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Como dissemos antes, o golpe de 1937 foi responsável por um profundo enfraquecimento do movimento feminista. Embora com a redemocratização, em 1945, as mulheres tenham se reorganizado, não havia então um clima propício para uma movimentação vultosa delas no cenário brasileiro. Mais de 20 anos depois, contudo, o feminismo no Brasil reaparece em um cenário de movimento contestatório e reivindicatório dos anos 60, em torno da afirmação de que o “pessoal é político”. Essa postura nos remete a pensar o movimento não somente como uma bandeira de luta mobilizadora, mas como um questionamento dos conceitos estruturais do político e das relações sociais de gênero. Examinado essa questão a partir do contexto pós-ditadura, Sarti (1998, p. 3) afirma:

A presença das mulheres na luta armada implicava não apenas insurgir contra a ordem política vigente, mas representou uma profunda transgressão com o que era designado à época para a mulher. Sem uma proposta feminista deliberada, as militantes negavam o lugar tradicionalmente atribuído à mulher ao assumirem um comportamento sexual que punha em questão a virgindade e a instituição do casamento, ”comportando-se como homens”, pegando em armas e tendo êxito neste comportamento, o que, como apontou Sarti, 1998 apud Garcia, ”transformou-se em um instrumento sui generis de emancipação, na medida em que a igualdade com os homens é reconhecida, pelo menos retoricamente.”

O ano de 1964 trouxe o Golpe Militar, e com este inaugurou-se duas décadas de um regime ditatorial marcado por torturas físicas e psicológicas, por cassação dos direitos políticos e individuais, por censura, prisão, encarceramento, por desaparecimento de homens e mulheres e exílio. Se houvesse algum meio de se fazer qualquer atuação política, era terminantemente proibida. E aquele ou aquela que ousasse teimar estava assinando a sua sentença que variava de acordo com as conveniências dos militares que estavam no poder.

A partir de 1969, com Médici no poder, foi inaugurado um governo aterrorizante, que fechou todas e quaisquer possibilidades de propostas políticas e só se falava em repressão. Nesses anos, o país viveu o sentimento de viver bem próximo ao totalitarismo. Como a censura estava em todas as ações, fazendo-se presente como se fosse uma sombra, reduziu-se a quase nada o espaço público. Além disso, introduziu autoritariamente, nas escolas e universidades, aulas de educação moral e cívica,

promotoras de um patriotismo ufanista, tendo como momento áureo a Copa do Mundo de futebol passada no México, em 1970, interpretado na frase “Brasil ame-o ou deixe”. Nenhuma chance de uma convivência harmoniosa restou àqueles que não partilhavam das posições dos militares, restando somente viver na clandestinidade, na luta armada, no exílio ou, simplesmente, com a boca fechada. (Teles ,2003).

Nessa mesma década de 1970, a sociedade brasileira presenciou com grande temor e sofrimento um contingente de pessoas jovens ser forçado a deixar o país. Partiram para o exílio, pois era uma das condições impostas pelo regime militar. Um dos destinos desses exilados foi na Europa, principalmente em Paris. Esses jovens, na sua maioria militantes de partidos da esquerda, ideologicamente comungavam dos princípios do Marxismo. A luta de classe era a palavra de ordem e não se podia afastar desse ideário, pois seria interpretado como traição. Ao mesmo tempo segmentos dessa mesma esquerda procuravam uma forma alternativa de fazer política, um pouco distante da palavra das questões estritamente ligadas à questão da “luta de classes”. Em meio a tudo isso, apresentava-se uma grande revolução cultural, social e de costumes que punha em causa velhas hierarquias, notadamente as tradições de poder do homem, aceitas quase naturalmente pelos exilados brasileiros do sexo masculino.

Nesse contexto, boa parte das mulheres brasileiras exiladas entraram em contato com a maneira de agir e pensar do feminismo, evidentemente visto com desconfiança pelos companheiros homens. Esses homens exilados viam a prática feminista como uma ameaça à união da luta do proletariado.

A relação do grupo feminista com os homens de esquerda não foi sem lágrimas, dor e sofrimento. Ameaças tiveram pela Frente de Brasileiros no Exílio, no sentido de retirar o apoio financeiro às famílias das mulheres que iam às reuniões feministas que se davam informalmente em bares da cidade. A grande acusação que os homens faziam ao grupo era a de ser apolítico, por isso nada estava contribuindo para a luta contra a ditadura militar no Brasil.

Paris foi o palco de reuniões de diferentes grupos de mulheres, no ano de 1975. Em uma dessas reuniões se deu a produção do documento intitulado “Por uma

tendência feminina revolucionária”. Este documento deu margem à criação do Círculo

de Mulheres. Em termos ideológicos, a importância do Círculo de Mulheres foi a presença de uma postura política de esquerda claramente identificada com a luta de classe e de um trabalho mais reflexivo nos modos do modelo europeu.

No mês de maio de 1976 o Círculo lança uma carta de conteúdo político:

Ninguém melhor que o oprimido está habilitado a lutar contra a sua opressão. Somente nós, mulheres organizadas autonomamente, podem estar na vanguarda dessa luta, levando nossas reivindicações e problemas específicos. Nosso objetivo ao defender a organização independente das mulheres na é separar, dividir, diferenciar nossas lutas que conjuntamente homens e mulheres travam pela destruição de todas as relações de dominação da sociedade capitalista Pinto (2003,p.61)

Em relação à especificidade da mulher, o movimento feminista brasileiro em Paris tinha um ideário muito particular de autonomia. Embora defendendo a autonomia, tinha um elo muito forte com o marxismo, que subordinava a condição da mulher às formas de dominação presentes no modo de produção capitalista. Por sua condição de gênero feminino, as mulheres no espaço de luta política simplesmente não existiam como figura de seus direitos individuais, mas, por conseqüência, como objeto de opressão. O círculo nasceu para que as mulheres tivessem um espaço para se expressassem como mulheres.

Ao contrário dos outros movimentos feministas, o círculo cresceu e teve

importante projeção em Paris. A proposta era a criação de espaços públicos de reflexão. Diante dessa realidade, há que se observar a diferença entre as feministas brasileiras no exílio em Paris e as feministas que tentavam se organizar no Brasil. Enquanto que as feministas exiladas procuram se reunir em espaços públicos de reflexão, as feministas do Brasil, mas especialmente no eixo Rio de Janeiro e São Paulo, se encontravam no espaço privado, ou seja, nas casas de pessoas conhecidas, em reuniões informais e íntimas.