria, da língua Swahili. Quer dizer Alvorecer,

Amanhecer.

6 O termo namorante é uma palavra nova usada entre as lésbicas, que quer dizer estou de namoro, mas

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longos e rastafari.Tráz uma beleza que é peculiar, que vem através da ternura e meiguice no seu olhar.

Kanoni, pequeno pássaro, Quênia, 67 anos, raça negra, heterossexual, divorciada, 3 filhos, assistente social, reside atualmente no Estado do Rio de Janeiro em Lumiá. Primeiro militou no Partido Comunista, com rápida passagem no movimento feminista.

Anita, mulher branca, 55 anos, homossexual,classe média, moradora da zona Sul do Rio de Janeiro, curso superior, feminista.

Jenifer, mulher branca, 68 anos, heterossexual, classe média, moradora na zona sul de Niterói, curso superior.

5 – Estrutura da dissertação

Esta dissertação é composta por três capítulos. No capítulo 1, procuro apresentar o processo da constituição do Movimento Negro tendo como marco de referência a década de trinta. Optei por traçar uma linha evolutiva entre o movimento negro contemporâneo e as diferentes formas organizativas anteriores que os negros encontraram para impor a sua presença em face ao processo de escravização e à violência do projeto de colonização instaurado nesse país desde o século XVI. Ao final, pergunto qual o local que as mulheres e qual o status da discussão sobre o feminino e sexualidade no interior desse movimento.

No capítulo 2, abordo o movimento feminista no Brasil. Busco identificar as suas etapas de desenvolvimento, suas lideranças, suas principais bandeiras, as dificuldades enfrentadas, suas conquistas e derrotas. Assim como no capítulo 3, aqui também indago os lugares que as questões raciais e sobre a sexualidade ocupam no seu debate recente.

No terceiro capítulo, examinarei o processo de formação de um movimento lésbico-negro no Rio de Janeiro, tentando captar como tal movimento se inscreve em um esforço de combater a invisibilidade que afeta as afrodescendentes lésbicas.

Também tentarei identificar as perspectivas de atuação, os projetos, a estrutura formal e informal de alianças, os caminhos percorridos, as dificuldades enfrentadas e as vitórias

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alcançadas. Mas, principalmente, examinarei as motivações contextuais da criação das organizações que emblematizam o movimento lésbico-negro: o Centro de

Documentação e Informação Coisa de Mulher (CEDOICOM) e o Grupo de Mulheres Felipa de Souza.

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CAPÍTULO 1

DO QUILOMBISMO AO MOVIMENTO NEGRO

Este capítulo tem como objetivo examinar o processo de constituição do movimento negro brasileiro, desde a construção da Frente Negra Brasileira na década de 30, passando pelo Movimento Negro Unificado, do final da década de 70, até chegar à constituição dos movimentos sociais negros contemporâneos. Ele tem como pressuposto o fato de que é inegável que, historicamente, os negros têm sido ativos no Brasil desde o período escravista. Isto porque desde então, eles têm resistido à violência, à discriminação e à desigualdade social e econômica, seja através de rebeliões, motins, levantes e insurreições coletivas, seja através de pequenas, mas significativas, revoltas individuais. A idéia da existência dessas resistências se opõe às imagens correntes sobre o comportamento político dos negros: passividade, infantilidade, incapacidade intelectual e “aceitação tranqüila” da escravidão e da discriminação.

Buscarei analisar a resistência negra expressa em movimentos armados, a exemplo dos Quilombos de Palmares, como também aqueles iniciados em 1807, na cidade de Salvador, culminando na famosa Revolta do Malês em 1835. Na escrita dessas memórias, não perderei de vista a emergência do movimento negro na contemporaneidade e a sua importância no processo de afirmação política da população negra. Essa história do movimento negro estará centrada no contexto do Rio de Janeiro, campo definido para o desenvolvimento desse estudo.

1.1– Os quilombolas

As mais antigas organizações de negros no Brasil de que se tem notícia são, sem sombra de dúvidas, os quilombos, os quais mesmo aqueles pequenos em extensão e população, mostravam extrema capacidade de articulação. Ser membro de um quilombo significava estar em constante confronto com as forças de repressão a serviço da

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manutenção do sistema escravocrata, razão pela qual eles são hoje invocados como símbolos da resistência negra à opressão.

O Quilombo dos Palmares é até hoje o mais conhecido e o mais examinado. Segundo estudiosos, a organização do Palmares existiu na Serra da Barriga, atual município de União dos Palmares, em Alagoas, entre os anos de 1630 a 1695. Sua localização era de difícil acesso, pois ficava no alto da histórica serra. Próximo ao de Palmares encontravam-se outros quilombos que se localizavam em torno da referida serra, tais como os da Mata de Cacau e dos Campos de Garanhuns. O Quilombo de Palmares estava localizado no ponto mais alto da serra, entre densas florestas, com abundância de madeira, caças, grande volume de água e a facilidade dos meios de defesa da região. Com mais de duas mil habitações, Palmares foi a maior tentativa de autogoverno dos negros fora do continente africano (Moura 1981, Rufino, 1983, Lopes ,1988 ,Carneiro ,1966, Reis ,1986).

De acordo com Luna (1968), um manuscrito do Barão de Dumont, que se encontra no Instituto Geográfico e Histórico do Rio de Janeiro, apresenta os detalhes da formação arquitetônica político da Tróia Negra . Havia no quilombo um ministro de Justiça para as execuções necessárias e um presidente da República - “venerado por ser

o mais valente, era escolhido em assembléia com cargo eletivo e vitalício”. Luna

,1968,p. 38.

O mais conhecido deles foi Zumbi, na língua nativa Rei, versão contestada por alguns pesquisadores que preferem “Senhor Grande” como significado da palavra.

Os quilombos tinham como objetivos específicos livrar-se do julgo colonial e decretar a abolição da escravatura. Também queriam recuperar a cultura africana que sofrera uma terrível desagregação com o regime da escravidão. Era assim a República dos Palmares, um estado governado por ascendentes africanos (quilombolas) dentro do Brasil. Durante mais de 60 anos mantiveram esse regime, conservaram a República em constante e sangrentas lutas externas. Trata-se de algo tão inacreditável que Artur Ramos, 1971, p.62, considera que “a crônica de Palmares ainda se acha envolvida num

espesso véu de lenda”.

Alguns estudos confirmam que a prosperidade dos quilombos despertou a atenção das autoridades e as primeiras expedições armadas foram enviadas. A partir daí, inicia-se o calvário de Palmares. Há quem afirme que durante 67 anos de Palmares, vinte cinco expedições foram incursas contra este quilombo. Grandes vitórias tiveram os

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quilombolas, mas a última expedição comandada por Bernardo Vieira de Melo alcançou seu objetivo: a destruição do quilombo e do seu líder (Luna, 1968).

Quanto à morte de Zumbi há controvérsias. Para alguns estudiosos, como Austricliano de Carvalho ( apud Luna, 1968), Zumbi foi capturado, por traição, e, portanto, não cometeu suicídio; teve a cabeça decepada e enviada como presente ao governador Caetano Melo e Castro. Na carta de Domingos Jorge Velho ao rei de Portugal comunicando a queda de Palmares, data a morte de Zumbi de 20 de novembro de 1695.7

No período escravocrata sobressai-se também uma outro tipo de organização quilombola, ainda pouco estudada, que são os quilombos urbanos abolicionistas.8 Para Silva (2003) esse modelo de quilombo veio se contrapor ao modelo tradicional, conhecido como quilombo-rompimento, que tinha como característica a adoção de uma política de esconderijo e de total segredo sobre as ações que desenvolviam no seu cotidiano e sobre as suas lideranças.

Já nos quilombos abolicionistas há toda uma disposição em deixar claro que as lideranças são “cidadãos prestantes, com documentação civil em dia e, principalmente

muito bem articulado politicamente” (Silva,2003,p.56). Assim, há o surgimento de uma

nova era trazendo novas lideranças, as quais desenvolveram papel importante entre as comunidades de fugitivos e a sociedade escravocrata. Com exemplo desses novos modelos de organizações Silva (2003) aduz dois importantes quilombos que se tem notícias: um na cidade do Rio de Janeiro chamado quilombo do Leblon9 e o outro na cidade de São Paulo, chamado quilombo do Jabaquara.10

Sobre o quilombo do Leblon, ele diz que foi idealizado por um comerciante português cujo nome era José de Seixas Magalhães, na época em que o Rio de Janeiro era capital do Império. Senhor Magalhães, com a cumplicidade de alguns abolicionistas, escondia os escravos fugitivos na chácara, os quais, em troca da liberdade, ajudavam na

7 -Pouco se sabe sobre o envolvimento e participação das mulheres negras em movimento de

quilombagem, pois a produção historiográfica não tem se debruçado sobre essa questão. Sobre essa temática encontrei apenas uma referencia muito esparsa sobre a participação de uma mulher negra líder de quilombo em Mato Grosso. Era chamada de Rainha Tereza de Benguela, que liderou o quilombo do Piolho no século XVIII. Já na região cafeeira e canavieira do Rio de Janeiro, em Pati do Alferes no município de Vassouras tem se registro também do Quilombo de Manoel Congo onde tinha intensa participação, também como líder, a sua mulher Maria Criola.

8 Sobre os quilombos abolicionistas consulte o texto: Rui Barbosa e o Quilombo do Leblon:Uma

instigação de história cultural. htpp://www.casaruibarbosa.gov.br/eduardo silva/main quilombo.htl

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Para melhor esclarecimento sugiro a consulta em As Camélias do Leblon e a Abolição da Escravatura .www.ihp.org.br/docs/es 19991116.htm.

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plantação de flores. Alguns desses abolicionistas faziam parte da importante Confederação Abolicionista. O quilombo do Leblon, dentre outras coisas, tinha uma enorme importância simbólica para o movimento de libertação dos escravos, pois ali se produziam uns dos seus símbolos mais importantes: a Camélia.11

O segundo quilombo descrito por Silva (2003) foi o de Jabaquara. Ele afirma que este foi a maior organização de fugitivos da história nessa nova atitude contra o julgo colonial. Sua organização era em torno da “casa do campo de um abolicionista”, onde os quilombolas ergueram suas moradias. Esse quilombo era aparado pelos vizinhos, inclusive por senhoras que o protegiam das investidas dos policias. Seu grande líder se chamava Quintino de Lacerda. Era um homem que conseguiu ter uma vida abastada, acumulou riquezas, ouros, imóveis e outros bens para os seus herdeiros.12

Embora aqui sejam destacados esses dois quilombos, outros existiram em outras partes do país conforme pode se ver na lista construída a esse respeito por Acildo Silva (2006): quilombo São José em Valença (RJ); quilombo Manoel Congo, em Pati Alferes (RJ); quilombo Isabel em Petrópolis, que contava com o apoio da Princesa Isabel; quilombo do Cupim no Recife; e o quilombo do Patrocínio, ligado ao abolicionista José Carlos Patrocínio. Esses, dentre outros quilombos abolicionistas, souberam estabelecer o jogo político da transição à liberdade dos cativos.

É inconteste que os afrodescendentes escravizados não foram passivos e muito menos totalmente massacrados pela prática cruel da escravidão. Mesmo na condição de escravos criaram e recriaram laços culturais e redes de solidariedade que lhes permitiam resistências, acomodações,confrontar e barganhar com o sistema escravista. Isso pode ser visto, além dos quilombos, nas atuações das Irmandades e nas rebeliões escravas.

11 A camélia japônica era uma planta relativamente rara no Brasil, introduzida no Rio de Janeiro fazia

alguns 60 anos, se tanto. Exatamente como a liberdade que se pretendia conquistar, a camélia não era uma flor dessas comuns, naturais da terra e encontradiças solta na natureza. Era, pelo contrário, uma flor delicada, especial, nova, estrangeira, cheia de melindres, que requeria ambiente, know-how, relações de produção, técnicas de cultivo e cuidados muito especiais. Trecho retirado em: Rui Barbosa e o Quilombo do Leblon: uma investigação de historia cultural .www.casaruibarbosa,gov,br/eduardo silva/main quilombo. htl

12 Quintino de Lacerda foi um homem de sucesso, um administrador, articulador político, líder,

intermediário entre o quilombo e a sociedade. Proclamada a república, Quintino continuou sua liderança na área do porto. Na greve de 1891, organizou com seus aliados o famoso “batalhão Silva Jadim”. Por ocasião da Revolta do Armada, 1893, Quintino ofereceu importante apoio ao presidente da República, General Floriano Peixoto. Por isso foi condecorado major honorário do exército. Em 1895, com a maioria de votos do povo de Jabaquara e em flagrante desacordo com a política local, foi eleito vereador da Câmara Municipal de Santos.Trecho retirado em Rui Barbosa e o Quilombo do Leblon.uma investigação de história cultural. www. casa rui barbosa.gov.br.

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1.2 - O Movimento das Insurreições: As Revoltas dos Negros Haussás

A Revolta dos Negros Haussás foi considerada como marcada por uma forte motivação religiosa. Isto faz bastante sentido se levarmos em conta que o lugar de maior concentração de negros da religião maometana foi na Bahia.

Diferentemente dos outros negros africanos, os Haussás apresentavam um porte físico atlético, tinham grande capacidade estratégica e eram muito dedicados ao trabalho. Usavam barba e cavanhaque, por isso, eram vistos como os aristocratas da raça negra escrava (Luna, 1968).

No período de 1807 a 1813 os Haussás se revoltaram quatro vezes. Nas três primeiras vezes não conseguiram ultrapassar a fase de conspiração. Assim, somente a revolta instalada em 1813 apresentou algumas conseqüências mais efetivas.

O desfecho da primeira revolta foi previsto para o dia 28 de maio de 1807. A tomada do poder era o grande desejo dos revoltosos. Alguns estudiosos comentam que se a ação dos revoltosos fosse vitoriosa teríamos uma República Negra nos moldes daquela almejada pelos palmarinos. Mas o plano não foi adiante. Rumores chegaram às autoridades, agentes do governo se infiltraram entre os conspiradores e os Haussás foram esmagados (Luna ,1968). Mas o sonho não se desfez.

Dois anos depois, estavam os Haussás novamente conspirando. Dessa vez, o plano estratégico deles foi diferente: negociaram uma união com os negros de origem Nagô, temidos pela sua valentia.13 A ação foi prevista para a noite de quatro de janeiro de 1809, antevéspera do dia de Reis. Em função do grande confronto com o poderoso aparato militar, os revoltosos foram obrigados a se entrincheirarem no Recôncavo, onde foram derrotados

Os Haussás tinham uma disciplina rígida, em face da religião maometana, sendo também sectários e persistentes nos seus intentos. A história revela que quatro anos depois organizaram outro levante, marcado para o dia 28 de fevereiro de 1813, esse com

13 - Artur Ramos (1956, p. 48) lembra que: “na preparação do movimento quilombola muito contribuiu

uma sociedade secreta dos nagôs, denominada Obgoni ou Ohobo Ogbgoni ou Ohobo. Conforme informa Ramos era uma poderosa organização à semelhança de congêneres na África Ocidental e que zombou da vigilância dos senhores e das autoridades.Era uma defesa dos negros espoliados no Novo Mundo.”

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maior expressão. O bairro de Itapoã foi o lugar escolhido para que mais de quinhentos negros se aglutinassem com intuito de enfrentarem a força militar do Governo do Conde dos Arcos. Vários pontos de luta foram mapeados. Ocorreu uma sangrenta batalha nas ruas da cidade, não poupando sequer os negros que se recusaram a fazer parte do combate. Um verdadeiro pandemônio: pessoas mortas, casas em chamas. Após o controle dos rebelados, os chefes foram degolados e os prisioneiros restantes submetidos a severos castigos corporais e torturas mentais (Luna ,1968).

Embora sendo manifestações de protestos, a finalidade dos quilombolas de Palmares e dos mulçumanos era diferente. Os primeiros lutavam pela libertação do julgo colonial e os segundos travavam uma luta com forte conotação religiosa. Estes moviam guerra e morte a todos aqueles povos que não fossem seguidores de suas crenças.

A natureza dessas rebeliões, segundo Carneiro (1966.p.72), é que:

As revoltas Malês dos negros Haussás em 1807, 1809,1813 e 1816, dos negros nagôs em 1826,1827 e 1835, tiveram caráter principalmente religioso e foram desfechadas com o fim de matar brancos, tomar o poder e banir a religião cristã, em nome de Alá”.

Luna (1968,p.56) também acata essa interpretação quando afirma:

Estas insurreições foram nada mais, nada menos do que a continuação de longas e repetidas lutas religiosas e de conquistas levadas a efeitos pelos maometanos, no Sudão. Arrancados de seu “habitat”, esses negros aguerridos, valentes, conquistadores, não se sujeitaram à escravidão no Brasil, mas não como efeito de um protesto secundário que se seguisse logicamente a sua vida de opressão. A sua agressividade foi uma herança das lutas seculares de religião, que asseguraram na África o domínio do Islã (...). Em todos os grupos negros, da Bahia, onde existiam negros Haussás, a revolta existia, pode-se dizer em estado latente.

1.3 - As Revoltas dos Nagôs

Acalmada a fase das revoltas dos negros Haussás, teve início a fase de protestos dos negros Nagôs, em Salvador. Nessa época o Império estava passando por momentos de grande tuburlência por causa do peso das crises internas e externas criadas em conseqüência da Independência. Na crise os nagôs aproveitaram para conspirar.

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Havia muita semelhança entre os Nagôs e os negros Haussás, pois suas convicções revolucionárias, eram movidas pela fé da religião Islâmica e ambos os grupos demonstravam muito pouco interesse pelos objetivos da luta que os outros negros desenvolviam contra a escravidão. Os planos de luta eram todos escritos em árabe, e os locais de encontros para desenvolvimento da estrutura organizativa e estratégia eram nos templos maometanos. Os chefes das revoluções eram chamados de marabus ou alufás.14

Os Nagôs não usaram as mesmas táticas dos Haussás. Enquanto os Haussás se concentravam em casas na cidade para fazerem os levantes, os Nagôs se concentraram em um quilombo nas matas do Urubu, situada no sítio Cajazeiras, conforme descrito por Artur Ramos (1971).

Dois motivos principais levaram à nova tática. A primeira foi criar maior obstáculo às forças de repressão e a segunda postergar o tempo de chegada de outros focos de luta vindos de outros locais. Luna (1968,p.62) analisa a estrutura tática desenvolvida pelos negros Nagôs, observando que ela visava “não só dificultar a ação

repressiva das autoridades, como aguardar a irrupção de outros focos de luta, nos engenhos e fazendas do interior, conforme haviam estabelecido na fase conspirativa da insurreição”. .

Após um certo sucesso inicial dos Nagôs, as forças de repressão se reorganizaram com uma tropa regular e investiram novamente sobre eles. Nessa fase do confronto eles foram incapazes de fazer face ao melhor aparelhamento da força governamental. Assim, ocorreu a primeira considerável baixa dos negros nagôs.

Da noite do dia 24 para o dia 25 de janeiro de 1835, quando parte significativa da população de Salvador, se encontrava em Itapagipe, na festa do Bonfim, irrompeu a mais séria de todas as revoltas negras que se tem notícia. Segundo Moura (1981), nesse período, os conspiradores escolheram diferentes pontos de reunião na cidade de Salvador, que podiam ser em casa de família, como a do Inglês Abraham; no porão de Manoel Calafate, na loja de Elesbão, como também em clube como no Corredor da Vitória. Havia outros pontos de articulação fora da cidade, dos quais participaram os negros de Santo Amaro, Itaparica e de outras partes do Recôncavo. Os conspiradores previam que marcada a conspiração, diferentes grupos sairiam pelas ruas em diferentes locais, previamente combinados. Contudo, a revolta foi surpreendida por uma delação.

14 Palavras de origem africana. Segundo e o Dicionário Aurélio quer dizer: Sacerdote dos cultos dos

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Diferentes versões sobre o plano de delação, até hoje, são discutidos pelos estudiosos. A delação do plano do levante ao juiz de paz do 1º distrito da Sé, segundo Afrânio Peixoto (1989), foi feita por duas pessoas:um homem pardo, marceneiro e uma nagô forra de nome Guilhermina. Nina Rodrigues (1977), em seus estudos sustenta que a delatora do plano sobre o levante foi de fato a forra Guilhermina.

Estudiosos observaram que os objetivos da rebelião espelhavam o regime do cativeiro, pois os rebeldes pressupunham que, com a vitória da insurreição, manteriam em regime de escravidão todos aqueles particularmente os mulatos odiados por todos eles, que se opuseram às suas práticas.

Com a notícia da conspiração, as autoridades policiais tomaram seus postos de combate e invadiram as casas dos africanos em busca dos revoltosos. Numa dessas casas, a do pardo Domingos Marinho, foram recebidos a tiros de bacamarte. Uns sessenta negros armados de espadas, lanças, facões, pistolas etc, ganharam as ruas aos gritos de „Mata Soldado’ e tentaram arrombar a cadeia. Repelidos, encaminharam-se para o Largo do Teatro, desbaratando outra força policial. Assim, inúmeras tentativas foram feitas com baixas de ambos os lados.

O chefe de polícia Francisco Gonçalves Martins, mais tarde Visconde de São Lourenço, ao tomar conhecimento do levante, imediatamente partiu para o bairro do Bonfim, onde havia festa. Com a iminência de ataques diretos ao quartel de cavalaria, providenciou esconderijos para as famílias na igreja do Bonfim e dirigiu-se ao posto ameaçado. Recolheu no interior da igreja uma força de infantaria para atirar das janelas e estendeu no pátio uma linha da cavalaria, com a missão de repelir o assalto. Os rebeldes ali encontraram forte resistência e, por isso foram obrigados a debandar-se.

“Seis negros armados e vestidos em trajes de guerra”, depois de incendiarem a

casa de seu dono, João Francisco Rates, no bairro do Pilar, partiram para o bairro Águas de Meninos, pensando estar os rebelados lutando. Ledo engano. O que encontraram pela frente, sem dó nem piedade foram os fuzis apontados para os seus peitos, e com somente um gesto foram eliminados sumariamente (Rodrigues,1977, Ianni ,1972, Lopes,1988, Luna,1968, Peixoto, 1989) e outros, afirmam que os primeiros tiros saíram do porão da casa de um conspirador de nome Manuel Calafate. Destacamos aí a presença de alguns negros pelos seus atos de bravura e persistência como Luísa Mahim15, Agostinho, Ambrósio, Gaspar, Higino, Elesbão e outros.

15 Luísa Mahim, mãe de Luis Gama, que tem seu nome ligado às rebeliões dos negros mulçumanos da

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A forte crença religiosa, conjugada com a presunção da superioridade, era uma característica típica dos dois grupos étnicos aqui aludidos. Apresentavam-se como intransigentes e intolerantes e não aceitavam àqueles que não professassem a sua fé ou não reconhecessem a sua importância aristocrata. Isso os levou ao isolamento e, possivelmente, foi um dos fatores que contribuiu para as suas derrotas. Sobre isso vale registrar as palavras de Luna (1968,p137), com relação aos negros Haussás e Nagôs, quando analisa os resultados das derrotas que sofreram:

E, não poderia ser de outra maneira quando entre os próprios cativos que constituem uma só classe de explorados e oprimidos, havia preconceitos que os separavam. Um grupo considerando superior pelas suas concepções religiosas e absurdas vaidades de casta, trazia os demais em situação de inferioridade e desprezo, criando assim, no próprio ambiente da escravidão, uma pretensa elite odiosa e intratável, uma falsa categoria social que nunca poderia existir. Isso além de concorrer para a quebra da unidade do movimento de libertação negra, retardou em muito a vitória da causa mas nem os Nagôs e nem os Haussás compreenderam o fenômeno e continuaram as desfechar seus movimentos isolacionistas.

Os movimentos de revolta não ocorreram somente na Bahia. Houve ressonância em várias províncias do Brasil. Inspirado nos Malês, os negros escravos de várias partes se organizaram para lutar contra o regime escravocrata. Destaca-se aqui a Balaiada no Maranhão.

1.4 - Insurreição Armada: A Balaiada

A Balaiada tinha características diferentes das demais revoltas dos negros na luta contra a escravidão. Há quem entende, como por exemplo, Serra( apud Luna ,1968), que a luta dos balaieiros era um movimento de massas. Outros estudiosos consideram a Balaiada como um ato irresponsável, uma aventura política e expressão banditismo.

Alguns historiadores como Moura (1981) e Luna (1968) concordam com a tese de que a Balaiada, não era uma revolta exclusivamente de negros contra o sistema escravista, mas um projeto e protesto revolucionário com grande participação das massas contra todas formas de exploração do homem. Afirmam que o mentor da Balaiada foi um cafuzo, filho de preto com índio. A grande massa do povo passou a

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chamar o movimento de Balaiada por causa de seus principais chefes, o branco Manuel Francisco dos Anjos cujo apelido era “Balaio”, em virtude de ter como ofício a venda de balaios.

O cafuzo Francisco Gomes com mais nove outros vaqueiros invadiram a cadeia da Vila de Manga, na região oriental do Maranhão, em 13 de dezembro de 1839. Libertaram os presos e, como não houve resistência por parte do policiamento local - ao contrário, receberam adesão do destacamento policial - instalou-se a revolta que por um curto período de tempo dominou toda a região.

No Maranhão temos que destacar a figura do preto Cosme. Segundo Moura (1981) o preto Cosme estava condenado à forca e preso na cadeia de S. Luiz. Porém, evadiu-se, embrenhando-no sertão. Lá formou um quilombo nas cabeceiras do Rio Preto, com mais de 3.000 mil negros sob a sua direção. Não se tem notícias da vida social, econômica e nem organizativa desse quilombo. A própria personalidade do líder é apresentada apenas como a de um assassino vulgar, quando não de um megalômano ou paranóico.

Contudo, o que os estudiosos afirmam sobre as atividades do preto Cosme no seu quilombo é que, sob a sua liderança, foi fundada uma escola e desenvolvidas estratégias com piquetes de guerrilheiros que invadiam as fazendas mais próximas para furtarem víveres e buscar novos insurrecto (Serra apud Luna ,1968).

Preto Cosme tinha suas posições independentes, tanto assim que foi reconhecido por Caxias que, ao informar haver ter pacificado a Província, escreve: “Se a estes (os

efetivos dos balaios) adicionarmos 3.000mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina vivem.temos onze mil bandidos, que com as nossas tropas lutaram” (Lopes, 1988,p.50).

O certo é que, juntamente com os grupos revoltosos de Manuel Balaio, iniciaram a marcha sobre a cidade de Caxias. Sitiaram a cidade, instauraram uma junta governativa tomando para si a responsabilidade de preparar a defesa da cidade e entender-se com as autoridades locais. Segundo Moura (1981), de longe se ouvia os cantos de protesto dos quilombolas, do preto Cosme, em uma espécie de bloco afrorevolucionário, cantando pelas ruas da cidade:

“O Balaio chegou!” O Balaio chegou!

Cadê o branco? Não há mais branco!

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Não há mais sinhô!”

Os relatos desse movimento falam também sobre a traição que o Preto Cosme e seus autênticos quilombolas sofreram pela ala política dos Bem-Te-Vis16. Estes aproveitaram-se do movimento de massa para obter cargos e posições. A desunião levou ao declínio do movimento. Numa perspectiva de anistia, anunciada pelo presidente da Província, alguns líderes balaios brancos e mestiços passaram para o outro lado. O lema era: “Combater os quilombolas para conseguir o perdão”(Luna ,1968).

Com a rendição de um grande número de quilombolas e da espetacular fuga de Preto Cosme, veio o sentimento de frustração por parte das autoridades. Todos tinham interesse em por as mãos no preto Cosme, visando o benefício da anistia. Não mediram esforços. Até que um dia Preto Cosme com mais de dois mil quilombolas foi atacado, preso e enforcado em São Luiz do Maranhão.

Como já referimos alhures, é importante ressaltar que mesmo antes do início da revolta, muitos negros já estavam lutando nos diferentes quilombos, espalhados por São Luís. Portanto, como em todo movimento revolucionário pela luta da libertação no Brasil. foi de grande valia a influência dos negros africanos na Balaiada.

Em declínio a balaiada, os quilombolas continuaram a lutar como antes já faziam. Tanto é verdade que a história registra as negociações feitas pelo Duque de Caxias para a concessão de anistia aos balaios, em troca de sua participação no combate aos negros quilombolas.

É claro que os balaios tinham objetivos diferentes dos negros e a abolição do cativeiro só veio fazer parte do programa muito depois da adesão dos quilombolas. Assim, tendemos a afirmar que não há dúvida de que os negros africanos viram na Balaiada mais um meio para chegar a um fim, isto é, a extinção do regime escravocrata.

Os negros no Brasil se envolveram em outras formas de luta de contestação do regime escravocrata e de busca de sua liberdade, lutas essas que culminaram no grande movimento social do abolicionismo que fez ruir o sistema da escravidão. A abolição, contudo, atingiu apenas os 5% da população que ainda estava na condição de escrava, uma vez que o restante da população negra do Brasil já tinha alcançado a liberdade, muitos dos quais em função desses movimentos sociais.

16 Segundo Luna (1968) existia duas alas políticas revolucionárias da época: Um eram os Balaios e outro

eram os Bem-Te-Vis dissidentes dos Balaios. A diferença entre um e outro era que os Bem-Te-Vi tinham uma posição política mais ambiciosa. Os Bem-Te-Vis para conseguir cargos e prestígios politicos no governo da época, trairam o ideário revolucionário atrelando-se ao governo da província

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A abolição não significou o fim das lutas e reivindicação dos negros, mas sim uma outra fase em torno do combate à discriminação, ao racismo e pela afirmação da identidade do negro no Brasil.

Pós abolição os escravos se depararam com um novo tipo de situação. A questão de uma sobrevivência mais digna do que no regime escravocrata era o que todos os escravos lutaram para obter, Mas a falta de escolaridade, de preparo profissional, a falta de um ofício que pudessem pleitear um lugar no comércio foram fatores fundamentais para que grande parte desses escravos ficassem perambulando pelas ruas. Sem nenhum perspectiva diante de si e tão distante do solo africano muitos deles não tiveram outra alternativa senão retornar as fazendas de onde tinham saídos. Mas mesmo com essas situações desfavoráveis uma grande parte desses escravos se organizaram e conseguiram propor uma nova forma de luta .

Conforme aponta Cardoso (2002), uma das formas encontradas pelos afros descendentes para minimizar essa terrível situação foi a criação de diversas organizações e grupos específicos de negros (associações religiosas e culturais, centros recreativos, clubes17, jornais) em toda parte do Brasil, fundamentalmente nas grandes metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, mas também em algumas cidades interioranas .

1.5 – Movimentos pós-abolicionistas

Criada para assegurar uma maior participação dos

cidadãos nos destinos da nação, o que se assiste é um

ressentimento das classes médias e operárias urbanas com a

República. Estes setores, ainda que crescendo, se vêem cada

vez mais envoltos pelas severas restrições da República à sua

17

Os clubes se caracterizavam pela sua função social e objetivavam contribuir para a elevação da auto-estima dos negros, incluí-los na sociedade e estabelecer uma estrutura organizativa comunitária marcada pela solidariedade e pelo cooperativismo.

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participação política. Isso se dá em favor da concentração de

poder nas mãos da elite da época: a oligarquia dos fazendeiros.

Vale ressaltar, também, que nesses primeiros anos do estado Republicano, o Brasil vai testemunhar várias revoltas violentas, principalmente de parte dos brasileiros pobres e membros da classe operária que se opunham radicalmente às políticas desse Estado dominado por essa oligarquia dos fazendeiros. As inquietações vão se manifestar em varias regiões do Brasil em diversos movimentos “tais como o motim naval em 1910 no Rio, a Revolta do Contestado em Santa Catarina (1912 – 1916), a greve geral de 1917 e o levante anarquista de 1918” sendo que a maior oposição a essa República vai se dar com os jovens oficiais do Exército que se rebelaram contra a sua corrupção e estagnação, formando assim o tenentismo, em 1922 no Rio de Janeiro.

Nesse contexto os negros, através das suas organizações, também apresentavam as suas demandas e reivindicavam o reconhecimento da sua condição de cidadãos por parte do novo estado republicano. Afinal a República vinha tratando-os particularmente mal. Começou privando a maiorias dos negros do direito de participar da política, negando voto aos analfabetos. Os negros do Brasil assistiram a República investir na imigração e estrangeiros, enquanto se recusava a gastar qualquer quantia com os trabalhadores negros nascido no Brasil.

No âmbito da educação pública, exigências dos negros eram constantemente barradas. Mesmo votando no Partido Republicano - os poucos que tinham facultado esse direito – não foi garantido a eles acesso aos empregos públicos. Esses empecilhos, criados por uma política que deveria ser pública e ampla, levaram os negros a reforçar suas lutas em prol das suas causas.

Por isso, quando a resistência à República ganhou forças durante a década de 1920, correntes similares também começaram a se movimentar na comunidade negra. Em suma, a sociedade mais racialmente aberta, essas correntes poderiam ter arrastado os afro-brasileiros para o movimento operário, o movimento dos tenentes ou o Partido Democrático. Mas foi aplicado o mesmo padrão observado nas irmandades religiosas, nos clubes sociais e nos clubes atléticos. Os homens negros eram proibidos de ingressas no corpo de oficiais, e por isso não puderam participar do tenentismo. O movimento operário de São Paulo permaneceu dominado por líderes imigrantes; e os membros da classe média e da elite de ambos os partidos - Republicano e Democrático- não tinham nenhum interesse em ver os afro-brasileiros participando ativamente nos partidos políticos. Em vista disso, quando os negros procuraram maneiras de se associar à crescente oposição à República, começaram a pensar em termos de

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formar sua própria organização política afro-brasileira. Andrews (1988, p. 226)

Em nome da afirmação da cidadania negra e do combate ao racismo, a organização do negro no Brasil nas primeiras décadas da República incluía desde a criação de associações de homens de cor, passando pela realização dos Congressos afro-brasileiros, organização de artista negros, da imprensa negra, chegando à ousada empreitada da Frente Negra. Está em pauta nessa movimentação a construção de uma nação mais inclusiva que não relegasse a população negra à posição subalterna, mas que a reconhecesse como construtora dessa nação. Partindo desse pressuposto seria dever desse Estado garantir-lhe cidadania plena e não tutelada como parecia insistir a elite retrógrada e racista.

1.6 – A imprensa negra

Durante o período de 1903 a 1963 surgiram cerca de 20 jornais escritos por negros. Segundo depoimento dado em 15 de junho de 1975 pelo fundador de um deles, José Corrêa Leite, a imprensa negra independente era executada por homens de poucas posses, como o auxiliar de farmácia Jayme Aguiar, pequenos funcionários e outros negros de igual condição econômica (Moura ,1983). Uma das características marcantes desses jornais era a de não ter nenhum patrocínio e nem tão pouco anunciantes. As vendas avulsas não tinham o retorno suficiente para pagar os gastos, portanto, sobreviviam da contribuição vindo da comunidade de afrodescendentes. Assim, as dificuldades em editar, publicar e divulgar os jornais eram constantes.

José Corrêa Leite descreve a importância política e os objetivos do nascimento da imprensa negra ao dizer:

A comunidade negra em São Paulo vivia como uma minoria que era, com as suas entidades e seus clubes.Por isto, tinha a necessidade de ter um veículo de informação dos acontecimentos sociais que tinham na comunidade, porque o negro tinha a suas comunidades: uma série de comunidades recreativas e sociedades culturais. Como é natural, a imprensa branca não ia cuidar de dar informações sobre as atividades que

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