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A fome em mapas: geografia literária e segurança alimentar e nutricional na mancha dos sertões

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE NUTRIÇÃO

A FOME EM MAPAS:

GEOGRAFIA LITERÁRIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E

NUTRICIONAL NA MANCHA DOS SERTÕES

DIEGO JOSÉ DO NASCIMENTO RABELO

NATAL/RN 2019

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DIEGO JOSÉ DO NASCIMENTO RABELO

A FOME EM MAPAS:

GEOGRAFIA LITERÁRIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E

NUTRICIONAL NA MANCHA DOS SERTÕES

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para a obtenção do título de graduação em Nutrição pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da Profa. Drª. Michelle Cristine Medeiros Jacob.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede

Rabelo, Diego José do Nascimento.

A fome em mapas: geografia literária e segurança alimentar e nutricional na mancha dos sertões / Diego José do Nascimento Rabelo. - 2019.

38f.: il.

Monografia (Graduação)-Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Graduação em Nutrição, Natal, 2019.

Orientadora: Dra. Michelle Cristine Medeiros Jacob.

1. Segurança Alimentar e Nutricional - Monografia. 2. Educação Alimentar e Nutricional - Monografia. 3. Fatores sociológicos - Monografia. I. Jacob, Michelle Cristine Medeiros. II. Título. RN/UF/BCZM CDU 612.39

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DIEGO JOSÉ DO NASCIMENTO RABELO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito final para obtenção do grau de Nutricionista.

BANCA EXAMINADORA

Profa.Drª. Michelle Cristine Medeiros Jacob Orientadora

Mestre Viviany Moura Chaves 2º membro – Co-orientador

Nutricionista Marina Mendes Damasceno 3º membro

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Dedico essa obra a todos os amores que a vida me trouxe e há de trazer. Dedico a pessoas e momentos, aos meus pais e especialmente ao meu filho Miguel, para sempre o meu aluno e professor.

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AGRADECIMENTOS

Acima de tudo, agradeço a Deus e a força que me foi dada por ele, em meio a inúmeras dificuldades e obstáculos. Seus pensamentos sempre estiveram em ressonância com os meus, permitindo-me dar continuidade aos meus sonhos e trabalhos.

Em seguida agradeço a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a qual me ofereceu todo o solo e insumos necessários para que minhas faculdades, motivadas pela minha curiosidade, pudessem ser refinadas, possibilitando um universo de acontecimentos e encontros jamais pensado.

Agradeço largamente ao Departamento de Nutrição, que me acolheu de forma muito calorosa fazendo com que eu me sentisse, de fato, em meu próprio lar. Rodeado de amigos e de professores amigos, esse lugar, tornou possível a concretização de acontecimentos, produções e instantes maravilhosos que compuseram a minha graduação no curso de nutrição.

Do leque de professores, agradeço especialmente à professora Michelle Jacob, que munida de sua paciência e proveniente de sua sabedoria, orientou-me de forma inquestionável e sempre se apresentou solícita em momentos de incógnitas. Agradeço também ao professor Washington José de Souza que me acolheu, por intermédio da professora Michelle, de forma cálida na Organização de Aprendizagens e Saberes em Iniciativas Solidárias (OASIS).

Agradeço ainda à Viviany Chaves e Marina Mendes por terem aceito ao convite de participar da banca de avaliação deste trabalho que nos acompanha há um tempo.

Agradeço também aos pilares da minha vida, meus pais e meu filho Miguel Marques Rabelo, os propulsores da minha caminhada, o alento dos meus pulmões, que juntos compõem o meu porto seguro nos momentos difíceis e nos momentos leves são as asas que permitem o meu voar.

Por fim, agradeço imensamente a todas as pessoas que fizeram parte, vindo a contribuir direta ou indiretamente na minha formação e na elaboração deste trabalho, reservo a vocês um profundo muito obrigado.

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RESUMO

A fome é uma questão que ultrapassa a falta de alimentos, sendo um problema eminentemente político. Este fato, todavia, não é adequadamente abordado em ações de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) que, frequentemente, abordam a alimentação a partir de uma perspectiva biológica, desconsiderando seu viés social. O objetivo deste trabalho foi propor uma abordagem educativa, com base nos pressupostos da geografia literária, que visa facilitar a leitura das relações que a alimentação desempenha em um dado território, a partir do uso de mapas. A pesquisa qualitativa, do tipo exploratória, teve como corpus seis obras de literatura, que foram tomadas como pontos de partida para seleção de problemas que relacionam o espaço narrativo e sua relação com objetos culinários. As seis obras se relacionam com uma porção específica do território brasileiro que denominamos de mancha culinária dos Sertões. Nelas, há a forte presença da denúncia de injustiças sociais ligadas à fome e três causas principais relacionadas: (1) o mau uso da terra, (2) a

comoditização dos alimentos e (3) o pensamento fatalista. Selecionamos mapas que podem auxiliar a

discussão destes problemas, explicitando interesses em disputa, religando fenômenos aparentemente desconexos e apontando a essência das injustiças implicadas com o tema da alimentação como política. A geografia literária pode ser, assim, uma ferramenta auxiliar de uma EAN implicada com a promoção da democracia alimentar.

Palavras-chave: Segurança Alimentar e Nutricional. Educação Alimentar e Nutricional. Fatores

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ABSTRACT

Hunger is an issue that goes beyond lack of food and is an eminently political problem. This fact, however, is not adequately addressed in Food and Nutrition Education (FNE) programs that often approach eating by a biological perspective, disregarding its social bias. The objective of this work was to propose an educational approach, based on the assumptions of literary geography, that aims to facilitate the reading of the relations that the food plays in a given territory, from the use of maps. The exploratory qualitative research had as its corpus six works of literature that were taken as starting points for the selection of problems that relate the narrative space and its relationship with culinary objects. The six works relate to a specific portion of the Brazilian territory that we call the Sertões culinary spot. In them, there is a strong presence of the denunciation of social injustices linked to hunger and three main causes related to it: (1) the misuse of land, (2) commoditization of food and (3) fatalistic thinking. We have selected maps that can aid in the discussion of these problems, explaining conflicting interests, reconnecting seemingly disconnected phenomena and pointing to the essence of the injustices involved with the issue of food as a policy. Literary geography can thus be an auxiliary tool of an FNE implicated in the promotion of food democracy.

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LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS

Figura 1 – As sete manchas culinárias...14

Figura 2 – Estrutura fundiária brasileira (2003)...23

Figura 3 – Área ocupada por cultivos de cana-de-açúcar no Brasil (2003)...25

Figura 4 – Mapa das religiões no Brasil...28

Quadro 1 – Modelo conceitual para análise com variáveis propostas...18

Quadro 2 – Propostas de como inserir a discussão dos sistemas alimentar e SAN em sala de aula de forma sistêmica...30

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APRESENTAÇÃO

A minha motivação pelas causas sociais, acredito, teve início por voltas do início dos anos 2000, mais precisamente em 2005, quando dei início ao ensino médio no antigo Centro Federal de Educação Tecnológica, hoje IFRN. Essa tendência emergiu a partir das influências políticas do grêmio estudantil. Estar em contato com movimentos sociais fez acender em mim esse olhar mais crítico aos fenômenos da sociedade.

Motivado por esses acontecimentos e confluências, decidi cursar Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, curso ao qual infelizmente não pude concluir por razões pessoais. Após um tempo decidi tentar entrar no curso de Nutrição, pois sempre tive forte interesse em estudar o processo saúde e doença e sua relação com a alimentação, sobretudo, a questão da fome.

Após dar início a minha graduação em Nutrição, por intermédio da professora Michelle Jacob, descobri que existe dentro do curso uma vertente que busca estudar a relação da alimentação com os fenômenos sociais, mais especificamente discussões que tratam a respeito da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) de povos, regiões e territórios vulneráveis socialmente. Assim, consegui encontrar um ponto em comum entre essas duas áreas que são de meu extremo interesse, a Nutrição e as Ciências Sociais.

Por intermédio da professora Michelle Jacob, a partir de um convite seu, entrei em uma iniciação científica coordenada por ela, intitulada de Elaboração de um atlas da geoculinária

brasileira: geografia literária, cultura e segurança alimentar e nutricional, projeto onde nasceu essa

monografia que hoje apresento como Trabalho de Conclusão de Curso, no formato artigo. O trabalho, após apreciação da banca, será submetido à Revista Inter-Legere, do Programa de Ciências Sociais da UFRN, cujas normas podem ser consultadas no Anexo 1.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO………...12

2. MÉTODO………...15

2.1. HISTÓRICO DA PESQUISA………...15

2.2.TIPO DA PESQUISA DA PESQUISA………..…...15

2.3.CORPUS DA PESQUISA………..………...16

2.4.DESENHO DA PESQUISA E PROPOSTA ANALÍTICA………...………...17

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO………...19

3.1. CARACTERIZAÇÃO DA GEOCULINÁRIA LITERÁRIA DA MANCHA DOS SERTÕES...19

3.2. FALHAS DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NA MANCHA DOS SERTÕES………...20

3.2.1. Mau uso da terra...20

3.2.2. Comoditização dos alimentos……….24

3.2.3. Pensamento fatalista...27

3.3. GEOCULINÁRIA LITERÁRIA DOS SERTÕES E EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL: ALGUMAS IDEIAS PARA EAN ………...30

4. CONCLUSÃO………....31

REFERÊNCIAS………....….33

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1. INTRODUÇÃO

A fome é uma questão que perpassa a mera falta de acesso a alimentos, não restringindo-se apenas a sua produção, desse modo, medidas que visem erradicá-la devem levar em consideração outros fatores, tais como o modus operandi do sistema alimentar neoliberal, (re)produtor de injustiças sociais e, sobretudo, da pobreza, limitante da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) das populações (BURITY; FRANCESCHINI; VALENTE, 2010), pois entende-se SAN como

[...] direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. (BRASIL, 2006).

Segundo o relatório das Nações Unidas, em 2014, o Brasil saiu do mapa da fome, graças a conquistas da sociedade civil organizada, sobretudo na forma de políticas de SAN, que permitiram à população brasileira condições de ter acesso à alimentação (FAO, 2014). Em 2018, ocasião da celebração dos 30 anos da Carta Magna brasileira, que garante a alimentação como direito, foi anunciado o retorno do país ao mapa da fome, como consequência de uma série de rupturas no campo dos direitos sociais vividas pelos brasileiros nos últimos anos (SOUTO, 2019). Além disso, vale destacar que, além da escassez do alimento, a má alimentação é demarcada em outro polo, ou seja, no excesso alimentar e na baixa qualidade do que é consumido, como consequência o sobrepeso e a obesidade crescem de forma vertiginosa, sendo prevalentes na população de baixa renda brasileira, é o que vem se observando cada vez mais nos Estados Unidos, onde a obesidade está ficando diretamente ligada à baixa renda (BENTLEY et al, 2018).

Era essa a fome que preocupava a Josué de Castro, a qual o mesmo a chamava de fome oculta, como pode-se observar no seguinte trecho:

nosso objetivo é analisar o fenômeno da fome coletiva – da fome que atinge endêmica e epidemicamente grandes massas humanas [...] da chamada fome oculta, na qual, pela falta de determinados princípios nutritivos indispensáveis à vida, grupos inteiros de população se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias. (CASTRO, 1961, p.76-77)

A participação social, ou seja, a ação de cidadãos com o objetivo de influenciar a política (BRADY, 1999) foi um dos motores da série de avanços nos últimos anos que trouxeram impactos positivos à SAN em âmbito nacional, pois ela questiona a hegemonia do regime alimentar

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13 neoliberal1. É também por meio dela que a sociedade civil organizada brasileira poderá romper com o atual cenário de retrocesso e retomar os trilhos do desenvolvimento social.(JACQUES, 2015)

A educação é peça fundamental para participação, pois por meio dela há a possibilidade de explicitar interesses em disputa, religar fenômenos aparentemente desconexos, apontar a essência das injustiças sociais, bem como da insegurança alimentar e nutricional (ISAN) e da fome (NOVICKI, 2009). Por isso, o marco de Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as

Políticas Públicas, destaca o potencial das ações de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) como

uma ferramenta que pode promover o engajamento social e democrático dos cidadãos em todas as fases do sistema alimentar (BRASIL., 2012; LANG, 2005). Em uma perspectiva de reforma dos sistemas alimentar e correção de injustiças, a EAN, portanto, tem um papel importante na construção da democracia alimentar, um cenário em que os cidadãos têm conhecimento e se envolvem ativamente com as questões que perpassam o sistema alimentar de onde se inserem (LANG, 1999).

Todavia, Ramos, Santos e Reis (2013) em trabalho de revisão de estudos de intervenção no campo da EAN em escolares no Brasil, apontam que seu potencial vem sendo pouco explorado, sendo muitas vezes pautada em métodos que desprivilegiam o uso de abordagens e recursos educacionais problematizadores, essenciais para a construção e fortalecimento da participação social e da compreensão do sistema alimentar em sua integralidade, como destaca o segundo princípio do

Marco.

A abordagem das Ciências Humanas e Sociais pode oferecer uma importante contribuição nesse cenário. Pensando nisso, é que foi proposto o projeto Atlas culinário da Literatura Brasileira:

alimentação e cultura, no ano de 2014, em uma universidade pública do Nordeste brasileiro

(CHAVES et al., 2017). A perspectiva de método que guiou o projeto foi a geografia literária, onde o texto literário em si pode ser compreendido como um espaço narrativo, inacabado, produto de inter-relações entre o seu contexto de produção, a voz ficcional e os sentidos do leitor (HONES, 2017). Com a geografia literária buscou-se demonstrar como o processo histórico e social de construção do sistema alimentar brasileiro relaciona-se com falhas de SAN atuais.

Mapas foram desenvolvidos e testados no âmbito de escolas públicas locais, em ações de EAN, e obtiveram avaliação positiva por parte dos estudantes e professores envolvidos, conforme relata Santos (2016). A autora destaca que o trabalho focado nas questões do território e com o apoio de obras da literatura local, motivou o discente a refletir, relacionar a sua história e propor discursos

1

O regime alimentar neoliberal é caracterizado pela transferência do poder da sociedade civil para a sociedade econômica; remoção da interferência do estado no mercado através da desregulamentação; privatização e apoio financeiro a grandes empresas; crises que incorrem em perdas de direitos sociais; integração profunda do capital agroalimentar transnacional. (JACQUES, 2015)

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14 de reinvenção, atuando, assim, como metodologia ativa no desenvolvimento de práticas de EAN promotoras da participação social e democracia alimentar.

Figura 1. As sete manchas culinárias.

Fonte: Jacob e Chaves (2019)

O propósito central desse artigo é responder às seguintes questões:

1. O que é a mancha dos sertões, ou seja, como ela se caracteriza, em relação ao seu espaço narrativo e aos seus objetos culinários?

2. Que falhas da SAN podem ser elencadas nesta mancha?

3. Como esta leitura do fenômeno da alimentação, por meio da abordagem da geografia literária, pode apoiar ações de EAN que abordem o sistema alimentar em sua integralidade?

Com esta finalidade o artigo encontra-se dividido da seguinte forma: primeiro é apresentado o método, onde também são definidos conceitos-chave para o desenvolvimento da pesquisa: espaço narrativo e objetos culinários; na sequência são apresentados os resultados, a partir da caracterização da mancha dos Sertões, apresentação das falhas de SAN na mancha dos sertões e do desenho de

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15 ideias sobre como desenvolver ações de EAN visando a reforma de sistemas alimentares e, por fim, são apontadas as considerações finais.

2. MÉTODO

2.1.HISTÓRICO DA PESQUISA

Esta pesquisa fez parte do projeto Elaboração de um atlas da geoculinária brasileira:

geografia literária, cultura e segurança alimentar e nutricional, desenvolvida entre os anos de 2014

e 2018, que envolveu análise de aspectos da SAN a partir da abordagem da geografia literária. Na pesquisa foram tomadas como corpus 27 obras de literatura, selecionadas devido ao relevo que conferem à questão da alimentação, em diferentes porções do território nacional, como pode ser analisado em Jacob e Chaves (2019).

A ideia de manchas culinárias, porções do território que constituem regiões para o estudo da alimentação, é tomada de Dória (2009; 2014), que afirma que não é possível empreender um estudo da cultura da alimentação por meio das divisões regionais político-administrativas do país. O Brasil comportaria, assim, sete manchas culinárias, a saber: Amazônica, Caipira, Central, Costa, Meridional, Recôncavo Baiano e Sertões, como pôde ser visto na Figura 1.

Diante dos resultados, as autoras destacam o papel de protagonismo político que a EAN implicada com a abordagem de Sistemas Alimentares pode conquistar no cenário atual brasileiro, onde, por um lado, observa-se um Estado que abandona as necessidades da sociedade em nome dos interesses dos atores hegemônicos globais, sob a égide de um governo que ameaça a democracia, os direitos humanos e as políticas sociais. Por outro lado, destacam que a política se encontra para além da ordem partidária estabelecida, sendo a essência da condição humana. É apenas por meio de atos políticos, da ação ativa no mundo, que se pode transformar ideias em ações em busca da SAN (CHAVES, V.; JACOB, M, 2019).

2.2. TIPO DA PESQUISA

A presente pesquisa é qualitativa do tipo exploratória pois pretende tornar explícito u m problema, construir hipóteses a serem pesquisadas ou conhecer fatos e fenômenos relacionados ao tema (CANZONIERI, 2011).

O propósito final é explorar o potencial da geografia literária como ferramenta de educação que seja promotora da participação social e, consequentemente, da democracia alimentar.

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16 2.3 CORPUS DA PESQUISA

O foco da análise deste artigo é a mancha dos Sertões, onde estão associadas a ela 06 obras literárias, sendo elas: Vidas Secas de Graciliano Ramos, A bagaceira de José Américo de Almeida, O

Auto da Compadecida de Ariano Suassuna, O quinze de Rachel de Queiroz, Não me deixes: suas histórias e sua cozinha de Rachel de Queiroz e Morte e vida Severina do João Cabral de Melo Neto.

Foram selecionadas por darem relevo à questão da alimentação nesta porção do território nacional. As mazelas políticas, sociais e históricas, relatadas nos romances com alto teor de crítica social, são a marca da mancha dos Sertões.

As obras de arte são produtos capazes de falar sobre a cultura humana. Certa vez, disse o antropólogo Claude Lévi-Strauss, que se a nossa espécie viesse a sucumbir por causa de uma hecatombe terrestre, e se restassem apenas as obras de arte, essas ofereceriam uma justa imagem do melhor que construímos como humanos (LÉVI-STRAUSS; ERIBON, 2005).

Essa, inclusive, foi a ideia que moveu inicialmente o campo denominado de geografia literária. Na história da Geografia literária enquanto campo de conhecimento, o uso de passagens literárias descritivas como dado para análise geografia regional foi sendo modificado e complicado por um crescente destaque humanístico na experiência subjetiva do lugar. Assim sendo, o enfoque, que primeiramente encontrava-se em uma perspectiva de representação do ambiente (ênfase na geografia), foi dando lugar ao papel da narrativa na produção do lugar e do espaço (ênfase na literatura) (BROSSEAU, 1994), até chegar recentemente na ideia de que o texto literário em si mesmo pode ser compreendido como um espaço, como um evento geográfico, que conta com a interação de múltiplos agentes (ênfase interdisciplinar) (SAUNDERS, 2010; MORETTI, 1998).

Neste trabalho, de ênfase interdisciplinar, compreendeu-se o espaço narrativo como como algo inacabado, produto de inter-relações entre autor, voz narrativa e leitor e não como recipiente de representações ou descrições de localizações geográficas. (HONES, 2017; HONES, 2011) Três características principais podem ser úteis na definição do espaço narrativo.

A primeira diz respeito ao (1) contexto de produção da obra, onde, aproximando-se de Moretti (2008), o evento livro é privilegiado - autor, espaço/tempo de produção, recepção da obra pelo público, etc – com o fim de facilitar uma leitura “de longe” da literatura. O objetivo aqui foi reconstruir o quadro em que ele instala o projeto de literatura apresentado pelo autor.

A segunda tenta, a partir do texto, trazer à tona o (2) espaço ficcional, que envolve a configuração espacial do que é desvelado na obra em si. Parte-se da ideia de espaço de Santos (2006, p. 63), que o compreende como “formado por um conjunto indissociável, solidário e também

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17 contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá.” As ações privilegiadas aqui confundem-se com a sinopse da obra e os objetos enfatizados são aqueles que se aproximam da materialidade ambiental do espaço.

A terceira diz respeito ao (3) sentidos do leitor. Característica que foge da concepção de um leitor passivo, que apenas interpreta o que o autor quis dizer. Partindo da ideia de Roland Barthes, o autor é um scriptor, que existe para produzir e não explicar a obra. Cabe ao leitor, segundo Barthes, a tarefa da produção do sentido do texto, que é para ele um “espaço de muitas dimensões, no qual estão casados e contestados vários tipos de escrituras, não sendo nenhum deles original: o texto é um tecido de citações que resulta de milhares de fontes de cultura”, cabe ao leitor encontrar esta unidade. (BARTHES, 1988, p. 68,9) Marcel Proust fala da obra como uma espécie de instrumento óptico oferecido ao leitor a fim de lhe ser possível discernir o que, sem ela, não teria certamente visto em si mesmo (PROUST, 2013). No nosso caso, este sentido objetivamente buscado (visto que é apenas esse que podemos tatear aqui, tendo em vista os objetivos deste trabalho), são as leituras que as obras em análise nos permitem fazer sobre alimentação. Precisamente nos pontos em que essas leituras nos levam a reflexões que giram em torno da SAN e dos princípios que a orientam, o Direito Humano à Alimentação e a Soberania Alimentar, conforme já pensado por Medeiros (2014).

2.4.DESENHO DA PESQUISA E PROPOSTA ANALÍTICA

Esta pesquisa foi realizada entre os anos de 2017 e 2018. Neste período, a equipe empreendeu uma leitura do corpus para explorá-lo em sua totalidade, promovendo uma interação do pesquisador com o material, com o fim de selecionar nele as unidades de análise, com o auxílio dos instrumentos mencionados. Procedeu-se à categorização dos dados, com o objetivo de produzir inferências sobre as questões levantadas a princípio.

Visando a caracterização da geoculinária literária foi elaborado um modelo conceitual com o objetivo de facilitar o processo de análise das obras, promovendo uma leitura orientada aos objetos. O modelo contém duas dimensões: uma define o espaço narrativo, com as três chaves de leitura tomadas a partir do modelo de Hones (2017) e a outra define objetos culinários, a partir de cinco chaves propostas (BRASIL, 2014; DÓRIA, 2009), conforme quadro a seguir. O conjunto dos objetos culinários encontrados relacionados com elementos do espaço narrativo oferecem uma leitura sobre a geoculinária literária da mancha em análise.

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Geoculinária literária

Dimensões Chaves de leitura Referências

Espaço narrativo Contexto de produção, Voz ficcional e

Sentidos do leitor HONES, 2017

Objetos culinários Ingredientes in natura, Ingredientes minimamente processados e frações, Ingredientes industrializados, Alimentos processados artesanalmente e outras preparações culinárias e Bebidas

BRASIL, 2014; DÓRIA, 2009; 2014

Fonte: dados da pesquisa

Esta caracterização deu suporte à análise das falhas da SAN. Para Rocha (2013) a ISAN fundamenta-se na ideia de falha de mercado, gerada pela presença de externalidades que influenciam o sistema, tais como relações de poder desiguais, ônus social desconsiderado no preço de mercadorias alimentares e incapacidade de mercados livres gerarem bens públicos de forma satisfatória. Assim, com o fim de elencar falhas da SAN no sistema em análise, tomou-se o conceito de SAN, disposto na Lei 11.346/2006.

Com o objetivo de exemplificar como esta leitura do fenômeno da alimentação, por meio da abordagem da geografia literária, poderia apoiar ações de EAN no ambiente escolar, que façam uma abordagem integral do sistema alimentar, foi feita uma relação entre as falhas apontadas na mancha e alguns conteúdos propostos para educação básica no Ensino Médio, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000). Entende-se por abordagem integral do sistema alimentar em relação a ações de EAN da seguinte maneira:

Compreende-se sistema alimentar como o processo que abrange o acesso à terra, à água e aos meios de produção, as formas de processa- mento, de abastecimento, de comercialização e de distribuição; a escolha e consumo dos alimentos [...] as ações de EAN precisam abranger temas e estratégias relacionadas a todas estas dimensões de maneira a contribuir para que os indivíduos e grupos façam escolhas conscientes. (BRASIL, 2012, p. 25)

Assim, para cada falha de SAN encontrada foi proposta uma articulação entre: área de conhecimento, tema, objetivos e conceitos-chaves a serem trabalhados em aulas que possam dialogar com a EAN.

Todos os dados textuais foram analisados segundo a metodologia de análise de conteúdo proposta por Bardin (2008). Esta metodologia comporta três fases: pré-análise, relacionada ao primeiro contato com o material; exploração, escolha das unidades de análise e produção dos modelos de análise, conforme explicitado pelas ideias síntese de geoculinária literária, SAN e abordagem integral do sistema alimentar em ações de EAN e, por fim, tratamento e interpretação dos dados, fase que se pretende dar significância aos dados estruturando os resultados de forma a responder às questões de partida.

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19

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1.CARACTERIZAÇÃO DA GEOCULINÁRIA LITERÁRIA DA MANCHA DOS SERTÕES

A mancha dos sertões apresenta uma literatura que ilustra todo o contexto socioeconômico/político presente na região sertaneja do Nordeste do Brasil, em um período marcado por uma intensa atividade rural, sob o domínio do coronelismo, das oligarquias patriarcais e da forte presença da igreja católica, mantendo a tradição religiosa no seio da sociedade.

Obras como A bagaceira, Morte e Vida Severina, Vidas Secas e O Quinze, focam basicamente na questão do êxodo rural, representado pelas histórias dos retirantes que fugiam da fome e da miséria em busca de uma vida melhor. Já a obra Não me deixes apresenta-se como uma espécie de livro de receitas, escrito em forma de resgate de lembranças da autora das preparações clássicas do povo sertanejo. Em O auto da compadecida, uma peça teatral em forma de auto, é relatado o drama do povo nordestino que é perseguido pela seca, fome, exploração do trabalho e pelo poder da igreja, que naturaliza as injustiças sociais ou as trata como vontade divina.

No que se refere ao espaço narrativo das obras, pode-se constatar que estas encontram-se em intervalo temporal de produção de 72 anos (1928-2000). Esta região, sobretudo nos idos dos anos 70, tem uma imagem multifacetada na história do país, que transita entre as calamidades naturais e sociais como a seca e a miséria, com a forte presença dos retirantes, que buscavam fugir da fome, porém ao mesmo tempo rico em relação ao seu desenvolvimento econômico e industrial. Há uma clara referência ao sertão e todas as suas mazelas políticas, sociais e históricas. A fome como produto de injustiças sociais é tema recorrente neste espaço narrativo. Ela vem acompanhada de temas como: seca, coronelismo, exploração do trabalho, movimentos migratórios, fanatismo religioso, crise dos engenhos e cangaço, que trazem elementos do contexto de produção das obras e do espaço ficcional trazido pelos autores.

No que tange a alimentação expressa no território das obras analisadas, verifica-se a monotonia alimentar, principalmente pelos personagens pobres, trabalhadores e mulheres. A alimentação dos retirantes, por exemplo, restringia-se a alimentos que possuíam baixa perecibilidade, dadas a dificuldade de conservação, e rica, sobretudo, em carboidratos, tais como a rapadura e a farinha que alimentaram a família retirante de Chico Bento, em O Quinze, obrigada a migrar para a capital Fortaleza em busca de sobrevivência. Devido à irrisória menção ao consumo de frutas, legumes e verduras, é razoável a hipótese da deficiência de micronutrientes, o que os torna vulneráveis a diversas complicações fisiológicas, tais como a anemia, demarcada, por exemplo, no

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20 seguinte trecho do livro Morte e Vida Severina: “sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta”. (MELO NETO, 1996, p. 74)

Portanto a geoculinária dos sertões é caracterizada pela produção e consumo de alimentos como o milho, o cacau, a cana, marcadas pela forte presença de uma monocultura desses insumos; das carnes bovinas e caprinas, que não chegam à mesa dos trabalhadores. Aos trabalhadores e aos seus herdeiros desta vida severina restam o destino do menino Josias, de “O Quinze” que em sua fome comeu uma raiz de mandioca crua e morreu envenenado.

Desse modo, a partir da leitura das obras, foram identificadas três falhas da SAN presentes nessa mancha que são: (1) o mau uso da terra, a (2) a criação de commodities alimentares e (3) o pensamento fatalista.

3.2.FALHAS DA SAN NA MANCHA DOS SERTÕES

3.2.1. Mau uso da terra

Essa falha está basicamente relacionada ao problema da concentração de terras presente no Brasil, fenômeno marcado pela apropriação desmedida de grandes extensões de terras nas mãos de poucos indivíduos, normalmente focados na monocultura. Esse fenômeno torna-se intensificado pela modernização da agricultura por volta dos anos 60, visto que pequenos produtores se vêm sem espaço de competição e sustentação mediante a presença dos grandes senhores, tendo como consequência a intensificação do êxodo rural para as zonas urbanas.Migram as famílias de Chico Bento (O Quinze), de Fabiano (Vidas Secas), Severino (Morte e Vida Severina) e de Valentim (A Bagaceira).

Em O Quinze destaca-se o sofrimento doloroso da família de Chico Bento que, forçada pela seca impiedosa e devastadora, é obrigada a migrar para a capital Fortaleza em busca de condições dignas para sobreviverem numa região castigada, de tempos em tempos, por longas e duradouras secas. Chico Bento, os filhos e a esposa Cordulina trabalhavam e viviam como moradores da velha Dona Maroca que mandou soltar o gado por conta do longo período de estiagem. Sem emprego Chico Bento decide migrar para a capital, no entanto, não consegue comprar as passagens de trem e é obrigado pelas circunstâncias, juntamente com a família, a migrar a pé de Quixadá à Fortaleza. No percurso enfrentam muitas dificuldades, como a fome e a sede causadas pelos raios escaldantes do sol. O alimento que levavam - rapadura e farinha - logo se acaba e aumenta-se o sofrimento, principalmente para as frágeis e pequenas crianças.

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Vidas Secas conta a história da retirada de uma família sertaneja, composta pelo pai –

Fabiano – que quase não fala, não sabe que é branco e não sabe ler nem escrever. Sinhá Vitória, mulata esperta que sabia fazer contas com os grãos, Menino mais velho que queria saber ler e queria o significado da palavra Inferno. Menino mais novo, queria ser um vaqueiro como o pai. Cadela Baleia, a mais humana das personagens e um papagaio que não falava, só latia porque era o único som que escutava. Esta família vaga tentando chegar em algum lugar, mas podem estar perdidos, andando em círculo.

Em Morte e Vida Severina, um poema dramático, apresenta-se um relato da dura trajetória do retirante Severino em busca de uma vida mais fácil e favorável na capital pernambucana. A história é pelo próprio Severino, que relata o que acontece em sua caminhada: a morte o rodeia por todos os lados e ele procura entender o sentido da morte, e da vida. Muitas vezes Severino pensa em desistir da própria vida, diante de todas as dificuldades que encontra pelo caminho até mesmo para sobreviver. A chegada à cidade final traz uma desilusão, onde tudo perde o sentido quando ele conversa com coveiros e observa tudo que acontece e que todos acabam morrendo praticamente da mesma forma diante da vida que levam. Então, como uma reviravolta, Severino presencia o nascimento de uma criança junto com toda uma comoção de presentes, de visitas e entende por fim que mesmo diante de toda a dificuldade enfrentada, toda a falta de emprego e melhoria de vida, a vida é um milagre.

Em A Bagaceira, o retirante Valentim Pereira, sua filha Soledade e Pirunga, seu afilhado, vão embora da fazenda onde residiam e encaminham-se para as regiões dos engenhos em busca de uma vida melhor. Foram “expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados”, sendo enxotados pela seca (ALMEIDA, 1980, p. 8). Encontram abrigo no engenho Marzagão de Dagoberto Marçal, coronel rico, viúvo e dominador no velho estilo patriarcal, e que tem um único filho, Lúcio, estudante de Direito no Recife. A história narra tanto a migração da família como a exploração dos trabalhadores do Marzagão.

Para entender as migrações internas é preciso retornar às raízes da formação econômica e política do Brasil e aos verdadeiros entraves do desenvolvimento social do país. O primeiro deles, para Gonçalves (2001, p. 179) é a concentração da terra e, logo, da riqueza e do poder. “Os estudiosos da sociedade brasileira não se cansam de sublinhar o tripé em que se assenta a economia do Brasil, desde os tempos coloniais: latifúndio, monocultura de exportação e trabalho escravo.

Segundo Castro (AZEVEDO, 2012), avanços das transformações no âmbito do capitalismo dentro da agricultura, atrelado à manutenção de políticas governamentais em favor das grandes

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22 propriedades, foram contingências fundamentais para o fortalecimento da concentração de terras no Brasil.

É de extrema importância um controle maior dos meios de produção dos alimentos. O primeiro passo desta reforma passa, sem dúvidas, pela democratização das terras, conferindo a esses pequenos grupos de produtores e produtoras e à toda sociedade civil, dignidade, autonomia e soberania (JACQUES, 2015). Diferentemente do que pode ser observado na obra do Auto da

compadecida, onde o seguinte trecho que ilustra a referência simbólica dos grandes donos de terras,

que munidos de sua riqueza e poder consideravam-se e eram considerados reis, onde os que trabalhavam direto com a terra, aqueles que de fato produziam suas riquezas, eram considerados vassalos.

Os donos de terras é que perderam hoje em dia o senso de sua autoridade. Veem-se senhores trabalhando em suas terras como qualquer foreiro. Mas comigo as coisas são como antigamente, a velha ociosidade senhorial (SUASSUNA, 2005, p.32)

O mau uso da terra segue sendo uma pauta de relevo no âmbito nacional. E, em uma breve análise contexto político atual, fica evidente a legitimação de seu poder também nas instâncias estatais. Na legislatura 2015-2018, por exemplo, a bancada ruralista brasileira possui 222 parlamentares, sendo 201 deputados e 11 senadores, correspondendo a 39% da câmara e a 13% do Senado, o que garante a aprovação de Projetos e Leis que atendam aos interesses dos agentes hegemônicos do agronegócio brasileiro (LOCATEL; LIMA, 2016).

Ironicamente, os primeiros a serem afetados por essas relações são aqueles que produzem a riqueza. Cercados pela abundância, em um mundo que desperdiça um terço do que produz, pessoas morrem de fome (FAO, 2011). Como que acompanhando os personagens da mancha dos sertões, assistimos ao desmonte de estabelecimento dos pequenos agricultores familiares, tomada de terras de povos pertencentes a comunidades tradicionais, violência dirigida a populações indígenas e povos do campo por meio da classe burguesa de ruralistas acarretando consequências nefastas para esses povos que necessitam do campo para viver. (SILVA, 2018)

Os povos que precisam da terra para viver, cuidam da terra. Os que concentram terra, pautam-se no negócio da comida, exploram as pessoas e a terra. Na obra Bagaceira, pode pautam-ser destacado um trecho que mostra de forma dura como é impactante o mal uso da terra na mancha dos sertões: por um lado, pela presença de um clima árido dificultando o processo de cultivo, por outro o abuso da terra, sem respeitar os seus ciclos, forçando-a trabalhar em um sistema de monocultura que não presa pela diversidade: “o solo maltratado pelas colheitas sucessivas, sem suprimentos nem tréguas, porque

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23 era tido em conta de incansável, como o homem, afeava-se nesse regime depauperante”. (ALMEIDA, 1980, p. 19)

Por outro lado, os pequenos produtores e produtoras agroecológicos, como gestores de recursos naturais, com suas práticas, colaboram para o bom uso de recursos hídricos e mitigação do clima, enriquecem o solo com melhoria da matéria orgânica e protegem nossa biodiversidade (FAO, 2014). Os agricultores e agricultoras, indígenas, quilombolas, populações ribeirinhas, agrofloresteiros e agroflorestereiras, são aqueles que produzem 70% do que comemos com menos de 2,3% de toda área rural do Brasil (OXFAM, 2016). São eles que nos alimentam, provendo SAN, e pautando-se na produção sustentável de alimentos, pois compreendem o solo como um recurso finito. A Figura 3 apresenta a estrutura fundiária do Brasil com base no Coeficiente de Gini, uma medida de desigualdade que pode ser utilizada para qualquer tipo de distribuição, como renda, educação, terra e outras. Para o cálculo do coeficiente consideram-se os dados do número total de imóveis e da área total dos imóveis de cada classe de área O coeficiente varia de 0 a 1 sendo 0, em tons mais claros, representativo de um cenário de completa igualdade e 1, em tons mais fortes, completa desigualdade.

Figura 3. Estrutura fundiária brasileira (2003)

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24 Em 2003 o índice de Gini para o Brasil era 0,816, o que indica grande concentração da terra. Para Girardi (2008) a evolução entre 1992 e 2003, de apenas -0,010, confirma que as políticas de reforma agrária não tocaram na concentração geral da estrutura fundiária brasileira.

A concentração de terra, acima de tudo, envolve concentrar poder. Essa é uma das características do sistema agroalimentar transnacional, denominado por Pechlaner e Otero (2010) de regime alimentar neoliberal, que transfere o poder da sociedade civil para a econômica, remove a intervenção estatal visando a promoção dos interesses de grandes corporações, desconsiderando o contrato social. Esse regime é representado não só pelos grandes proprietários de terra, mas também pelas empresas transnacionais da biotecnologia, ligadas ao mercado das sementes, pelas Big Food, ligadas ao processamento e distribuição de alimentos e pelas Big Snack (MONTEIRO; CANNON, 2012). O regime alimentar neoliberal tira do controle da sociedade os meios de produção do alimento. Essa retomada de poder e ruptura da hegemonia do poder corporativo no sistema alimentar só poderá ser levada à cabo por um processo de ação da sociedade civil, que começa pela educação (JACQUES, 2015).

3.2.2. Comoditização dos alimentos

O termo commodity é definido como um tipo de planta, produto vegetal, de interesse comercial, tais como soja, cana-de-açúcar, milho e café, geralmente produzidos para exportação (FAO, 2017). Pode-se denominar o cenário de comoditização da comida, como aquele onde o alimento é tratado como mercadoria, submetido às flutuações dos mercados financeiros privados. Os ciclos das monoculturas, como os da cana de açúcar, orientadas para produção em série de uma certa

commodity, são bons exemplos trazidos pelas obras, como no caso do romance A bagaceira.

A Bagaceira, do paraibano José Américo de Almeida, lançado em 1928, é o livro inaugural

do movimento chamado Geração de 30, ou segunda geração modernista. Muitos autores deste movimento alegavam que, com sua obra, desejava mostrar “verdadeiro” Brasil. Neste caso, Almeida parte da abordagem regionalista dos problemas típicos de sua região: abuso por parte dos Senhores de Engenho, abusos políticos, a seca e os retirantes. É digno de nota o prefácio que vale tanto ou mais do que próprio texto narrativo. Destaque para o espanto do escritor face às mazelas: “há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã.” (ALMEIDA, 1980, p. 03), ou seja, a pior pobreza é aquela que é rodeada por uma riqueza, nesse caso os canaviais.

A “monotonia da verdura” (ALMEIDA, 1980, p.10) descrita pelo autor nos leva aos extensos canaviais da obra, cultivado com máxima exploração da terra e da força de trabalho humana. No Engenho Marzagão, e em tantos outros, todos “trabalhavam descalços.

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25 Já́ não tinham plantas dos pés, porém cascos endurecidos” (ALMEIDA, 1980, p. 10). Bagaceira, termo que intitula o romance, é o nome do local utilizado para armazenar o bagaço, matéria fibrosa que permanece após o processo de moagem da cana para extração do suco. Para Niblett (2019) o bagaço é uma metáfora da desvitalização da terra e do trabalho pela indústria do açúcar e também representa sua lógica de produção de valor através da geração sistemática de resíduos, de descarte.

O Brasil é um país mundialmente importante na produção agrícola e diversidade de alimentos. Todavia, a estrutura fundiária concentrada, abordada no tópico anterior, e o desequilíbrio entre a produção de commodities direcionada para o mercado internacional e de alimentos para o consumo interno têm reflexos nocivos sobre o estado de ISAN de sua população. (FAO, 2014b; 2015) Atualmente, a área do país ocupada apenas com plantio de cana-de-açúcar no Brasil corresponde a 10.536.274 hectares. A Figura 4 ilustra essa área comparando-a com dimensões de países da União Europeia.

Figura 4. Área ocupada por cultivos de cana-de-açúcar no Brasil (2016)

Fonte: Bombardi (2017)

A estrangeirização de terras brasileiras é um dos efeitos desse fenômeno ligado às

commodities. O Matopiba, que compreende os estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, 337

municípios e uma área de 73.173.485 hectares. Nos últimos anos, essa porção do território brasileiro, habitada sobretudo pelos remanescentes de povos e comunidades tradicionais, vêm sendo palco de

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26 diversos conflitos políticos devido ao processo de territorialização do capital transnacional na região, sobretudo para a produção de commodities como algodão, cana-de-açúcar, milho e soja. Atualmente há 26 empresas transnacionais atuando diretamente na estrangeirização da terra dessas Unidades Federativas (PEREIRA, 2016). A produção de grãos nesta área representa quase 10% da produção brasileira. Além das diversas questões ambientais e econômicas ligadas ao cultivo de monoculturas, várias situações de trabalho análogo ao de escravo foram constatadas no Matopiba, que é, para alguns pesquisadores, como um arquipélago de ilhas de prosperidade num mar de pobreza e miséria rural (SANTOS, 2015). A baixa regulação estatal neste território fragiliza o acesso de garantias sociais, tais como à terra, e reforça a construção do cenário de injustiça social (BORGHI et al, 2014).

A intensificação dos cultivos é a tônica deste processo de commoditização: ela perpassa o uso intensivo da terra, aplicação de práticas estabelecidas nos pacotes tecnológicos, tais como uso de agrotóxicos e de sementes geneticamente modificadas e, também, uso intensivo da força de trabalho humana. Nas obras literárias analisadas neste trabalho, percebe-se o abuso dos trabalhadores que são tratados literalmente como máquinas, ou como prefere chamar José Américo de Almeida: “máquina destas terras” (ALMEIDA, 1980, p. 5)

Os riscos ocupacionais de ordens psíquicas e físicas que atingem os trabalhadores do setor de produção e processamento de alimentos é sendo esses um dos principais canais pelos quais os sistemas alimentares impactam na saúde humana (IPES-Food. 2017). Oliveira (2018) em um estudo que teve como objetivo analisar as relações de trabalho em condições análogas à escravidão na produção e processamento de alimentos, entre 2014 e 2016, no Brasil, a partir dos dados da Lista Suja, demonstrou que das 250 autuações, 49,6% eram relacionadas à produção de alimentos. Bochenek (2010) ressalta que a concentração de terra, baixos incentivos de crédito e fiscais para pequenos produtores, formas arcaicas de organização de trabalho e baixa fiscalização, são o cenário ideal para grandes empreendimentos agropecuários com utilização de mão de obra forçada. Os trabalhadores são moídos, despidos de toda sua força vital, tal como a cana-de-açúcar, restando deles apenas o bagaço, como deseja ilustrar A Bagaceira.

Não há dúvidas, de que o Brasil é um país mundialmente conhecido pela sua produção agrícola. Projeções do MAPA para 2020-2021, preveem que a produção de commodities para exportação deve aumentar em proporções de 55% para a soja, 56,46% para o milho, 45,8% (ABRASCO, 2015, p. 55). Esses dados demonstram que o aumento de produção não se refletirá em comida na mesa dos brasileiros ou mesmo em uma melhor condição de vida para a população. Além disso, mesmo quando se fala em aumento da disponibilidade de alimentos por meio do aumento da produção, o acesso da população a esses alimentos não é garantido. Políticas de acesso a renda, tais

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27 como o Programa Bolsa Família, e a alimentos, tais como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), são essenciais para que o alimento chegue até as pessoas, garantindo seu direito de estar livre da fome. Além disso, políticas públicas de compra institucional, tais como o PNAE e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) promovem modelos economicamente resilientes, garantindo a estabilidade da renda agrícola e relações mais justas de trabalho (GRISA; SCHNEIDER, 2014).

3.2.3. Pensamento fatalista

O fatalismo para Moura Junior e Ximenes (2016) é uma crença na predeterminação da existência, na ausência de possibilidades de mudança. Para os autores, no desenvolvimento histórico do Brasil e da América Latina, a religião cristã foi uma das ferramentas de manutenção da desigualdade social e da pobreza. A utilização do discurso fatalista por meio desta instituição coloca o ser humano em uma posição de impotência e de submissão e Deus como responsável por tudo, funcionando como ferramentas ideológicas de reprodução do status quo.

Essa leitura do mundo naturaliza as condições de pobreza e miséria como “o desejo de Deus”, invizibilizando todo processo de construção social das injustiças e, logo, desmobilizando os sujeitos de qualquer possibilidade de ruptura. Essa é a visão de Severino, de Morte e Vida Severina, o destino é implacável para os severinos:

E se somos Severinos/ iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina:/ que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta,/ de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia/ (de fraqueza e de doença/ é que a morte Severina/ ataca em qualquer idade,/ e até gente não nascida). (MELO NETO, 1996, p. 2)

Para Berdiaeff citado por Dullo (2014, p. 85):

a religião em geral, e o Cristianismo em particular, despreza a atividade humana, prega o estado passivo, a submissão ao destino, a resignação frente à injustiça social e ensina a entregar-se à vontade de Deus para tudo, justificando desta maneira a opressão do homem por seu semelhante. Parece que, de acordo com a religião cristã, só Deus é ativo e que a única preocupação do homem é rezar, resignar-se, cantar Te Deums e esperar que lhe chegue a Graça.

O projeto colonial, que tomou a religião cristã como uma das bases de sua hegemonia por meio do discurso fatalista, são causas da nossa inexperiência democrática, logrou sucesso e ainda se repercute entre nós hoje. A Figura 5 apresenta o mapa das religiões no Brasil, com destaque para a concentração de religiões cristãs.

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28

Fonte: IBGE, censo demográfico 2010

Grande parte da naturalização da miséria nas sociedades contemporâneas surge como resultado da internalização de discursos hegemônicos que visam apagar ou camuflar os direitos sociais básicos de uma sociedade (RESENDE, 2008). A fé apresenta-se como um aliado do retirante sofredor, no sentido de dar mais força em sua caminhada e em seu sofrimento. E, ao mesmo tempo, como ópio, pois o anestesia, o distrai, das causas da sua condição miserável. Fazendo com que a injustiça social seja naturalizada, deixando de ser tratada como injustiça, e passando a ser vista como um estado natural das coisas22, ou como no clássico fatalista: “as coisas são assim porque Deus quer”. Só a crítica da religião poderá tirar o homem deste estado de conformismo e inseri-lo na esfera política (MARX, 2004).

Nas obras literárias analisadas nesse trabalho foi possível identificar uma série de discursos que fortalecem o distanciamento das mazelas que são apresentadas aos personagens, aos verdadeiros fatores desencadeadores dessa miséria, como pode ser observado no seguinte trecho do livro Vidas Secas: “não possuíam nada: se retirassem, levariam a roupa, a espingarda, o baú de folha e troças miúdos. Mas iam vivendo, na graça de Deus [...]” (RAMOS, 1969, p. 22)

Discursos como esse, são comuns até hoje em dia, onde as pessoas que se encontram em cenários de vulnerabilidade social, tendem a direcionar a causa e qualquer possibilidade de mudança de sua situação para uma intervenção divina, desconsiderando toda realidade de um sistema baseado

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29 na desigualdade social e na negligência dos espaços de pobreza. Pode-se observar outros trechos da mesma obra que mostram até mesmo que esse tipo de pensamento coloca os personagens em um completo estado de passividade frente aos perigos: “se o rio chegasse ali, derrubaria apenas os torrões que formavam o enchimento das paredes de taipa. Deus protegeria a família.” (RAMOS, 1969, p.31)

Essa relação do povo sertanejo com a religião é bem demarcada na obra O auto da

Compadecida, lançada em 1955, por Ariano Suassuna. A obra, uma sátira social, foi baseada em

romances e histórias populares do Nordeste com alto teor de crítica social. No título, a designação “auto” refere-se a uma peça de teatro com apenas um ato (embora esta tenha três), de tema religioso e caráter alegórico. A peça é narrada pelo palhaço e a história se inicia quando Chicó e João Grilo tentam convencer o padre a benzer o cachorro de sua patroa, a mulher do padeiro. Como o padre se nega a benzer e o cachorro morre, o padeiro e sua esposa exigem que o padre faça o enterro do animal. João Grilo diz ao padre que o cachorro tinha um testamento e que lhe deixara dez contos de réis e três para o sacristão, caso rezassem o enterro em latim. A igreja concorda em realizar o enterro. Suassuna apresenta o retrato de uma igreja preocupada apenas com questões materiais, a serviço dos poderosos e avessa aos pobres.

A teologia da libertação é uma das correntes católicas que se desenvolveram a partir dos anos de 1950 no Brasil, visando romper com a ideia fatalista, a visão de Deus e com a ordem social injusta. “A ideia era fomentar nos oprimidos uma percepção da realidade que não fosse “ingênua” e, sim, “crítica”, por meio da educação. (DULLO, p. 55) Segundo Paulo Freire (1996), o processo de naturalização surge como uma estratégia recorrente e eficaz para perpetuação de situações opressivas e uma das principais armas na manutenção de situações de dominação e de acobertamento da realidade. Uma pedagogia cristã libertadora buscava transformar o sujeito em agente da transformação social. Todavia, é importante mencionar que esse movimento não é hegemônico na igreja católica. Leonardo Boff, um dos teólogos da libertação, foi punido em 1985 pela Igreja Católica por apresentar essas ideias no livro "Igreja: Carisma e Poder" (CAVA, 1985).

A assunção das causas que produzem sua miséria, por meio de uma educação que vise a formação política dos sujeitos, é o primeiro passo para o engajamento consciente. Por isso, diz-se que a visão fatalista apresentada por algumas religiões é um verdadeiro desafio ao processo de construção da SAN no Brasil. A história das políticas de SAN que visam a garantia do DHAA é uma história de luta no nosso país, do legado de intelectuais que denunciaram a fome e a despiram de seu caráter natural, de ativismo nas ruas e nas redes, de participação social em Conselhos e Conferências

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30 Nacionais de SAN, de lideranças que apostaram tudo em um Brasil livre de fome, de ações cotidianas de sujeitos que permanecem fiéis às possibilidades de mudanças aqui, agora.

3.3. GEOCULINÁRIA LITERÁRIA DOS SERTÕES E EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL: ALGUMAS IDEIAS PARA EAN

No ano de 2018, foi incluída na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) foi incluída a obrigatoriedade da EAN entre os temas transversais dos currículos escolares (BRASIL, 2018).

A seguir encontram-se alguns exemplos de como as discussões feitas até o momento que transversalizam alimentação e política, com suporte da geografia literária, podem ser inseridas na educação básica, estimulando uma abordagem mais ampla da EAN, conectando várias disciplinas, como pode ser observado na Quadro 3.

Quadro 2. Propostas para ações de EAN na Educação Básica.

PROPOSTAS FALHAS

ÁREA DE CONHECIME

NTO

TEMA OBJETIVOS

CONCEITOS-CHAVES

Terra Geografia Reforma Agrária

1. Analisar a reforma agrária brasileira; 2. Identificar os principais movimentos sociais relacionados à questão. Reforma Agrária; Movimentos Sociais; Concentração de terras. Commodities História História do Brasil: Economia açucareira

1. Conhecer como se deu o processo de montagem do sistema produtor de açúcar no

Brasil; 2. Discutir porque foi escolhida pelos exploradores esse tipo de cultura agrícola;

Ciclo do açúcar; Produção agrícola; Divisão de terras. Pensamento

Fatalista Filosofia Mito e filosofia

1. Entender qual o significado do mito 2. Compreender a presença do mito na atualidade Mitologia; Ciência; Filosofia;

Fonte: elaborado pelos autores

Como o intuito desse trabalho é fomentar ações de EAN considerando os Sistemas Alimentares em sua integralidade, foram feitas sugestões de disciplinas variadas, que abraçam áreas distintas, mas que possam dialogar sobre o respectivo tema de forma sistêmica, podendo dessa forma descentralizar a EAN de sua simples abordagem biologicista, mas considerando a alimentação um

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31 fenômeno social, cultural econômico, ambiental, etc. Visualiza-se, por exemplo, em temas como os das Capitanias Hereditárias do Brasil Colônia, Mito e Filosofia, Reforma Agrária e Transgênicos, que o fenômeno da alimentação pode e deve ser estudado a partir de perspectivas distintas.

O convite para essa abordagem mais abrangente do fenômeno da alimentação é fundamental para que se possa se estimular no outro o desenvolvimento de um olhar cada vez mais crítico e problematizador deste processo, pois sabe-se que a alimentação é algo que vai muito além do simples ato de comer e da disponibilidade de alimento, estando atrelada toda uma cadeia de produção (RIBEIRO; JAIME; VENTURA, 2017) que deve ser compreendida integralmente.

Nessa perspectiva sabe-se que dentro da EAN “existem poucas referências sobre o arcabouço teórico, metodológico e operacional, tanto na literatura acadêmica como nos documentos de referência que norteiam as políticas públicas no campo” (SANTOS, 2012), sendo portanto muito frágil o estabelecimento e a aplicação prática dessa ações.

A literatura, apresenta-se, portanto, como uma ferramenta central, um eixo que permite a integralidade dessa análise multidisciplinar, conectando diversas disciplinas, de modo a tornar a análise do fenômeno alimentar sistêmica. Os mapas atuam como instrumentos que facilitam o processo de relacionar fenômenos em uma perspectiva macro. Alguns mapas que possam apoiar as ações listadas no Quadro 3 podem ser encontrados no Atlas da Questão Agrária Brasileira (GIRARDI, 2008), no Atlas anexo ao livro Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil (BOMBARDI, 1972), no Atlas do Agronegócio (2018) e outros.

4. CONCLUSÃO

Considerando o contexto político atual brasileiro, de instabilidades democráticas, denunciadas pelas constantes manifestações de autoritarismo do atual governo, onde busca-se de todas as formas suplantar os direitos dos cidadãos, em especial de grupos vulneráveis, como os que são originários de comunidades tradicionais e povos rurais como um todo, os agricultores familiares, é cada vez mais necessário fortalecer a ideia e a prática da educação para cidadania. 31 Um evento específico, que ilustra a ascensão desse pensamento ultraconservador e contra revolucionário que vem se disseminando cada vez mais é a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), onde o presidente do Brasil, por meio de medida provisória, extingue o Consea e golpeia a participação social, fragilizando a construção coletiva de políticas que visem fortalecer a SAN, fortalecendo o mau uso da terra, permitindo uma abertura cada vez maior para o uso de agroquímicos na produção de alimentos, tomando os alimentos simplesmente como mercadorias. Medidas como essa, tendem cada vez mais a projetar um futuro de ISAN para a

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32 população brasileira, não apenas para os consumidores, mas também para os pequenos produtores, os agricultores e agricultoras familiares, cada vez mais desprovidos de condições técnicas de competir com os interesses privados do capital agroalimentar transnacional.

Para que haja uma mudança nessa conjuntura atual, é preciso que cada vez mais frentes de ação contrária ao modelo operante se organizem, essa participação social, encabeçada principalmente pelos que são vítimas do processo e pelos que são sensíveis a causa, é fundamental para que as ideias contrarrevolucionárias não se estabeleçam. Uma ação mobilizada por participação social foi o Banquetaço, protesto ocorrido no dia 27 do mês de fevereiro de 2019 contra a extinção do CONSEA, em todo o país. Neste evento, ocorrido em mais de 40 cidades brasileiras simultaneamente, foram preparadas milhares de refeições, em sua maior parte, com produtos da agricultura familiar e agroecológica, com o intuito de mostrar que é possível sim servir comida saudável, limpa e justa, e que é possível que todos comam, caso sejamos capazes de enxergar a comida para além da mercadoria. Suplantando a lógica atual do regime alimentar neoliberal, resgatando valores como a dignidade e cooperação. Apresenta-se portanto, a educação como uma fundamental ferramenta para pavimentar o caminho, contrário ao modus operandi atual. Esse trabalho, acima de tudo, tem a perspectiva de tentar mostrar o potencial e a real possibilidade de utilizar a educação, em especial a EAN, para retomar o diálogo, a dúvida, e estimular a formação cidadã política no ambiente escolar, desmistificando o mito da fome e da miséria, para que sejam capazes de compreender esses fenômenos, assim como todos os outros relacionados, como um complexo processo de construção histórica e social.

Fica proposto para trabalhos futuros, a tentativa de incrementar a perspectivas trabalhada nesse trabalho em outras instâncias da educação não formal, tais como junto a conselhos comunitários dos bairros, grupo em Unidades Básicas de Saúde, etc. com o intuito de não restringir esse conhecimento apenas aos indivíduos que estão dentro das salas de aulas, mas que possa atingir todas as esferas e nichos das população, pois dessa forma realmente, pode-se esperar mudanças positivas e de fato contundentes na nossa forma de ler e atuar sobre as injustiças sociais.

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